Comunicação inadiável durante a 47ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Manifestação contrária à aprovação, pela Câmara dos Deputados, do texto base do projeto de lei que dispõe sobre as relações de trabalho de terceirizados.

Autor
Lindbergh Farias (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Luiz Lindbergh Farias Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Comunicação inadiável
Resumo por assunto
TRABALHO:
  • Manifestação contrária à aprovação, pela Câmara dos Deputados, do texto base do projeto de lei que dispõe sobre as relações de trabalho de terceirizados.
Aparteantes
Dário Berger, Telmário Mota.
Publicação
Publicação no DSF de 10/04/2015 - Página 138
Assunto
Outros > TRABALHO
Indexação
  • CRITICA, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, LOCAL, CAMARA DOS DEPUTADOS, ASSUNTO, REGULAMENTAÇÃO, EXERCICIO PROFISSIONAL, TERCEIRIZAÇÃO, AMBITO NACIONAL, MOTIVO, AMEAÇA, DIREITO, NATUREZA TRABALHISTA.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Sou paraibano com muito orgulho, Senador Raimundo Lira. Aqui, neste momento, há três. O Senador Cássio Cunha Lima também.

            Sr. Presidente, eu volto à tribuna no dia de hoje para falar sobre um tema que tem me deixado muito inquieto e, confesso, perplexo: a aprovação do texto base do projeto de lei da terceirização, o PL no 4.330, de 2004. A sua aprovação pela Câmara dos Deputados, no dia de ontem, nos obriga a fazer uma reflexão sobre que tipo de desenvolvimento queremos para o nosso País.

            Os últimos 12 anos foram marcados por conquistas históricas no campo dos direitos trabalhistas, com a clara opção política pelos trabalhadores. Mesmo no período mais agudo da crise internacional, as iniciativas do Governo fomentaram a criação formal de empregos, com incentivos que aqueceram o mercado interno do nosso País. A valorização do salário mínimo chegou a patamares inéditos e a promessa de equiparação a US$100, antes tão sonhada, parece hoje uma anedota. São inegáveis também alguns avanços legislativos, como a instituição do Pronatec, por meio da Lei no 12.513, de 2011, e a aprovação da PEC dos empregados domésticos, incrível conquista dessa categoria, entre tantos outros marcos legais, hoje realidade no ordenamento jurídico brasileiro.

            Por essa razão, a aprovação do PL da terceirização, pela Câmara, me alarma, porque se trata de um verdadeiro ataque aos direitos trabalhistas, com a roupagem falsa de modernização das relações de trabalho. A quem interessa a aprovação desse projeto? Única e tão somente às empresas que buscam a todo custo - e, nesse caso, à custa do trabalhador - reduzir gastos, aumentar seus lucros, se livrar da responsabilidade de remunerar seus funcionários e garantir seus direitos e se tornar isentas de qualquer investimento nas melhorias de condições de trabalho.

            Segundo um levantamento da Confederação Nacional da Indústria, uma entidade insuspeita, neste caso, o principal motivo pelo qual as empresas decidem contratar terceirizados é a redução de custo - 91% das empresas disseram isto: que contratam terceirizados para redução de custo; e apenas 2% falam na opção por especialização técnica.

            Hoje, a terceirização é permitida para as atividades-meio. Em uma escola, por exemplo, os funcionários de limpeza podem ser terceirizados; os educadores, jamais. Com a aprovação do PL, as atividades-fim, aquelas que justificam a própria existência de uma empresa, poderão ser terceirizadas. O projeto amplia perigosamente a possibilidade de utilização dessa ferramenta de precarização das relações de trabalho para todos os setores e atividades da economia.

            É importante, Sr. Presidente, trazer alguns números da realidade do mundo do trabalho terceirizado. Em recente estudo publicado por CUT e Dieese, foi feito um comparativo entre os trabalhadores contratados diretamente pelas empresas e trabalhadores terceirizados. O resultado é alarmante! Primeiro ponto: os trabalhadores terceirizados têm uma remuneração 24,7% menor do que os contratados diretamente pelas empresas. Segundo ponto: os trabalhadores terceirizados realizam uma jornada de três horas a mais semanalmente a mais do que os demais funcionários, sem que sejam consideradas horas extras. Se essa jornada fosse equiparada a dos empregados diretos, estima-se que seriam criadas 882 mil vagas de trabalho. Terceiro ponto: os terceirizados permanecem 2,6 anos a menos no emprego. É uma rotatividade muito maior no trabalho. E há aqui um último ponto que é chocante: em cada dez acidentes de trabalho fatais, oito ocorrem entre trabalhadores terceirizados, devido à falta de treinamento e investimento em qualificação.

            Estamos falando aqui de salários menores, de jornadas maiores, de alta rotatividade, de redução de postos de trabalho, de insegurança no ambiente de trabalho e de vulnerabilidade social. A precarização das relações de trabalho é tão evidente que, dos dez maiores resgates de trabalhadores em condições análogas à de escravos no Brasil, 90% dos casos os trabalhadores eram terceirizados.

            Como se não bastasse esse quadro, outro aspecto marcante precisa ser lembrado. É muito comum o calote das empresas terceirizadas. O não cumprimento das obrigações trabalhistas é uma constante que pode ser percebida a partir de uma simples pesquisa na internet ou de uma conversa com trabalhadores ou com magistrados da Justiça do Trabalho. Setores como os da vigilância, limpeza e construção civil contam inúmeros casos de empresas que lucram com os contratos com grandes empresas privadas ou com o setor público e, não raro, abrem falência ou simplesmente desaparecem sem pagar a rescisão contratual, sem recolher o Fundo de Garantia, fugindo de suas obrigações trabalhistas, impedindo o acesso dos trabalhadores a direitos como o seguro-desemprego.

            Senadores, houve um caso, há pouco tempo, aqui mesmo, no Senado, com funcionários do Senado, com ascensoristas aqui. Uma empresa terceirizada dessas simplesmente deu um calote, e houve um processo de contratação de uma nova empresa. Esse é um fato que acontece corriqueiramente.

            Outra face gravíssima da terceirização é a questão da saúde, segurança e mortes no trabalho. Além das condições mais precárias de trabalho, que acarretam doenças mais frequentes, os terceirizados, em geral, não recebem o mesmo treinamento e não têm a mesma cobrança para utilização dos equipamentos de proteção individual e outras medidas de segurança. O resultado é uma taxa altíssima de acidentes, inclusive fatais, entre as terceirizadas. Um exemplo é no setor elétrico, onde os trabalhadores terceirizados morrem 3,4 vezes mais do que os empregados diretos das empresas distribuidoras e geradoras de energia. Isso ocorre, porque a terceirização transfere para a empresa contratada, em geral menor e com menos capacidade técnica, a responsabilidade pelos riscos da atividade. Quem paga a conta, como se vê, é o trabalhador.

            E ainda o PL da terceirização traz riscos à organização sindical e à negociação coletiva. A ação coletiva dos trabalhadores depende, como se sabe, da consciência de classe de determinada categoria. O projeto de terceirização, ao permitir a existência de distintos sindicatos na mesma categoria, separando a representação dos empregados diretos da representação dos terceirizados, fragiliza, enfraquece o poder de negociação dos funcionários e a organização coletiva dos trabalhadores.

            Por fim, vale destacar as críticas da Justiça do Trabalho ao projeto de terceirização. Para os ministros do Tribunal Superior do Trabalho, o projeto provocará gravíssima lesão social de direitos sociais, trabalhistas e previdenciários, deflagrando impressionante redução de valores, direitos e garantias trabalhistas e sociais. Para o Presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), o projeto terá efeitos catastróficos e vai inaugurar uma era de insegurança jurídica. A entidade calcula ainda que a participação do fator trabalho na renda nacional cairá dos atuais 34% a 37% para algo em torno de 25% a 30%.

            Senador Dário Berger.

            O Sr. Dário Berger (Bloco Maioria/PMDB - SC) - Senador Lindbergh...

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - É um prazer receber o aparte de V. Exª.

            O Sr. Dário Berger (Bloco Maioria/PMDB - SC) - ...acompanho o pronunciamento de V. Exª. E me permita, saudosamente, retornar uns 30 anos atrás, quando V. Exª era o Presidente da UNE.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Vinte e poucos.

            O Sr. Dário Berger (Bloco Maioria/PMDB - SC) - Vinte e poucos? Menos de 30. Mais de 20 e menos de 30.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Exato.

            O Sr. Dário Berger (Bloco Maioria/PMDB - SC) - Eu era seu seguidor como estudante da Universidade Federal de Santa Catarina. Naquela época, o Brasil passava também por uma grande transformação. Os estudantes começaram a resistir sobre a ditadura militar, que já não atendia mais principalmente a nós, estudantes, idealistas, sonhadores etc. Então, como estou há dois meses aqui no Senado e estou conhecendo os Senadores, quero te dizer, com muita alegria, que o encontro, depois de vinte e tantos anos, então, como V. Exª prefere, aqui no Senado da República, resultado evidentemente do trabalho que nasceu lá, que V. Exª plantou. Depois se transformou em Prefeito e hoje representa o seu Estado do Rio de Janeiro aqui, na mais alta Casa legislativa do País. Bem, feita essa preliminar, quero dizer que acompanho também com muita atenção esse projeto da terceirização. Embora possa ser um projeto que tenha boas intenções, talvez não seja o projeto ideal para o momento que estamos vivendo hoje. Não é? O ideal seria que nós inseríssemos isso em uma reforma trabalhista, mas sem perda dos direitos dos trabalhadores. E eu quero já antecipar por V. Exª que eu não discutirei aqui no Senado Federal aquilo que nós já conquistamos.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito bem.

            O Sr. Dário Berger (Bloco Maioria/PMDB - SC) - Discutirei, sim, aquilo que nós precisamos conquistar. E o trabalhador brasileiro é essência do nosso desenvolvimento. Sem ele nós não vamos chegar a lugar nenhum. Portanto, o estabelecimento de regras claras, objetivas, e relacionamento harmônico que possa trazer satisfação e orgulho na relação patrão e empregado são metas fundamentais para nós ampliarmos a nossa produtividade e ampliarmos também o próprio poder aquisitivo dos trabalhadores brasileiros. Esse projeto está lá na Câmara dos Deputados, vai chega ao Senado da República e, com certeza, nós vamos analisá-lo com uma lupa para que, efetivamente, os nossos trabalhadores não sejam prejudicados e que também, quem sabe, a gente possa, dentro desse projeto, se for necessário, remodelá-lo, alterá-lo, contribuir para que efetivamente ele possa atender aos anseios de uma legislação mais moderna que possa reger trabalhadores e patrões. Portanto, quero parabenizar V. Exª por mais esse pronunciamento e quero me associar a V. Exª, a essa realidade que me parece também bastante preocupante. Muito obrigado.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Senador Dário Berger, primeiro agradecer o aparte, a gentileza, relembrar o nosso início, o meu início e o início de V. Exª no Estado de Santa Catarina, no movimento estudantil.

            Parabéns pela posição sobre esse tema. Eu acho que, agora que esse projeto vem para o Senado, nós temos que analisar com calma, tem que passar pelas comissões, tem que ser bem discutido. Eu acho que agora é hora da serenidade, de a gente aprofundar o tema.

            Esse aparte de V. Exª para nós é muito importante. Há um clima de temor dos trabalhadores em todo o Brasil. No próximo dia 15 vai ter uma mobilização nacional. Já há centrais sindicais falando na possibilidade de uma greve geral sobre esse tema, porque nesse tema, na verdade, nós estamos mexendo em direitos consagrados desde a época do Governo Getúlio. São conquistas históricas dos trabalhadores brasileiros.

            Então, parabéns pela posição de V. Exª. Eu acho que agora é isso. Aqui tem que tramitar com calma, passar por todas as comissões. Nós não vamos aceitar que esse projeto aqui caminhe com urgência, com velocidade, porque tem que ser bem discutido por este Senado Federal.

            Muito obrigado, Senador Dário Berger.

            Senador Telmário.

            O Sr. Telmário Mota (Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Eu acho que já estavam fazendo um boicote aqui, Senador Lindbergh. Eu estava ouvindo a participação do Senador Dário e estava olhando o Senador Raimundo Lira sentado na Presidência desta Casa, imaginando a juventude de ontem num grande calor de rua, hoje dois Senadores. Que beleza! Esse é um patrimônio nosso. Essa é a riqueza que nós temos e essa é a esperança do nosso jovem. Então, fico feliz de ver vocês dois, dois jovens, porque com certeza já estamos mais adiante eu e Lira, não é, Lira? Senador Lira. E ali vocês foram às ruas num sonho, numa esperança de mudança que de fato aconteceu. Hoje vejo, Senador Lindbergh, V. Exª discorrendo sobre uma causa que, sem nenhuma dúvida, eu que sou do PDT, um partido que foi criado no seio do trabalhismo, e vejo isso com muita preocupação. O maior patrimônio de um país - acabamos de ver agora dois Senadores que ontem eram garotos - é o povo, e esse povo não pode ser escravizado, esse povo não pode ser desprezado, esse povo tem...

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

            O Sr. Telmário Mota (Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Esse povo tem os seus direitos. E é exatamente isso que nós temos. Eu vi o Senador Dário fazer uma colocação muito boa. Ele me falou: “Eu não vim para cá discorrer nem debater as conquistas, mas sim aquilo que não foi conquistado”. A terceirização pode ser fruto de uma administração mais moderna e alguns setores funcionam, funcionam sim. Às vezes, até na área da saúde funcionam. Por exemplo, um diretor de hospital, ao invés de ficar preocupado com o guarda, com a lavanderia, com o porteiro e tal, ele se concentra muito mais naquilo que é a saúde propriamente dita, nos médicos, nos paramédicos, na medicação etc. Mas isso não pode ser generalizado, em nenhuma hipótese, porque, tirando pelo meu Estado, que é um Estado pequeno, o que nós temos visto ali é uma verdadeira aberração: empresas, contratos terceirizados, antes de três meses demitem, fazem uma rotatividade imensurável em cima disso, as empresas são extintas para não pagar os encargos sociais, trabalhistas, de ordem que isso vira uma bola de neve, isso vira uma insegurança absoluta, isso cria uma instabilidade, como bem V. Exª colocou. E, na verdade, em vez de trazer ao país, às próprias empresas, aos próprios órgãos, aos próprios setores uma paz, uma tranquilidade, um bom andamento no fluxo das rotinas, acaba criando um grande gargalo, uma insegurança desnecessária. Então V. Exª colocou muito bem. Nesta Casa, que é o pires da política, aonde se esfria o café quente, nós temos de ter muita responsabilidade e nos debruçar rigorosamente sobre esse projeto, para que amanhã esta Casa não seja cúmplice de tirar do trabalhador aquilo que, ao longo do tempo, a duras penas, foi conquistado nas praças públicas, nos porões das cadeias, enfim, seja como foram feitas as conquistas. Então, quero parabenizar V. Exª, que, com muita lucidez, traz hoje, nesta quinta-feira, ao Senado um tema da maior relevância. E todos os focos hoje estão voltados para o Congresso Nacional. Isso está trazendo já uma inquietude. O trabalhador já não está colocando a cabeça com paz no travesseiro. Sem dúvida, a nossa responsabilidade é muito grande e nós vamos estar aqui com os olhos de lupa para que não passe nem uma vírgula que amanhã possa nos deixar em situação difícil junto ao trabalhador, principalmente o trabalhador mais humilde. Parabéns a V. Exª!

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito obrigado, Senador Telmário. E como V. Exª falou, hoje a gente sabe que é permitido fazer terceirização na área meio, é possível. Eu já vejo o impacto. Por exemplo, no sistema financeiro, os bancos terceirizam quase tudo, mas o bancário, não, ele é funcionário da empresa. Se passar esse projeto, essa é uma categoria, que, por exemplo, vai ser muito afetada. Numa universidade, você pode terceirizar alguns serviços, mas o professor, não. Então a gente está abrindo possibilidades, com esse projeto, para mexer radicalmente no mundo do trabalho como está estabelecido hoje.

            Eu agradeço o aparte dos senhores.

            Só para concluir, Sr. Presidente - e falta pouco -, devo dizer que a terceirização, da forma como tem acontecido no Brasil, que se confirma e se amplia com a aprovação lamentável do PL nº 4330, criou uma categoria de trabalhadores de segunda classe. Não raro, são discriminados no próprio local de trabalho, enfrentando dificuldades de acesso a refeitórios, aos vestiários...

(Soa a campainha.)

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - ...aos uniformes e a equipamentos necessários para o exercício da atividade. Estamos diante, Srªs e Srs. Senadores, da mercantilização do trabalhador.

            É um golpe inaceitável aos direitos dos trabalhadores e à Constituição, especialmente num país com tantas conquistas recentes. Que ninguém se engane com o discurso da modernidade ou da especialização. Terceirizar significa tirar deveres dos empregadores e direitos dos trabalhadores. Menos salários, menos direitos, mais horas de trabalho.

            Precisamos enfrentar esse debate às claras, expondo os reais interesses envolvidos e as consequências danosas não só para os trabalhadores, mas também para o modelo de desenvolvimento que sonhamos para o nosso País. Nenhum direito a menos será admitido.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/04/2015 - Página 138