Discurso durante a 60ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com as possíveis distorções que podem ser causadas caso seja aprovado o projeto de lei que permite a terceirização das atividades-fim em organizações públicas e privadas.

Autor
Marcelo Crivella (PRB - REPUBLICANOS/RJ)
Nome completo: Marcelo Bezerra Crivella
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TRABALHO:
  • Preocupação com as possíveis distorções que podem ser causadas caso seja aprovado o projeto de lei que permite a terceirização das atividades-fim em organizações públicas e privadas.
Publicação
Publicação no DSF de 05/05/2015 - Página 222
Assunto
Outros > TRABALHO
Indexação
  • REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, DEBATE, LOCAL, SINDICATO, SECURITARIO, RIO DE JANEIRO (RJ), ASSUNTO, APREENSÃO, PROJETO DE LEI, OBJETIVO, CONTRATAÇÃO, TERCEIRIZAÇÃO, TRABALHADOR, REALIZAÇÃO, ATIVIDADE ESPECIFICA, EMPRESA, SERVIÇO PUBLICO.

O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco União e Força/PRB - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão

do orador.) - Sr. Presidente, Senador José Medeiros, do bravo Estado do Mato Grosso, muito obrigado a V. Exª, por ter me concedido a palavra.

    No Dia do Trabalhador, 1º de maio, estive visitando o Sindicato dos Securitários, no meu Estado do Rio de Janeiro. E, naquela festa do Dia do Trabalhador, havia um projeto que nos preocupava a todos, que é o PLC nº 30, de 2015. Perdão, na verdade, é o PLS - ele assumiu aqui este número - nº 30, de 2015; na Câmara, origi- nariamente, é o PLC nº 4.330, que trata de um tema muito caro aos trabalhadores brasileiros, que é a questão da terceirização.

Lá pudemos analisar juntos o projeto de lei que chegou ao Senado, e, realmente, todos fomos unânimes

em reconhecer que ele merece, carece de aprimoramentos.

Preocupa-nos basicamente a questão da terceirização da atividade-fim. Hoje, no Brasil, há 45 milhões de

brasileiros com carteira assinada. Doze milhões deles são terceirizados.

    Em países que adotaram essa lei anteriormente a nós, o número se inverteu: o número de terceirizados passou a ser muito maior do que o número de trabalhadores na CLT.

    Isso pode ocorrer no Brasil. Isso é uma primeira preocupação, se nós permitirmos que a atividade-fim seja também colocada como atividade possível de ser terceirizada.

    Outra coisa que nos preocupa a todos é que a terceirização vai realmente alcançar o setor público, por- que agências reguladoras, empresas públicas e sociedades de economia mista, que não são poucas - o Banco do Brasil é uma delas, é uma sociedade de economia mista -, vão poder, Sr. Presidente, terceirizar. Isso pode representar um ataque frontal ao que a Constituição brasileira estabeleceu em 1988: que nós todos podería- mos, e nossos filhos, ter acesso ao emprego público, mas não mais por apadrinhamento, não mais por indica- ção política e sim pela via da “meritocracia”, do concurso público. Assim tem sido feito, desde 1988: concursos públicos para preenchimento de cargos públicos.

    Pois bem. Agora, com a possibilidade de terceirizar a atividade-fim, inclusive as agências reguladoras, as fundações e as empresas de economia mista, nós poderíamos ter - meu Deus! - talvez 80% dos funcionários do Banco do Brasil ou de outras empresas semelhantes terceirizados. E isso fere a Constituição.

    Outra coisa que nos preocupa, e muito: o orçamento do Estado do Rio de Janeiro é em torno de 70 a 80 bilhões por ano. Metade desse orçamento está terceirizado. Então, nós encontramos em todo o Estado - no Detran, nos hospitais estaduais, nas escolas, na Secretaria de Abastecimento, na Secretaria de Agricultura, de Pesca -, em todos os locais, funcionários terceirizados. É frequente no noticiário que essas empresas deixam de cumprir as obrigações trabalhistas. Muitas delas não continuam, elas estão em nome de pessoas - permitam-

-me até usar aqui o termo que se usa na imprensa -, de laranjas, que são colocados ali com interesse muitas vezes de grupos políticos para prestar serviços ao Estado, aos Municípios, às empresas públicas.

    E, passados dois anos, ou menos, recebendo, além do salário do funcionário que está locado, as obrigações trabalhistas - praticamente mais um salário, 100% -, uma taxa de administração nunca menor do que, em torno de 20% a 30%, esses recursos são acumulados, e, para cem funcionários, isso significa cem salários-mínimos, por mês. Aí, a partir do segundo ano, ou de um ano e meio, essas empresas quebram, e os funcionários ficam sem receber e vão buscar seus direitos - férias, décimo-terceiro, fundo de garantia -, vão à Justiça do Trabalho, que, quando aciona aquela empresa, verifica que o proprietário não tem bens, para responder pessoalmente.

    Bem, diz-se que, quando se presta serviço para o Governo, ele é devedor solidário. Mas, Senador Me- deiros, nós sabemos que não há cartório, neste País, que aceite protesto contra o Governo. Então, na verdade, esses homens e essas mulheres vão ficar na fila, na fila de precatórios, e não vão receber seus direitos tão cedo.

    Imaginem! Sem a Lei de Terceirização, dos 80 bilhões de orçamento do Estado do Rio de Janeiro, 40 bi- lhões já são para empresas terceirizadas, imaginem agora com a Lei de Terceirização!

    Aquele vínculo sagrado, aquele espírito cívico, aquela solenidade que envolvia o cargo público, a distinção do concurso, a perspectiva de carreira, nós estamos colocando em risco, com esse projeto aprovado na Câma- ra dos Deputados. Preocupa-nos muito, porque o valor de caução previsto na lei é de 1% do valor do contrato limitado a 130% da prestação mensal. Ora, é muito pouco! Assina-se um contrato de 30 milhões e deixa-se, como caução, 300 mil? Isso vai suprir aquela empresa terceirizada que não pagou as obrigações trabalhistas? Não! E mais: a lei também prevê que essa garantia é válida por apenas 90 dias.

Isso tudo nos preocupa - e muito -, Sr. Presidente. Mas não são só essas as minhas preocupações.

    Nós conseguimos, ao longo do tempo, dar ao trabalhador brasileiro, numa sociedade extremamente de- sigual, uma das mais desiguais do mundo... Eu quero até aqui, se me permitem os Srs. Senadores, aproveitan- do que hoje temos um pouquinho mais de espaço para falar, fazer uma reminiscência histórica. O nosso País sempre teve recursos naturais em abundância. O nosso País foi polo de geração de riquezas, nós tivemos ciclos de riqueza extraordinários, espetaculares, e eu vou citar apenas o ouro. A produção mundial de ouro, estima- da, quer dizer, todo o ouro que existe no Planeta Terra é em torno de 20 mil toneladas. Segundo os cientistas, o ouro não é da nossa crosta terrestre, o ouro veio por um cometa que chocou-se com a Terra; e esse cometa tinha ouro e tinha 20 mil toneladas.

    No século XVIII, só de Minas Gerais nós extraímos 86 toneladas, nós extraímos 86 mil quilos de ouro a mão, a sangue, suor e lágrimas de índios e de negros. Uma inteira geração que deu a vida para enriquecer a Europa e a Inglaterra, porque pouco do ouro ficou aqui no Brasil, esse ouro foi fazer a revolução mercantilista na Europa. Esse ouro foi acabar, depois, nos cofres da China e da Índia, e, depois, engolidos pela armada ingle- sa, foram fazer a revolução industrial lá pelos idos do século XVIII.

Mas, do bravo Estado de Goiás, foram 16 toneladas no mesmo século, e do bravo Estado do Mato Gros- so, 6 toneladas. Somando tudo, mais de 100 toneladas. Olha, para se ter uma ideia, Serra Pelada, na década de 80, com toda a mecanização, com toda a tecnologia, durante dez anos eles extraíram 10 toneladas. Portanto,

o Ciclo do Ouro no Brasil foi algo extraordinário, seguido pelos diamantes, que Borba Gato encontrou nas mi- nas de Minas Gerais.

E agora eu pergunto aos senhores: isso deu alguma vantagem à mão de obra brasileira? Nós construí- mos, ao longo dos ciclos econômicos da cana de açúcar, do café e do ouro, não podemos dizer do gado tam- bém, criado no espaço com a tecnologia africana que veio para nós, porque o português só conhecia a criação de gado estabulado; o português não sabia criar gado solto no espaço, isso veio com os vaqueiros africanos.

Em algum ponto da nossa história, podemos nos orgulhar de termos dado vantagem à mão de obra? Não, na geração de riqueza no Brasil sempre entrou capital e mão de obra, mas foi predominantemente favo- rável ao capital.

Na época do Império, os mais humildes olhavam para esta Casa e diziam: “Esse Senado é um mato de onde não sai coelho”, porque os Senadores eram fidalgos, eram condes, marcondes, barões, que, pela força do sangue e do dinheiro, todos eles senhores de escravos, votavam a favor dos seus interesses. Nós proclamamos a República, mas a Casa do Povo, o Senado Federal, deixou de ter fidalgos para ter barões do café, os barões do algodão, os barões do milho. E o povo? O povo estava lá fora, o povo não participava, o povo olhava para esta Casa e dizia: “Desse mato não sai coelho, esse povo não pensa na gente.”

Apenas com Getúlio Vargas é que o Brasil começa sua revolução social. É uma alvorada, eu diria, de boas novas, uma clarinada de motivação para a classe trabalhadora, uma mensagem de esperança a todos os cora- ções, porque aquela figura consular de Getúlio Vargas queria, com o fascínio da sua personalidade, dominar o cenário histórico do seu tempo, nos deu a Petrobras, nos deu a Eletrobras, nos deu Volta Redonda, os pracinhas, com seus atos heroicos, e, sobretudo, a renovação social do Brasil com a CLT.

Mal sabia Getúlio que, quando assinava, no dia 4 de maio de 1943, o decreto do salário mínimo, estava assinando a sua sentença de morte, porque as elites brasileiras não o perdoaram. Se nós lermos os discursos feitos nesta Casa por ocasião da assinatura do salário que dava ao brasileiro o mínimo para não morrer de fome, os Parlamentares diziam: “A ambição dos pobres é desmedida e insaciável; hoje se dá um salário, amanhã vão querer mais.” Passou apertado! O salário mínimo passou apertado.

Estou aqui me dando a oportunidade de falar e extravasar os sentimentos do meu coração, porque, aos poucos, fomos conquistando o sindicalismo, as mesas redondas, a possibilidade de se sentar com a classe em- presarial, com os patrões, e discutir um pouco melhor os meios de produção. Regulamentamos, das duas mil atividades, sessenta.

A minha profissão e a do Presidente - nós somos engenheiros - passou a ser contemplada com um con- selho, estadual, federal, o Confea. Tivemos um salário mínimo, nos deu prerrogativas de assinarmos os projetos, e não se pode fazer projetos sem um responsável técnico. Isso tudo foram conquistas, conquistas sacramen- tadas na nossa Constituição.

Pois bem, se nós aprovarmos a lei sem aprimorá-la, como veio da Câmara, nós vamos perder, eu diria, isso tudo que conquistamos a duras penas, a preço de sangue, suor e lágrima de sucessivas gerações de bra- sileiros, brancos, pobres, negros, mestiços, índios, e que hoje está na nossa Constituição.

O coração dessa lei é exatamente destruir a unicidade sindical e a possibilidade de que os trabalhadores conquistem vantagens que possam melhorar o seu padrão de vida.

Alguns dizem:“Mas, nos Estados Unidos, um país liberal de berço e a maior economia do mundo, as obri- gações trabalhistas são menores”. É verdade, mas nos Estados Unidos ninguém ganha menos do que US$35 mil por ano. Ninguém ganha menos que isso. E os serviços públicos são prestados com uma qualidade que nós não possuímos.

Sr. Presidente, eu não quero ser fastidioso, mas eu gostaria de encerrar - o meu discurso seria mais lon- go - com o último art. 27.

Nesse, nós não pecamos apenas contra o nosso povo, mas pecamos contra Deus, porque somos 200 mi- lhões de brasileiros, e a nossa Constituição prevê que nós temos o dever de construir uma sociedade fraterna de tal maneira que grandes juristas já estão, inclusive, levando para a constitucionalização as ações civis, que antes envolviam interesse de duas pessoas. Mas, hoje, eles consideram também as repercussões que aquelas decisões terão na vida das pessoas, das outras pessoas, exatamente pelo princípio de construir uma sociedade fraterna. Dos 200 milhões de brasileiros, nós temos 20 milhões que são os nossos irmãos deficientes ou por- tadores de necessidades especiais, surdos, mudos, cegos, nossos irmãos que têm dificuldade de locomoção.

Olha, a lei da terceirização permite que, na cota que o dever cívico nos impõe nas empresas com mais de cem funcionários de terem, de alocarem, nossos irmãos com necessidades especiais sejam terceirizados.

Eu fico aqui pensando se não seria aí um pecado contra Deus, porque nós já vivemos num Brasil tão violento, num Brasil de 50 mil assassinatos por ano, num Brasil que tem uma riqueza conspícua, perdulária, faustosa, e a uma distância constrangedora, favelas onde crianças, com os dentes estragados, moram em bar-

racos. No meu Estado, nós somos capazes de tirar petróleo debaixo do pré-sal, tecnologia que poucos povos do mundo têm, mas ainda somos o Estado da Federação com maior número de favelas. Crianças que vivem à beira de esgotos a céu aberto, um cheiro horroroso, muitas delas afastadas do pai e da mãe, que cumprem jornadas de trabalho exaustivas, e muitas delas, na adolescência, caindo nas armadilhas ou sendo empurradas para o submundo, para o crime, para o tráfico. E nós até estamos agora - nós, não, um setor do Congresso Na- cional - querendo diminuir a idade penal, o que, na minha opinião, em nada contribuirá.

    Essa sociedade extremamente desigual, essas irmãs siamesas, que são monstruosas, mas que uma não vive sem a outra, porque a classe rica se ceva da miséria da classe trabalhadora, sobretudo da mão de obra bra- çal, doméstica; essa classe, que eu diria que não fica a dever em nada aos ricos do Primeiro Mundo, que viaja, que se educa, que se entretêm, que têm seus jatos, uma das maiores frotas de helicópteros do mundo, e bem perto dela, vivendo em condições sub-humanas, num submundo de privações e opróbrios, uma quantidade enorme de brasileiros, e que agora, nós, com essa lei da terceirização, podemos lançá-los, senão todos, mas quase todos, numa situação mais precária de contrato de trabalho.

    Então, essas preocupações eu acho que ecoam nesta Casa, onde os Senadores, muitos deles até empre- sários, mas que já me manifestaram preocupações com a lei, vão se debruçar para aperfeiçoá-la.

Eu gostaria até, Sr. Presidente, se me permite, antes de concluir, de convidar os telespectadores, os ouvin-

tes da Rádio Senado, aqueles que nos acompanham pela internet para, no dia 12 de maio, acompanhar uma sessão especial - não vai haver Ordem do Dia -, em que nós vamos aqui ouvir grandes especialistas: homens do Direito, operadores do Direito, também grandes empresários, que virão aqui para esclarecer esses pontos todos que nos afligem e angustiam, para que possamos, com serenidade, aprimorar essa lei e garantir ao traba- lhador brasileiro aquilo que lhe é de dignidade, de honradez - a sua sobrevivência, o seu direito. Aliás, foi num discurso histórico que o grande Presidente do PMDB Ulysses Guimarães disse que o trabalhador tinha direito ao descanso remunerado, ao lazer, a uma salário digno que lhe desse educação, saúde e um lugar para morar.

Presidente, muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/05/2015 - Página 222