Discurso durante a 26ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões acerca dos problemas relativos às questões de gênero no País bem como dos avanços conquistados nesta área.

Autor
José Medeiros (PPS - CIDADANIA/MT)
Nome completo: José Antônio Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Reflexões acerca dos problemas relativos às questões de gênero no País bem como dos avanços conquistados nesta área.
Publicação
Publicação no DSF de 11/03/2015 - Página 533
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, MULHER, COMENTARIO, PROBLEMA, RESISTENCIA, DISCRIMINAÇÃO SEXUAL, PAIS, REGISTRO, PROGRESSO, CONQUISTA (MG), DIREITOS, FEMINISMO, DEFESA, MELHORAMENTO, OFERTA, SEGURANÇA PUBLICA, ATENDIMENTO, SAUDE, AMPLIAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, POLITICA.

DISCURSO ENCAMINHADO À PUBLICAÇÃO NOS TERMOS DO ART. 203 DO REGIMENTO INTERNO.

            O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores: a comemoração do Dia Internacional da Mulher, anualmente festejado no 8 de Março, e que esse ano foi comemorado no último domingo traz a nós, membros do Parlamento, a oportunidade de produzir um balanço dos problemas que cercam as questões de gênero em nosso País, bem como dos avanços que nós, como sociedade, pudemos realizar.

            O Brasil é um país desigual, e essa desigualdade provavelmente é o elemento fundamental a ser considerado para compreender os maiores e mais renitentes problemas nacionais, inclusive aqueles relacionados às questões de gênero. E certamente não haverá justiça social no Brasil, em concreto, sem a superação das diferenças que, hoje, tornam grande percentual das brasileiras cidadãs de segunda classe.

            Na esfera da política, por exemplo, assim como em todo o resto, as antigas mazelas persistem, mas 2014 foi testemunha de melhoras que vale a pena sublinhar e comemorar. E alguns instrumentos de ação pública, ainda que tímidos, começam a apresentar resultados.

            A aplicação de, no mínimo, 5% dos recursos do Fundo Partidário em programas de promoção e difusão da participação política das mulheres foi, por exemplo, uma inovação trazida pela Lei 12.034, de 2009. O mesmo diploma reservou mínimo de 10% do tempo de propaganda partidária gratuita no rádio e na televisão para essa mesma finalidade.

            Em idêntica direção, a Lei 12.891, de 2013, determinou, por sua vez, que o Tribunal Superior Eleitoral promovesse propaganda institucional visando incentivar a igualdade de gênero e a participação feminina na política, nos veículos de rádio e TV, entre os dias primeiro de março e 30 de junho, a cada ano eleitoral.

            Além disso, a legislação estabelece, desde 1997, na forma da Lei 9.504, um piso mínimo de 30% de participação das mulheres no total de candidaturas para os cargos eletivos, limite esse na prática aplicado apenas aos pleitos proporcionais. E essa meta, embora modesta e insuficiente, começa a ser atingida, sendo que o desempenho de 12,7% registrado nas eleições parlamentares de 2006 passou a 19,1%, nas de 2010, e a 29,15% nas do ano passado.

            Ainda é pouco, é evidente, mas já estamos próximos de atingir o parâmetro legal vigente, cuja definição, entretanto, já apresenta evidentes sinais de defasagem, sendo óbvia a necessidade de que o Congresso efetive um mais novo e exigente critério para o futuro. Até porque o resultado mais esperado dessa medida, ou seja, o efetivo aumento da participação feminina na representação parlamentar, vem se realizando de maneira muito mais lenta.

            Vejam, Srªs e Srs. Senadores: a despeito de todo empenho legal e institucional, apenas 45 Deputadas Federais foram eleitas em 2006 e em 2010, tendo esse número aumentado muito pouco para a atual legislatura, que conta cinquenta e uma representantes na Câmara Federal. Número que não chega a perfazer 10% da composição daquela Casa.

            Em comparação, esses dados destoam, fortemente dos apresentados por países como a Suécia, que tem 45% de seu parlamento composto por mulheres. E, no terceiro mundo, dos bons exemplos oferecidos pela Costa Rica, com 39%, e pela Argentina, com 37%, Até mesmo a índia supera o Brasil, com seus 11%, a despeito da forte depreciação social que sofre, naquele país, a participação feminina na vida política.

            Na área da saúde se verificam alguns avanços, embora - tal como na área da política -sejam desproporcionais os resultados que se observa na realidade dos fatos em relação ao esforço político e social empregado na sua mudança e superação.

            A lenta aculturação aos exames preventivos do câncer de mama e do colo do útero, doenças tumorais mais frequentes na mulher, vai contribuindo para uma progressiva estabilização das taxas de incidência dessas doenças, ao longo do tempo, E não somente isso, o diagnóstico precoce permite que os tratamentos sejam menos dolorosos e invasivos, melhorando a qualidade de vida das pacientes.

            Mas, certamente, o progresso no combate ao câncer da mulher teria desempenho significativamente melhor se não fosse a precariedade que, a despeito de toda a propaganda oficial, continua a caracterizar o Sistema Único de Saúde. Isso se dá principalmente em função da falta de recursos financeiros e da baixa atenção governamental que, nos últimos anos, se agrava na prestação dos serviços públicos de saúde.

            Exemplo disso é a reconstituição reparadora da mama, procedimento que se tornou obrigatório em seguida à retirada do câncer, sempre que houver condições médicas. A medida, aprovada pelo Congresso Nacional em abril de 2013, ainda hoje conta com baixíssimos percentuais de execução, no âmbito do SUS.

            Em meados do ano passado, já decorrido um ano de sua promulgação, a nova legislação apresentava um índice de cumprimento da ordem de 2,5%, segundo estimativas do próprio Ministério da Saúde. Mais que uma medida de caráter simplesmente cosmético, a reparação da mama é universalmente considerada elemento essencial para o sucesso dos programas de redução do câncer. Ela não somente ajuda a diminuir o medo, que muitas vezes coloca obstáculos ao diagnóstico precoce, como também melhora substancialmente os resultados do tratamento, reduzindo os níveis de depressão e de desmotivação, no pós-cirúrgico.

            Num momento em que o Governo se apressa em reduzir o déficit financeiro que sua administração temerária e eleitoreira provocou nas contas públicas, é importante manter vigilância extrema para que tais medidas não prejudiquem prioridades como a reparação da mama, na sanha das tesouras de que a Administração se utiliza, nesses momentos de pânico, sem atentar para o que ela corta em seu caminho.

            No âmbito da violência contra a mulher, assistimos ao momento de consolidação da Lei Maria da Penha como um divisor de águas na relação de impunidade que o Estado brasileiro historicamente manteve para com os agressores da mulher. A cultura da impunidade, que sempre acobertou a covardia, começa a ceder, como mostram as pesquisas de opinião feitas sobre a efetividade da Lei.

            Com efeito, estudo promovido pelo Instituto Patrícia Galvão e pelo Instituto DataPopular sobre a violência contra a mulher constatou que hoje, ao contrário da tendência que antes verificávamos, 88% dos entrevistados respondem positivamente à seguinte pergunta: "Se uma pessoa vê um homem batendo em uma mulher, ela deve denunciar para a polícia?"

            Quem imaginaria, meros 10 anos atrás, contar com tal grau de concordância?, pergunto eu. Isso num contexto em que 98% dos entrevistados afirmam conhecer a Lei e os seus objetivos principais. Algo, certamente, que deve ser bastante comemorado!

            Além disso, desde que a legislação foi implementada, os serviços de proteção e atendimento jurídico cresceram significativamente, em todo o País.

            Levantamentos relativos a meados do ano passado estimam que, em relação à época da promulgação da Lei Maira da Penha, o número de centros especializados para atendimento psicológico, social e jurídico aumentou de 92 para 231. A quantidade de casas de abrigo cresceu de 62 para 78, as delegacias de mulheres e os núcleos de atendimento subiram de 328 para 500, e o total de juizados e varas especializados foi de 19 para 100.

            Contudo, apesar de crescente, essa rede ainda é pouco conhecida, e poucos são os que sabem os serviços que podem acionar por seu intermédio. Em acréscimo a isso, temos que o panorama geral da violência contra a mulher enseja preocupações crescentes.

            Veja, Sr. Presidente: entre as décadas de 1980 e 2010, foram assassinadas no País cerca de 90 mil mulheres, 44 mil somente nesta última. O número de mortes ao longo desses 30 anos subiu de 1300 casos anuais, no início do período, para quase 4300, no seu final, indicando um crescimento da ordem de 218% no número de mulheres vítimas de assassinato.

            Trata-se, por evidente, de um poderoso sinal de alerta, que não deve ser menosprezado, nem pelo Estado, nem pelos setores engajados da sociedade civil.

            Ainda no plano da violência contra as mulheres, não posso deixar de destacar a recente aprovação do feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio. Trata-se de medida altamente meritória, que pune mais gravemente os crimes praticados por razões de gênero, reduzindo um dos fatores de desigualdade e concretizando o ideal isonômico previsto na Constituição Federal.

            Entretanto, o feminicídio, embora o mais repugnante, não é o único fenômeno significativo na área da violência perpetrada contra a mulher. Segundo o "Mapa da Violência 2012: Homicídio de Mulheres no Brasil", a violência física contra a mulher é certamente a faceta predominante, constituindo mais de 44% do total de casos. Em seguida, vem a violência psicológica, com 21%, aproximadamente, e as agressões de natureza sexual, com cerca de 12% dos casos. O ambiente doméstico é o lugar que mais concentra agressões, contemplando 72% dos registros.

            Em termos relativos, temos que, de 1996 a 2010, foram contabilizados 4,4 assassinatos para cada conjunto de 100 mil mulheres, dado que coloca o Brasil em 7o lugar no ranking dos 87 países que mais cometem esse tipo de crime.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, comemorar o Dia Internacional da Mulher, a cada 8 de março, precisa ser - da perspectiva do Parlamento - um momento de reflexão. E, também, um momento em que a reflexão nos leve a esticar a corda do ordenamento jurídico em prol da dignidade da pessoa da mulher e em prol de um processo de aprimoramento da legislação. Um processo capaz de reduzir, ao menos na esfera formal, as desigualdades entre homens e mulheres.

            Mas não podemos deixar de reconhecer, em nossa competência de fiscalizar o desempenho do Poder Executivo, que a eficácia da lei, ou seja, a da sua vigência formal, é apenas o primeiro passo. Tão importante quanto ela é dar vida à letra da norma. É fazer da lei-pedaço-de-papel a lei-viva, a lei que transforma o mundo das relações entre homens e mulheres num mundo mais digno, mais sadio e mais ameno.

            É ainda, não esquecer que o trabalho feminino continua sendo muito mal remunerado., em relação ao masculino. Que a dupla jornada doméstica atinge muito mais as mulheres que os homens. E que, hoje, as mulheres chefiam sozinhas cerca de 39% das famílias brasileiras, havendo necessidade urgente de que novas políticas públicas sejam desenvolvidas e implementada na área do salário feminino.

            Por fim, no âmbito das relações familiares, me cumpre aplaudir a aprovação, na quinta-feira passada, do PLC 16/2013, que conferiu às mulheres o incondicionado direito de registrar os seus filhos. Com efeito, o regime anterior, de preferência masculina no ato de registro, não se coadunava com a ordem constitucional e com o papel de liderança familiar exercido pelas mulheres.

            Com essas observações, Srªs e Srs. Senadores, finalizo este meu pronunciamento, no qual pretendi homenagear as mulheres do Brasil, em seu Dia Internacional, ao mesmo tempo em que colaborar com a reflexão que o Parlamento brasileiro deve desenvolver, em caráter permanente, sobre a situação social e econômica da mulher.

            Espero haver contribuído, ainda que pouco, para encurtar a distância que temos, agora, do tempo em que a desigualdade, nessa sua vergonhosa dimensão de gênero, deixe de marcar tão fortemente a face da Nação Brasileira.

            Viva a mulher brasileira. Viva o Brasil de igualdade que juntos9 homens e mulheres, estamos lutando para construir!

            Obrigado a todos pela atenção.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/03/2015 - Página 533