Discurso durante a 67ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas ao Poder Executivo pela má gestão do Orçamento Público; e outro assunto.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Críticas ao Poder Executivo pela má gestão do Orçamento Público; e outro assunto.
HOMENAGEM:
Publicação
Publicação no DSF de 14/05/2015 - Página 221
Assuntos
Outros > GOVERNO FEDERAL
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, MOTIVO, IRREGULARIDADE, GESTÃO, ORÇAMENTO, UNIÃO FEDERAL, ENFASE, AUMENTO, CRISE, ECONOMIA NACIONAL, DEFESA, NECESSIDADE, MELHORAMENTO, FISCALIZAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, PAIS.
  • HOMENAGEM POSTUMA, VOTO DE PESAR, MORTE, EX PRESIDENTE, CLUBE, FUTEBOL, ESTADO DE SERGIPE (SE), ORIGEM, JUAZEIRO (BA), ESTADO DA BAHIA (BA), ELOGIO, VIDA PUBLICA.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, definitivamente, as finanças públicas do Brasil enfrentam graves problemas, que vão muito além da frustração de receita e do baixo crescimento do PIB.

            A prática reiterada de iniciar a execução de parte considerável do Orçamento no fim do exercício financeiro gera desvios e distorções na gestão do Orçamento público.

            Prova disso é que a situação da denominada conta “restos a pagar” tem apresentado volumes galopantes, extraordinários, gerando riscos graves à retomada do crescimento econômico brasileiro.

            Por definição, restos a pagar são aqueles compromissos que foram efetuados pela Administração Pública, foram empenhados durante determinado exercício, mas que acabaram não sendo pagos até o encerramento do ano. Logo, como via de regra as dotações para investimentos são empenhadas no apagar das luzes, é certo que não há tempo hábil para concluí-los, sequer para iniciá-los, restando sua inscrição em restos a pagar.

            As razões pelas quais sucessivos governos se valem desse expediente contábil para justificar adiamento - ou mesmo cancelamento - de despesas se estendem desde reais ausências de caixa até condenáveis práticas de pressão política. Não estou dizendo que foi apenas o atual Governo; governos que antecederam o atual exercitaram essa mesma prática.

            A Lei Complementar nº 101, mais conhecida como a Lei de Responsabilidade Fiscal, baixada em maio de 2000, não deixa margem a dúvidas. Trata-se de uma legislação que surgiu para impor o controle dos gastos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, condicionado à capacidade de arrecadação de tributos desses mesmos entes políticos. Tal medida foi justificada pelo corrosivo costume, na política brasileira, de gestores promoverem obras de grande porte no final de seus mandatos, deixando a conta para seus sucessores pagarem.

            Ao lado disso, outras práticas contábeis nocivas acompanham o fechamento das contas nacionais, como tem sido o caso da edição de uma dezena de decretos cancelando arbitrariamente determinados “restos a pagar”. A recentíssima edição do Decreto-Lei 8.047, de 2015, comprova essa vocação discricionária de cancelar os restos a pagar inscritos em anos anteriores sem a definição de critérios objetivos que os justifiquem.

            Em 2014, apesar das reiteradas promessas de deixar volume menor de despesas para a nova equipe econômica, o Governo reincidiu na prática, onerando o Estado e a população e criando uma falsa ilusão de investimentos. Com a ferramenta política dos restos a pagar em mãos, o Governo praticamente dobra o conjunto de projetos dirigidos a Estados e Municípios e com isso pode condicionar a liberação de parcelas de restos a pagar a momentos de votações cruciais no Congresso Nacional.

            Segundo levantamento da agência Contas Abertas, o primeiro Governo da Presidenta Dilma terminou com um saldo de cerca de R$250 bilhões referentes aos chamados “restos a pagar”, aquelas despesas iniciadas em um ano que são efetivamente pagas nos anos subsequentes. Foi um crescimento de aproximadamente R$25 bilhões em relação ao que foi transferido de 2013 para 2014.

            Destaque-se que os números projetados para pagamento em 2015 não passam de estimativas primárias, visto que parte desses “restos a pagar” pode ser simplesmente cancelada pelo Governo.

            Na visão dos especialistas, os “restos a pagar” são despesas que podem até ser relativamente atrasadas, mas não muito, sob pena de paralisação de obras, de onde resultam prejuízos e encarecimento da obra pública, em virtude da insegurança no cronograma de desembolso dos valores devidos. Mesmo assim, acabam por funcionar como um fator de perigosa pressão sobre o orçamento.

            Hoje mesmo estive no Ministério das Cidades com o Ministro Kassab, que nos recebeu muito bem, a mim, ao Deputado Valadares Filho e alguns Prefeitos. Nós fomos justamente levar ao Ministro que vários recursos estavam empenhados e havia um atraso inconcebível na sua liberação: desde 2012, 2013 que esses recursos não são liberados. Algumas dessas obras já foram iniciadas em decorrência dos convênios ou contratos assinados.

            Sintoma desse tipo, alegam os especialistas, é que a outra parte dos “restos a pagar” de custeio referem-se a subsídios associados, por exemplo, ao PSI (Programa de Sustentação de Investimentos), do BNDES. Essa parcela, que subiu de R$32 bilhões, em 2014, para R$42 bilhões, em 2015, representa uma conta de subsídio que o Governo tem de pagar aos bancos federais, mas que vem sendo, em boa parte, pedalada.

            Mais detalhadamente, o Decreto nº 8.407, publicado, recentemente, no Diário Oficial da União, dispõe sobre o bloqueio e possível cancelamento dos “restos a pagar”, em 2015, de acordo com o comunicado do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. O decreto abrange cerca de R$150 bilhões em despesas.

            Na superfície, o objetivo do contingenciamento é avaliar, em conjunto com os Ministérios setoriais a execução financeira e o planejamento fiscal das ações e projetos que ainda não foram liquidados. Mas, no fundo, como parte de uma política fiscal mais restritiva a partir deste ano, o Governo demonstra que os cancelamentos propostos hoje se inserem no rol das contrapartidas amargas geradas em decorrência das promessas de campanha 2014.

            Estas, não podendo ser cumpridas, redundarão em prejuízos à sociedade, que deixará de usufruir de um bem ou obra pública com a qual já contava em razão do tão alardeado ajuste fiscal.

            Segundo o mesmo decreto, a Secretaria do Tesouro Nacional declarou o virtual bloqueio dos valores em uma conta do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) do Governo Federal. Como ressalva, os órgãos poderão desbloquear os recursos até 30 de junho deste ano, desde que até essa data seja iniciada a execução das despesas. Veja se há tempo.

            Contudo, a mesma medida preserva as dotações orçamentárias do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) de 2014 para os Ministérios da Saúde e da Educação e as decorrentes de emendas individuais obrigatórias na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do ano passado. Ou seja, desprovido de uma programação orçamentária precisa e transparente, o Governo se reserva discricionariamente o direito de decidir sobre suas preferências orçamentárias.

            Srª Presidenta, a discricionariedade da Administração Pública não para por aqui. A ausência de critérios objetivos no trato com os “restos a pagar” passíveis de cancelamento leva o Executivo a reservar-se ao direito de autorizar e cancelar os projetos do jeito que bem lhe aprouver.

            Como é do conhecimento de todos, sobre os contratos e convênios com valor abaixo de R$750 mil, o início da obra só pode ser autorizado com o percentual de 50% depositado na conta. Se cabe ao Executivo depositar e se a obra não foi iniciada, cabe ao Executivo cancelar. E como lidar com essa manobra? Veja bem, basta que o Executivo não cumpra a sua obrigação de depositar o percentual de 50% devido em cada contrato ou convênio com prefeituras, com Estados, etc., e a obra não será iniciada. Se a obra não está iniciada, ela pode ser cancelada.

(Soa a campainha.)

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - Acho que isso é um artifício para não liberar recursos.

            Assim é fácil ajeitar as contas. Basta não cumprir com sua obrigação e dizer que a culpa foi da outra parte. Mas isso parece lógico a alguém deste Senado avaliar que seja assim?

            Refletindo melhor, quem não está cumprindo a sua parte neste caso é o Governo, em prejuízo dos Municípios, principalmente dos que estão vivendo numa situação de pré-falência em todo o Brasil. Muitos desses “restos a pagar” são direcionados a Municípios, a Estados que já fizeram a sua parte, gastando recursos para elaboração de projetos executivos, que, via de regra, não são baratos, com aquisição de terrenos onde a obra seria executada.

(Interrupção do som.)

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - O que nós explicamos então para esses gestores? O que nós vamos dizer à população que está esperando a quadra de esportes, a pracinha, o campo de futebol, a rua calçada, o saneamento básico, o posto de saúde, a escolinha para as crianças? Nós vamos dizer que a União passou a perna em todo mundo?

            Mas a União somos nós. Somos nós que temos que dar conta da condução da coisa pública.

            Somos nós que temos que dar conta da condução da gestão administrativa. Nós precisamos nos comunicar com a sociedade e precisamos cuidar da mensagem que estamos passando. Nós não podemos ser convenientes ou coniventes com manobra que desrespeita o trabalho do outro.

(Soa a campainha.)

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - Ainda que o País esteja em dificuldades para administrar o seu orçamento, é imprescindível que o País mantenha uma postura de cumprimento de obrigações assumidas. Esta é a mensagem que a sociedade precisa receber de seus representantes: nós não somos caloteiros; tampouco acredito que esta seja a vontade ou a postura da Presidência da República. Então, é preciso encontrar um meio de garantir que os Estados e Municípios que confiaram na União não sejam prejudicados com cancelamentos discricionários, feitos a torto e a direito sem nenhuma objetividade.

            Aproveito para chamar o Congresso Nacional à responsabilidade, pois muitas destas aberrações contábeis que se veem são devidas a excessos instrumentais legalmente autorizados aos Chefes do Governo.

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - A prerrogativa contábil dos “restos a pagar” e seu arcabouço discricionário é apenas um exemplo e já é suficiente para mostrar as drásticas consequências econômicas e sociais de tal prática.

            Em virtude desta prática habitual no trato com os “restos a pagar”, serpenteia no País uma falsa sensação de naturalidade nas decisões sobre a contabilidade das contas públicas.

            Vale ressaltar que a Lei Complementar nº 101 obriga que as finanças sejam apresentadas detalhadamente ao Tribunal de Contas da União. A bem da verdade, há bem pouco o TCU recomendou ao Congresso Nacional, de modo inédito, a rejeição preliminar das contas do Governo Federal de 2014, por conta da suspeita de irregularidade no cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal. O órgão flagrou...

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - ... o adiamento criativo de repasses do Governo aos bancos públicos.

            Nesse contexto atual de devassa nas contas públicas pelas instituições competentes do País, caminhamos para a conclusão de que caberia, sim, às autoridades governamentais, mais prudência e maior responsabilidade no planejamento e na gestão orçamentária. Mais que isso, é hora de revermos a legislação no que concerne à existência do espaço para manobras orçamentárias, pois estas, mais cedo ou mais tarde, redundarão em prejuízos para toda a sociedade.

            Em suma, precisamos rever o equilíbrio entre os Poderes de Estado para minimizar a histórica concentração de poder nas mãos do Executivo brasileiro, o que tem causado prejuízos incontáveis à Nação, no meio dos quais citamos o trato dos Restos a Pagar...

(Interrupção do som.)

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - ...questão que precisamos enfrentar com a máxima urgência.

            Srª Presidente, para finalizar, eu gostaria de ler um requerimento de pesar pelo falecimento na última semana de um grande cidadão, de homem honrado do Estado de Sergipe. Faleceu em Aracaju o desportista Antônio Soares da Mota, conhecido por Motinha.

            Motinha era um dos maiores desportistas do nosso Estado. Era torcedor apaixonado do Club Sportivo Sergipe, do qual foi Presidente por 30 anos. Dirigiu o clube de seu coração, tornando-o campeão por muitas vezes. Foi um time de raça, talhado pelo esforço e sacrifício pessoal e familiar de Motinha para disputar e tornar-se o mais querido time em todo o Estado.

            O time rubro fez história em nosso futebol, assumindo a liderança do gramado em tantas oportunidades, temido e respeitado por seus concorrentes, graças à liderança forte e carismática do seu Presidente Motinha, sempre no seu comando para levar o seu time à vitória, que ele buscava com dedicação extrema e com grande paixão.

            Em certo momento de sua vida, o empresário Motinha resolveu ingressar na política, elegendo-se Vereador. Durante seu mandato, revelou-se diligente e atuante, exercendo sua liderança para conquistar amigos e simpatizantes. Aracaju ganhou muito com sua presença na Câmara.

            Pelo seu espírito altaneiro, seja como empresário, como desportista ou como político, Sergipe e, especialmente, Aracaju pranteiam sua morte e reverenciam sua memória como um cidadão probo e trabalhador.

            Era o que tinha a dizer, Srª Presidente.

            Muito obrigado pela tolerância.

 

SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR ANTONIO CARLOS VALADARES.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, definitivamente, as finanças públicas brasileiras enfrentam graves problemas que vão muito além da frustração de receita e do baixo crescimento do PEB. A prática reiterada de iniciar a execução de parte considerável do orçamento no fim do exercício financeiro gera desvios e distorções na gestão do orçamento público. Prova disso é que a situação da denominada conta "restos a pagar" tem apresentado volumes galopantes, gerando riscos graves à retomada do crescimento econômico brasileiro.

            Por definição, restos a pagar são aqueles compromissos que foram efetuados pela Administração Pública, foram empenhados durante determinado exercício, mas que acabaram não sendo pagos até o encerramento do ano. Logo, como via de regra as dotações para investimentos são empenhadas no apagar das luzes, é certo que não há tempo hábil para concluí-los, sequer para iniciá-los, restando sua inscrição em restos a pagar. As razões pelas quais sucessivos governos se valem deste expediente contábil para justificar adiamento - ou mesmo, cancelamento - de despesas se estendem desde reais ausências de caixa, até condenáveis práticas de pressão política.

            A Lei Complementar n° 101 (LC 101), mais conhecida como a Lei de Responsabilidade Fiscal, baixada em maio de 2000, não deixa margem a dúvidas. Trata-se de uma legislação que surgiu para impor o controle dos gastos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, condicionado à capacidade de arrecadação de tributos desses mesmos entes políticos. Tal medida foi justificada pelo corrosivo costume, na política brasileira, de gestores promoverem obras de grande porte no final de seus mandatos, deixando a conta para seus sucessores.

            Ao lado disso, outras práticas contábeis nocivas acompanham o fechamento das contas nacionais, como tem sido o caso da edição de uma dezena de decretos cancelando arbitrariamente determinados "restos a pagar". A recentíssima edição do Decreto-Lei 8.047, de 2015, comprova essa vocação discricionária de cancelar os restos a pagar inscritos em anos anteriores sem a definição de critérios objetivos que os justifiquem.

            Em 2014, Sr. Presidente, apesar das reiteradas promessas de deixar volume menor de despesas para a nova equipe econômica, o Governo atual reincidiu na prática, onerando o Estado e a população e criando uma falsa ilusão de investimentos. Com a ferramenta política dos "restos a pagar" em mãos, a Presidente praticamente dobra o conjunto de projetos dirigidos a estados e municípios e, com isso, pode condicionar a liberação de parcelas de "restos a pagar" a momentos de votações cruciais no Congresso Nacional.

            Segundo levantamento da agência Contas Abertas, o primeiro Governo da Presidente Dilma Rousseff terminou com um saldo de cerca de 250 bilhões de reais referentes aos chamados "restos a pagar", aquelas despesas iniciadas em um ano que são efetivamente pagas nos anos subsequentes. Foi um crescimento de aproximadamente 25 bilhões de reais em relação ao que foi transferido de 2013 para 2014. Destaque-se que os números projetados para pagamento em 2015 não passam de estimativas primárias, visto que parte desses "restos" pode ser simplesmente cancelada pelo Governo.

            Na visão dos especialistas, os restos a pagar são despesas que podem até ser relativamente atrasadas, mas não muito, sob pena de paralização de obras de onde resulta prejuízos e encarecimento da obra pública em virtude da insegurança no cronograma de desembolso dos valores devidos. Mesmo assim, acaba por funcionar como um fator de perigosa pressão sobre o orçamento.

            Sintoma disso - alegam eles - é que a outra parte dos restos a pagar de custeio referem-se a subsídios associados, por exemplo, ao Programa de Sustentação do Investimento (PSI) do BNDES. Esta parcela, que subiu de 32,2 bilhões de reais em 2014 para 42,5 bilhões em 2015, representa uma conta de subsídio que o Governo tem de pagar aos bancos federais, mas que vem sendo em boa parte "pedalada".

            Mais detalhadamente, Senhor Presidente, o Decreto 8.407 publicado recentemente no Diário Oficial da União dispõe sobre o bloqueio e possível cancelamento dos restos a pagar em 2015. De acordo com comunicado do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, o decreto abrange cerca de 150 bilhões de reais em despesas.

            Na superfície, o objetivo do contingenciamento é avaliar, em conjunto com os ministérios setoriais, a execução financeira e o planejamento fiscal das ações e projetos que ainda não foram liquidados. Mas, no fundo, como parte de uma política fiscal mais restritiva a partir desse ano, o Governo demonstra que os cancelamentos propostos hoje se inserem no rol das contrapartidas amargas geradas em decorrência das promessas eleitoreiras de 2014 na campanha da Presidente Dilma. Estas, não podendo ser cumpridas, redundarão em prejuízos à sociedade que deixará de usufruir de um bem ou obra pública com a qual já contava em razão do tão alardeado ajuste fiscal.

            Segundo o mesmo decreto, a Secretaria do Tesouro Nacional declarou o virtual bloqueio dos valores em uma conta do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) do Governo Federal. Como ressalva, os órgãos poderão desbloquear os recursos até 30 de junho deste ano, desde que até essa data seja iniciada a execução das despesas.

            Contudo, a mesma medida preserva as dotações orçamentárias do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) de 2014 para os Ministérios da Saúde e da Educação e as decorrentes de emendas individuais obrigatórias na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do ano passado. Ou seja, desprovido de uma programação orçamentária precisa e transparente, o Governo se reserva discricionariamente o direito de decidir sobre suas preferências orçamentárias.

            Sr. Presidente, a discricionariedade da Administração Pública não para por aqui. A ausência de critérios objetivos no trato com os restos a pagar passíveis de cancelamento leva o Executivo a reservar-se o direito de autorizar e cancelar os projetos do jeito que bem lhe aprouver. Como é de conhecimento de todos, sobre os contratos e convênios com valor abaixo de 750 mil reais, o início de obra só pode ser autorizado com o percentual de 50% depositado na conta. Se cabe ao Executivo depositar e, se a obra não for iniciada, cabe ao Executivo cancelar, como lidar com esta manobra?

            Veja bem, basta que o Executivo não cumpra sua obrigação de depositar o percentual de 50% devido em cada contrato ou convênio e a obra não será iniciada. Assim, se a obra não está iniciada, ela pode ser cancelada. Assim é fácil ajeitar as contas, basta não cumprir com sua obrigação e dizer que a culpa foi da outra parte. Isto parece lógico a alguém aqui?

            Muitos destes restos a pagar são direcionados a municípios e estados que já fizeram sua parte, gastando recursos para elaboração de projetos executivos, que via de regra não são baratos; com a aquisição de terrenos onde a obra seria executada, dentre outras despesas. O que nós explicamos então para estes gestores? O que nós vamos dizer à população que está esperando a quadra de esportes, a pracinha, o campo de futebol?

            Nós vamos dizer que a União passou a perna em todo mundo? Senhores e senhoras, a União somos nós. Somos nós que temos que dar conta da condução da coisa pública; nós precisamos nos comunicar com a sociedade e precisamos cuidar da mensagem que estamos passando. Nós não podemos ser coniventes com manobra que desrespeita o trabalho do outro.

            Ainda que o país esteja em dificuldades para administrar seu orçamento, é imprescindível que o país mantenha uma postura de cumprimento de obrigações assumidas. Esta é a mensagem que a sociedade precisa receber de seus representantes. Nós não somos caloteiros. Tão pouco acredito que esta seja a vontade ou a postura da Presidente. Então, é preciso encontrar um meio de garantir que os estados e municípios que confiaram na União não sejam prejudicados com cancelamentos discricionários.

            Aproveito para chamar o Congresso Nacional à responsabilidade pois, muitas destas aberrações contábeis que se vê são devidas a excessos instrumentais legalmente autorizados aos chefes de governo. A prerrogativa contábil dos restos a pagar e seu arcabouço discricionário é apenas um exemplo e já é suficiente para mostrar as drásticas conseqüências econômicas e sociais de tal prática.

            Em virtude desta prática habitual no trato com os restos a pagar, serpenteia no país uma falsa sensação de naturalidade nas decisões sobre a contabilidade das contas públicas. Daí se deduz a difusa e equivocada percepção social de que tanto o Poder Legislativo quanto os beneficiários de recursos da União sejam coniventes com tais práticas administrativas. Pelo contrário, um e outro acabam, na realidade, ficando reféns destas medidas.

            Com a publicação da Lei da Responsabilidade Fiscal em 2000, especulava-se que uma página de desarranjos fiscais nas finanças públicas seria, em definitivo, virada. Ledo engano. Por mais rigorosa que seja a LRF, a prática vem demonstrando distorções na sua interpretação e aplicação.

            Vale ressaltar que, a rigor, a LC 101 obriga que as finanças sejam apresentadas detalhadamente ao Tribunal de Contas da União. Tal órgão pode aprovar - ou não - as contas que lhe são anualmente remetidas. Em caso das contas serem rejeitadas, instaura-se uma investigação no âmbito do Poder Executivo Federal, podendo resultar em multas, ou mesmo resultar, no limite, na proibição de o mandatário tentar disputar novas eleições.

            A bem da verdade, há bem pouco, o TCU recomendou ao Congresso Nacional, de modo inédito, a rejeição preliminar das contas do Governo Federal em 2014. Por conta da suspeita de irregularidades no cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, o órgão flagrou o adiamento "criativo" de repasses do Governo aos bancos públicos.

            Sr. Presidente, nesse contexto atual de devassa nas contas públicas pelas instituições competentes do País, caminhamos para a conclusão de que caberia, sim, às autoridades governamentais mais prudência e maior responsabilidade no planejamento e na gestão orçamentária. Mais que isso, é hora de revermos a legislação no que concerne à existência de espaço para manobras orçamentárias, pois estas, mais cedo ou mais tarde, redundarão em prejuízos para toda a sociedade.

            Em suma, precisamos rever o equilíbrio entre os Poderes de Estado para minimizar a histórica concentração de poder nas mãos do Executivo brasileiro o que tem causado prejuízos incontáveis à Nação, no meio dos quais citamos o trato dos "restos a pagar", questão que precisamos enfrentar com a máxima urgência.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/05/2015 - Página 221