Discurso durante a 54ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Preocupação com a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do projeto de lei que regulamenta a terceirização.

Autor
Lindbergh Farias (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Luiz Lindbergh Farias Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TRABALHO:
  • Preocupação com a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do projeto de lei que regulamenta a terceirização.
Aparteantes
Hélio José.
Publicação
Publicação no DSF de 24/04/2015 - Página 192
Assunto
Outros > TRABALHO
Indexação
  • CRITICA, APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROJETO DE LEI, ASSUNTO, EXTENSÃO, POSSIBILIDADE, TERCEIRIZAÇÃO, ATIVIDADE, EMPRESA, COMENTARIO, PREJUIZO, TRABALHADOR, PAIS, DEFESA, DISCUSSÃO, MATERIA, SENADO, DESAPROVAÇÃO, PRONUNCIAMENTO, EDUARDO CUNHA, DEPUTADO FEDERAL, PRESIDENTE, PEDIDO, ACELERAÇÃO, APRECIAÇÃO, TEXTO.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Elmano Férrer, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, há duas semanas, falei desta tribuna sobre um tema que muito me preocupava e agora não só me preocupa, mas me traz perplexidade. A Câmara dos Deputados aprovou ontem o PL 4.330, o projeto de lei da terceirização que, sob um falso discurso de modernidade nas relações do trabalho, precariza ainda mais a situação do trabalhador terceirização. E, aqui, gostaria de registrar minha satisfação pelo posicionamento do Presidente desta Casa, Senador Renan Calheiros, no sentido de discutirmos esse tema com mais calma.

            Eu quero até pegar uma declaração do Senador Renan Calheiros, Presidente do Senado, no dia de hoje, em que ele diz que essa regulamentação não pode ser ampla, geral, irrestrita. Se ela atingir 100% das atividades-fins, ela estará condenando essas pessoas, todas, à supressão de direitos trabalhistas e sociais.

            E quero registrar também a fala do Líder do PMDB, Senador Eunício Oliveira: “É fundamental a proteção ao trabalhador. A terceirização é importante, ela moderniza o País, mas não pode ocupar o espaço da atividade-fim de qualquer empresa”, afirmou o Líder do PMDB no Senado.

            Hoje, o Ministro do Trabalho também deu uma declaração: “Esperamos que o Senado venha corrigir especialmente a questão da atividade-fim, que pode causar uma quarteirização.”

            Sr. Presidente, eu creio que essas declarações são muito importantes e sinalizam que o rito aqui vai ser completamente diferente. Esse projeto tem que ir para as Comissões; tem que passar, no mínimo, por quatro Comissões: Comissão de Direitos Humanos, Comissão de Assuntos Sociais, Comissão de Assuntos Econômicos e Comissão de Constituição e Justiça.

            Agora me impressiona a forma como o Presidente da Câmara, Deputado Eduardo Cunha, se comporta. Ele deu uma declaração no mínimo desrespeitosa ao Senado Federal. Disse ele na terça-feira: “O que a Câmara decidir pode ser revisado pelo Senado, mas a última palavra será da Câmara. A gente derrubará a decisão se o Senado desconfigurar o projeto”.

            Considero essa declaração um desrespeito. Esse projeto tramitou durante 11 anos na Câmara dos Deputados e aqui vai passar pelas Comissões. O Deputado Eduardo Cunha pensa que vai ser Presidente eterno da Câmara dos Deputados?

            Eu, sinceramente, acho que esse projeto vai tramitar aqui durante anos. E espero que, quando ele voltar para a Câmara dos Deputados, nós não tenhamos mais um Eduardo Cunha na Presidência daquela Casa. Agora, se ele acha que nós vamos devolver esse projeto com essa velocidade, enquanto ele ainda seja Presidente da Câmara... Porque nós sabemos o que vai acontecer: ali, sob a liderança de Eduardo Cunha, eles vão continuar avançando nesse abuso contra os direitos dos trabalhadores brasileiros, consagrados ainda sob o Governo de Getúlio Vargas.

            Então, nós queremos uma tramitação que passe pelas Comissões e que haja o debate político e o debate técnico de mérito das propostas. Mas nós não esperamos devolver esse projeto com a velocidade que quer o Deputado Eduardo Cunha.

            Eu digo sempre, Sr. Presidente: espero que este debate aqui seja feito sem arroubos e com a tranquilidade que o tema merece. Tem a ver com o tipo de desenvolvimento que almejamos para nosso País. Aqui, desta tribuna, eu disse e repito que os últimos 12 anos foram marcados por conquistas históricas no campo dos direitos trabalhistas, com uma clara opção política pelos trabalhadores, com valorização constante do salário mínimo e incentivo à criação formal de empregos, que bateu recordes atrás de recordes, mesmo nos períodos mais difíceis da crise internacional.

            Que ninguém se engane: as emendas ao texto base, aprovadas ontem pelo Plenário da Câmara dos Deputados, precarizam ainda mais a situação do trabalhador, agravando o retrocesso. É a consolidação do que chamei aqui de mercantilização do trabalhador!

            Uma das emendas, por exemplo, reduziu de dois anos para apenas um ano o prazo de quarentena para que as empresas substituam empregados diretos por terceirizados. Ou seja, incentiva abertamente a demissão de trabalhadores contratados e substituição para que terceirizados ocupem seus postos de trabalho.

            Outra emenda retomou a possibilidade de terceirização na Administração Pública.

            Ora, a quem interessa a aprovação desse projeto? Única e tão somente às empresas que buscam a todo custo - nesse caso, às custas do trabalhador - reduzir gastos, aumentar seus lucros, livrar-se da responsabilidade de remunerar seus funcionários e garantir seus direitos, e se tornar isentas de qualquer investimento na melhoria das condições de trabalho.

            O ímpeto de precarizar o trabalho e reduzir direitos é tão grande que justificou a caríssima campanha, em rede nacional, bancada pela Fiesp, e que ocupou por dias seguidos o horário nobre de nossa principal emissora de televisão e das rádios de maior audiência.

            Que motivos levam a Fiesp a bancar uma campanha tão cara? Quais as motivações da terceirização? Segundo um levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o principal motivo pelo qual as empresas decidem contratar terceirizados é a redução de custo. Segundo essa pesquisa da CNI, 91% decidem contratar terceirizados pela redução dos custos. Uma parcela ínfima (2%) refere-se à especialização técnica como motivadora da terceirização.

            

Estamos falando aqui de salários menores, jornadas maiores, alta rotatividade, redução de postos de trabalho, insegurança no ambiente de trabalho e vulnerabilidade social. Mais uma vez, recorro aos números trazidos por uma pesquisa da CUT em parceira com o Dieese.

            Os terceirizados têm uma remuneração 24,7% menor do que os contratados. Fazem a mesma função, e recebem quase 25% a menos.

            Os trabalhadores terceirizados realizam uma jornada de três horas a mais, semanalmente, do que os demais funcionários, sem que sejam consideradas horas-extras. Se essa jornada fosse equiparada à dos empregados diretos, estima-se que seriam criadas 882 mil vagas de trabalho.

            Os terceirizados, Senador Hélio José, permanecem 2,6 anos a menos no emprego.

            E agora um número que realmente é chocante: a cada dez acidentes de trabalho fatais, oito ocorrem entre trabalhadores terceirizados, devido à falta de treinamento e investimentos em qualificação.

            Em geral, a terceirização abarca setores mais vulneráveis de trabalhadores, como jovens, negros e mulheres.

            Concedo um aparte ao Senador Hélio José.

            O Sr. Hélio José (Bloco Maioria/PSD - DF) - Senador Lindbergh, V. Exª toca num assunto que é fundamental: que esta Casa debata o tema com os cuidados necessários, sem pressa e em condições de evitar a precarização, o aumento de acidentes e, realmente, uma espécie até de trabalho escravo. Eu, que trabalhei por 28 anos da minha vida em concessionária de energia elétrica - na CEB, aqui em Brasília, a Companhia Energética de Brasília, como engenheiro, e na Eletronorte, também, como engenheiro eletricista, por 3,5 anos, em linha viva -, posso dizer-lhe que é inadmissível termos esse tipo de funcionário, com essas dificuldades, com essa precarização, fazendo, por exemplo, esse tipo de serviço, que é um serviço com minúcias. Um risco é morte, não tem meio termo; se errar, morreu. Então, eu quero deixar claro que, embora grande parte do meu Partido tenha votado favorável a essa tese na Câmara, sinceramente, no Senado Federal, ela não tem o meio apoio. O meu Líder também já discutiu comigo e já falou que também não vai apoiar essa tese aqui, no Senado Federal. Nós somos contra essa questão da terceirização nos moldes em que está colocada. Não acreditamos que valha a pena esse aumento de emprego em troca do achatamento salarial, em troca da escravidão de pessoas, em troca de vidas e vidas que serão ceifadas, em troca do risco de termos um serviço que demanda tranquilidade sendo feito por pessoas que estão até com dificuldade de atendimento psicológico. Então, V. Exª tem plena razão. Os Senadores da Comissão de Direitos Humanos, de que sou titular, junto com o Senador Paulo Paim e outros Senadores, como Telmário Mota e outros - acho que até V. Exª esteve lá hoje -, já fizemos três debates sobre esse tema com as centrais sindicais, com as entidades, com a associação civil e com a associação jurídica. O posicionamento do Presidente do TST é claro: contrário a essa questão. O Procurador do Tribunal Superior do Trabalho também é contrário a essa questão, nos moldes em que está colocada, pela inconstitucionalidade, pela precarização, por todos os riscos que V. Exª aqui coloca. Então, quero dizer a V. Exª: nós que somos brasileiros, que somos patriotas e queremos um País cada vez melhor e que tenha melhor qualidade nos seus serviços, não podemos ser favoráveis a esse tipo de situação.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Senador Hélio José, eu agradeço o aparte.

            V. Exª sabe, porque já lhe falei isso pessoalmente, que V. Exª tem tido uma postura aqui neste Senado Federal extremamente importante. Em todos os temas progressistas, nós temos a voz de V. Exª.

            Eu conversava, até informalmente, porque há uma preocupação nossa com essa pauta conservadora que vem da Câmara dos Deputados, sob a liderança do Presidente da Câmara dos Deputados. O Senado sempre foi uma Casa mais conservadora que a Câmara. Eu acho que o Senado, agora, é salvação da lavoura! E eu falava sobre a articulação de um bloco progressista aqui, independente de ser base do Governo ou não. Eu conversava isso com os Senadores do PSB, com V. Exª, e falei agora com o Senador Cristovam que nós temos que chamar uma reunião aqui de um bloco progressista, que se estabeleceu, na prática, no debate sobre biodiversidade, em que nós, em uma votação que ganhamos por um voto (31 a 30), conseguimos fazer prevalecer o direito dos povos indígenas, a repartição de benefícios. Há uma série de temas que podem nos unir: a luta contra esse projeto de terceirização, a luta contra a redução da maioridade penal, a luta contra esse Estatuto da Família do jeito que estão querendo impor.

            Então, eu acho muito importante. Acho que V. Exª tem um papel importantíssimo, mas a criação de um bloco progressista suprapartidário seria um grande fato novo na política e no Senado Federal para se contrapor a essa maluquice que tem vindo dessa pauta conservadora da Câmara dos Deputados.

            Então, muito obrigado a V. Exª pelo aparte.

            Volto ao discurso, dizendo que a precarização das relações de trabalho é tão evidente que, dos dez maiores resgates de trabalhadores em condições análogas à de trabalho escravo no Brasil, em 90% dos casos os trabalhadores eram terceirizados.

            O projeto de terceirização vai agravar a exclusão e a discriminação de grupos hoje marginalizados na sociedade: os mais pobres, as pessoas negras, as pessoas com menos instrução, as pessoas com deficiência.

            E aqui vale abrir um parêntese sobre a situação das pessoas com deficiência. Após ampla articulação em todo o País, conseguimos aprovar a exigência de cotas para a contratação das pessoas com deficiência em empresas de grande porte. Com a aprovação do projeto de terceirização, há um grande perigo de que as empresas se utilizem de artifícios para contornar a exigência de contratação de mão de obra de pessoas com deficiência, subcontratando o serviço por meio de terceirizadas. A emenda aprovada ontem na Câmara dos Deputados não traz garantias suficientes para as pessoas com deficiência, e nós não vamos admitir que passe no Senado Federal qualquer ameaça aos direitos arduamente conquistados por esse grupo.

            Além disso, Sr. Presidente, vale lembrar que as empresas terceirizadas são campeãs no calote de obrigações trabalhistas; os terceirizados possuem situação mais precária no âmbito da segurança e saúde no trabalho; além do golpe evidente que sofre a organização sindical, fragilizando a capacidade de negociação coletiva.

            Quando eu falo em calotes das obrigações trabalhistas, não é preciso ir longe. Podem conversar com qualquer ascensorista aqui do Senado Federal. Nós tivemos um episódio desses há um ano: uma empresa que contratava terceirizados para prestar serviços aqui no Senado Federal, de uma hora para outra, faliu e não pagou as obrigações trabalhistas. Nós andávamos aqui pelos corredores, e os funcionários nos dizendo isso. Nós presenciamos um fato concreto. E os Ministros do TST relatam números casos de calote como esse.

            Nunca é demais lembrar as críticas da Justiça do Trabalho ao projeto da terceirização: para os Ministros do Tribunal Superior do Trabalho, o projeto “provocará gravíssima lesão social de direitos sociais trabalhistas e previdenciários, (...) deflagrando impressionante redução de valores, direitos e garantias trabalhistas e sociais”.

            Para o presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), o projeto terá “efeitos catastróficos” e vai “inaugurar uma era de insegurança jurídica”. A entidade calcula, ainda, que a participação do fator trabalho na renda nacional cairá dos atuais 34 a 37% para algo em torno de 25 a 30%.

            Os terceirizados são discriminados no próprio local de trabalho, enfrentando dificuldades de acesso a refeitórios, aos vestiários e aos uniformes e equipamentos necessários para o exercício da atividade.

            Estamos diante, Srªs e Srs. Senadores, da mercantilização do trabalhador!

            Em resumo, é um golpe inaceitável aos direitos dos trabalhadores e à Constituição, especialmente em um país com tantas conquistas recentes. Que ninguém se engane com o discurso da modernidade ou da especialização; terceirizar significa tirar deveres dos empregadores e direitos dos trabalhadores. Menos salários, menos direitos, mais horas de trabalho.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/04/2015 - Página 192