Discurso durante a 43ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com a violência que atinge o Estado do Rio de Janeiro e vitima sobretudo a juventude.

Autor
Lindbergh Farias (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Luiz Lindbergh Farias Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA:
  • Preocupação com a violência que atinge o Estado do Rio de Janeiro e vitima sobretudo a juventude.
Publicação
Publicação no DSF de 07/04/2015 - Página 30
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA
Indexação
  • APREENSÃO, AUMENTO, VIOLENCIA, HOMICIDIO, RIO DE JANEIRO (RJ), ENFASE, VITIMA, ADOLESCENTE, DEFESA, NECESSIDADE, GOVERNO ESTADUAL, REFORMULAÇÃO, POLITICA, OCUPAÇÃO, PACIFICAÇÃO, FAVELA, REGIÃO, COMENTARIO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ASSUNTO, MELHORAMENTO, SEGURANÇA PUBLICA, PAIS, ALTERAÇÃO, METODOLOGIA, ATUAÇÃO, POLICIA MILITAR, POLICIA CIVIL, INSTALAÇÃO, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, OUVIDORIA GERAL, ORGÃO, SEGURANÇA.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, é com tristeza e pesar que subo à tribuna, mas, como representante do Rio de Janeiro nesta Casa, não posso deixar de chamar a atenção para o quadro dramático de violência que assola nosso Estado.

            Depois de subir aqui para falar da morte de Célia Maria Santos Peixoto, de 59 anos, morta após visitar o túmulo do neto no Cemitério do Caju; depois de subir aqui para falar de Cláudia da Silva Ferreira, de 38 anos, baleada no Morro da Congonha, em Madureira, e, na sequência, arrastada pelas ruas por uma viatura da Polícia Militar; depois de subir a esta mesma tribuna para falar sobre Douglas Rafael da Silva Pereira, conhecido como BG, de 26 anos, encontrado morto na Favela Pavão-Pavãozinho; depois de subir a esta tribuna para falar de Amarildo Dias de Souza, desaparecido após ter sido detido por policiais da UPP, na Rocinha, na porta da sua casa, venho aqui falar da morte de Eduardo Jesus Ferreira, de 10 anos, que morreu quando brincava na porta da sua casa, na comunidade do Areal, integrante do Complexo do Alemão, no dia 2 de abril.

            Na crueza das palavras de sua mãe, “foi questão de segundos. Ele saiu e sentou no batente da porta. Teve um estrondo, e, quando olhei, parte do crânio do meu filho estava na sala, e ele caiu lá embaixo, morto”.

            A Polícia Militar afirma que houve um tiroteio na região e que o menor teria sido baleado no meio dele. Os moradores contestam a polícia e afirmam que naquela comunidade não teria havido qualquer tiroteio na quinta-feira. A mãe assegura que o único disparo ouvido naquele dia foi o que atingiu seu filho e acusa um policial militar, integrante das forças de ocupação do complexo, a quem ela questionou logo após a execução. Em suas palavras: “Quando eu corri para falar com ele, ele apontou uma arma para mim.” Eu falei: “Pode me matar. Você já acabou com minha vida.”

            Infelizmente, o que aconteceu com o garoto Jesus não é um fato isolado. Hoje, o jornal O Globo traz matéria em que fala que, nos últimos 10 anos, 60% dos homicídios cometidos por agentes do Estado contra crianças até 14 anos ocorreram no Estado do Rio de Janeiro. De 82 assassinatos, 50 foram cometidos pela polícia do Rio de Janeiro.

            E o mais grave: Ignacio Cano, professor e coordenador do Laboratório de Análise da Violência da UERJ, disse que o mais preocupante desse estudo é que, nesses casos, há muita subnotificação. Esses números não apontam a realidade objetiva.

            Recentemente, o Governo Federal lançou, em parceria com a sociedade civil e o Unicef, o índice de homicídios na adolescência. A construção desse índice permite a estimativa de homicídios para os próximos anos. Assim, se nada for feito, até 2019, de 12 a 18 anos, teremos 42 mil mortes de adolescentes nas cidades acima de 100 mil habitantes. Um verdadeiro extermínio. Atualmente, os homicídios representam 36,5% das causas de morte de adolescentes, enquanto que, para o resto da população, esse índice diminui 4,8%.

            Os números são assustadores e dão conta de que há, de fato, no País, um genocídio da nossa juventude, com um recorte ainda mais perverso: em 2012 - aqui estamos falando de jovens de até 29 anos, um conceito mais amplo, não só adolescentes -, 56 mil pessoas foram assassinadas no Brasil. Dessas, 30 mil eram jovens. Desse total dos 30 mil jovens, 77% eram jovens negros.

            Senador Fernando Bezerra, hoje, no Brasil, a possibilidade de um jovem negro ser assassinado é três vezes superior à de um jovem branco.

            A situação brasileira é tão grave que, no ano passado, a Anistia Internacional lançou a campanha Jovem Negro Vivo, com o objetivo de mobilizar a sociedade para que essa discussão entre na agenda nacional.

            Trago aqui, Sr. Presidente, outros dados igualmente alarmantes, os números de mortes cometidas por agentes do Estado: em 2013, 2.212 pessoas foram mortas pelas polícias brasileiras; no mesmo período, a polícia norte-americana matou 409 pessoas; e as polícias do Japão e do Reino Unido, nenhuma. No Brasil, temos um índice de 26,9 mortes por 100 mil habitantes; nos Estados Unidos, é de 4,7. A Organização Mundial da Saúde considera epidêmica ou fora de controle a violência que faz mais de 10 vítimas por 100 mil habitantes. Em ranking elaborado pela Organização Mundial da Saúde e pelo Banco Mundial, o Brasil ocupa as primeiras posições em taxa de homicídios, ao lado de países como Honduras, Venezuela, Jamaica, El Salvador e África do Sul.

            Eu digo isso, Sr. Presidente, Srs. Senadores, porque acho que este tema tem que ser discutido por este Senado Federal. Há que se discutir a questão federativa, o papel da União, o papel dos Municípios, e há que se discutir também o tema da reforma das polícias.

            Eu sou autor aqui da PEC nº 51, que fala de temas que são controversos, polêmicos. Fala da desmilitarização da polícia e fala do ciclo completo, porque só no Brasil há a situação de termos uma polícia militar, que faz o trabalho de policiamento ostensivo e preventivo na ponta, e outra polícia, a Polícia Civil, que faz o trabalho investigativo. Essa situação só existe aqui no Brasil, Senador Fernando Bezerra. O ciclo completo mostra que, quando você começa o trabalho de prevenção, de policiamento ostensivo, é mais fácil essa mesma polícia fazer o trabalho de investigação - a carreira única. Eu quero entrar nisso daqui a pouco.

            Antes, quero voltar para o meu Estado, que teve um momento de grande esperança coletiva - de todo o povo fluminense e carioca - na construção das UPPs. E eu fico preocupado, porque ninguém gosta quando há retrocessos, e a sensação no Rio de Janeiro hoje é de que nós estamos mergulhando num profundo retrocesso. Não aproveitamos aquela energia, aquela energia que juntava e unia o povo do Rio de Janeiro, que pensava “Desta vez vai dar certo”, para fazer uma reforma mais profunda na polícia do Rio de Janeiro. E hoje, infelizmente, a gente enfrenta um problema muito difícil nas comunidades já ocupadas, não só no Complexo do Alemão e nas grandes comunidades ocupadas, como Rocinha e como várias outras.

            Primeiro, começou a surgir... Eu queria falar um pouco dessa cronologia. Naquele primeiro momento existia uma grande euforia por parte do povo do Rio de Janeiro. Num segundo momento, claro, começaram a haver questionamentos quanto aos critérios de instalação das UPPs, porque, de fato, as UPPs foram construídas primeiro nas regiões mais nobres do Rio de Janeiro, nas áreas de importância turística e no cinturão dos grandes eventos do Rio de Janeiro. Então começou a haver uma reclamação, por parte da população que morava na Baixada Fluminense, em Niterói, em São Gonçalo, no interior do Estado, na zona oeste do Rio de Janeiro, relativa à migração da violência para essas regiões.

            Isso era algo que, de fato, estava acontecendo. Primeiro, houve a ocupação de todas as comunidades da Zona Sul e houve, de fato, uma migração, porque os índices explodiram nessas regiões, mas sempre existia o desejo das pessoas de contornar aquilo porque entendiam que a UPP estava além dos governos - existe uma defesa das pessoas do Rio de Janeiro quanto a esse modelo.

            Desde aquele momento, Senadora Gleisi, nos debates que tínhamos no Rio de Janeiro - eu tive oportunidade de ser candidato a governador, de fazer esse debate na campanha para governador -, nós dizíamos o seguinte: se ficarmos só com a ocupação policial, nós podemos ter a degradação e a degeneração desse processo. É preciso ir muito além da ocupação policial. Tem que haver a ocupação com políticas públicas e tem que ser feita a reforma da polícia.

            No começo, a ideia das UPPs, Senador Fernando Bezerra, segundo a lógica de muitos, com a qual nós concordávamos, era de construir ali o quê? Policiamento de proximidade, policiamento comunitário, trazer aquelas áreas para o Estado, porque não era correto o que acontecia. Ou seja, a polícia estava presente em várias regiões do Estado, e algumas regiões nas principais favelas do Rio de Janeiro eram como se fossem territórios inimigos. A polícia entrava, subia, distribuía tiros, matava inocentes também nesse processo todo, e saía.

            Então, a lógica inicial desse processo era esta: policiamento de proximidade, policiamento comunitário. Infelizmente, o que estamos vendo hoje é que as UPPs estão parecendo forças de ocupação para conter pobres em determinadas áreas do Rio de Janeiro, porque duas coisas não foram feitas e quero destacá-las.

            A primeira é mostrar que só a ocupação policial não se sustenta. Tinha que ter a ocupação com um conjunto de políticas públicas, tais como educação em horário integral, ações de saúde, ações ligadas à assistência social, políticas para a juventude. O Estado tinha que disputar a juventude que estava ali. E sabemos que isso é possível de ser feito. Os jovens começam a dar sinais.

            Lembro-me que fui Prefeito em Nova Iguaçu e lá tínhamos um trabalho de busca ativa para quando o jovem deixava a sala de aula. Uma equipe multidisciplinar ia conversar com as famílias e tentar ganhá-las. O governo do Estado, infelizmente, não conseguiu fazer isso.

            O Secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, sempre pediu a ocupação de políticas públicas. Só que, sinceramente, faltou ao governo do Estado do Rio de Janeiro empenho, determinação e liderança para transformar esses territórios em territórios de oportunidades, com cultura, com esporte, com educação. Isso não é simples. Pode parecer que é simples, mas quem já foi gestor sabe da dificuldade de organizar políticas transversais em um determinado território, envolvendo diversas secretarias.

            Portanto, se o próprio Executivo não criar aquele sentimento, organizando, chamando as secretarias e colocando-as para fazer um trabalho integrado, aquilo não vai acontecer. E tem que ser um espaço de oportunidades para a juventude, mas um espaço democrático, um espaço de diálogo, com conselhos de participação popular, com uma governança.

            O que aconteceu, no entanto, é que se concentrou tudo nos policiais. Os policiais nas UPPs passaram a responder sobre tudo. A autorização para um baile de casamento passava pelos policiais; tudo passava pelos policiais, o que é errado. O papel do policial não é esse. Tinha que haver ali outros agentes, agentes públicos a meu ver, coordenados pela área de educação, com cultura, com esporte, com formação profissional. Isso faltou, e tivemos um processo - vou falar desse caminho de degeneração da atuação da polícia nas UPPs - em que a polícia concentrava todas as responsabilidades públicas, impondo, na prática, uma governança policial que sufoca as liberdades públicas da comunidade. Acabou-se constituindo, de fato, um regime de exceção.

            Senadora Gleisi, quando se vai conversar nas UPPs com qualquer jovem de 18, 19 ou 20 anos, ouve-se dele o relato de um conjunto de agressões e de brutalidades no trato com os jovens que moram ali na comunidade. Vira um regime de exceção! Existem coisas que ninguém contesta, mas começou a existir no Rio de Janeiro uma coisa que é mandato coletivo de busca e apreensão. Ia-se para a ocupação na favela da Maré: mandato coletivo de busca e apreensão para toda a favela! E é “pé na porta”, a política que está vigorando é “pé na porta”. Eu fico imaginando o que aconteceria se fosse em Ipanema esse mandato de busca e apreensão coletivo... Ninguém ia aceitar! Isso é regime de exceção!

            Então, começou a haver o descasamento daquela lógica do que poderia ser um policiamento de proximidade com um policiamento completamente distante, com práticas da velha política de enfrentamento dessa polícia. Então, este é o primeiro ponto que eu queria destacar: considero um grande equívoco não ter havido a competência, o esforço, a liderança para que não fosse só uma ocupação policial, mas fosse uma ocupação do Estado, de um conjunto de políticas públicas.

            E sobre essa brutalidade, eu queria destacar o seguinte. O que me chamou muito a atenção e me revoltou foi ver pela televisão não só a morte do garoto, mas, no outro dia, quando as pessoas do Complexo do Alemão decidiram fazer uma manifestação, a forma truculenta como essa manifestação foi dispersa, com bombas, com tiros ao alto, pela polícia. Então, esse é o primeiro dado.

            O segundo ponto, que é polêmico - mas temos que entrar neste debate -, é o da reforma da polícia. E quando eu falo em reforma da polícia, lembro que existe um debate amplo aqui, no Congresso Nacional. E sobre isso eu queria destacar três pontos de forma sucinta: a desmilitarização, o ciclo completo, a carreira única. Porque hoje é isto - inclusive, a função de policiar nas ruas é exclusiva de uma estrutura militarizada -: força de reserva do Exército, a PM formada, treinada e organizada para combater o inimigo e não proteger o cidadão.

            E aqui eu queira falar da questão do ciclo completo, que é algo fundamental a ser feito. O que propomos nessa PEC nº 51 é, primeiro, defender a lógica do ciclo completo. Então, se transformássemos uma polícia militar numa polícia civil de ciclo completo... Isso não significaria dizer, Senador Fernando Bezerra, que nós teríamos que unificar as polícias civil e militar. Nós estamos passando para o Estado a decisão de organizar o seu próprio sistema.

            Eu no Rio de Janeiro, se fosse governador, em debate com a Assembleia Legislativa, transformaria, a partir de uma aprovação no Congresso Nacional, a polícia militar em uma polícia civil de ciclo completo, na qual ela tivesse os trabalhos de policiamento ostensivo, preventivo, mas também de investigação. E eu não unificaria a polícia civil, eu tentaria transformar a polícia civil em uma polícia também de ciclo completo, mas ligada ao combate ao crime organizado.

            Outro ponto dessa PEC nº 51 que é muito importante é o da carreira única. Hoje nossas estruturas estão completamente divididas. Quando você olha para a polícia federal, vê que há agentes da polícia federal e delegados da polícia federal brigando entre si. Quando você olha para a polícia civil, vê que há agentes da polícia civil e delegados da polícia civil brigando entre si. A polícia militar briga com a polícia civil. É esse o quadro que nós temos.

            Quando - voltando ao ciclo completo - um policial... Porque o policial só pode fazer uma coisa: prisão em flagrante. Ele não pode fazer mais nada. Inclusive, este foi um erro das UPPs, você tinha polícia militar e não tinha polícia civil. Havia um policial militar ali que só podia fazer aquela prisão em flagrante. Sabe o que acontece hoje, Senador Fernando? É de um desperdício incrível... Se há a prisão de alguém cometendo um delito, aquele policial militar pega aquele que está cometendo o delito e vai para a delegacia de polícia, às vezes em outro Município - no interior não é em todo Município que há delegacia de polícia -, viaja quilômetros e fica lá o dia inteiro, até ter sido resolvido aquele caso dentro da delegacia de polícia.

            Agora, o tema da carreira única é muito importante, porque dá uma perspectiva de progressão na carreira. É importante, por exemplo, um soldado da polícia militar saber que um dia pode ser oficial, com concurso de provas internas, com o estudo dele. Isso dá unicidade às carreiras. Isso é importante tanto na polícia federal quanto na polícia civil e na polícia militar.

            E quando falamos em desmilitarização, nós estamos falando também em um conceito de polícia, uma polícia que olhe primeiro para o cidadão, que proteja a vida em primeiro lugar.

            Eu sei que em seu Estado o Senador Eduardo Campos, de quem eu tinha o prazer de ser amigo... Quando conversava com ele e debatia sobre UPP, ele dizia: “Você tem que conhecer o Pacto pela Vida lá de Pernambuco”. É uma das grandes experiências sobre redução de números de homicídios em nosso País.

            E esse era o último ponto de que eu queria falar aqui, que é um tema mais do que polêmico, mais do que polêmico, mas eu acho que chegou a hora de a gente ter coragem de perceber que essa política de guerra às drogas, no mundo inteiro, fracassou, no mundo inteiro fracassou.

            Você arma um sistema no qual você gasta bilhões e bilhões, uma verdadeira guerra civil - a PM carioca é a única polícia do mundo que usa arma de guerra -, mas quem é vitimado por essa guerra, que coloca as drogas como centro da política de segurança pública?

            É a própria polícia. É a juventude que hoje é morta pela milícia, pelo tráfico e pela polícia.

            Quero aqui registrar que, quando falo disso, é importante citar também o número absurdo de mortes de policiais no País. Não estou aqui querendo... São trabalhadores policiais, que são vítimas desse sistema.

            Eu trouxe dados aqui. Por exemplo, recente anuário de segurança pública mostra que seis pessoas foram mortas por dia pelas polícias brasileiras em 2013. Se somarmos os últimos cinco anos, as polícias brasileiras mataram o equivalente ao que as polícias dos Estados Unidos mataram em 30 anos. Mas mostro aqui que 409 policiais foram mortos no ano de 2013. É a polícia que mais mata e que mais morre, é uma estrutura que está superada. E os trabalhadores policiais, nesse caso das UPPs, estão sob verdadeiro fogo cruzado.

            Eu trouxe aqui, Senador Fernando, para mostrar como a situação é complexa: nos últimos dois anos, cerca de mil policiais militares procuraram o Ministério Público do Rio de Janeiro para denunciar as condições de trabalho, e o Ministério Público foi lá - matéria que está no jornal O Globo de hoje, também - e constatou a situação precária: janelas cobertas com plásticos pretos, beliches quebrados, banheiros sem descarga, falta de bebedouros.

            Então, essa é uma situação trágica, que vitimiza a nossa juventude, mas que vitimiza também os policiais brasileiros. Por isso, eu queria muito...

            A Senadora Lídice da Mata apresentou e conseguiu assinaturas para uma CPI sobre o homicídio da juventude negra no Brasil. Eu já pedi ao meu Partido para fazer parte dessa Comissão Parlamentar de Inquérito.

            Agora, acho que o Congresso Nacional tem de puxar esse debate para cima. Esse é um problema que está acontecendo em todos os Estados brasileiros. O Rio de Janeiro tem uma situação peculiar.

            E encerro o meu discurso, Senadora Gleisi, falando que a PEC nº 51, além destes temas, desmilitarização, exigência de ciclo completo, carreira única, distribuição de atribuições entre União e Municípios, também traz um ponto que para mim é extremamente importante: a instituição de mecanismo de transparência e controle externo dos órgãos policiais. Em cada órgão policial deverá ser instituída uma ouvidoria externa, com autonomia funcional e administrativa, dirigida por um ouvidor-geral, um nome de grande peso na sociedade, com independência e mandato fixo.

            Não sou a favor de independência e mandato fixo no Banco Central, sou a favor para o ouvidor-geral da Polícia Militar. Um nome de peso na sociedade. E essa ouvidoria terá o papel de regulamentar e disciplinar determinados atos.

            Isso é fundamental para reoxigenar as nossas polícias. Sei que não é fácil a resolução desses problemas.

            O Governador do Estado do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, fez um pronunciamento ontem, depois desse episódio no Complexo do Alemão, dizendo que tudo bem, o Estado vai reocupar. Acho que ele não entendeu a gravidade da situação. É preciso mais do que a ocupação da polícia. É preciso construir outra forma de abordagem naquela comunidade, construir um conjunto de políticas públicas e retomar o conceito de polícia de proximidade e de policiamento comunitário - não essa polícia criada numa cultura de enfrentamento, do combate ao inimigo, da guerra permanente, como se nosso povo trabalhador e pobre das favelas precisasse agora de uma ocupação para ser contido.

            E é por isso que eu digo: é o processo de degeneração dessa UPP, que começou com uma boa ideia e acho que hoje está se transformando, cada vez mais, quase em uma ocupação de forças estrangeiras, uma espécie de guerra aos pobres que tem prejudicado o povo do Rio de janeiro, em especial a juventude negra.

            Muito obrigado, Srª Presidente.

            A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Apoio Governo/PT - PR) - Saúdo o Senador Lindbergh.

            Vosso pronunciamento...

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Senadora, V. Exª me permite...

            A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Apoio Governo/PT - PR) - Claro.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Eu havia programado e na hora acabei me esquecendo.

            Eu queria encerrar lendo um texto muito importante sobre maioridade penal, é bem curto e eu acho que resume tudo o que eu queria dizer aqui.

Se quisessem, poderiam estar nas ruas protestando contra o permanente massacre de adolescentes brasileiros. De acordo com dados do Unicef destacados por Eliane Brum no site do jornal El País, o Brasil é o segundo país em número de homicídios de adolescentes, atrás apenas da Nigéria: de 2006 a 2012, foram assassinadas mais de 33 mil pessoas que tinham entre 12 e 18 anos.

Tentemos imaginar a cena: 33 mil garotos sendo mortos. Em apenas seis anos. E ninguém acha isso estranho. Mas querem mudar as leis. Alegam que assim vão reduzir a criminalidade no país.

Pois vejamos mais dois dados do Unicef: dos 21 milhões de adolescentes do país, menos de 0,1% já matou alguém; e dos cerca de 50 mil homicídios que são cometidos anualmente no Brasil [...], 1% tem autores com menos de 18 anos, ou seja, cerca de 500 [casos].

Querem transformar exceção em regra. Acham que, encarcerando mais, maior segurança terão. Porém, o Brasil já tem a quarta população carcerária do mundo [e não para de crescer], com mais de 500 mil pessoas. E 70% dos que saem da prisão reincidem no crime, até para pagar a proteção que receberam de organizações como o PCC e o Comando Vermelho -- que surgiram nas penitenciárias, não nas ruas.

A taxa de reincidência dos “menores infratores” é em torno de 20%. E as instituições em que vivem já são, na prática, presídios. Mas os marmanjos querem lhes dar penas de adultos. Conseguirão aumentar a reincidência. E o ódio.

            Muito obrigado, Srª Presidente.

            A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Apoio Governo/PT - PR) - Senador Lindbergh, eu tive a oportunidade de ler hoje também essa matéria do jornal O Globo. Fiquei extremamente chocada. Ou seja, nos últimos dez anos, de 80 mortes que nós tivemos no Brasil - um pouco mais de 80 - de crianças até 14 anos, 50 foram no Rio de Janeiro. É muito alto.

            E fico muito triste também porque, na realidade, essa política da UPP, da polícia pacificadora, ela se tornou uma referência para o Brasil inteiro. Meu Estado foi lá ver como funciona; outros Estados eu sei que foram. Parecia a possibilidade de uma saída para a segurança pública, com policiamento próximo à comunidade. Fico triste de saber por V. Exª os resultado que nós estamos tendo lá.

            Temos acompanhado pela imprensa, pelos jornais, mas não tínhamos ideia, de fato, das questões que V. Exª coloca aqui. Tomara que consigamos reverter isso.

            Sei também do drama dos policiais. Não é fácil ser polícia no Brasil, ficar sob efeito da violência, da pressão, com a sociedade cobrando. Sei de muitos crimes contra policiais, mas também sei, como disse V. Exª, da gênese violenta que nós temos.

            Lembro-me que, na discussão que realizamos aqui sobre o Estatuto da Guarda Municipal, que era sobre a participação das Guardas Municipais na segurança, sem retirar qualquer prerrogativa da Polícia Militar, houve uma grande resistência. Eu dizia, à época, que temos crimes de todos os tipos. Aliás, temos mais crimes do que polícia, temos mais crimes do que uma base de segurança para a sociedade. Nós precisamos que todos se empenhem.

            Então, eu queria parabenizar V. Exª pelo pronunciamento. É um pronunciamento corajoso. O tema é polêmico realmente, mas somos o Congresso Nacional e temos que fazer essa discussão, sob pena de a sociedade continuar pagando muito caro pelo nível de violência que a envolve.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Senadora Gleisi, eu agradeço o comentário de V. Exª. Tenho visto seus discursos sobre a questão do Paraná.

            Na verdade, eu muito me preocupo com a realidade do Rio não apenas em relação a segurança pública. Há uma espécie de derretimento dos programas sociais, crises nas universidades, crise na UERJ, em escolas que não estão funcionando. Hoje matérias de jornais citam até tornozeleiras de presos que não estão sendo pagas.

            Eu tenho dito: a minha preocupação é a de o Rio de Janeiro ser o próximo Paraná. A crise é muito mais ampla, não só na área de segurança pública.

            Então, eu falo aqui no Senado: aqui não há nenhuma torcida contra; muito pelo contrário, preocupação com o Rio de Janeiro. Mas eu acho que o Rio de Janeiro caminha em direção a uma crise parecida com a do Estado do Paraná.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/04/2015 - Página 30