Discurso durante a 42ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Defesa do fim do instituto da reeleição no âmbito do Poder Executivo; e outro assunto.

Autor
José Medeiros (PPS - CIDADANIA/MT)
Nome completo: José Antônio Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO. ELEIÇÕES, PARTIDO POLITICO.:
  • Defesa do fim do instituto da reeleição no âmbito do Poder Executivo; e outro assunto.
Aparteantes
Luiz Henrique.
Publicação
Publicação no DSF de 02/04/2015 - Página 168
Assunto
Outros > JUDICIARIO. ELEIÇÕES, PARTIDO POLITICO.
Indexação
  • DEFESA, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, CASSIO CUNHA LIMA, SENADOR, ASSUNTO, ALTERAÇÃO, COMPOSIÇÃO, TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE), TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL (TRE).
  • DEFESA, EXTINÇÃO, REELEIÇÃO, MANDATO ELETIVO, EXECUTIVO.

            O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, amigos que nos acompanham, aqui na Casa, pela TV Senado e que nos ouvem pela Rádio Senado, antes de começar minha fala, quero destacar o projeto do Senador Cássio Cunha Lima, que foi de uma felicidade muito grande. Realmente, confunde um pouco a população e todos nós a composição de alguns tribunais, e é muito importante esse projeto para que possamos debater.

            As pessoas não entendem como alguém pode estar num escritório de advocacia em um dia e, no outro dia, já estar como juiz e tendo influência direta sobre aqueles processos que outrora defendia. Cria-se, realmente, um conflito de interesses. Não há como dissociar isso, porque não existe uma quarentena nesses casos, nem quando da saída, de forma que acaba contaminando o ambiente.

            Sr. Presidente, não assombram ninguém mais os perigos estruturais que rondam o instituto da reeleição presidencial no Brasil. Por mais legítimo que possa soar a recondução de um governante a um segundo mandato consecutivo, a experiência política brasileira tem atestado a tendência viciosa para certos desmandos e arbitrariedades incompatíveis com o regime democrático constituído.

            Agora, há pouco, aqui, nesta tribuna, o Senador Cássio Cunha Lima retratou o que o TSE agora comprova, que foi o uso dos Correios em prol de uma candidatura, fato que não aconteceria, com certeza, se não estivesse por trás, como pano de fundo, a reeleição.

            Há aproximadamente 20 anos, os eleitores brasileiros se debruçam sobre as inconveniências desastrosas que cercam as administrações municipais, estaduais e a federal, quando reconduzidas a segundo mandato consecutivo.

            Nas três esferas, a renovação do mandato é constantemente marcada por um sentimento de acomodação inaceitável à boa gerência dos serviços públicos. Os decantados ganhos de eficiência que a continuidade administrativa, em tese, proporcionaria não têm dado as caras no plano empírico. Em geral, a recondução automática ao cargo tem adquirido o significado incorreto e imoral de "premiação" ao mandatário reeleito, o que invariavelmente descamba para a paralisia administrativa e a permissividade moral.

            Nesse contexto, a reeleição tem acarretado graves problemas para o País, para os Estados e para os Municípios, sobretudo porque vem sendo utilizada como espécie de institucionalizado fator de ruptura da normalidade e legitimidade das eleições. Não restam mais dúvidas de que a máquina pública favorece quem já está ocupando o cargo a ser disputado. Não há como distintamente separar o candidato do gestor numa campanha eleitoral. E aqui estou diante de vários ex-prefeitos, de vários ex-governadores, que, com certeza, podem confirmar isso.

            O Sr. Luiz Henrique (Bloco Maioria/PMDB - SC) - V. Exª permite um aparte?

            O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Concedo, com muita honra, um aparte a V. Exª.

            O Sr. Luiz Henrique (Bloco Maioria/PMDB - SC) - Nobre Senador José Medeiros, como é bom vê-lo iniciando o seu mandato e mostrando uma postura de homem público. Como é bom ver esta Casa se renovar com um padrão ético como o que V. Exª traz para o Senado Federal. Quero lhe dizer que me pus contra a reeleição desde que ela começou a ser urdida nesta Casa. Fiz pronunciamentos, escrevi artigos mostrando que a reeleição não fazia parte da cultura política brasileira e que levaria a desvios e a distorções desde que foi implantada. Quando eu exerci a função de Prefeito de Joinville, fui chamado pelo meu partido para concorrer à reeleição. O que fiz? Afastei-me do Governo para concorrer, em igualdade de condições, com os meus adversários, sem o poder, sem o chamado poder da caneta, que tem o exercente do Poder Executivo. Não renunciei naquela época - pedi licença -, porque meu vice-prefeito exercia o mandato de Senador, como suplente do Senador Casildo Maldaner. Mas pedi licença à Câmara, e quem governou durante o período eleitoral foi o Presidente do Poder Legislativo. Posteriormente, Governador do Estado, fui homologado pelo Partido candidato à reeleição. Aí sim, renunciei e passei o cargo ao Vice. É o que deveria estar na origem do projeto que instituiu a reeleição: a desincompatibilização. Tudo bem, vamos ter reeleição, mas quem quiser ser reeleito que se desincompatibilize, que se afaste do cargo. Se é grave para prefeito, imaginem para governador e Presidente da República, que podem conceder favores tributários por decreto, por medida provisória, que têm o poder de polícia. Então, V. Exª aborda um assunto da maior importância na reforma política que eu espero ocorra ainda neste semestre. Ou estabelecemos mandatos de seis anos sem reeleição, ou, se não o fizermos, temos obrigação de instituir a desincompatibilização do cargo do exercente de função eletiva no Executivo do nosso País. Parabéns a V. Exª.

             O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Senador Luiz Henrique, agradeço as palavras carinhosas.

            Em outro pronunciamento aqui na Casa - V. Exª não estava presente -, citei esse fato, talvez único no País, em que, por uma liberalidade sua, entendendo a forma perniciosa como está em nosso ordenamento jurídico, V. Exª foi para um pleito colocando-se em situação de igualdade com os outros candidatos. Isso é louvável e serve de exemplo para todos nós, que estamos iniciando e para todos os outros, que estão na atividade política.

            Em eleição, há alguns anos, no Estado de Mato Grosso, Senador Luiz Henrique, nós enfrentávamos o candidato que estava no cargo e, a cada prefeito a que você chegava, no Município, ele falava: “Olha, eu gostaria muito de apoiar vocês. Vou, inclusive, pedir alguns votos, mas eu não tenho como não apoiar o governador. Ele está me mandando um conjunto de máquinas e eu preciso muito dessa patrulha mecânica. Eu não tenho como. Além disso, meu Município não tem como abastecer esses veículos, e ele me prometeu 30 mil litros de óleo diesel.” Qual o argumento que você tinha para vencer uma tese dessas, não é?

            Então, louvo V. Exª por esse comportamento e o tomarei, com certeza, como exemplo para a minha vida.

            Sr. Presidente, devemos examinar os componentes perniciosos desse modelo político-eleitoral mais detalhadamente. De saída, é forçoso reconhecer que, querendo ou não, todo governante eleito, no Brasil, passa a raciocinar como se tivesse direito a oito anos de mandato. Desse modo, ele ou ela perde a pressa e a urgência para realizar tudo o que havia prometido no prazo de seu primeiro mandato.

            Aqui, me lembro de Machado de Assis, que dizia que os prazos longos são fáceis de prescrever, pois o tempo faz com que se tornem eternos, pois, por serem longos, dão a sensação de serem eternos e, quando se dá fé, já acabaram. Quando se pensa, o mandato de oito anos terminou.

            Em segundo lugar, o governante gasta boa parte do seu tempo fazendo política e gastando com propaganda apenas para garantir a sua reeleição. Ainda que inconscientemente, seus atos se subordinam ao objetivo eleitoral, com o que a definição das prioridades, essencial ao exercício do Governo, desgarra-se da busca pelo bem comum e passa a obedecer a valores não exatamente republicanos.

            Hoje, se fala tanto em corrupção, mas talvez a corrupção mais terrível seja a corrupção de prioridades. É certo que o País tem tido prejuízos com a corrupção de que se fala - a Lava Jato e outras tantas -, mas, com certeza, a corrupção de prioridades tem dado prejuízo nas três esferas.

            Nessa linha, o governante não hesita em usar e abusar da máquina pública e o faz em benefício próprio, desequilibrando, assim, a disputa eleitoral. Daí resulta que, por força do poder que acumula, utiliza como quer e entende os recursos públicos para impedir a alternância no poder, eliminando, assim, uma característica essencial do regime de governo democrático.

(Soa a campainha.)

            O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Sr. Presidente, é óbvio que, neste País, o fim cabal do instrumento da reeleição está longe de acontecer, tendo em vista que, para erradicar a sua existência, caberia aos próprios potencialmente favorecidos a iniciativa de fazê-lo, e isso - sabemos todos - constitui algo quase inimaginável no âmbito da cultura política brasileira. A julgar pela história da política nacional, ninguém quer abrir mão das prerrogativas arraigadas, ainda que fundamentadas em regras indisfarçadamente contrárias à eficiência administrativa da máquina governamental.

            Sr. Presidente, como ainda há vários oradores inscritos, e meu tempo já se encerra...

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Não, V. Exª tem, no mínimo, cinco minutos, até porque eu me enganei. V. Exª teria direito a 20 minutos, e eu só lhe dei 10. Agora, estou lhe dando, no mínimo, mais cinco.

            O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Muito obrigado, Sr. Presidente. É que ouvi a campainha tocar, não queria me alongar.

            Então, vou encerrar o meu pronunciamento.

            A julgar pela história da política nacional - como eu dizia -, ninguém quer abrir mão de prerrogativas. E, atualmente, Sr. Presidente, tramita, em estado avançado, nesta Casa, a Proposta de Emenda Constitucional nº 73, de 2011, que sugere a alteração do §6º do art. 14 da Constituição Federal. No lugar, estabelece-se que, para concorrem às eleições, tanto o Presidente da República quanto os Governadores de Estado e os Prefeitos devem se afastar de seus cargos até seis meses antes do pleito, o que vem, justamente, confirmar que, muitos anos atrás, o Senador Luiz Henrique já estava correto, que não só defendeu como fez isso na prática.

            Para os especialistas, o instituto da desincompatibilização integra o corpus jurídico do direito eleitoral, com a natureza clara e inequívoca de uma regra moralizadora em benefício do Estado e da sociedade. A rigor, o objetivo é restringir ou mesmo impedir o uso da máquina pública, neutralizando a manipulação pelo governante candidato da condição privilegiada de detentor de mandato executivo. Como se sabe, com todo o destaque midiático que tal condição lhe propicia, o governante candidato acaba por desequilibrar a disputa eleitoral em seu favor.

            Na verdade, isso ocorre, no Brasil, em razão da solução institucional formulada quando da apreciação da Emenda Constitucional nº 16, de 1997, que fundou a possibilidade da reeleição dos detentores de cargos executivos. À época, desperdiçou-se a oportunidade de impor, naquela circunstância política, a instituição dessa regra mitigadora da desigualdade de armas que se estabelece, necessariamente, entre o ocupante do cargo executivo que se candidata à reeleição e seus oponentes.

            Com efeito, transcorridos quase vinte anos e realizadas sucessivas eleições para Presidente da República, Governadores e para Prefeitos, já temos um acúmulo de experiência suficiente para concluir que autorizar o Chefe do Poder Executivo a concorrer à reeleição sem ter que se afastar do cargo é mais do que inadequado, é propulsor do absolutismo.

            Não custa nada repetir que a reeleição introduziu um viés quase insuperável em favor da continuidade da administração. De fato, é praticamente impossível, durante o processo eleitoral, distinguir quando o candidato à reeleição exerce as funções de Chefe do Executivo e quando exerce as de candidato, o que é injusto para os demais candidatos e para a plena realização da democracia política no Brasil.

            Sem falar, Sr. Presidente, que o governo começa a enferrujar, começa a se desgastar e, no final do primeiro mandato, já perdeu fôlego. Boa parte dessa crise que estamos passando nesse momento se deve à falta, eu diria, daquela solidariedade clássica que existe, onde cada governante que pela primeira vez exerce o mandato tem aquela tolerância, aquele período de tolerância da população. No mínimo, fala-se até em uma lua-de-mel de três a quatro meses, 120 dias. É o momento que se tem para começar a organizar a casa. E aqui, neste momento, a Presidente Dilma saiu de uma eleição...

(Soa a campainha.)

            O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) -... na qual havia feito as promessas de campanha e, logo em seguida, depara-se tendo que cumprir aquelas promessas. Se tivesse assumido o Governo agora pela primeira vez teria fôlego para poder colocar seu governo nos trilhos.

            Então, a oxigenação é salutar para a Administração Pública. Com o fato da reeleição, ela não existe, ela acaba esticando demais esses mandatos e é ruim para o processo político, é ruim para o processo democrático, ruim para a Administração Pública e ruim para todos.

            Sr. Presidente, encerrando, eu creio que, nesse debate da reforma política, é muito importante que esta Casa se debruce e chegue à conclusão de que essa ideia da reeleição veio cumprir o seu papel, mas está na hora de tirarmos do nosso ordenamento jurídico esse instituto.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/04/2015 - Página 168