Discurso durante a 42ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Registro da participação de S. Exª em CPI destinada a investigar o assassinato de jovens no País e reflexões sobre o tema.

Autor
Ângela Portela (PT - Partido dos Trabalhadores/RR)
Nome completo: Ângela Maria Gomes Portela
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CIDADANIA.:
  • Registro da participação de S. Exª em CPI destinada a investigar o assassinato de jovens no País e reflexões sobre o tema.
Publicação
Publicação no DSF de 02/04/2015 - Página 208
Assunto
Outros > CIDADANIA.
Indexação
  • REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), OBJETO, INVESTIGAÇÃO, HOMICIDIO, ADOLESCENTE, ANALISE, ASSUNTO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SECRETARIA DE REGISTRO E REDAÇÃO PARLAMENTAR

 01/04/2015


DISCURSO ENCAMINHADO À PUBLICAÇÃO NOS TERMOS DO ART. 203 DO REGIMENTO INTERNO.

            A SRª ÂNGELA PORTELA (Bloco Apoio Governo/PT - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Srªs e Srs. Senadores, aceitei com determinação, a missão de integrar a Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar o assassinato de jovens no Brasil.

            Proposta pela colega de Parlamento, a senadora Lídice da Mata (PSB-BA), esta comissão funcionará por 180 dias, e deverá chamar mais uma vez a atenção da opinião pública para um problema de Estado que é o assassinato de jovens negros no país. 

            Não é sem razão que o tema retorna à pauta desta Casa. Pesquisa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) revelou que mais de 42 mil adolescentes, com idade entre os 12 e os 18 anos, correm o risco de ser vítimas de homicídio em municípios brasileiros que possuem mais de 100 mil habitantes.

            Esse, infelizmente, não é o único dado sobre o massacre de jovens negros no Brasil.

            Números do Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade (IVJ), de 2014, mostram que em 2012, a morte de jovens negros cresceu 21,3% em relação a 2007.

            Ou seja, senhores senadores, em 2012, foram mortos no Brasil quase 23 mil jovens, com idade entre os 12 e os 29 anos, todos, mas todos mesmo eram pretos e pardos.

            São dados oficiais que constam no Relatório de Vulnerabilidade Juvenil à Violência, encomendado pela UNESCO e a Secretaria-Geral da Presidência da República.

            O objetivo é gerar insumos e indicadores para a formulação e implementação de políticas públicas, que considerem a implementação de estratégias preventivas e de enfrentamento às altas taxas de violência contra jovens, já observadas no país, especialmente contra jovens negros.

            Com efeito, o Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade, criado em 2008, é um indicador que sintetiza dados relativos às dimensões relevantes na vulnerabilidade dos nossos jovens à violência, tais como escolaridade, taxas de frequência à escola e de mortalidade por causas internas e violentas, inserção no mercado de trabalho e o valor do rendimento familiar médio mensal.

            No meu Estado de Roraima, a situação da população de jovens negros, que estão vulneráveis à violência, não é menos preocupante.

            De acordo com o Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade, Roraima apresenta escala de vulnerabilidade classificada como alta, ou seja, está com a pontuação 0,497, em um universo que vai de zero a 1,0.

            Esse indicador trabalha a razão entre a taxa de mortalidade violenta de jovens negros e a taxa de mortalidade violenta de jovens brancos.

            Neste estudo, que incorpora a violência à dimensão de desigualdade racial, Roraima fica atrás apenas de Alagoas, Paraíba, Pernambuco e Ceará, no tocante ao risco de mortalidade por homicídio entre jovens negros do que brancos.

            Quando o estudo avalia o indicador de violência letal entre jovens desagregado do componente raça/cor, verifica-se a elevação nas taxas de mortalidade por homicídio de jovens negros por região.

            E é com tristeza que constatamos que o Norte do país aparece no IVJ, em segundo lugar com um índice de 72,5 de mortalidade por homicídios entre jovens negros.

            Esta taxa equivale a 214% superior à taxa entre jovens brancos, que é de 23,1% de mortalidade por homicídios.

            Quando analisado o risco de um jovem ser vítima de homicídio em relação a um jovem branco, a tendência nacional é de 2,5, o que significa que jovens negros têm mais chance de morrer do que jovens brancos.

            Neste quesito, senhores senadores, Roraima aparece com o índice de 3,3, que é superior à média nacional e que, evidentemente é motivo de preocupação das autoridades públicas, particularmente aquelas ligadas à área de assistência social e de atenção à juventude roraimense.

            Bem, eu poderia seguir mostrando outros dados somente de Roraima, que estão no Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade e eles continuariam a ser preocupantes.

            No entanto, escolho retornar a dados nacionais como por exemplo, os do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2014, que também nos revelou ser bem maior a proporção de negros, que são mortos ou presos, se comparados à proporção deste segmento na população.

            Dados da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir/PR), também indicam que, em 2010, foram registradas no Brasil, quase 50 mil vítimas de homicídios, o que corresponde a 26,2 a cada 100 mil habitantes.

            É assustador saber que desse total, 70,6% eram pessoas negras, enquanto que 26.854 eram jovens com idade entre 15 e 29 anos, perfazendo 53,5% do total.

            Por este estudo, a taxa de jovens negros que foram assassinados, foi de 74,6%, com a constatação de que a maioria destes mortos, além de ser jovem e negra era, também, pobre e com baixa escolaridade.

            Considerando que os negros brasileiros, ou seja, aquelas pessoas que se assumem como pretas e pardas, são 52% dos habitantes do país, conforme o IBGE temos razões práticas e óbvias de considerarmos possível a existência de um esquema de extermínio, de jovens negros no Brasil.

            E, a meu ver, neste contexto, termos a responsabilidade política e social, de criarmos mecanismos para combater tal brutalidade.

            O governo brasileiro, assumindo seu papel, criou o Plano Juventude Viva, uma política pública busca ampliar direitos e prevenir a violência contra jovens negros, principalmente, nas periferias do país, onde reside a maior parte dos jovens que vivem em situação de vulnerabilidade social.

            A criação de uma política direcionada ao enfrentamento da violência contra jovens negros atende o compromisso da Presidenta Dilma Rousseff, firmado na III Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, realizada em 2013.

            Na oportunidade, a presidenta afirmou que a violência contra a juventude negra no Brasil, é um problema de Estado.

            Por isso, mesmo é atribuição do governo brasileiro criar políticas para seu enfrentamento.

            A bem da verdade, são nítidos e verdadeiros os avanços ocorridos na última década, em termos de adoção e implementação de políticas públicas em favor das populações que vivem em situação de vulnerabilidades - social e econômica.

            Além do Plano Juventude Viva, voltado ao enfrentamento a violência contra a juventude negra temos, também, uma política afirmativa, que é a Lei nº 12.711/2012, que garante a reserva de vagas nas universidades e institutitos federais.

            Temos, ainda, o Estatuto da Igualdade Racial, aprovado nesta Casa.

            Mas, como podemos constatar, ainda assim, não podemos nos orgulhar de sermos um país que superou o racismo.

            Mesmo tendo um governo que adota políticas de Estado voltadas a combater a vulnerabilidade dos jovens negros, especialmente, os que nascem e vivem em periferias, ainda assim, faz-se urgente a adoção de mais ações de enfrentamento á esta situação. 

            E não estou fazendo proselitismo. Penso e ajo diante de números, mas, também com o olhar aos fatos. Refiro-me ao caso mais recente e muito perto de todos nós, parlamentares, com atuação política nesta Casa.

            Falo, senhores senadores, do caso de Bruno Alves de Oliveira Feitosa, um jovem 26 anos, que foi assassinado na madrugada do último sábado (28), em Sobradinho II, aqui no Distrito Federal, onde morava com a família.

            Negro e filho da ativista contra o racismo, Santa Alves, presidente da União dos Negros Pela Igualdade do Distrito Federal (Unegro-DF), Bruno foi esfaqueado enquanto andava com um grupo de amigos.

            Tudo foi muito rápido: uma ação banal e um breve bate boca, resultou em sua morte.

            Outro caso a ser destacado, foi o assassinato, de 12 jovens negros, ocorrido na comunidade do Cabula, em Salvador, no Estado da Bahia. A chacina teria sido praticada pela polícia baiana.

            O assassinato de Bruno e dos 12 jovens da Bahia já, senhores senadores, passarão a constar nas estatísticas de extermínio de jovens negros no nosso país.

            De acordo com o ouvidor nacional da Seppir, Carlos Scaldaferri, o assassinato de Bruno, a exemplo de tantos outros jovens negros, foi mais uma ação criminosa desse sistema que visa exterminar a juventude negra brasileira.

            No início de março, em audiência com a Ministra Nilma Lino Gomes, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, representantes do Fórum Nacional de Juventude Negra (Fonajune) debateram acerca dos crescentes e alarmantes índices de assassinatos de jovens negros no Brasil.

            Entidade voltada à articulação do combate ao racismo e o extermínio da juventude negra no país, propôs que a Seppir tenha um papel mais estratégico e enérgico na articulação com o Governo Federal, no sentido de barrar as mortes de jovens negros.

            A propósito, os membros do Fonajune pediram maior mobilização para a aprovação do projeto de lei (4471/2012), que acaba com o chamado “Auto de Resistência”.

            Este projeto, que tramita nesta Casa, e que deveria ter sido votado em 2012, visa tornar mais duras as regras para reduzir a violência policial no Brasil e apurar as mortes e agressões de responsabilidade do Estado.

            A Comissão Parlamentar de Inquérito a ser instalada nesta Casa, com missão de investigar o assassinato de jovens no Brasil, não é a primeira ação deste Congresso Nacional diante das denúncias de extermínio de jovens negros no Brasil.

            Aqui mesmo no Senado, já foram realizadas outras audiência públicas para tratar do tema.

            E a Câmara dos Deputados também criou uma Comissão semelhante para apurar a violência praticada contra jovens negros e pobres.

            Fato que é todos nós sabemos que esta Comissão Parlamentar de Inquérito pode não ser a última ação que tenhamos de fazer com o fim de acabarmos com o genocídio de jovens negros.

            Mas, certamente, poderá ser uma oportunidade ímpar para pautarmos com muito mais legitimidade este problema na agenda política de nossa sociedade. Precisamos saber com o e porque ocorrem tantos assassinatos de jovens negros em nosso país.

            De posse deste diagnóstico, poderemos sugerir mais e melhores políticas públicas, capazes de darem um basta ao genocídio da juventude negra brasileira.

            Sim porque não temos mais motivos para questionarmos se há ou não um esquema de enfrentamento às ações do Estado brasileiro, voltadas a defender populações vulneráveis.

            Portanto, entendo que todos os poderes públicos em todas as esferas - federal, estadual e municipal - devem se engajar na luta contra o extermínio de jovens negros.

            Não podemos aceitar que esse fenômeno tão cruel, seja naturalizado de vez em nossa sociedade.

            Estou pronta para atuar na Comissão Parlamentar de Inquérito e convido todos os atores socais e políticos para que juntem-se aos demais membros desta comissão.

            Vamos, portanto, fortalecer a investigação, ampliar os debates e dar voz às vítimas.

            Era o que tinha a registrar.

            Muito obrigada.

 

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Assim, encerramos os nossos trabalhos no dia de hoje.

            Está encerrada a sessão.

            Que Deus ilumine todos nós.

(Levanta-se a sessão às 17 horas e 25 minutos.)


             V:\SLEG\SSTAQ\SF\NOTAS\2015\20150401EX.doc 7:52



Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/04/2015 - Página 208