Discurso durante a 31ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comparações entre a Operação Lava Jato e a Operação Mãos Limpas, ocorrida na Itália.

Autor
Lasier Martins (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RS)
Nome completo: Lasier Costa Martins
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA:
  • Comparações entre a Operação Lava Jato e a Operação Mãos Limpas, ocorrida na Itália.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 19/03/2015 - Página 367
Assunto
Outros > CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Indexação
  • COMPARAÇÃO, INVESTIGAÇÃO POLICIAL, POLICIA FEDERAL, ASSUNTO, DESVIO, DINHEIRO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), INVESTIGAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, DEFESA, NECESSIDADE, RECONHECIMENTO, ERRO, COMBATE, CORRUPÇÃO.

            O SR. LASIER MARTINS (Bloco Apoio Governo/PDT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Ana Amélia; Srªs Senadoras; Srs. Senadores; telespectadores e ouvintes da TV Senado e da Rádio Senado, muito já se disse, mas ainda não se disse tudo.

            Hoje, o Brasil se vê às voltas com a Operação Lava Jato, que abala as estruturas da nossa República. Nossas instituições se veem questionadas, na medida em que estão sendo exibidos publicamente os laços ilícitos entre grandes empreiteiras, dinheiro público e políticos.

            Agora, Srs. Senadores, há paralelos claros entre o que acontece hoje, no Brasil, e aquilo que se deu, na década de 90, na Itália, com a Operação Mãos Limpas. É preciso expor esses paralelos para que consigamos transformar o sistema político brasileiro, ao mesmo tempo em que evitemos eventuais equívocos cometidos pelos italianos.

            Como se recorda, na Itália, o processo se iniciou com o envolvimento de 900 pessoas. Posteriormente, esse número alcançou cerca de 5 mil investigados, sendo que 152 eram Parlamentares. Além disso, um governo - o do socialista Bettino Craxi - veio abaixo, bem como se encerrou a carreira de várias lideranças políticas tradicionais, sendo as mais conhecidas as de Giulio Andreotti e Arnaldo Forlani, da Democracia Cristã. Além disso, os principais partidos políticos italianos do pós-Segunda Guerra, o Socialista e a Democracia Cristã, desapareceram em consequência das investigações policiais e judiciais da Operação Mãos Limpas.

            De maneira algo similar, Srs. Senadores, com o que se dá agora no Brasil, as Mãos Limpas ocorreram após longa inação dos poderes constituídos. O que seria questão política acabou por se transformar em tema policial.

            Essa é uma lição importante que devemos aprender. A inabilidade de mudar ou de compreender a vontade popular é elemento que colaborou para a falência do sistema político italiano durante a Operação Mãos Limpas. As investigações desnudaram a associação nefasta que havia se estabelecido na sociedade daquele país entre grupos criminosos, caso da Máfia, grupos políticos, secretos, inclusive, e políticos eleitos.

            Convenhamos, Srªs e Srs. Senadores , que há certa relação com o que aconteceu aqui, no Brasil. Em ambos os casos, presencia-se a combinação nefasta entre omissão, beneficiários indevidos de dinheiro público, cartéis de empresas e partidos políticos. Em ambos os casos, aqui, no Brasil, e lá, na Itália, é bastante sintomático que ambas as operações relacionam-se com a ideia de limpeza. Na verdade, o nome de ambas as operações envolvem a defesa do mesmo princípio: a necessidade de se depurar o sistema político, retirar a sujeira acumulada e oferecer ao país um novo começo.

            O que aconteceu na Itália foi algo aterrador. Para que possamos ter uma ideia dos desvios éticos que havia naquele país, tomo a liberdade de citar, aqui, a confissão do ex-Primeiro-Ministro italiano Bettino Craxi, investigado pela Operação Mãos Limpas, e que, para não ser preso - para não ser preso -, fugiu para a Tunísia.

            Vejamos, pois, o que ele disse a respeito do cenário italiano. Confissão do ex-Primeiro-Ministro Bettino Craxi:

Os partidos políticos têm sido o corpo e a alma das estruturas democráticas... Infelizmente, é usualmente difícil identificar, prevenir e remover áreas de infecção na vida dos partidos... Mais, abaixo da cobertura do financiamento irregular dos partidos, casos de corrupção e extorsão, floresceram e tornaram-se interligados... O que é necessário dizer é que, de todo o modo, todo mundo sabe que a maior parte dos financiamentos da política é irregular ou ilegal. Os partidos e aqueles que dependem da máquina partidária (grande, média ou pequena), de jornais, de propaganda, atividades associativas ou promocionais... têm recorrido a recursos adicionais irregulares. Se a maior parte disso deve ser considerada pura e simplesmente criminosa, então, a maior parte do sistema político é um sistema criminoso. Eu não acredito que exista alguém nesta Casa que seja responsável por uma grande organização que possa ficar em pé negar o que digo. Cedo ou tarde, os fatos farão dele um mentiroso.

            Não sou eu quem o disse. Foi o Primeiro-Ministro Bettino Craxi, numa confissão durante o processo.

            Esse era o cenário político italiano. Em que medidas, Srs. Senadores, essas palavras se adaptam ao que ocorre no Brasil?

            Essas palavras foram extraídas de um artigo publicado pelo magistrado Sérgio Moro, escrito em 2004, portanto, há 11 anos. O mesmo magistrado que hoje preside a Operação Lava Jato. Falava ele, na época, a respeito da Operação Mãos Limpas.

            Na Itália, o processo durou 11 anos. Esperamos que aqui não chegue a tanto; que, talvez, um terço desse período seja suficiente para a investigação e responsabilização penal dos envolvidos.

            Essa é uma lição que devemos aprender com os italianos. O esgarçamento do tecido político e social se agrava, no entanto, com a demora na apuração dos fatos.

            Existe ainda, Srs. Senadores, outra lição muito importante. Casos de abuso envolvendo o Poder Público constituem-se com frequência na morte dos governos.

            Lembro aqui alguns exemplos. O primeiro é o do Presidente americano Richard Nixon, pego no escândalo de Watergate, ao extrapolar de sua prerrogativa presidencial, quando vários membros de sua equipe foram flagrados espionando ilegalmente lideranças políticas adversárias.

            Da mesma maneira, neste rol, o Xá do Irã, Mohammad Reza Pahlavi, viu sua legitimidade abalada em razão da maneira como a corrupção...

(Soa a campainha.)

            O SR. LASIER MARTINS (Bloco Apoio Governo/PDT - RS) - ... acabou por ser vista como algo imbricado ao seu governo. Isso acabou por levar a perda de apoio político e à consequente derrubada da monarquia no Irã.

            Um terceiro exemplo se deu nas Filipinas na década de 80. O casal Ferdinando e Imelda Marcos acabou por se transformar em símbolo do descaso com o dinheiro público. As imagens dos milhares de pares de sapatos de Imelda tornaram-se marco do quanto o poder corrompe.

            Mais recentemente e mais próximo do Brasil, temos o caso do ex-Primeiro-Ministro de Portugal José Sócrates, que se encontra preso desde novembro de 2014, suspeito de crimes de corrupção, fraude fiscal e lavagem de dinheiro. Seus crimes seriam de pelo menos €20 milhões.

            No Brasil, também temos antecedentes conhecidos.

(Soa a campainha.)

            O SR. LASIER MARTINS (Bloco Apoio Governo/PDT - RS) - Srª Presidente, a utilização ilícita ou viciada de cargos públicos corrói a lisura da Administração Pública com o consequente prejuízo social - é o que temos. Por outro lado, a corrupção mundo afora acaba por induzir a mudança de costumes e a renovação política. Isso foi o que aconteceu na Itália.

            Srs. Senadores, não queremos aqui pregar a queda de um governo, mas fazer uma advertência. Neste momento ainda nos cabe sugerir, aconselhar, propor, insistir. É preciso ouvir o povo brasileiro que está nas ruas, é preciso ouvir o que dizem. Cabe ao Governo Federal mudar. Prioridade 1: mudar a política econômica ...

(Soa a campainha.)

            O SR. LASIER MARTINS (Bloco Apoio Governo/PDT - RS) -... admitir erros e, sobretudo, limpar a casa e se afastar dos que praticam malfeitos.

            Não pode existir dúvida de que a sociedade repudia a corrupção. Isso se mostra evidente nas pesquisas de opinião indicadoras de que, em todas as regiões do País, pelo que se lê hoje nos jornais, em todas as camadas de renda, mais de 50% dos brasileiros consideram o atual Governo ruim ou péssimo.

            Em conclusão, Srª Presidente, a Operação Mãos Limpas nos deixou muitas lições. Uma delas é que a omissão é imperdoável e a mudança deve ser levada adiante, com coragem e ousadia. Que a Operação Lava Jato seja seguidora desse caminho e transforme o Brasil. É o que sonhamos e precisamos.

            Obrigado.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Senador, V. Exª me permite um aparte?

            O SR. LASIER MARTINS (Bloco Apoio Governo/PDT - RS) - Com muito prazer, Senador Cristovam.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT - DF.) - Senador Lasier, em primeiro lugar: é muito oportuno o assunto que o senhor trouxe, comparando a Lava Jato com a Mãos Limpas, na Itália. Na Itália, pagaram o preço os que foram considerados culpados. Um homem da estatura de um ex-primeiro ministro, com a respeitabilidade que tinha, e que teve que sair do País corrido para a Tunísia, onde acho até que morreu alguns anos depois.

            O SR. LASIER MARTINS (Bloco Apoio Governo/PDT - RS) - Morreu na Tunísia.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Então, acho que foi um belo exemplo. Segundo: é muito oportuno que o senhor traga isso no dia em que a Presidente Dilma lança um pacote anticorrupção. Ainda não tive tempo de analisá-lo com cuidado, mas aparentemente, Senador Ferraço, não traz grandes novidades não. A impressão que fica é que ela traz apenas aquelas velhas ideias que existiam antes, de algumas prevenções.

(Soa a campainha.)

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Por exemplo, a Ficha Limpa, que nem teve origem no Governo. Ela, por exemplo, não traz medidas de prevenção, como a nomeação de certos cargos ser feita com base em editais - para procurar grandes cargos -, em vez de acontecer apenas por decisão partidária. Ela não traz o uso da Abin ou de outros sistemas de informação. Aliás, devo dizer que me surpreende que a Abin não soubesse do que acontecia na Petrobras, e me surpreenderia mais ainda se soubesse e não tivesse informado a Presidente, e ainda mais se soubesse, tivesse informado e a Presidente não tivesse tomado medidas. Creio que falta pensar um pouco nesse sentido. Eu não vi, por exemplo, a eliminação cuidadosa do aparelhamento das estatais - colocam pessoas vinculadas a políticos, vinculadas a eleições, que já chegam ali com uma tentação muito grande para caírem na corrupção. Eu creio que foi um pacote, pelo que vi até aqui - é cedo, ainda não me aprofundei -que merece mais estudos nossos. E eu até o convido, sendo do mesmo Partido, para juntos, de repente, trabalharmos uma proposta alternativa a esta que a Presidente lançou hoje. De qualquer maneira, parabéns pela comparação, por lembrar que é possível, sim, levar avante um projeto de mãos limpas no Brasil também.

            O SR. LASIER MARTINS (Bloco Apoio Governo/PDT - RS) - Muito obrigado pela contribuição, Senador Cristovam.

            Espero que não precisemos de tanto tempo como o que demandou a chamada Mani Pulite da Itália - dez a onze anos. Tomara que aqui consigamos fazer a depuração, quem sabe, em três ou quatro anos. Mas talvez não vá ser assim tão rápido: ouvi uma declaração do Dr. Janot dizendo que o tempo jurídico não é o mesmo que o tempo político, mostrando que as investigações demoram muito mais do que os brasileiros querem.

            E com relação ao projeto da Presidente, a Lei Anticorrupção: esse projeto poderia vir daqui a 10, 15, 20 dias. Antes deveria ter vindo um projeto de grandes mudanças na política econômica. É isso que os brasileiros estão pedindo.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Só uma coisa, Senador: acho que o tempo jurídico, de fato, não pode ser o político, mas também não pode ser o tempo geológico, como às vezes termina sendo.

            O SR. LASIER MARTINS (Bloco Apoio Governo/PDT - RS) - É o que todos nós esperamos.

            Obrigado, Srª Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/03/2015 - Página 367