Discurso durante a 67ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro da instalação, pelo Senado Federal, da CPI de Assassinatos de Jovens no Brasil; e outro assunto.

Autor
Lídice da Mata (PSB - Partido Socialista Brasileiro/BA)
Nome completo: Lídice da Mata e Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA:
  • Registro da instalação, pelo Senado Federal, da CPI de Assassinatos de Jovens no Brasil; e outro assunto.
ATIVIDADE POLITICA:
Aparteantes
Cristovam Buarque, José Medeiros.
Publicação
Publicação no DSF de 14/05/2015 - Página 197
Assuntos
Outros > SEGURANÇA PUBLICA
Outros > ATIVIDADE POLITICA
Indexação
  • REGISTRO, INSTALAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), SENADO, OBJETIVO, INVESTIGAÇÃO, HOMICIDIO, VITIMA, CRIANÇA, ADOLESCENTE, PAIS, DEFESA, NECESSIDADE, COMBATE, VIOLENCIA, MELHORAMENTO, ATENDIMENTO, EDUCAÇÃO, JUVENTUDE, BRASIL.
  • COMENTARIO, RECEBIMENTO, ALUNO, SÃO PAULO (SP), GABINETE, ORADOR, ASSUNTO, DESENVOLVIMENTO, TRABALHO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, ELOGIO, PROFESSOR, DIREÇÃO, INSTITUIÇÃO EDUCACIONAL, MOTIVO, ATENÇÃO, DISCUSSÃO, POLITICA.

            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Boa tarde, Srª Presidente e demais Senadores.

            Eu vou aproveitar a oportunidade para agradecer e dizer que, hoje, recebi em meu gabinete as alunas da Escola Nossa Senhora das Graças, do bairro de Itaim Bibi, de São Paulo. São as alunas Natália Cordeiro, Luciana Fernandes, Marina Letícia e Helena Breyton, mais ou menos entre 15 e 16 anos, que vieram fazer um trabalho interdisciplinar de Geografia, Português, História e Sociologia, com pesquisa orientada pelo Professor de História Osvaldo Ferreira.

            Eles escolheram, dentre os Senadores, alguns que participaram da Assembleia Nacional Constituinte de 1988, que é o meu caso. Como integrei a bancada feminina naquele momento constitucional e fui a primeira prefeita da minha cidade, da capital do meu Estado, e também a primeira Senadora pela Bahia, despertou nessas meninas a curiosidade de conhecerem e de investigarem mais um pouco essa discussão a respeito do movimento de mulheres e da participação da mulher na política no Brasil.

            Eu as recebi no gabinete e fiquei bem impressionada com a desenvoltura delas na entrevista. Quero parabenizar a iniciativa desta escola, que estimula esse tipo de experiência, e também parabenizar o Professor Osvaldo Ferreira e as meninas, que tiveram essa iniciativa do vir ao Senado Federal.

            Uma outra parte do grupo de alunos, Júlia Caffaro, Fabrízio Torres e Gustavo Bechara, coincidentemente, entrevistou o meu colega de Partido, o Senador Fernando Bezerra, também Constituinte.

            Srªs e Srs. Senadores, eu tratei de registrar a presença de jovens estudantes que estiveram aqui conosco e demonstraram toda a capacidade da juventude brasileira, mas também quero falar, desta tribuna, de outra faixa de jovens, de outro segmento de jovens no Brasil.

            Nós, nesses últimos 20 anos em nosso País, demos saltos largos no sentido de avançarmos na inclusão social. Mas, apesar de todos os avanços realizados, nós temos ainda alguns grandes e graves desafios. Um deles é que o Brasil se tornou um país recordista num dos índices mais trágicos, que é o Mapa Mundial da Violência.

            Os homicídios dolosos são uma tragédia nacional: 56 mil pessoas são assassinadas todos os anos no País, o que equivale a 29 vítimas por 100 mil habitantes, índice considerado epidêmico pela ONU. Esse patamar vergonhoso tem se mantido inalterado ao longo de três décadas, com pequenas variações.

            O processo de vitimização apresenta padrões particulares que exigem investigação: 53% das vítimas são jovens; destes, 77%, negros e 93%, do sexo masculino. Os homicídios dolosos são a primeira causa de morte entre os jovens brasileiros.

            O risco não se distribui aleatória e equitativamente por todos os segmentos sociais; concentra-se, reproduzindo e aprofundando as desigualdades sociais e o racismo estrutural.

            Por outro lado, as instituições do Estado têm se mostrado incapazes de lidar com esta problemática. Apenas 8% dos homicídios dolosos são investigados com sucesso, em média, enquanto o encarceramento cresce, veloz, tornando nossa população penitenciária a terceira maior do mundo.

            Há 574 mil presos no Brasil, 61,7% dos quais são negros e 40% estão em prisão provisória. Os que cumprem sentença por homicídio doloso representam cerca de 12%. A maioria cometeu crimes contra o patrimônio ou envolveu-se com o comércio ilegal de drogas ilícitas. Ou seja, as evidências apontam para uma completa inversão de prioridades, em detrimento da valorização da vida e dos crimes violentos contra a pessoa.

            Além disso, policiais morrem e matam muito: seis pessoas são mortas, ao dia, por policiais; por outro lado, 490 policiais foram assassinados, no País, só em 2013.

            Os crimes letais intencionais constituem, como indicam esses números alarmantes, um problema de primeira ordem para o Estado e a sociedade em seu conjunto, não apenas para governos e partidos. Entretanto, não têm suscitado providências urgentes, profundas e multidimensionais compatíveis com sua gravidade, escala e magnitude.

            Em síntese, quem serão os destinatários da profunda transformação social experimentada pelo Brasil, se nossa juventude está sendo exterminada? Qual a validade desses avanços se não conseguirmos parar de matar nossos jovens?

            A situação é dramática e o Senado Federal não vai se omitir - não pode, não deve e nem vai.

            Foi com esse posicionamento, que compõe o nosso plano de trabalho, apresentado pelo Relator, o Senador Lindbergh Farias, que ontem, às 14 horas, nós instalamos a CPI de Assassinatos de Jovens no Brasil. Essa CPI pretende discutir, apresentar proposições, legislativas ou não, políticas públicas que possam ser levadas como sugestão para governos estaduais, para governos municipais, para o Governo Federal. Incluímos governo municipal por causa de cidades da dimensão de São Paulo e do Rio de Janeiro. São cidades que, pela população e pelos registros dos números de mortes violentas, sem dúvida nenhuma, podem e devem ter políticas públicas voltadas para o combate à violência e à morte violenta de jovens no Brasil.

            Neste primeiro momento, nós aprovamos, no nosso plano de trabalho, proposto pelo Senador Lindbergh, três audiências imediatamente. Nós funcionaremos em todas as segundas-feiras, às 19 horas e 30 minutos.

            A primeira das nossas audiências buscou trazer, para o Senado Federal, especialistas e pesquisadores que possam nos apresentar uma grande contribuição na constituição de um início de um diagnóstico sobre a situação das mortes violentas de jovens em nosso País. E foi aprovada, portanto, a participação, na próxima segunda-feira, na nossa audiência pública, do Dr. Julio Jacobo, autor do Mapa da Violência no Brasil; o Dr. Luiz Eduardo Soares, especialista em segurança pública; o Dr. Ignácio Cano, fundador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro; Dr. Sérgio Adorno, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo; o Dr. Michel Misse, professor do Núcleo de Estudos de Cidadania, Conflito e Violência Urbana da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

            Nós vamos ouvir esses especialistas, conhecer suas pesquisas e iniciar um debate no sentido de, identificando no mapa da violência a incidência maior das mortes violentas de jovens no território brasileiro, podermos visitar cada um desses territórios, para lá ouvirmos familiares, vítimas, autoridades, para que possam nos indicar caminhos, trocar ideias, colocar, na pauta e na agenda política da sociedade brasileira, a situação da juventude do nosso País.

            Na segunda audiência pública, nós vamos também ouvir representantes de movimentos sociais e da juventude. Vamos ter um representante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública; um representante da Anistia Internacional; um representante da Central Única das Favelas; do Observatório de Favelas; da Justiça Global.

            Na terceira audiência, continuaremos a oitiva de representantes de entidades e organizações não governamentais, como o Viva Rio, o Sou da Paz, o Geledés Instituto da Mulher Negra, a Coordenação Nacional de Entidades Negras, o Conen, e o movimento Reaja, surgido na Bahia, exatamente composto de jovens negros que lutam para denunciar, resistir e reagir à violência que se abate contra a juventude negra no nosso Estado.

            É possível haver uma grande participação da sociedade nessas audiências públicas, a exemplo do que nós já fizemos na CPI do Tráfico de Pessoas, Senadora Vanessa Grazziotin, presidida por V. Exª, há um ano e meio.

            Desta vez vamos contar também com a participação popular, por meio do perfil no facebook.com.cpidosjovens, e vamos ter também todos os canais de interatividade já existentes no Senado Federal, como o e-cidadania, o Portal do Senado e tantas outras ferramentas de participação da comunidade e da opinião pública.

            É fundamental, para nós que iniciamos esse trabalho, que a interatividade, a sua participação - cidadão, cidadã, jovens de todo o País - possa acontecer para enriquecer esse processo de discussão e de debate a respeito da situação de violência que se abate sobre todos nós, porque se abate sobre o futuro do Brasil, quando atinge a nossa juventude, em especial a nossa juventude negra, pobre e de periferia.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, essa discussão, essa CPI certamente nos levará a outros debates correlatos, nos levará a discutir o modelo de segurança pública que temos, o modelo de polícias que temos, a necessidade de valorização das carreiras vinculadas ao modelo de segurança pública, a sua integração, nos fará discutir, sem dúvida nenhuma, a situação, debater a participação de alguma forma nesse debate de redução da maior idade penal, o cumprimento efetivo ou não do Estatuto da Criança e Adolescente no que concerne ao cumprimento das medidas sócio-educativas, a visitação - por que não? - às instituições, aos ambientes específicos para o cumprimento das medidas socioeducativas no País inteiro, para que vejamos quais são as condições que estão sendo dadas a esses jovens que são, eventualmente, infratores, quais são as condições que eles têm para a sua reinserção na sociedade.

            Mas ele, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não passará ao largo, sem dúvida nenhuma, Senador Cristovam, da conclusão de que a nossa juventude tão vulnerável também precisa, e mais do que nunca, do caminho da educação como uma das fortes possibilidades de inserção social e de afastamento da vulnerabilidade em que se encontram nas grandes periferias das nossas grandes cidades.

            E é, sem dúvida nenhuma, por um ambiente negativo, digamos assim, porque é no ambiente da conclusão do nosso fracasso, do fracasso do Brasil para com a sua juventude, do fracasso do Brasil como Estado, e não é de um governo, são governos diversos, que não enxergaram na educação a prioridade e a ferramenta fundamental para dar oportunidade, para abrir as portas definitivas de novas oportunidades para as crianças, os adolescentes e os jovens brasileiros.

            O que colhemos, o que colheremos certamente na CPI dos assassinatos de jovens no Brasil é resultado desta política, de uma política de desprezo à educação, de falta de centralidade à educação, e de uma questão que o Brasil até então não foi capaz de ver, de encarar - como a expressão diz, encarar, estar cara a cara -, portanto, de olhar de frente, que é o racismo institucionalizado, enraizado na sociedade brasileira, que torna cada jovem negro, pobre, morador de periferia um suspeito a ser assassinado das mais diversas maneiras, nas áreas periféricas das grandes cidades.

            Nós não estamos falando - vou dar um aparte, o Senador se movimenta para isso, Senador Cristovam e Senador José Medeiros -, não estamos sequer falando das mortes de crianças, que são quase que diárias...

(Soa a campainha.)

            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - ... que acontecem no Brasil por bala perdida ou por qualquer outra motivação, geralmente sem nenhum tipo de investigação policial ou de julgamento dos seus assassinos.

            É uma situação aterradora os números que temos sobre a situação das mortes e assassinatos, que continuam impunes, de crianças, de adolescentes e de jovens no Brasil.

            Com a palavra, para um aparte, Senador Cristovam Buarque.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Senadora Lídice, para muitos, hoje essa data não está sendo lembrada, mas é o aniversário, 127 anos, da Abolição da Escravatura. Até aquela data, a gente olha a história do Brasil e nos dá vergonha.

(Interrupção de som.)

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - ... nos dá vergonha lembrar que, durante 350 anos, as pessoas eram vendidas, famílias separadas, conforme a vontade do proprietário da pessoa, porque era escravo ou escrava, crianças vendidas também. Dá-nos vergonha saber que o Brasil teve escravidão. Daqui a 50 anos, os brasileiros terão vergonha da maneira como nossa geração trata as crianças de hoje. Crianças sem escolas ou com pseudoescolas. A gente considera uma maravilha ter 97% das crianças matriculadas, esquecendo, primeiro, que faltam 3%; segundo, que estão matriculadas apenas, não estão frequentando, assistindo nem aprendendo; e, terceiro, que não são escolas de verdade, são pseudoescolas, escolas onde os filhos da classe média não estudariam, em que até mesmo os filhos ou mesmo os pais daquela criança...

(Soa a campainha.)

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - ... não comprariam uma geladeira numa loja que se parecesse com a escola do filho. A gente vai ter vergonha - não estaremos vivos, provavelmente, a não ser os muito jovens aqui, como o que está ao meu lado, o Senador Medeiros. Mas, daqui a 50 anos, vai se ter vergonha desse tempo. E uma das coisas que vai dar vergonha é que, em vez de se pensar em como aumentar a idade para ficar na escola, está se pensando em como diminuir a idade para entrar na cadeia, porque é disso que se trata quando se tenta reduzir a maioridade penal. É tempo de aumentar a menoridade escolar, até os 18 anos, todo mundo, em escolas de verdade. Então, seu discurso cai muito bem pela data e pelo tema, e lamento que eu não estivesse na reunião liderada, sobretudo, pelo Senador Lindbergh, porque não me foi possível encontrar tempo para ir. Mas eu faço parte dessa luta que vocês estão fazendo.

            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Sem dúvida alguma, Senador. Temos certeza da sua solidariedade e do seu companheirismo nessa nossa batalha.

            O Senador José Medeiros é o último, Senadora Vanessa, para que eu possa encerrar meu pronunciamento. Ele encerrará.

            Muito obrigada.

            O Sr. José Medeiros (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Senadora Lídice, também para parabenizá-la por esse tema tão rico e tão penoso, termos de ver que enfrentamos ainda esse tipo de problema. Eu nasci no sertão de Caicó, na zona rural do Município de Caicó, no Rio Grande do Norte, e foi a educação, Senadora Lídice, que permitiu que eu estivesse aqui hoje. Isso não é chavão. Eu fico preocupado, porque, há 40 anos, nós tínhamos um rumo, e acho que, em algum momento, perdemos o rumo. Em algum momento, neste País, deu-se importância para a educação, porque eu me lembro que, na minha infância e adolescência, havia aquilo na cabeça de cada jovem, aquela coisa de que, se você estudasse, você teria um futuro melhor. Hoje, parece que perdemos o rumo. A gente vê até grandes fortunas sendo gastas na educação, mas parece que não há um rumo. Para aonde vamos? O que queremos dessa educação? Não se vê. E, para quem não sabe para aonde vai, qualquer lugar serve. V. Exª toca nesse tema, e, com muita propriedade, o Senador Cristovam disse aqui que estamos discutindo, hoje, não em que idade entrar na escola, mas em que idade colocar na cadeia. E V. Exª disse tudo. Nós temos certo nicho para ir para a cadeia, e as nossas próprias leis penais são um pouco feitas para esse público. Olha, nós estamos falando aqui em pessoas que roubam 150 milhões - 150 milhões! Agora mesmo, acabei de saber de uma...

(Interrupção de som.)

            O Sr. José Medeiros (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Já concluo, Srª Presidente. Agora mesmo, acabei de saber nova notícia que está no O Globo: mais 55 milhões devolvidos. E a gente vê milhões, bilhões, e quantos dias essas pessoas vão ficar na cadeia? Mostre o Código Penal. Ele é bem direcionado. Se observarmos, é para este público: para o negro, para o pobre, sem querer fazer luta de classes aqui. Mas a gente precisa evoluir, inclusive nas nossas leis, porque parece que fazemos uma segregação tácita. E V. Exª vem, traz, fura o tumor e coloca isso aqui para toda a sociedade brasileira. E é importante que falemos, falemos, falemos e falemos para que possamos evoluir e sair desta situação em que nos encontramos. Meus parabéns, Senadora.

            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/05/2015 - Página 197