Discurso durante a 49ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Posicionamento contrário à aprovação do projeto de lei que regulamenta a terceirização .

Autor
Vanessa Grazziotin (PCdoB - Partido Comunista do Brasil/AM)
Nome completo: Vanessa Grazziotin
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TRABALHO.:
  • Posicionamento contrário à aprovação do projeto de lei que regulamenta a terceirização .
Publicação
Publicação no DSF de 15/04/2015 - Página 83
Assunto
Outros > TRABALHO.
Indexação
  • CRITICA, PROJETO DE LEI, ASSUNTO, REGULAMENTAÇÃO, TERCEIRIZAÇÃO, TRABALHO, MOTIVO, AUTORIZAÇÃO, TRANSFERENCIA, EXECUÇÃO, ATIVIDADE ESPECIFICA, EMPREGADOR.

            A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Muito obrigada, Senadora Ana Amélia.

            Quero, da mesma forma, abraçar de forma carinhosa nosso querido Senador Valadares pela perda de sua mãe, que eu sei o que significa, Senador. Então, receba o nosso carinho, o nosso abraço neste instante.

            Mas Srª Presidente, o que me traz à tribuna neste momento é o mesmo fato que acaba de mencionar o Senador Humberto Costa. Penso que estamos todos muito preocupados com a conclusão da votação, possivelmente no dia de hoje, pela Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei nº 4.330, que trata da terceirização, e com a chegada deste projeto aqui no Senado Federal. Esse projeto, que tem levantado dúvidas e óbices, merece, sem dúvida nenhuma, uma análise detalhada sobre os seus impactos, principalmente sobre as trabalhadoras e os trabalhadores brasileiros. Mas os impactos têm que ser medidos também na área fiscal e na própria economia do nosso País, sendo que, sobre os impactos em relação às relações e direitos trabalhistas, é fundamental que se faça uma análise.

            Então, Srª Presidente, não é razão nem motivo dizer: olha, o projeto já está aqui desde 2004. Não importa. Poderia estar desde 1994. O que importa é o conteúdo, o debate que se trava em torno dele. O projeto ficou na gaveta. Retirado da gaveta, foi votado rapidamente sem que fosse possível, naquela Casa, um debate mais profundo com o conjunto das trabalhadoras e trabalhadores brasileiros.

            Eu quero dizer, Srª Presidente, que não tenho a pretensão de demonizar ou de repelir qualquer iniciativa que trate da regulamentação da terceirização, de forma nenhuma.

            Acho até que devemos trabalhar a regulamentação da terceirização, mas no sentido de garantir direitos, de ampliar direitos, e não da forma que vem sendo conduzida pela Câmara dos Deputados.

            O processo de terceirização da produção e da prestação de serviços no Brasil - e em quase todos os países capitalistas - desenvolveu-se, principalmente, como parte do rearranjo produtivo iniciado na década de 70 do século passado, a partir da terceira revolução industrial, e que se prolonga até os dias de hoje. São mudanças importantes na organização da produção e do trabalho e, no caso específico da terceirização, na relação entre empresas.

            No final dos anos 80 e início da década de 90, o Brasil passou por uma série de mudanças institucionais e estruturais. De um lado, a Constituição de 1988 estabeleceu um novo marco institucional; de outro, o esgotamento do processo de substituição de importações e a intensificação do fenômeno da globalização impulsionaram uma abertura da nossa economia ao exterior, realizada de forma açodada - no nosso entendimento -, abrupta e dissociada da política industrial e agrícola vigente à época.

            Esse processo ocorreu em um ambiente de forte retração da economia e se prolongou, embora de forma um pouco mais branda, até o final da década. Isso significa que as mudanças que incluem a terceirização foram impulsionadas pela necessidade urgente de uma reestruturação produtiva para alcançar patamares de produtividade que garantissem a competitividade e pela longa recessão da economia brasileira.

            Nesse período, foram adotadas medidas que visavam estimular a competitividade dos produtos brasileiros para enfrentar as novas condições impostas pelos mercados nacional e internacional. Essa foi a justificativa construída naquele momento para a inclusão no nosso marco legal.

            Mas esse quadro hoje é completamente diferente, Srª Presidente. Não há justificativa para a aprovação de uma medida de precarização e rebaixamento da força de trabalho em um período histórico de avanços trabalhistas, representado pelo baixo índice de desemprego e pela constante valorização do salário mínimo.

            A regulamentação da terceirização da forma como foi proposta não busca o aumento da produtividade ou da competitividade; busca tão somente um aumento nas taxas de lucro através do estrangulamento do trabalho.

            Segundo dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego do Dieese, de 2014, os trabalhadores terceirizados recebem, em média, quase 25% a menos que os funcionários contratados diretamente pela empresa-fim. Ou seja, um quarto a menos eles recebem em seus salários. Visto que as mulheres ganham, em geral, somente 80% do salário dos homens, isso significa que seus rendimentos seriam ainda menores. Além disso, as mulheres já são a maioria dos trabalhadores terceirizados, por um agravante histórico da própria construção do patriarcado, o qual relega as mulheres, de forma naturalizada, a uma posição subalterna no mercado e lhes reserva as posições com piores rendimentos e mais desvalorizadas socialmente.

            Além disso, há uma instituição no imaginário social coletivo de que as mulheres devem desempenhar os trabalhos domésticos e de cuidado, segundo uma lógica de divisão sexual do trabalho. Essa situação cria a dupla ou até a tripla jornada de trabalho para as mulheres, que, além de seus empregos no mercado formal, têm as suas obrigações no lar e nas tarefas de reprodução.

            Segundo estudo produzido pela Liderança do meu Partido, o PCdoB, na Câmara dos Deputados, no que tange à jornada de trabalho, por exemplo, Srª Presidente, os terceirizados trabalham em média três horas a mais semanalmente, sem considerar as horas extras ou o banco de horas. Isso implica uma redução superior a 882 mil postos de trabalho se a jornada dos terceirizados fosse igual à jornada dos empregados diretos.

            O tempo de serviço em uma empresa de trabalhadores diretos é em média 5,8 anos, enquanto que os terceirizados ficam em média apenas 2,7 anos em cada empresa, o que mostra o aumento do grau de rotatividade nas empresas que trabalham fornecendo mão de obra através da terceirização.

            Outro aspecto importante é quanto à segurança do trabalho. No uso da terceirização, o trabalhador fica desprotegido do ponto de vista da responsabilização do acidente de trabalho, uma vez que a empresa não se responsabiliza pela sua contratação. Entre os estudos recentes, muitos apontam os trabalhadores terceirizados como as principais vítimas dos acidentes de trabalho, vários deles fatais.

            O trabalhador terceirizado, não raras vezes, é contratado de forma a burlar a legislação trabalhista, mediante contratos temporários e contratos de pessoa jurídica, que passam à margem do conjunto de direitos trabalhistas conquistados pelo movimento sindical organizado durante décadas, décadas e décadas, Srª Presidente.

            Para as mulheres, isso representa mais precarização e maior flexibilização do trabalho. O que já é uma realidade para a maioria pode se tornar uma totalidade.

            Em audiência pública - aqui me refiro ao que já foi feito desta tribuna por oradores que me antecederam - realizada nesta última segunda-feira, ontem, organizada pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, a requerimento do Senador Paulo Paim (PT/RS), todos os segmentos envolvidos com o Direito do Trabalho foram categoricamente contra o projeto de lei que permite a terceirização (PL 4330/2004), evocando a sua inconstitucionalidade ao permitir a precarização das relações trabalhistas.

            Aqui, quero dizer e repetir dados já citados que temos, no Brasil, em torno de 12 milhões de homens e mulheres trabalhando no mercado, através de empresas de terceirização. Esses trabalhadores aguardam uma regulamentação que lhes garanta direitos, que lhes assegure direitos e não que se retroceda.

            Na audiência de ontem, Srª Presidente - não vou ler aqui, peço que dê como lido na íntegra -, faço questão de citar, por exemplo, as palavras do Ministro Presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ministro Antônio José de Barros Levenhagen, que também destacou que "a terceirização foi trazida para o Brasil sem muitas considerações depois de sua implantação nos Estados Unidos, sob um contexto específico do mercado de trabalho daquele País. À época, pelo fato de o Brasil não ter uma lei para preservar o direito dos trabalhadores que estavam sendo terceirizados, o Tribunal editou a Súmula 331, que ainda hoje utiliza nos julgados, que proíbe a terceirização da atividade-fim".

            Então, foi uma manifestação importante, contrária ao processo de terceirização, assim como a própria visão do Ministério Público, que foi muito clara em rechaçar a iniciativa, como fez a Câmara dos Deputados, de regulamentação dessa forma equivocada de terceirização.

            Não foi diferente a posição da Anamatra, representada pela Drª Noemia Aparecida Garcia Porto, lembrando a posição da OIT, desde 1919, comprometendo-se em garantir direitos aos trabalhadores, sejam eles quem for, trabalhando direta ou indiretamente.

            Então, Srª Presidente, repasso às suas mãos o meu pronunciamento, deixando claro não só a nossa opinião contrária ao projeto da forma como vem sendo votado, mas a necessidade de esta Casa debater de forma profunda algo que diz respeito a tantas pessoas neste País, homens, mas principalmente mulheres, que, repito, são a maioria já no mercado de trabalho dos terceirizados.

            Muito obrigada, Srª Presidente.

 

SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DA SRª SENADORA VANESSA GRAZZIOTIN

            A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesta tarde, a Câmara dos Deputados deve conciuir a apreciação dos destaques do PL 4330/04 e em breve iniciaremos os debates acerca deste tema aqui no Senado.

            Este projeto, que tem levantado dúvidas e óbices, merece uma análise detalhada sobre seus impactos junto às mulheres e homens que trabalham em nosso país, junto ao recolhimento de tributos e sobre a nossa economia.

            Não se trata aqui de demonizar pura e simplesmente a terceirização, mas de se analisar de forma fria esta proposta que ao invés de alavancar nosso crescimento, pode sim inviabilizá-lo.

            O processo de terceirização da produção e da prestação de serviços no Brasil, e em quase todos os países capitalistas, desenvolveu-se como parte do rearranjo produtivo, iniciado na década de 70 do século XX, a partir da terceira Revolução Industrial, e que se prolonga até os dias de hoje.

            São mudanças importantes na organização da produção e do trabalho e, no caso específico da terceirização, na relação entre empresas.

            No final dos anos 80 e início da década de 90, o Brasil passou por uma série de mudanças institucionais e estruturais. De um lado, a Constituição de 1988 estabeleceu um novo marco institucional; de outro, o esgotamento do processo de substituição de importações e

            a intensificação do fenômeno da globalização impulsionou a abertura da economia ao exterior, realizada de forma abrupta e dissociada de políticas industrial e agrícola.

            Esse processo ocorreu em um ambiente de forte retração da economia e se prolongou, embora de forma um pouco mais branda, até o final da década. Isso significa que as mudanças que incluem a terceirização foram impulsionadas pela necessidade urgente de uma reestruturação produtiva para alcançar patamares de produtividade que garantissem a competitividade e pela longa recessão da economia brasileira.

            Nesse período, foram adotadas medidas que visavam estimular a competitividade dos produtos brasileiros para enfrentar as novas condições impostas pelos mercados nacional e internacional.

            Esta foi a justificativa construída naquele momento para a inclusão no nosso marco legal.

            Mas este quadro é completamente diferente da atual conjuntura.

            Não há justificativa para a aprovação de uma medida de precarização e rebaixamento da força de trabalho, em um período histórico de avanços trabalhistas, representado pelo baixo índice de desemprego e pela constante valorização real do salário mínimo.

            A regulamentação da terceirização, da forma em que foi proposta, não busca o aumento da produtividade ou da competitividade. Busca tão somente um aumento nas taxas de lucro através do estrangulamento do trabalho.

            Segundo dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego do DIEESE (2014), os trabalhadores que são terceirizados recebem uma média de 24,7% a menos que os funcionários contratados diretamente pela empresa fim.

            Visto que as mulheres ganham em geral somente 80% do salário dos homens, isso significa que seus rendimentos seriam ainda menores!

            Além disso, as mulheres já são a maioria entre os trabalhadores terceirizados, por um agravante histórico da construção do patriarcado, o qual relega as mulheres - de forma naturalizada - uma posição subalterna no mercado e as reserva às posições com piores rendimentos e mais desvalorizadas socialmente.

            Além disso, há uma institucionalização no imaginário social coletivo de que as mulheres devem desempenhar os trabalhos domésticos e de cuidado, segundo uma lógica de divisão sexual do trabalho. Essa situação cria uma dupla jornada de trabalho para as mulheres, que têm seus empregos no mercado e suas obrigações nas tarefas de reprodução.

            Segundo um estudo produzido pela Liderança do PCdoB na Câmara dos Deputados: no que tange à jornada de trabalho, por exemplo, os terceirizados trabalham, em média, três horas a mais semanalmente, sem considerar horas extras ou banco de horas.

            Isso implica em uma redução de 882.959 vagas de trabalho a menos, do que se a jornada dos terceirizados fosse igual à dos empregados diretos.

            O tempo de serviço em uma empresa dos trabalhadores diretos é, em média, de 5.8 anos, enquanto os terceirizados

            ficam apenas, em média, 2,7 anos em cada empresa, o que mostra o aumento do grau de rotatividade destes últimos. Isso também pressiona o Fundo de Amparo ao Trabalhador, pois o trabalhador terceirizado alterna mais freqüentemente períodos de trabalho e períodos de desemprego.

            Outro aspecto importante é quanto à segurança do trabalho. No uso da terceirização, o trabalhador fica desprotegido do ponto de vista da responsabilização por acidente de trabalho, uma vez que a empresa não se responsabiliza pela sua contratação. Entre os estudos recentes, muitos apontam os trabalhadores terceirizados como as principais vítimas de acidentes de trabalho, vários deles fatais.

            O trabalhador terceirizado não raras vezes é contratado de forma a burlar a legislação trabalhista, mediante contratos temporários e contratos de pessoa jurídica (PJ), que passam à margem do conjunto de direitos trabalhistas conquistados pelo movimento sindical organizado. Para as mulheres, isso representa mais precarização e maior flexibilização do trabalho. O que já é uma realidade para a maioria pode se tornar uma totalidade.

            Em audiência pública realizada nesta segunda-feira (13) na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, a requerimento do senador Paulo Paim (PT/RS), todos os segmentos envolvidos com o Direito do Trabalho foram categoricamente contra o projeto de lei que permite a terceirização (PL 4330/2004), evocando a sua inconstitucionalidade ao permitir a precarização das relações trabalhistas.

            Importante destacar que todos são favoráveis à regulamentação, mas na direção da garantia de direitos dos terceirizados. Hoje, 12 milhões de brasileiras e brasileiros esperam esta regulamentação.

            Nesta mesma audiência, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Antônio José de Barros Levenhagen, também destacou que "a terceirização foi trazida para o Brasil sem muitas considerações depois de sua implantação nos Estados Unidos, sob um contexto específico do mercado de trabalho daquele país. À época, pelo fato de o Brasil não ter uma lei para preservar o direito dos trabalhadores que estavam sendo terceirizados, o Tribunal editou a Súmula 331, ainda hoje utiliza nos julgados, que proíbe a terceirização da atividade-fim".

            Outra manifestação importante, que este Senado deve levar em conta é a do procurador do Ministério Público do Trabalho, Helder Santos Amorim que foi enfático ao afirmar que terceirizar a atividade finalística é inconstitucional.

            Na visão do Ministério Público "A Constituição de 1988 foi a primeira que inseriu os direitos dos trabalhadores no rol dos direito fundamentais. Um arcabouço que tem a missão de melhorar a condição social do trabalhador" e o PL 4330 colide com a Constituição Federal, pois permite que a norma constitucional fique submetida à vontade do empregador.

            Essa terceirização, inclusive nas empresas públicas e sociedade de economia mista, acaba com o regime de concurso público. Se uma estatal decide terceirizar quaisquer atividades, ela não vai fazer concurso público.

            Também registro a opinião da secretária-geral da Anamatra, Noemia Aparecida Garcia Porto, lembrando que no entendimento da Associação dos Magistrados do Trabalho que o Brasil, como membro da Organização Internacional do Trabalho (OIT) desde 1919, se comprometeu a combater a mercantilização do trabalho.

            Para os magistrados a proteção ao trabalho é um direito fundamental da pessoa humana.

            Por fim, também registro a opinião da Ordem dos Advogados do Brasil que lembra que o projeto permite que a terceirizada, terceirize. É a quarteirização do trabalho.

            Segundo dados do DIEESE, dos 3.553 trabalhadores resgatados em condições análogas à escravidão no ano de 2013 cerca de 3 mil era terceirizados.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o PL 4330/04 é apresentado como a solução para a criação de empregos, no momento em que temos as mais baixas taxas de desemprego da história.

            É apresentado como uma solução moderna de gestão, mas que representa de fato a precarização e a desproteção aos trabalhadores.

            É apresentado como forma de reduzir os custos dos entes públicos que buscarem terceirizar suas atividades, mas de fato representa um aumento nas despesas trabalhistas e causa grande impacto no Fundo de Amparo ao Trabalhador.

            Em resumo, realizando um análise fria e objetiva, o PL 4330/04 é uma medida ilegal, imoral e inconstitucional.

            Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/04/2015 - Página 83