Discurso durante a 30ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas às ofensas pessoais direcionadas à Presidente da República nas recentes manifestações; e outro assunto

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CIDADANIA.:
  • Críticas às ofensas pessoais direcionadas à Presidente da República nas recentes manifestações; e outro assunto
Publicação
Publicação no DSF de 18/03/2015 - Página 27
Assunto
Outros > CIDADANIA.
Indexação
  • ANALISE, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, POVO, OBJETIVO, CRITICA, GESTÃO, GOVERNO FEDERAL, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), DEFESA, IMPEACHMENT, DILMA ROUSSEFF, COMENTARIO, REPUDIO, DEPRECIAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ENFASE, DESVALORIZAÇÃO, MULHER.

            O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Apoio Governo/PT - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras Senadoras, Srs. Senadores, telespectadores da TV Senado, ouvintes que nos acompanham pela Rádio Senado, eu venho à tribuna na tarde de hoje, também para me manifestar sobre as manifestações acontecidas, no último final de semana, em diversas cidades brasileiras. Não quero aqui abordar os protestos de quem foi à rua criminosamente - porque é crime defender a intervenção militar -, ou alguns que portavam cartazes e faixas até mesmo com frases em inglês, como se clamassem por uma intervenção estrangeira no País, ou tratar dos pedidos de impeachment de uma governante que foi legitimamente eleita pela maioria dos brasileiros há menos de cinco meses. Quero considerar isso como excessos que não merecem manchar a marcha pacífica dos que estiveram reunidos, tanto na sexta quanto no domingo.

            E nós, do Governo, não podemos negar, nem tapar o sol com a peneira e deixar de ver que há uma insatisfação na sociedade com o nosso Governo. No entanto, entendemos que os que querem combater problemas e pedir melhoria de condições do País, defendendo a adoção de medidas criminosas e ilegais, não podem ser considerados democratas e, muito menos, defensores da ética. Mas eu vi o repúdio de muitos participantes a esse tipo de expediente espúrio.

            Infelizmente, a consciência de alguns foi forjada em reflexos nefastos da nossa História, construída sobre ditaduras, golpes e autoritarismos, com lapsos temporais de democracia. Em razão disso, é forçoso notar que muitos não têm qualquer apreço pelo regime democrático e procuram resolver problemas da nossa sociedade por meio da força, da supressão do diálogo, do desrespeito à lei, do golpismo, dos xingamentos e até do enforcamento de seres humanos, como sugeriram algumas intervenções realizadas no domingo.

            Creio, vivamente, que essas sejam vozes isoladas, sem qualquer eco nas demais parcelas da população brasileira, que apreciam a lei e respeitam as instituições. Aliás, levantamento do Datafolha realizado na manifestação do domingo mostra que a principal motivação dos participantes foi o protesto contra a corrupção. E isso se coaduna com as próximas ações concretas do Governo da Presidenta Dilma.

            Nos próximos dias, este Congresso Nacional receberá um conjunto de ações duras, enviado pelo Poder Executivo para dotar o Brasil de instrumentos efetivos contra a impunidade e contra a corrupção. Por outro lado, é importante notar que a pauta dos movimentos precisa ganhar mais concretude. É necessário que as lideranças sistematizem melhor o que querem do Poder Público por meio de demandas palpáveis.

            Nesse sentido, não há como negar que o Governo Federal tem uma responsabilidade imensa. No nosso sistema político, é importante que a Presidência da República exerça a sua liderança para dar celeridade aos temas e evitar uma paralisia no processo decisório. O papel de canalizador dessas demandas e de interlocutor dos movimentos sociais deve ser assumido, urgentemente, pelo Executivo, de uma maneira mais efetiva, porque é verdade que já passamos algum tempo por um enorme vácuo nessa área.

            É preciso alargar o debate, para além dos gabinetes em Brasília, sobre a reforma política, sobre os ajustes de que precisamos na área econômica, sobre saúde, sobre as leis desejadas para o combate à corrupção, sobre as novas demandas sociais, sobre educação de qualidade e qualificação profissional, sobre mobilidade urbana e sobre a nova pauta da juventude. É uma discussão que precisa ser levada, largamente, a todas as partes do Território nacional, coordenada com todos os movimentos sociais, para que possamos dar forma tangível às reivindicações e encaminhá-las de maneira a garantir, efetivamente, o seu atendimento.

            Essa comunicação, não há dúvida, precisamos melhorar. Ao mesmo tempo em que novas tecnologias permitem o melhor contato entre representantes e representados, não é razoável que o diálogo esteja prejudicado e que demandas sociais não sejam recebidas e tratadas, satisfatoriamente, pelo Poder Público, em todos os níveis.

            Eu creio que a Presidente Dilma está atenta a essa questão central, à relação do seu Governo com os brasileiros, e demonstrou que está implementando mudanças nesse sistema. Queremos a continuidade dessas mudanças. Temos experimentado uma nova dinâmica no trato da base aliada, no Congresso Nacional, com o Poder Executivo, e eu quero, desejo crer que esse contato mais direto também começará a ser intensificado com a população.

            Se houve prejuízo momentâneo na comunicação, nada impede que revertamos essa dificuldade, que passa também pela assunção de erros dos quais nenhum governo, por ser formado por seres humanos, está isento. Vamos assumi-los e, juntos, construir novos e melhores caminhos. É um momento de profunda reflexão para todos nós, que poderemos aproveitar para elevar o nível do debate político no Brasil, melhorando a qualidade da nossa representação, mas isso nada tem a ver com a defesa de intervenção militar ou de "Fora, Dilma!".

            Quem age dessa forma diminui o Brasil e mete de joelhos a nossa democracia. Se queremos discutir novas propostas para o País, não podemos dar as costas ao diálogo ou tentar impedir a participação dos que o desejam, querendo sufocar o debate no grito. Isso não é democrático. Como não é democrático substituir palavras de ordem por insultos.

            Todos temos assistido estarrecidos aos ataques abjetos que têm sido proferidos contra a Presidenta Dilma em eventos muito específicos e por redes sociais. Protestos são eventos próprios à agenda de qualquer governante, e ele tem que saber lidar com isso. Não dá para escapar porque não há como agradar a todos. Porém, o que não é aceitável é que os verbos sejam substituídos pelos adjetivos, e pelos mais baixos que existem na língua portuguesa.

            No dia 8 de março, quando Dilma fez um pronunciamento de rádio e TV ao País, foram muitos os grupos organizados que a tacharam com termos impublicáveis, que me abstenho de relatar aqui por vergonha e em respeito a esta Casa e a todas as senhoras e a todos os senhores que me escutam. Tudo isso proferido contra uma mulher, no Dia Internacional da Mulher, e, infelizmente, dito e apoiado também por mulheres.

            A imprensa brasileira - salvo alguns poucos articulistas - não parece tratar o tema com assombro. É como se injuriar alguém publicamente dessa maneira odiosa fosse normal e aceitável, como se fosse próprio do regime democrático.

            A imprensa internacional parece mais chocada que a nossa. Edição do jornal espanhol El País abordou longamente na semana passada, logo após o episódio do Dia da Mulher, a questão do machismo na nossa política, em uma matéria intitulada "Vaca até quando?". O jornal analisou, de maneira muito apropriada, as agressões desferidas contra Dilma, realçando o quanto a sociedade brasileira ainda é patriarcal, machista, e o quanto esse comportamento preconceituoso e discriminatório e essa cultura da desvalorização do feminino são exercidos na sociedade brasileira não só por homens, mas - pasmem - também por muitas mulheres.

            Depois de fazer uma excelente explanação sobre a condição de inferioridade da mulher em nossa sociedade e sobre os constrangimentos e humilhações cotidianas sofridas pelas nossas mulheres, como baixos salários e assédios nas ruas, a jornalista Mariana Rossi, que escreveu a matéria, se pergunta:

[...] E como, com tanta luta para ser travada ainda, é possível se tornar normal xingar uma presidenta de vaca? Ou como pode ser normal uma mulher chamar outra de [...] ["prostituta"], para expressar a oposição à sua política? Ou o que as vacas ou as [...] [prostitutas] têm a ver com isso? [...]

            Tem sido muito assustador observar como, de alguns meses para cá, o espírito de organização pacífica, o caráter de vigilância permanente e ordeira, a postura de cobrança atenta e respeitosa da nossa sociedade tem dado espaço a uma perigosa disseminação de ódio e intolerância.

            É extremamente constrangido que sou levado a abordar este tema da tribuna do Senado Federal, mas, se o trago aqui, é porque ele chegou a um limite insuportável, e é necessário dizer “basta”. Basta! Não é possível que isso continue. Não se trata simplesmente de insatisfação com a Presidenta. Quantos presidentes, no regime militar e, depois, na democracia, passaram por situações de extrema impopularidade e jamais foram objeto de xingamentos de palavrões, com anuência de uma parte significativa da sociedade?

            Não podemos esquecer, por exemplo, que, em 2014, esse mesmo comportamento o mundo assistiu estarrecido, na abertura da Copa do Mundo de 2014, quando a Presidenta foi violentamente agredida por uma expressão de baixo calão puxada por pessoas que se autointitulavam “gente diferenciada” ou se autointitulam ”gente de bem”.

            Essas agressões não podem mais continuar acontecendo. Elas, eu tenho certeza, envergonham a imensa maioria dos brasileiros, tenham eles votado ou não em Dilma.

(Soa a campainha.)

            O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Apoio Governo/PT - PE) - São incontáveis as manifestações de repúdio a essa abominável postura. Esses insultos, essa intolerância não podem mais ser acolhidos pela nossa sociedade.

            Não se esqueçam, senhoras e senhores agressores, de que essa mulher lutou contra uma ditadura para que vocês e todos nós tivéssemos o direito de abrir a boca; não se esqueçam, senhoras e senhores agressores, de que essa mulher foi presa para que hoje vocês e nós todos tivéssemos o direito de ir com liberdade às ruas; não se esqueçam, senhoras e senhores agressores, de que essa mulher foi torturada e passou pelas piores privações para que hoje vocês e todos nós tivéssemos a garantia de poder nos reunir.

            O Brasil e os brasileiros não merecem esse ódio que alguns querem disseminar na nossa sociedade. Esse tipo de comportamento é absolutamente incompatível com a nossa índole, a índole de um povo que sempre lutou pelos seus direitos dentro de uma cultura de paz, sem excessos, sem ataques, sem agressões. E as agressões que aconteceram à democracia no Brasil foram patrocinadas pelas elites econômicas do nosso País.

            Já dizia Gandhi que os covardes são incapazes de demonstrar amor. Isso é privilégio apenas dos corajosos. Assumamos, então, essa coragem em nossos protestos, em vez da covardia do ódio. O tamanho da ofensa não aumenta o tamanho do protesto. Ele demonstra, tão somente, o tamanho da ignorância de quem o profere.

            Cada um é o espelho da mudança que propõe. E, se queremos mudar o Brasil, é importante que comecemos o trabalho por nós mesmos. Sentemos, então, em torno de uma mesa para iniciar um grande diálogo em favor do nosso País.

            Obrigado pela tolerância, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/03/2015 - Página 27