Discurso durante a 67ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro do transcurso de 127 anos da abolição da escravatura.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Registro do transcurso de 127 anos da abolição da escravatura.
Publicação
Publicação no DSF de 14/05/2015 - Página 176
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, COMENTARIO, CONQUISTA (MG), DIREITOS, NEGRO, ENFASE, CRIAÇÃO, SECRETARIA, PROMOÇÃO, IGUALDADE RACIAL, ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL, LEI FEDERAL, REFERENCIA, GARANTIA, VAGA, GRUPO ETNICO, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA, UNIVERSIDADE FEDERAL, INCLUSÃO, LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL, ENSINO, HISTORIA, CONTINENTE, AFRICA, DEFESA, NECESSIDADE, COMBATE, VIOLENCIA, VITIMA, ADOLESCENTE, CRITICA, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, ASSUNTO, EXTENSÃO, POSSIBILIDADE, TERCEIRIZAÇÃO, ATIVIDADE, EMPRESA, OBJETO, PREJUIZO, TRABALHADOR, PAIS.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Eduardo Amorim, eu não poderia deixar de falar na tribuna no dia de hoje, porque hoje é dia 13 de maio. Esta data tem que ser lembrada sempre, Sr. Presidente, como fazemos todos os anos, para não deixar que a história seja apagada. 

            Lembrar a Abolição é não esquecer a tragédia da escravidão. Joaquim Nabuco, desta mesma tribuna, dizia durante a campanha abolicionista: “A história da escravidão é um abismo de degradação e miséria e a nada pode se comparar.”

            A escravização africana no Ocidente é tristemente ligada à história do Brasil. Desde quando o primeiro negro pisou no País, a nossa história se construiu de sangue, de dor, de sofrimento e de luta. É só lembrar o pelourinho; é só lembrar o chicote.

            Por isso, Sr. Presidente, segundo Otávio Yanni, do início do tráfico de africanos, no século XVI, ao seu término, no século XIX, foram sequestrados na África cerca de dez milhões de negros para as Américas, sendo que, desses, trinta e oito por cento ficaram aqui no Brasil.

            É certo, Sr. Presidente, que a Lei Áurea acabou com a escravidão, foi aprovada por este Parlamento e os nomes dos abolicionistas ficaram na história, estão entre os heróis da Pátria. Os nomes dos escravocratas sumiram porque Ruy Barbosa disse que era uma vergonha aquela posição e pediu para queimar os papéis que continham os nomes daqueles que defendiam a continuação da escravidão. 

            Sr. Presidente, mas o que aconteceu depois do dia 13 de maio? Não bastou dizer - e o Parlamento na época aprovou - que a escravidão tinha terminado. Não adiantou dizer que a Princesa Isabel tinha sancionado. Mas têm que ser lembradas aqui as palavras de um grande amigo meu, com quem tive a alegria de ser Deputado Federal, o sociólogo Florestan Fernandes, que, em um de seus clássicos, disse:

A desagregação do regime escravocrata e senhorial se operou, no Brasil, sem que se cercasse a destituição dos antigos agentes de trabalho escravo de assistência e garantias que os protegessem na transição para o sistema de trabalho livre. [Liberdade é liberdade.] Os senhores foram eximidos da responsabilidade pela manutenção e segurança dos libertos, sem que o Estado, a Igreja ou qualquer outra instituição assumisse encargos especiais, que tivessem por objeto prepará-los para o novo regime de organização da vida e do trabalho. […] Essas facetas da situação […] imprimiram à Abolição o caráter de uma espoliação extrema e cruel.

            No dia de hoje, Sr. Presidente, os sinos e trompetes devem tocar a reverenciar a liberdade, o fim da escravidão e que todos os quilombolas e abolicionistas que lutaram e lutam por liberdade sejam sempre lembrados.

            Sr. Presidente, Senador Eduardo Amorim, o Brasil possui uma dívida com esse povo, e, por isso, são importantes as políticas públicas e as ações afirmativas.

            Afinal, no pós-abolição, negros e negras foram atirados à própria sorte, sem escolas, sem moradia, sem trabalho, sem cidadania. Eram proibidos de comprar terra. E nem nas ferramentas que eram asseguradas aos imigrantes eles podiam tocar.

            O Estado brasileiro não soube fazer a integração.

            Mas somos um povo de resistência, com grandes ideais libertadores e humanistas, liderados pelo inesquecível Zumbi dos Palmares.

            Enganam-se os que pensam que não houve resistência em relação ao processo de escravização. Enganam-se os que pensam que a luta começou nos anos 70 com o movimento organizado. A nossa luta começou quando o primeiro escravo pisou no Brasil. A nossa luta tem origem nos quilombos urbanos e rurais. A nossa luta é herança do Quilombo dos Palmares.

            Sr. Presidente, cito aqui algumas políticas em que avançamos ao longo dos anos: no ano de 2003, depois de muita luta, muita luta intensa da nossa gente, houve o reconhecimento do Estado brasileiro, e foi criada a Secretaria, depois com porte de Ministério, de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, de cujo projeto que a transformou em Ministério tive a alegria de ser o relator.

            E ganhamos aqui; o meu relatório foi aprovado por três votos.

            É uma ferramenta muito importante no combate ao racismo e todo tipo de preconceito.

            Sabemos que a educação é a base estruturante de qualquer sociedade desenvolvida social e economicamente, e foi por isso que, aqui no Congresso Nacional, ajudei a debater, encaminhar e aprovar também um projeto semelhante, ainda no ano de 2003, a Lei nº 10.639.

            Esta lei estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a história cultural afro-brasileira.

            Sr. Presidente, no dia 20 de julho de 2010 foi publicada uma lei de minha autoria, aprovada por unanimidade pelo Senado da República e pela Câmara, a Lei nº 12.288, o Estatuto da Igualdade Racial. Esse estatuto foi fruto de muitos debates, muitas audiências públicas, debates nas praças, nas escolas, sindicatos, em todos os espaços de construção política.

            Não foi fácil, mas conseguimos. O Estatuto da Igualdade Racial é lei, uma legislação que, diria, a mais completa para a população negra de todos os tempos, uma ferramenta que norteia a maioria dos processos de implantação de políticas públicas no combate ao preconceito e na busca da igualdade racial e social.

            Em 2012, depois de um árduo debate e combate, é sancionada a Lei nº 12.711, mais conhecida como a Lei das Cotas, da qual fui Relator, que dispõe sobre o ingresso, nas universidades federais, para brancos, negros, pobres e índios. Esta é uma vitória de negros, brancos e pobres. Enfim, de toda a sociedade brasileira.

            Temos ainda um grande caminho a trilhar para que todas as pessoas sejam tratadas com igualdade. Podem crer, nós não iremos desistir jamais, enquanto um único brasileiro não estiver amparado pela sociedade, não estiver livre do preconceito, não estiver livre da intolerância, com plenas condições de oportunidades, assim eu creio que não deixaremos de lutar.

            Quero chamar a atenção para este dia que é um dia especial, sim, quando muitos direitos foram conquistados para população, depois de muita batalha.

            Mas, Sr. Presidente, como eu gostaria de olhar para este plenário do Senado...

(Soa a campainha.)

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - ... e ver alguém mais negro, seja homem, seja mulher.

            Sr. Presidente, como eu gostaria de olhar para a Câmara dos Deputados e ver não somente uma dúzia de negros e negras entre 513 Parlamentares.

            Sr. Presidente, como eu gostaria de olhar para as Prefeituras do nosso País, para as Câmaras de Vereadores, para as Assembleias Legislativas e não ver apenas um ou outro eleito como exceção.

            A população negra representa 51% do povo brasileiro, mas não está em 90% dos cargos do Executivo, do Legislativo, do Judiciário, das Forças Armadas, nem nos cargos de ponta da própria iniciativa privada.

            Conforme dados da revista Congresso em Foco e do Tribunal Superior Eleitoral desta última eleição,...

(Interrupção do som.)

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - ... dos 27 Governadores eleitos, nenhum se declarou preto ou indígena.

            Enfim, esse é o quadro que se apresenta, Sr. Presidente. Veja o momento que estamos atravessando. A escravidão, além de persistir, tenta voltar com força. Querem revogar agora a Lei Áurea. Neste dia 13 de maio, eu sou obrigado a denunciar que estão querendo revogar a Lei Áurea. De que jeito? Aprovando o Projeto nº 30, que vai trazer para todos os trabalhadores, infelizmente, a possibilidade de serem terceirizados. Ninguém mais vai ter emprego formal na sua empresa chamada matriz de origem, o que, no Japão, é considerada quase que uma família. Não! Em qualquer momento, em qualquer lugar, ou mesmo aqui no Congresso, um escritório, por exemplo, contrata cem, duzentas pessoas que passam a fazer atividade de metalúrgicos, bancários, comerciários e, no outro dia, se assim entenderem, são mandados para outra região para serem cortadores de cana ou coisa parecida.

            Sr. Presidente, não sou contra a regulamentação da terceirização desses 12 milhões de trabalhadores. O que não admito é que tirem o direito da carteira de trabalho assinada na empresa matriz, na empresa mãe, dos outros 40 milhões de brasileiros. Aí, sim, Sr. Presidente, seria a volta da escravidão.

            Sr. Presidente, aprovaram aqui recentemente, e eu estava lá, a criação de uma CPI de combate ao assassinato da nossa juventude. De cada dez jovens assassinados, sete são negros.

            Eu queria, nesta data de 13 de maio, como tenho dito...

(Interrupção do som.)

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo. Bloco/PT - RS) - Senador Flexa, eu quero tolerância para este 13 de maio (Fora do microfone.), que V. Exª sempre tem dado.

            Sr. Presidente, eu tenho dito que nós temos de ter a paciência e a sabedoria dos mestres, mas a coragem dos tigres para defender a nossa gente. Mais uma vez, faço esse apelo. Não vamos permitir que matem a nossa juventude, negros e brancos, pois eles são e serão o futuro que queremos.

            Neste 13 de maio de 2015, quero reafirmar que essa história de luta não é só de negros; é de negros, é de brancos, é de índios, é de todas as pessoas de bem. E tenho certeza de que aqueles que fazem o bem sem olhar a quem estarão sempre nessa mesma trincheira. Não importa se agricultor, não importa se negro, se branco, se assalariado do campo ou da cidade, se servidor público, se quilombola ou não.

(Soa a campainha.)

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo. Bloco/PT - RS) - Sim, na verdade, somos todos quilombolas. Sou da linhagem de Zumbi. A esposa de Zumbi, vejam a coincidência, chamava-se Terezinha Paim. Sim, tenho orgulho de dizer isso! Sou da linhagem dos trabalhadores e trabalhadoras; sou da linhagem dos deficientes, dos idosos, dos jovens, das mulheres, de todos aqueles que lutam pelos seus direitos e por uma Pátria melhor para todos, onde possamos dizer: Pátria, Pátria, somos todos!

            Termino, Sr. Presidente.

            Escravidão nunca mais! Precarização do trabalhador nunca mais! Não ao PL 30 da Terceirização. Não! Não à revogação da Lei Áurea. Escravidão nunca mais.

            Que prevaleçam entre nós todos os direitos, Sr. Presidente, os direitos dos trabalhadores.

            Sr. Presidente, se V. Exª me permitir ter mais um minuto (Fora do microfone.), quero só que considere por lido o registro do poeta Carlos de Assumpção. Esse poeta tem uma obra bonita. Ele escreveu o Hino Nacional de Luta, Resistência e Consciência dos brasileiros e brasileiras afrodescendentes.

            Sr. Presidente, dentre os seus poemas, leio aqui O Protesto:

Mesmo que voltem as costas

Às minhas palavras de fogo

Não pararei de gritar

Não pararei

Não pararei de gritar

Senhores

Eu fui enviado ao mundo

Para protestar

Mentiras europeias nada [não me convencem]

Nada me fará calar

Senhores

Atrás do muro da noite

Sem que ninguém o perceba

Muitos dos meus ancestrais

Já mortos há muito tempo

Reúnem-se [...] [e ficam orando, rezando, para que a gente vença as batalhas do dia a dia]

Sobre coisas amargas [eu sei que eles falam]

Sobre grilhões e correntes

Que no passado [...] [trouxe tanto sofrimento]

Sobre grilhões e correntes

Que no presente são invisíveis

Invisíveis, mas existentes

Nos braços, no pensamento

Nos passos, nos sonhos, na vida

De cada um dos que vivem

Junto comigo enjeitados [...] mas lutando por uma pátria para todos]

[...]

O sangue dos meus avós

Que corre nas minhas veias [dos meus pais]

São gritos de rebeldia [sim]

Um dia talvez alguém perguntará

Comovido ante meu sofrimento

Quem é que está gritando

Quem é que lamenta assim

Quem é? [Quem é?]

E eu responderei

[...] [Somos nós, somos nós, irmãos]

Irmão, tu me desconheces?

Sou eu aquele que [...] sofreu tortura

[Sou eu vítima daquele tempo dos homens do pelourinho]

Sou eu aquele que sendo homem.

Foi vendido pelos homens

Em leilões em praça pública

Que foi vendido ou trocado

Como instrumento qualquer

Sou eu aquele que plantara

Os canaviais e cafezais

E os regou com suor e sangue

Aquele que sustentou

Sobre os ombros negros e fortes

O progresso do país

O que sofrera mil torturas

O que chora inutilmente

O que dera tudo o que tinha

E hoje em dia não tem nada

Mas se hoje grito não é

Pelo que já se passou

O [grito] que se passou é passado

Meu coração já perdoou

Hoje grito, meu irmão,

É porque depois de tudo

[Eu só quero justiça]

A justiça não chegou 

Sou eu quem grita, sou eu

[...]

[Quero aqui esquecer o passado]

Preterido no presente

Sou eu quem grita sou eu

Sou eu, [sou eu] [...]

Que viveu na prisão

Que trabalhou [...] [que trabalhou, que trabalhou para alicerçar a nação.]

O alicerce da nação

Tem as pedras dos meus braços

Tem a cal das minhas lágrimas

Por isso a nação é triste

[...]

            Por isso, eu quero que a Nação sorria, dance, cante e se lembre sempre da liberdade.

            Sr. Presidente - aqui termino e peço que V. Exª considere na íntegra o meu pronunciamento -, a palavra liberdade, liberdade, liberdade é tão bonita quanto a palavra amor. Que a palavra liberdade e a palavra amor caminhem juntas na busca de uma sociedade em que todos, todos, tenham direitos iguais.

            Dia 13 de maio, data da Abolição. Dia 20 de novembro, data em que faleceu o grande líder Zumbi dos Palmares, que foi esquartejado porque lutou, já naquele período, pela liberdade.

            Treze de maio, hoje, completa 127 anos. Oxalá, Presidente, nos próximos séculos só possamos falar em liberdade, paz, amor e fraternidade entre brancos, negros, índios, enfim, todo o nosso povo, toda a nossa gente.

            Obrigado pela tolerância, Senador Flexa.

            Considere na íntegra os dois pronunciamentos.

 

SEGUEM, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTOS DO SR. SENADOR PAULO PAIM

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ainda sobre o 13 de Maio, quero aqui fazer minha saudação ao poeta Carlos de Assumpção, autor do poema protesto “Hino Nacional da luta da Consciência e Resistência Negra Afro-brasileira”.

            Carlos Assumpção está com 87 anos. Ele nasceu em 23 de maio de 1927, em Tietê, São Paulo. Continua firme ao lado de familiares, amigos e de várias entidades, entre elas, a Organização Negra Nacional Quilombo, fundada em 20 de novembro de 1970.

            A obra deste poeta negro é gigantesca.

            “O Protesto”, lançado em 1958, é o poema mais emblemático dos Afros Brasileiros, e também da América Negra. Ele continua atualíssimo. Assim escreveu o poeta:

Mesmo que voltem as costas

Às minhas palavras de fogo

Não pararei de gritar

Não pararei

Não pararei de gritar

Senhores

Eu fui enviado ao mundo

Para protestar

Mentiras europeias nada

Nada me fará calar

Senhores

Atrás do muro da noite

Sem que ninguém o perceba

Muitos dos meus ancestrais

Já mortos há muito tempo

Reúnem-se em minha casa

E nos pomos a conversar

Sobre coisas amargas

Sobre grilhões e correntes

Que no passado eram visíveis

Sobre grilhões e correntes

Que no presente são invisíveis

Invisíveis mas existentes

Nos braços no pensamento

Nos passos nos sonhos na vida

De cada um dos que vivem

Juntos comigo enjeitados da Pátria

Senhores

O sangue dos meus avós

Que corre nas minhas veias

São gritos de rebeldia

Um dia talvez alguém perguntará

Comovido ante meu sofrimento

Quem é que esta gritando

Quem é que lamenta assim

Quem é

E eu responderei

Sou eu irmão

Irmão tu me desconheces

Sou eu aquele que se tornara

Vitima dos homens

Sou eu aquele que sendo homem

Foi vendido pelos homens

Em leilões em praça pública

Que foi vendido ou trocado

Como instrumento qualquer

Sou eu aquele que plantara

Os canaviais e cafezais

E os regou com suor e sangue

Aquele que sustentou

Sobre os ombros negros e fortes

O progresso do País

O que sofrera mil torturas

O que chorara inutilmente

O que dera tudo o que tinha

E hoje em dia não tem nada

Mas hoje grito não é

Pelo que já se passou

Que se passou é passado

Meu coração já perdoou

Hoje grito meu irmão

É porque depois de tudo

A justiça não chegou

Sou eu quem grita sou eu

O enganado no passado

Preterido no presente

Sou eu quem grita sou eu

Sou eu meu irmão aquele

Que viveu na prisão

Que trabalhou na prisão

Que sofreu na prisão

Para que fosse construído

O alicerce da nação

O alicerce da nação

Tem as pedras dos meus braços

Tem a cal das minhas lágrimas

Por isso a nação é triste

É muito grande, mas triste

É entre tanta gente triste

Irmão sou eu o mais triste

A minha história é contada

Com tintas de amargura

Um dia sob ovações e rosas de alegria

Jogaram-me de repente

Da prisão em que me achava

Para uma prisão mais ampla

Foi um cavalo de Tróia

A liberdade que me deram

Havia serpentes futuras

Sob o manto do entusiasmo

Um dia jogaram-me de repente

Como bagaços de cana

Como palhas de café

Como coisa imprestável

Que não servia mais pra nada

Um dia jogaram-me de repente

Nas sarjetas da rua do desamparo

Sob ovações e rosas de alegria

Sempre sonhara com a liberdade

Mas a liberdade que me deram

Foi mais ilusão que liberdade

Irmão sou eu quem grita

Eu tenho fortes razões

Irmão sou eu quem grita

Tenho mais necessidade

De gritar que de respirar

Mas irmão fica sabendo

Piedade não é o que eu quero

Piedade não me interessa

Os fracos pedem piedade

Eu quero coisa melhor

Eu não quero mais viver

No porão da sociedade

Não quero ser marginal

Quero entrar em toda parte

Quero ser bem recebido

Basta de humilhações

Minh'alma já está cansada

Eu quero o sol que é de todos

Ou alcanço tudo o que eu quero

Ou gritarei a noite inteira

Como gritam os vulcões

Como gritam os vendavais

Como grita o mar

E nem a morte terá força

Para me fazer calar.

            Era o que tinha a dizer.

 

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste dia treze de maio volto à tribuna, como fazemos todos os anos para não deixarmos a história se apagar.

            Lembrar a Abolição é não esquecer a tragédia da escravidão. Joaquim Nabuco nesta mesma tribuna dizia durante a campanha abolicionista: “A história da escravidão africana é um abismo de degradação e miséria que não se pode comparar”. 

            A escravização Africana no Ocidente é tristemente ligada à história do Brasil. Desde quando o primeiro negro pisou no país a nossa história se constitui de sangue, dor, sofrimento e luta.

            Segundo Otavio Ianni, do início do tráfico de africanos no século XVI ao seu término no século XIX, foram trazidos da África cerca de 9.500.000 negros para as Américas, sendo que desses, a maior parte destinaram-se ao Brasil, que importou 38% do total, sendo os demais direcionados a outros países.

            Minhas amigas e meus amigos, é certo que a Lei Áurea acabou com a Escravidão no Brasil no dia Treze de Maio no âmbito formal, mas o que aconteceu no dia Catorze de Maio?

            Não basta acabar com a Escravidão, é preciso destruir a sua obra, dizia Joaquim Nabuco. Assim como afirma Florestan Fernandes em um de seus clássicos, A integração do negro na sociedade de classes,diz:

“A desagregação do regime escravocrata e senhorial se operou, no Brasil, sem que se cercasse a destituição dos antigos agentes de trabalho escravo de assistência e garantias que os protegessem na transição para o sistema de trabalho livre.

Os senhores foram eximidos da responsabilidade pela manutenção e segurança dos libertos, sem que o Estado, a Igreja ou qualquer outra instituição assumisse encargos especiais, que tivessem por objeto prepará-los para o novo regime de organização da vida e do trabalho. (...) Essas facetas da situação (...) imprimiram à Abolição o caráter de uma espoliação extrema e cruel”.

            No dia de hoje os sinos e trompetes devem tocar e reverenciar os africanos escravizados e todos os quilombolas e abolicionistas que lutaram e lutam por liberdade!

            Srªs Senadoras e Srs. Senadores, o Brasil possui uma dívida com os negros, em políticas públicas e ações afirmativas.

            Afinal, no pós-abolição os negros foram atirados a própria sorte, sem escolas, sem moradia, sem trabalho, sem cidadania e dignidade.

            O Estado Brasileiro não foi capaz de criar uma política compensatória e integradora dos negros.

            Mas somos um povo de resistência, com grandes ideais libertadores e humanistas, liderados por Zumbi dos Palmares.

            Enganam-se os que pensam que não houve resistência em relação ao processo de escravização, enganam-se os que pensam que a luta do negro começou nos anos 70 com o movimento negro.

            A nossa luta começa quando o primeiro negro escravizado pisa no Brasil. A nossa luta tem origem nos quilombos rurais e urbanos, a nossa luta é herança do Quilombo dos Palmares.   

            Minhas amigas e meus amigos, vou citar aqui algumas políticas de inclusão para este povo tão sofrido:

            No ano de 2003, depois de uma luta intensa da nossa gente, ouve o reconhecimento do Estado Brasileiro e foi criada a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, uma ferramenta muito importante para o combate ao racismo e para promoção de políticas públicas de igualdade racial.

            Sabemos que a educação é a base estruturante de qualquer sociedade desenvolvida socialmente e economicamente, e foi por isso que eu, aqui, neste Congresso Nacional, ajudei a debater e aprovar no ano de 2003 a Lei de número 10.639.

            Esta lei estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”.

            No ano de 2008 a Lei 10.639 sofre uma complementação positiva, que é a inclusão da história da população indígena nos currículos escolares.

            No dia 20 de julho de 2010 é publicado o Estatuto da Igualdade Racial, Lei de minha autoria nº 12.288. Estatuto este, de muitos debates, muitas audiências públicas, debates nas praças, escolas, sindicatos, em todos os espaços de construção política.

            Digo para vocês que não foi fácil, mas conseguimos. Conseguimos fazer com que o Estatuto da Igualdade Racial seja a legislação mais completa para a população negra, a ferramenta que norteia a maioria dos processos de implantação de políticas públicas para promoção da igualdade racial.

            Em 2012, depois de um árduo combate e sensibilização, é sancionada a Lei número 12.711, mais conhecida como lei de cotas, que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio. Esta é uma vitória do movimento negro e toda a sociedade comprometida com o desenvolvimento do Brasil.

            Temos um grande caminho a trilhar para que todas as pessoas sejam tratadas com igualdade, mas não iremos desistir jamais, enquanto um único brasileiro não estiver amparado em nossa sociedade, com plenas condições de oportunidades. Assim eu creio, assim não deixarei de lutar.

            Meus amigos e minhas amigas, quero chamar a atenção para este dia tão especial, onde muitos direitos foram conquistados para população, mas quero fazer um desabafo. Quando eu olho para os lados nos espaços onde eu convivo, onde trabalho, não encontro, não enxergo, negros e negras, a não ser raras exceções.

            Nós, negros e negras, representamos mais de 51% da população brasileira, mas ainda não estamos nos legislativo e no executivo.

            Conforme dados da Revista Congresso em Foco e do Tribunal Superior Eleitoral nesta última eleição, dos 27 governadores eleitos nenhum declarou-se preto ou indígena.

            No Congresso Nacional, de cada 100 cadeiras, 80 foram ocupadas por políticos que se declararam como brancos.

            Dos 540 congressistas eleitos, 81 deputados e cinco senadores se declaram pardos e apenas 22 eleitos para Câmara Federal se identificam como pretos.

            Aqui no Senado Federal, entre os 27 parlamentares eleitos nas eleições de 2014, nenhum se declara negro. Atualmente somos poucos senadores que se declaram negros.

            Srªs e Srs. Senadores, a escravidão ainda persiste no Brasil com práticas escravistas ou no pensamento das pessoas.

            Vejam o exemplo do Projeto de Lei número 4.330/04 que amplia as possibilidades de terceirização para todos os setores, inclusive nas vagas relacionadas à atividade fim das empresas contratantes.

            A aprovação desse projeto é a revogação da Lei Áurea no Brasil. Eu sou favorável à regulamentação, mas não do jeito que estão querendo fazer, temos que ter limites. A atividade fim não pode ser terceirizada.

            Se aprovarmos este projeto, quem serão os penalizados?

            Será o nosso povo pobre, será o nosso povo negro, será a classe média. Porque será?

            Meus amigos e minhas amigas, para que retrocessos como este não aconteçam, clamo a juventude, clamo os movimentos sociais, clamo todos os cidadãos e cidadãs conscientes, clamo os trabalhadores e trabalhadoras, clamo a todos: venham participar da política, venham construir, lutar, discutir, pelos seus direitos, pois vivemos em um país democrático e a força da participação faz a diferença.

            Srªs e Srs. Senadores, quero dizer também que o Mapa da Violência de 2014 demonstra que os homicídios são hoje a principal causa de morte de jovens de 15 a 29 anos no Brasil, e atingem especialmente jovens negros do sexo masculino, moradores das periferias e áreas metropolitanas dos centros urbanos.

            Dados do SIM/ Datasus do Ministério da Saúde mostram que mais da metade dos 56.337 (cinquenta e seis mil e trezentos e trinta e sete) mortos por homicídios, em 2012 no Brasil, eram jovens 30.072 (trinta mil e setenta e dois), equivalente a 53,37%, dos quais 77% eram negros (pretos e pardos).

            Estes dados são reais, e são um absurdo, pois a Sociedade Brasileira está determinando quem morre e em que faixa etária isto irá acontecer. 

            Diante deste genocídio de jovens negros e brancos foi instalada, na semana passada, no Senado Federal, a Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI, para investigar o assassinato de jovens.

            A CPI seria especificamente para tratar da morte dos jovens negros, porém outros parlamentares propuseram que a mesma trata-se de todos os jovens, porque jovens que não são negros também estão sendo assassinados.

            O nosso País está passando por um momento político delicado, e precisamos de mentes brilhantes, desbravadoras, corajosas com jovialidade para transformar, com imaginação para criar e transformar este Brasil de muitos Brasis, em uma pátria mais igualitária.

            Como tenho dito, temos que ter a sabedoria dos Mestres, mais a coragem dos tigres, para defender a nossa gente!

            Mais uma vez eu faço este apelo. Não vamos permitir que matem os nossos jovens negros e brancos!!! Pois eles são e serão o futuro que queremos!

            Neste dia 13 de maio de 2015, quero reafirmar que a nossa história é de luta e resistência ancestral! E aqui nesta tribuna eu sou mais um quilombola!

            Eu sou quilombola! Sou da linhagem de Zumbi! Sou da linhagem dos trabalhadores e trabalhadoras. Sou da linhagem dos deficientes, dos idosos, dos jovens, das mulheres, e da luta por seus direitos!

            Escravidão nunca mais! Precarização do trabalhador nunca mais! Não ao PL 30/2015 da Terceirização. Ele é a revogação da Lei Áurea!

            Escravidão nunca mais! Precarização do trabalhador nunca mais!

            Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/05/2015 - Página 176