Discurso durante a 45ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Posicionamento contrário à redução da maioridade penal.

Autor
Lídice da Mata (PSB - Partido Socialista Brasileiro/BA)
Nome completo: Lídice da Mata e Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL:
  • Posicionamento contrário à redução da maioridade penal.
Aparteantes
Marta Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 09/04/2015 - Página 77
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL
Indexação
  • CRITICA, REDUÇÃO, MAIORIDADE, CODIGO PENAL, ENFASE, NEGAÇÃO, SOLUÇÃO, PROBLEMA, SEGURANÇA PUBLICA, AUSENCIA, SISTEMA PENITENCIARIO, FUNÇÃO, REABILITAÇÃO, REINTEGRAÇÃO SOCIAL.

            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vou tratar de um tema polêmico - e o reconheço como polêmico -, até porque há uma formação de opinião pública baseada na deformação da informação.

            Refiro-me, Sr.Presidente, à votação ocorrida na CCJ, na semana passada, a respeito da diminuição da maioridade penal. E quero me pronunciar, sem dúvida alguma, de forma contrária a essa posição; contrária, inclusive, ao formato em que essa decisão foi tomada, ao ambiente que foi construído para que essa decisão fosse tomada na Câmara dos Deputados, na Comissão Especial que trata dessa matéria.

            Não se trata de uma questão menor. Trata-se de um debate que, sem dúvida alguma, envolve muita emoção. O Brasil tem a tradição de, após a emoção forte diante de um crime cometido, posicionar-se de maneira emotiva, buscando a radicalidade do Código Penal com o aumento de penas ou coisa que o valha. Essa é a tradição brasileira, é a tradição de não analisarmos, com racionalidade, com frieza, a situação que está colocada.

            Eu não posso aceitar a transformação do Estado brasileiro, cujos fundamentos são a promoção da justiça social, da construção de uma sociedade justa, solidária - um Estado que tenha condições de fazer justiça real -, em um Estado que vire justiceiro, que pratique vingança. Essa é a temática objetiva que nós estamos enfrentando.

            A proteção a crianças e adolescentes, parece-me, é o caminho correto, que tem sido trilhado pela grande maioria dos países.

            Levantamento feito em 54 países pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), aponta que 78% deles fixaram a maioridade penal em 18 anos ou mais. Alemanha e Espanha adotaram um sistema intermediário entre sanções impostas a menores de idade e as prisões para adultos. Nesses países, jovens infratores entre 18 e 21 anos entram no Sistema de Justiça Juvenil, em que há restrição de liberdade, porém em local específico para essa faixa etária, onde são aplicadas medidas socioeducativas.

            Podemos, na mesma linha, apontar para o Extremo Oriente, ao mencionar a experiência japonesa. Embora possua uma definição para delinquência juvenil mais ampla, a lei juvenil japonesa fixa a maioridade penal aos 21 anos de idade.

            Segundo o mesmo levantamento, nos países em que a maioridade é baixa, não houve registro de redução da criminalidade. Esse parece ser o caso dos Estados Unidos, onde, em alguns estados, a maioridade ocorre a partir dos 12 anos de idade. Temos, ainda, exemplos que se aproximam mais da nossa realidade: a Colômbia, país com longo histórico de altos índices de violência, e a Costa Rica também chegaram a reduzir o limite para, em um segundo momento, retrocederem nessa posição.

            Lembro que o Brasil é signatário da Convenção sobre os Direitos da Criança, que prevê atendimento diferenciado para menores de 18 anos infratores em relação a adultos. Temos o Estatuto da Criança e do Adolescente, que, igualmente, assegura a aplicação de medidas socioeducativas que buscam a reinserção social. Qualquer mudança nas regras significará, portanto, um indesejável retrocesso na posição ocupada hoje pelo Brasil na política exterior voltada para a proteção da criança e do adolescente.

(Soa a campainha.)

            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - A análise ligeira da legislação internacional permite-nos enxergar que, sem dúvida, caminharemos na contramão daquela que é a tendência no mundo no que se refere a maioridade penal.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, basta lançarmos um breve olhar para o atual sistema penitenciário brasileiro para nos defrontarmos com um cenário estarrecedor. Há um consenso difuso entre os especialistas de que os institutos penais no Brasil encontram-se exauridos como instrumento de ressocialização dos seus internos. O colapso dos presídios e das cadeias públicas pode ser aferido pelas condições desumanas a que são submetidos os detentos, pela superlotação das celas, pela violação contínua dos direitos humanos e pelo inadmissível domínio de facções criminosas.

            Os vetores convergem para um ciclo vicioso em que nossas penitenciárias transformam-se em dantescas escolas do crime. Aqueles homens tornam-se irremediavelmente ainda piores e antissociais.

            Ademais, bandidos de longa ficha corrida, que tiveram toda a sua vida dedicada ao mundo do crime,...

(Soa a campainha.)

            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) -... dificilmente se readaptam ao convívio social. A prisão degrada-o ainda mais. Pois bem, fazer com que um jovem de 16 ou 17 anos seja trancafiado com criminosos profissionais certamente representará a consolidação de uma conduta criminosa.

            Presidente, tenho pouco tempo. Portanto, não vou ler, caro Senador Walter Pinheiro, o meu discurso na íntegra porque vou voltar a este tema outras vezes aqui na Casa. Quero, no entanto, registrar que ouço muito, inclusive na Bahia, recentemente, que nos bairros populares nós encontramos jovens infratores, adolescentes de 14, 13, 12 anos de idade, com armas na mão. A responsabilidade é desse jovem...

(Interrupção do som.)

            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) -Pois não, Presidente.

            Para situação de crianças, adolescentes e jovens sem escola, sem emprego, sem oportunidade nova em nosso País.

            Concedo um aparte à Senadora Marta Suplicy.

            A Srª Marta Suplicy (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - Senadora Lídice da Mata, quero parabenizá-la pelo brilhante discurso. A avaliação que V. Exª faz é pontual, ampla e com uma visão com a qual compartilho inteiramente, principalmente com esse diagnóstico, em que a tendência que vemos aqui no Congresso, a cada situação de violência, é a de aumentamos a pena. E isso, já foi provado, V. Exª colocou com muita propriedade, não resolve o problema. Países retrocederam nessa história de aumentar penas. Eu falo da maioridade, mas falo também de penas por delitos.

(Soa a campainha.)

            A Srª Marta Suplicy (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - V. Exª tem razão quando diz que a solução é por outro caminho, com outras medidas, com medidas que deem oportunidade para as pessoas mais jovens que cometem crimes, ou que nem cometem, mas que sejam preventivas para que não tenham “oportunidade” - entre aspas -, de cometer delinquências, de as pessoas terem uma visão de que o futuro está ali, que podem se dedicar a isso, pois terão uma resposta da sociedade que vai realizá-las como seres humanos. E nós vemos que a situação é precária nessas possibilidades, que a miséria é grande e que as oportunidades de trabalho, de perspectivas, de ter uma carreira são muito limitadas. Agora, quando o cidadão comete um ato delinquencial,...

(Interrupção do som.)

            A Srª Marta Suplicy (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - ... quando o jovem comete um ato delinquencial, nós temos que pensar, sim, na dimensão desse ato delinquencial. Com relação a crimes que poderiam ser chamados de hediondos, certamente não é para ficar um ano, obter a maioridade e ser mandado embora. Nós temos que ter uma situação intermediária para esse tipo de crime. Acho que deveríamos nos dedicar a isso, que é na área da repressão, mas com responsabilidade com a situação, e focar principalmente na juventude. Acredito que a juventude que acaba indo por um desvio é uma juventude que pode ser atendida na prevenção. E, se não for, não será com a redução que vamos conseguir qualquer resultado, como outros países têm demonstrado. Parabéns pelo excelente discurso.

            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada, Senadora.

            Eu quero registrar, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que vejo um debate acontecendo no País, e continuo achando esse debate superficial, um debate em que se discute se o jovem ou o adolescente, quando tem esse tipo de tratamento no ECA, não está sendo vitimizado, como se ele não fosse realmente uma vítima da estrutura social que o nosso País foi incapaz de resolver.

            É claro que a decisão de um jovem ou de um adolescente de ir para a criminalidade não pode ter o beneplácito da sociedade, mas ele não pode, e os políticos em especial não podem comemorar, como eu vi na Câmara dos Deputados, a redução da maioridade penal como se estivessem fazendo um grande gesto no combate à violência no nosso País.

(Soa a campainha.)

            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - É mentirosa essa decisão, é mentirosa essa comemoração.

            Quero aqui, Sr. Presidente, para finalizar, ler um trecho do artigo da jornalista Eliane Brum, falando sobre essa questão, na semana passada, e que considero brilhante.

            Diz o seguinte - finalizando -:

O indivíduo pode desejar vingança em seu íntimo, o Estado [no entanto] não pode ser vingativo em seus atos. Do Estado se espera que leve adiante o processo civilizatório, as conquistas de direitos humanos tão duramente conquistadas.

            Eu quero ver essa mesma indignação dos Srs. Deputados quando nós registramos a morte de crianças, como está sendo registrada diariamente, no Jornal da Globo, nesta semana, no Morro do Alemão, de uma criança de dez anos, e como nós vemos de centenas de crianças, no País inteiro, principalmente...

(Interrupção do som.)

            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) -... nas grandes cidades, como em nossa cidade de Salvador (Fora do microfone.), em que se registram crimes impunes, sem resolução, de centenas de crianças e jovens adolescentes nos bairros populares, muitas vezes sendo vítimas do próprio Estado policial.

            Portanto, esta questão exige uma racionalidade grande, um compromisso profundo com os direitos do cidadão em nosso País e, acima de tudo, um debate também muito profundo sobre a segurança em nossa Pátria.

            Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/04/2015 - Página 77