Discurso durante a 58ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Cobrança da adoção de medidas pelo Estado que diminuam o êxodo rural dos jovens.

Autor
Donizeti Nogueira (PT - Partido dos Trabalhadores/TO)
Nome completo: Divino Donizeti Borges Nogueira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
AGRICULTURA.:
  • Cobrança da adoção de medidas pelo Estado que diminuam o êxodo rural dos jovens.
Publicação
Publicação no DSF de 30/04/2015 - Página 107
Assunto
Outros > AGRICULTURA.
Indexação
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, AGRICULTURA, ECONOMIA NACIONAL, COBRANÇA, PODER PUBLICO, ATUAÇÃO, OBJETIVO, MANUTENÇÃO, ADOLESCENTE, CAMPO, DEFESA, NECESSIDADE, MELHORIA, QUALIDADE, SERVIÇO PUBLICO, ENFASE, EDUCAÇÃO.

            O SR. DONIZETI NOGUEIRA (Bloco Apoio Governo/PT - TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho a enorme satisfação de comunicar que, esta semana, entre os dias 27 e 30 de abril, acontece, aqui em Brasília, o 3o Festival Nacional da Juventude Rural, com o lema "Juventude na Luta por Terra, Políticas Públicas e Sucessão Rural na América Latina". O evento, organizado pela Contag, espera reunir cerca de cinco mil jovens latino-americanos, com o objetivo de realizar um grande debate sobre os desafios da juventude do campo.

            Concebido com o apoio de organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e a Confederação Internacional de Produtores Familiares, Campesinos e Indígenas do Mercosul (Copofram), o festival se reveste de muitos significados e tem a perspectiva de afirmar a defesa de um meio rural com qualidade de vida e desenvolvimento sustentável e solidário. O encontro deve reforçar que o campo deve ser constituído a partir do acesso irrestrito às políticas públicas, um local onde a juventude seja reconhecida como sujeito integral, transcendendo as relações produtivas.

            Desnecessário dizer, Sr. Presidente, a importância do meio rural em nosso desenvolvimento como País e como Nação. O campo sempre pautou, em larga medida, o nosso desenvolvimento econômico e social.

            Quando não dispúnhamos de capital para nossa industrialização, foi por meio dos excedentes econômicos do café que financiamos esses investimentos.

            Quando configurávamos nossas fronteiras, foi o homem do campo que garantiu a ocupação e a exploração de terras distantes. Hoje, quando o mundo testemunha uma crise na produção de alimentos, é nossa agricultura familiar que consegue garantir o abastecimento e a segurança alimentar de todo o nosso País.

            E os dados comprovam: a agricultura familiar é responsável pela produção de alguns dos produtos muito importantes para nossa alimentação, como o feijão (70%), o leite (54%, do bovino), a mandioca (84%), o milho (49%), as aves e os ovos (40%) e os suínos (58%); é responsável, também, por 80% da ocupação no setor rural, respondendo por 7 de cada 10 empregos no campo.

            Se do lado de dentro da porteira, como se costuma dizer, verificamos um intenso comprometimento do produtor rural, da porteira para fora os desafios são inúmeros. E são as lutas da juventude rural que esse evento pretende debater.

            Se, por um lado, os resultados alcançados pela nossa agropecuária impressionam, por outro lado, não podemos esconder uma realidade muito preocupante. De acordo com o Censo do IBGE, o Brasil detém uma população de menos de 8 milhões de jovens residindo no campo, de um total de 51 milhões de pessoas com idade entre 15 e 29 anos. E essa cifra tende a cair, já que as oportunidades profissionais para os jovens estão desproporcionalmente concentradas no meio urbano. O grande problema de que devemos nos lembrar é que a população urbana depende da produção do meio rural.

            Hoje, os motivos para o jovem deixar o campo são inúmeros. O desejo, em grande parte, é alimentado por uma visão relativamente negativa da atividade agrícola e dos benefícios que ela proporciona. O conforto e as facilidades como educação, transporte, lazer, utilização de máquinas para o trabalho nas propriedades, celular, televisão, computador e outros benefícios são considerados, não raro, privilégios do meio urbano.

            Diante disso, pesquisas recentes evidenciam que os jovens que vivem no meio rural consideram as oportunidades de trabalho e construção de uma autonomia para a vida como questões difíceis ou pouco viáveis.

            Os motivos disso são inúmeros, passando por questões culturais e históricas, mas se sobressaem a insuficiência do tamanho da terra e a persistência da tutela aos padrões familiares e comunitários.

            Além disso, Sr. Presidente, sobre o aspecto da desigualdade econômica e social, a população considerada jovem no meio rural também enfrenta outras restrições significativas para que se desenvolva como força de trabalho no Brasil e na América Latina.

            Segundo a PNAD de 2011, de cerca de oito milhões de famílias que residem no campo, seis milhões e meio sobrevivem com até três salários mínimos, e apenas 147 mil famílias sobrevivem dentro da faixa de renda de mais de dez salários mínimos a até mais de 20 salários. Além disso, dentre os 16 milhões de habitantes da população que foram considerados em situação de extrema pobreza, estima-se que 50% estão no espaço rural. E os jovens, como em qualquer situação, são o segmento mais vulnerável.

            O jovem, Sr. Presidente, não pode ser obrigado a deixar o campo por falta de perspectiva. Ele tem o direito de permanecer no meio rural, e é dever do Estado garantir as condições para sua permanência.

            Um dos principais desafios, nesse sentido, é garantir a universalização do acesso aos serviços públicos, que devem estar cada vez mais presente no cotidiano desses jovens. Estudo da CNA, de 2012, concluiu que a comparação entre os índices de acesso a serviços públicos entre as áreas rurais e urbanas de um mesmo Estado, registra disparidades marcantes.

            Isso significa que a população rural está muito aquém quando consideramos o acesso à água encanada, à luz, ao esgotamento sanitário e à coleta de lixo. Essas diferenças são ainda mais preocupantes quando consideramos que as maiores variações estão nos Estados do Norte e Nordeste do País, como Amazonas, Acre, Paraíba e o meu Estado de Tocantins, onde, mesmo na área urbana, já há grande necessidade de investimentos estruturais.

            Mas creio que o grande desafio para o futuro desses jovens seja garantir uma formação educacional adequada. Nossa Constituição, em seu art. 205, determina que a educação é direito de todos e dever do Estado, mas não é o que acontece com os jovens do campo. A situação da educação no meio rural, de qualquer nível, seja básico, técnico ou superior, é alarmante. Conforme dados da PNAD de 2012, a média de estudo na área urbana é de oito anos, enquanto na rural é de menos de cinco.

            Além disso, o número de escolas rurais caiu de cerca de 100 mil, em 2003, para 70 mil escolas em 2014. O censo escolar de 2012 reafirmou a precariedade das escolas rurais: 88,5% não têm biblioteca; 18,1% não têm água filtrada; e 13,7% funcionam sem energia elétrica. Somado a isso, há a dificuldade de acesso dos jovens do campo aos cursos técnicos e de formação.

            Não há condições de considerarmos a sustentabilidade da população do campo e de nossa agricultura se a formação educacional de toda uma geração é desprezada. Ao garantirmos a formação técnica desses jovens, estamos garantindo a competitividade dos pequenos produtores num contexto de concentração da produção agrícola cada vez mais intensa.

            Outro importante eixo de debate que será levantado no evento, Sr. Presidente, e que causa muita preocupação a esses jovens, é a questão da sucessão rural. Nossa agricultura muito evoluiu nas últimas décadas, mas o tema da sucessão não caminhou na mesma dimensão que a constante trajetória de profissionalização da atividade agrícola requer. E o jovem, mais uma vez, é a principal vítima desse processo.

            O problema da sucessão é um dos principais catalisadores do êxodo rural de jovens, sobretudo de mulheres, que acabam atraídas pelos centros urbanos em busca de trabalho remunerado e reconhecimento que não conseguem obter no campo. Esse desejo migratório é justificado pelas limitações do tamanho da área de terra e na falta de gestão durante a transferência dos estabelecimentos agrícolas familiares à nova geração.

            Do ponto de vista cultural, ainda, acredita-se que a estrutura patriarcal, existente na maioria das áreas rurais, limita o acesso dos jovens a manifestações e até mesmo à tomada de decisões.

            Essa, por assim dizer, invisibilidade na gestão da propriedade é um dos principais fatores que inibem o desenvolvimento das potencialidades dos jovens do campo, que, ainda por cima, estão na importante fase da inovação e da criatividade.

            Os jovens, Srªs e Srs. Senadores, têm ideais e gostam, sim, de serem ouvidos. No longo prazo, cerceá-los na manifestação de seu pensamento os impede de contribuir para o desenvolvimento rural sustentável e para a agregação de valor à produção agrícola. Além disso, são inúmeros os estudos que sustentam que a falta de visão da propriedade agrícola como uma empresa é uma das sementes da sua destruição.

            A sucessão de uma propriedade rural, Sr. Presidente, assim como de qualquer empresa familiar, deve começar muito antes, quando os filhos ainda são pequenos. A sucessão deve ser conduzida com muita habilidade pelo patriarca, enquanto ainda detém o poder e está em plena saúde mental e física. Da mesma maneira, há problemas ligados à falta de preparo dos próprios sucessores para lidar com a nova condição social, pois confundem a sucessão de uma empresa familiar, como é a propriedade rural, com uma simples herança.

            A passagem das responsabilidades sobre a gestão da propriedade deve se dar em um processo de transição em que os pais, gradativamente, vão passando aos filhos as tarefas de gestão da propriedade, como a abertura de conta bancária própria, bloco de produtor, responsabilidade de gerir os negócios, até a passagem completa do gerenciamento da propriedade. E é essa correta transição na propriedade, de pais para filhos, que garante a viabilidade do empreendimento agrícola.

            Mas não é somente esse fator que dificulta a continuidade da propriedade rural familiar. É sabido que, muitas vezes, o filho manifesta o interesse em permanecer no campo, tocando a propriedade de seus pais, porém não dispõe de financiamento adequado para adquirir o espólio dos demais herdeiros. Isso, além de dificultar a definição do valor e das formas de pagamento aos irmãos não contemplados com a propriedade paterna, inibe a realização de investimentos essenciais para a propriedade.

            Para se ter um exemplo, em estudo realizado no assentamento Florestan Fernandes, no Paraná, em 2013, foi concluído que a maioria dos jovens do assentamento tem o desejo de permanecer e trabalhar com os pais, mas a limitada rentabilidade econômica das propriedades e a falta de renda própria, além da incerteza quanto à garantia de espaço para se instalar na área quando constituir sua própria família, são os principais fatores de desestímulo na sucessão do empreendimento. Como consequência, o jovem acaba sentindo a necessidade de abandonar o meio rural.

            Nesse contexto, é nosso papel, Srªs e Srs. Senadores, como agentes do Estado, criar condições para que os jovens e suas famílias não tenham que se deslocar às cidades por falta de melhores perspectivas de vida. Além do tradicional crédito à produção, devemos incentivar a criação de linhas de financiamento adequadas para a compra do imóvel dos outros herdeiros e criar condições para que as famílias possam administrar, com antecedência, a sucessão da propriedade agrícola.

            As políticas públicas para o jovem do campo, Sr. Presidente, precisam ser mais eficazes em garantir condições de renda e vida do que têm sido até o momento.

            Em 2014, foi dado um importante passo com a entrada em vigor da Lei Complementar n° 145/2014, que retirou a vedação de financiamento para herdeiros que queiram comprar, entre parentes, parte da terra herdada por meio do Fundo de Terras e da Reforma Agrária. A legislação anterior impossibilitava aos herdeiros utilizar recursos do Fundo para adquirir a fração daqueles herdeiros que não tinham recursos para manter o imóvel. Em resumo, essa limitação, frequentemente, levava à venda da propriedade para terceiros alheios àquela estrutura familiar.

            Apesar disso, mais precisa ser feito. E discutir a realidade da juventude rural hoje implica um olhar mais atento às suas lutas, sonhos e angústias. Significa pensar nos problemas e nas perspectivas possíveis para essa parcela de jovens que se vê na fronteira entre se manter no campo ou migrar para os centros urbanos à procura de melhores condições de vida.

            Como disse Leonardo Boff, “a cabeça pensa a partir de onde os pés pisam”.

            Para compreender, é essencial conhecer o lugar social de quem olha. E esses jovens trabalhadores que se encontram, nesta semana, aqui em Brasília certamente nos trarão luz às suas dificuldades, que não se restringem a eles próprios, mas atingem o futuro de nosso País.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/04/2015 - Página 107