Discurso durante a 59ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Preocupação com os impactos negativos nos direitos dos trabalhadores da eventual aprovação do projeto de lei que regulamenta a terceirização.

Autor
Hélio José (PSD - Partido Social Democrático/DF)
Nome completo: Hélio José da Silva Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TRABALHO:
  • Preocupação com os impactos negativos nos direitos dos trabalhadores da eventual aprovação do projeto de lei que regulamenta a terceirização.
Publicação
Publicação no DSF de 01/05/2015 - Página 39
Assunto
Outros > TRABALHO
Indexação
  • CRITICA, CAMARA DOS DEPUTADOS, MOTIVO, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, ASSUNTO, REGULAMENTAÇÃO, TERCEIRIZAÇÃO, TRABALHO, ENFASE, REDUÇÃO, DIREITOS E GARANTIAS TRABALHISTAS, AMEAÇA, CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO (CLT), DEFESA, NECESSIDADE, PROTEÇÃO, MOVIMENTO TRABALHISTA, PROGRESSO, DEMOCRACIA, PEDIDO, REVISÃO, SENADO, OBJETIVO, APERFEIÇOAMENTO, PROJETO.

            O SR. HÉLIO JOSÉ (Bloco Maioria/PSD - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Jorge Viana, do nosso querido Estado do Acre, Srªs e Srs. Senadores, ouvintes da Rádio Senado, telespectadores da TV Senado, vou pronunciar algumas palavras aqui a respeito do importante dia de amanhã, o dia 1º de maio.

            Este feriado de 1º de maio de 2015 corre o risco de ser um dos mais sombrios para os direitos trabalhistas em nosso País. É bem verdade que, desde a sua instituição formal no Brasil em 1924, em todos os anos, ele tem tido um significado mais de alerta do que de celebração, mas este, particularmente, traz motivos de preocupação maiores. Com a aprovação do Projeto de Lei nº 4.330, de 2004, pela Câmara dos Deputados, pudemos ver o quanto se fortaleceram, no Congresso Nacional, os grupos que querem reduzir as conquistas históricas dos trabalhadores. Com essa proposição que dispõe sobre o contrato de prestação de serviço a terceiros e as relações de trabalho deles decorrentes, esta Câmara dos Deputados ameaça as conquistas instituídas pelo Decreto Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1953, que aprovou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

            Isso equivale a dizer que estamos ameaçando uma conquista que já perdura por 72 anos. A aprovação pela Câmara do PL nº 4.330, de 2004, é o maior dos contrassensos da história: em 1943, embora o Brasil estivesse submetido a uma ditadura, os trabalhadores tiveram os direitos assegurados; em 2015, em plena democracia, corremos o risco de ver essas garantias caírem por terra.

            Nunca é demais lembrar que, em 1889, foi a Internacional Socialista que proclamou o 1º de Maio como o Dia Mundial do Trabalho, mas que, mesmo antes disso, em 1895, os trabalhadores brasileiros já se mobilizavam nessa data, afirmando-a como dia de luta, em homenagem ao massacre havido em 1886, em Chicago, nos Estados Unidos.

            Nunca é demais destacar, igualmente, que as conquistas da CLT em 1943 resultaram de décadas e décadas de luta dos trabalhadores brasileiros e não foram uma concessão de Vargas, como o próprio Departamento de Imprensa e Propaganda quis fazer parecer. A primeira greve geral brasileira ocorreu já em 1917 - estamos a dois anos, portanto, de completar um século dessa memória de lutas. Já então, juntamente com o nascente processo de industrialização e de urbanização, os trabalhadores proclamaram um movimento de rebeldia contra as condições semiescravas de trabalho. Embora a história oficial jamais queira dar esse crédito aos trabalhadores e aos precursores partidos e movimentos da classe operária, as conquistas vindas com a Revolução de 1930 decorreram das mobilizações havidas em anos anteriores.

            É um dever de cidadania relembrar esses fatos, particularmente nesses dias em que uma mídia predominantemente conservadora tenta, diariamente, apagar a memória de luta deste País, querendo fazer parecer que não temos história, que não temos lutas, que o atual Estado de direito e conquistas não decorreu de embates, alguns deles sangrentos. Nunca é demais lembrarmo-nos de alguns fatos que antecederam os movimentos sindicais organizados, mas que já representavam o embrião das futuras organizações de trabalhadores.

            Na segunda metade do século XIX, assistimos ao surgimento das sociedades mutualistas, cujo objetivo era o de assegurar a sobrevivência de famílias de assalariados pobres ou auxiliá-los em determinadas ocasiões, como enterros. Essa é uma mostra do quão degradante era a nossa sociedade naquele período.

            Com uma feição mais politizada, entre 1850 e 1900, assistimos a uma série de atos de desobediência civil, então chamados de quebra-quilos. O nome se refere à formalização da unidade de peso, mas, em verdade, era protesto contra os altos preços das mercadorias consumidas pelas famílias. Em outras palavras, era um movimento de reivindicação por melhor remuneração, ainda que não tivesse esse nome.

            Em 1851, houve a Revolta da Ibicaba, em que colonos das fazendas de café se mobilizaram contra o alto preço das mercadorias que lhes eram vendidas, contra os pesos e as medidas utilizados e contra os juros.

            Em 1858, em Salvador (BA), terra da nossa querida Senadora Lídice da Mata e dos nossos queridos Senadores Walter Pinheiro e Otto Alencar, houve o protesto contra a alta de gêneros alimentícios motivado pelas sucessivas epidemias de febre amarela e cholera morbus, e a escassez contínua de alimentos. As palavras de ordem, de então, eram: “Queremos carne sem osso e farinha sem caroço”.

            E, assim, sucessivamente, houve no Brasil revoltas em que a relação entre salário e poder de compra estava em evidência: em 1872, contra o alto preço das mercadorias importadas; em 1913, no Rio de Janeiro, ocorreu o Comício contra a Carestia, um movimento que se espalharia por várias cidades do País; depois, registraram-se os Atos contra o Desemprego e a Carestia, no Rio e em São Paulo, em 1914; na sequência, houve o Movimento de Comitês de Combate à Fome no Rio de Janeiro, em 1918. Em outro flanco, os historiadores e sociólogos não deixam de apontar a injustiça social como sustentáculo do Movimento do Cangaço (1925-1938), no Nordeste, onde se destacou a figura de Lampião, uma figura histórica do nosso Nordeste. De maneira mais politizada, houve a Marcha da Fome, em 1931, liderada pelo Partido Comunista; e, anos depois, a Campanha Popular Contra a Fome, em 1946.

            Srs. e Srªs Senadoras, sem querer cansá-los com esses fatos históricos, o que eu quero demonstrar é isto: mesmo antes da consolidação das organizações sindicais como as conhecemos desde a Era Vargas, sempre houve protestos contra as relações injustas de trabalho e renda. Então, não podemos admitir retrocesso nessa área. Protestos, marchas e greves se seguiram, mesmo depois da CLT, até que, em 1964, a ditadura quis fazer calar todas as formas de organização.

            O fato é que, desde 1943, o 1º de maio é, simultaneamente, uma ocasião para protestos, mas também para a celebração de conquistas consolidadas na CLT. Precisamos ter na memória que a ruptura contra a democracia, havida em 1964, teve como desculpa formal a mobilização dos trabalhadores e as possíveis conquistas anunciadas pelo então Presidente João Goulart. Igualmente, não podemos nos esquecer de quem foram os trabalhadores, com seus movimentos, suas greves, seus protestos, sua imprensa alternativa e seu exemplo combativo. Foram os trabalhadores que ajudaram a reconquistar a democracia e foram os trabalhadores do campo e da cidade que foram às ruas conclamar pela Anistia e pelas Diretas Já. Devemos ter presente, também, que foi a mobilização das organizações de trabalhadores que assegurou as conquistas da Constituição de 1988.

            Srª Presidente Simone Tebet, do nosso querido Estado do Mato Grosso do Sul, é com muita alegria que pronuncio aqui essas palavras sob a sua Presidência no Senado Federal.

(Soa a campainha.)

            O SR. HÉLIO JOSÉ (Bloco Maioria/PSD - DF) - Com muita honra, associei-me, ainda muito jovem, a esses movimentos e fui construindo minha consciência e minha trajetória política como militante e como sindicalista. E esta é uma condição da qual me orgulho até hoje: membro que fui da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Partido dos Trabalhadores. Militei, por cinco mandatos, como Diretor da Central Única dos Trabalhadores e militei no Partido dos Trabalhadores por 32 anos, sendo inclusive um dos seus fundadores, do que muito me orgulho. Hoje estou no PSD (Partido Social Democrático).

            Em Brasília, estivemos sempre associados aos movimentos populares das cidades do Entorno, em busca de melhorias das mais elementares, como o direito à água encanada e à luz nas casas e nas ruas, até as mais estruturantes, como o direito à escritura para os assentados urbanos.

(Soa a campainha.)

            O SR. HÉLIO JOSÉ (Bloco Maioria/PSD - DF) - Hoje, como servidor concursado do Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão, prestando serviços ao Ministério de Minas e Energia, prossigo em minha militância, pois sei que somente os movimentos dos trabalhadores organizados podem fazer avançar a democracia em todos os seus sentidos: não apenas a formal, com o direito de votar e ser votado; mas também a material, com a redistribuição das riquezas produzidas no País. Também salários dignos e relações de trabalho estáveis fazem parte dessas conquistas.

            Não é sem razão, pois, que manifesto minha preocupação com a aprovação do projeto da terceirização, pela Câmara dos Deputados, na semana que antecede o 1º de Maio. Em seguida esse projeto vem para cá...

(Interrupção do som.)

            O SR. HÉLIO JOSÉ (Bloco Maioria/PSD - DF) - Por favor, Srª Presidente.

            E será nessa ocasião que nós, Senadores, poderemos mostrar ao Brasil o que significa o papel de uma Casa Revisora, de verdade.

            Neste momento, quero me solidarizar e saudar o nosso Presidente do Senado Federal, Senador Renan Calheiros, pela sua colocação de que, nesta Casa, o Projeto de Terceirização será amplamente debatido nas Comissões, assim teremos a oportunidade de aperfeiçoá-lo, melhorá-lo para atender a todo o Brasil.

            Já não nos basta termos pouco espaço para contribuir decisivamente com os projetos de conversão das medidas provisórias? Teremos que ceder, agora, às pressões indevidas contra os direitos dos trabalhadores, Srª Presidente? Acredito que não. Quando chegar aqui o Projeto de Lei n° 4.330, de 2004, que passou onze anos tramitando na Câmara dos Deputados, será a nossa hora de mostrar o quanto o Senado está aliado aos direitos fundamentais dos trabalhadores e à Constituição Brasileira.

(Interrupção do som.)

            O SR. HÉLIO JOSÉ (Bloco Maioria/PSD - DF) - Estou concluindo, Srª Presidente.

            Dados divulgados pela CUT, no dossiê Terceirização e Desenvolvimento, uma conta que não fecha, apontam a existência, em 2013, de quase 13 milhões de terceirizados no País, o que corresponde a 26% do mercado formal de trabalho. Caso seja aprovado o projeto da terceirização, o número de trabalhadores nessa condição poderia passar facilmente a 30 milhões, em apenas cinco anos. Os estudos da CUT comprovam os prejuízos aos terceirizados com relação aos outros trabalhadores, contratados diretamente pelas empresas e organismos estatais. Os terceirizados recebem, em média, 24% menos do que os outros trabalhadores com carteira assinada diretamente pelo empregador. E, para agravar essa situação, Srªs e Srs. Senadores, trabalham, em média, três horas semanais a mais que seus congêneres, formalmente vinculados ao empregador. Para tornar mais precária sua situação, seu período no emprego dura a metade do tempo dos que são contratados diretamente. Isso é uma escravidão branca, Srª Presidente. Não podemos concordar com esse tipo de precarização do serviço.

            Não podemos aceitar a aprovação de um projeto que não resolva as más condições de trabalho e a discriminação sofrida por esses trabalhadores que, muitas vezes, são proibidos de usar o mesmo refeitório dos trabalhadores contratados diretamente pelo empregador.

            Em verdade, aqueles que pressionam pela aprovação do PL 4.330, de 2004, estão mesmo é querendo se livrar das limitações a eles hoje impostas pela Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Esta determina que a terceirização no Brasil só pode ser empregada em atividades-meio, mencionando os serviços de vigilância, conservação e limpeza; mas são também admitidos serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta dos funcionários terceirizados com a empresa contratante.

            Para melhor compreender o propósito da súmula, tomemos o exemplo de uma empresa de engenharia: esta não pode contratar um engenheiro terceirizado, mas o serviço de limpeza pode ser feito por um prestador de serviço. Essa súmula tem servido de base para decisões de juízes na área trabalhista. Inclusive, participei de uma audiência pública, Srª Presidente, na Comissão de Direitos Humanos, onde o Presidente do TST deixou claras a inconstitucionalidade desse projeto e a contrariedade do TST com esse Projeto 4.330.

            Entretanto, se vigorar o PL 4.330, de 2004...

(Interrupção do som.)

            O SR. HÉLIO JOSÉ (Bloco Maioria/PSD - DF) - Srª Presidente, estou concluindo. Eu peço a sua tolerância, porque amanhã é o Dia dos Trabalhadores, e eu, como fui diretor da Central Única dos Trabalhadores, fundador do Partido dos Trabalhadores, não posso negar aqui falar em nome da classe trabalhadores, principalmente dos eletricitários, porque fui coordenador-geral do sindicato por uma temporada.

            A SRª PRESIDENTE (Simone Tebet. Bloco Maioria/PMDB - MS) - V. Exª conta com a tolerância desta Presidência, Senador Hélio José.

            O SR. HÉLIO JOSÉ (Bloco Maioria/PSD - DF) - Muito obrigado, Srª Presidente, pela sua generosidade.

            Entretanto, se vingar o PL 4.330, de 2004, qualquer atividade de uma empresa poderá ser terceirizada, desde que a contratada esteja focada em uma atividade específica. Então, se a atividade específica da contratada for de engenharia, poderá ser contratado um engenheiro; e, se for de ensino, poderá ser contratado, como terceirizado, um professor.

             Com o projeto da terceirização aprovado, teríamos uma "selvagerização" das relações de trabalho, com a piora da segurança, por exemplo. Segundo os dados do Ministério Público e dos fiscais federais do trabalho, de cada dez acidentes com morte nas empresas brasileiras, em oito, as vítimas são trabalhadores terceirizados, Srª Senadora Gleisi Hoffmann. É um absurdo concordar com uma situação dessas.

            Tomemos um cenário como o da energia elétrica - e nesse eu tenho experiência, porque lá eu trabalhei por 33 anos -, para ilustrar essa "selvagerização".

            Se uma grande companhia do setor elétrico instituir uma concorrência para contratar uma empresa terceirizada, despertará uma acirrada disputa dessas empresas para conquistar os contratos disponíveis. Pelas regras de menor preço, os concorrentes tendem a baixar o valor cobrado. E como fazem? Reduzindo os custos, ora. E como reduzirão? Em áreas como a remuneração, qualificação da mão de obra e segurança do trabalho, resultando na ampliação de acidentes. E, acidentes no setor elétrico, todo mundo sabe que é fatal, é vida ceifada.

            E, agora, um dado para demonstrar o quanto isso não é apenas uma projeção pessimista. Segundo o Dieese, no setor elétrico, 80% dos acidentes de trabalho envolvem trabalhadores terceirizados, Sr. Senador Aloysio Nunes. Esse estudo foi feito com base nos anos de 2006 e 2008.

            Presidente Collor, Sr. Senador pelo nosso querido Estado de Alagoas, diante da crise econômica que se anuncia, com a potencial redução dos investimentos, com redução dos índices de empregabilidade, o Brasil precisa reforçar os direitos trabalhistas, e não o contrário, tornar precárias as condições de contratação e remuneração e garantias.

            Precisamos compreender que a relação capital e trabalho tem que ser harmoniosa e que trabalhe todo mundo no sentido do desenvolvimento do nosso País.

            Nunca é demais lembrar o quanto os grandes empreendedores nacionais querem se assemelhar às nações industrializadas, cujo poder se fortaleceu ao longo do século XX. Tomam os Estados Unidos e muitos países europeus como modelo, mas se esquecem de que foi justamente a força de seus sindicatos, lá nos Estados Unidos, que fez a grandeza de suas indústrias. Omitem de seus argumentos que a maior conquista de bem-estar social na Europa ocorreu após a Segunda Guerra Mundial, com o reforço aos vínculos de solidariedade entre os detentores do capital e os trabalhadores. Isso porque, em parte, a eclosão da guerra - estou na última parte, Srª Presidente - se deu justamente devido à grande divisão entre capital e remuneração pelo trabalho. E, mais: cinicamente, deixam de mencionar que a redução de direitos - como o thatcherismo, da Margareth Thatcher e outros males do neoliberalismo - está levando à crise a que se assiste hoje na Europa.

            Esquecem-se os admiradores de uma idealizada economia europeia de que foi o pacto do pós-guerra que ampliou outras conquistas de qualidade de vida: assistência à saúde, previdência social, apoio aos aposentados, qualidade de vida na terceira idade.

            Eu quero dizer à senhora, Srª Presidente, que é não é porque eu tive a oportunidade de estudar, de ser uma pessoa incluída, de ser uma pessoa que tem uma condição de vida mais razoável, através de concurso público, que vou esquecer as mães e os pais de família que precisam trabalhar de sol a sol para ganhar um salário mínimo, em condições difíceis de sobrevivência. Temos que ser solidários, para que os trabalhadores tenham melhores condições de trabalho.

            Então, para concluir, eu gostaria de conclamar os Senadores e as Senadoras a resistirem a esse golpe. Não à precarização das relações de trabalho. Se assim fizermos, estaremos perpetuando os ideais que levaram à instituição do 1º de Maio.

            Muito obrigado, Srª Presidente, pela tolerância. Obrigado ao povo brasileiro.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/05/2015 - Página 39