Discurso durante a 72ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre os desafios a serem enfrentados pela CPI do Assassinato de Jovens.

Autor
Lindbergh Farias (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Luiz Lindbergh Farias Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Outros:
  • Comentários sobre os desafios a serem enfrentados pela CPI do Assassinato de Jovens.
Publicação
Publicação no DSF de 19/05/2015 - Página 144

O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do

orador.) - Muito obrigado, Senador Hélio José.

    Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, senhoras e senhores que nos assistem pela TV Senado e pela Rádio Senado, em 13 de maio de 1888, foi assinada a Lei Áurea, que aboliu a escravidão no Brasil. As mulheres e os homens negros sofreram por mais de três séculos com a opressão, em benefício de uma minoria de senhores que controlavam vidas, terras, produção agrícola e os destinos da Nação.

    A abolição da escravidão não foi fruto da bondade da Princesa Isabel, mas resultado de um processo de luta e resistência de escravos, que organizaram os quilombos para se proteger e viver. Foi muito importante a luta também do movimento abolicionista, que reuniu intelectuais, escritores, diplomatas e parlamentares, como Joaquim Nabuco.

    Nabuco considerava a escravidão o centro de todo o nosso organismo social, que impôs consequências perversas para o País em todas as áreas. Para ele, a resolução desse conjunto de distorções estaria condicio- nada à tarefa da libertação dos escravos. Com a emancipação, seria inaugurada uma época nova marcada por reformas sociais para apagar todos os efeitos do regime.

    A escravidão foi abolida, mas o sonho de Nabuco de apagar todos os efeitos do regime ainda não se realizou. Por isso, boa parte do movimento negro não comemorou o 13 de Maio, por considerar a assinatura da Princesa Isabel um ato formal, que não foi seguido por um conjunto de reformas necessárias para a eman- cipação do povo brasileiro.

    Sr. Presidente, os 350 anos de escravidão, que submeteram gerações e gerações no Brasil, deixaram duas heranças: a violência como instrumento de opressão e o racismo como forma de dominação. Vejam um número alarmante: das 56 mil pessoas que são assassinadas todos os anos no País, 53% das vítimas são jovens. Desses jovens mortos, 77% são negros, mais que três quartos, e 93% são do sexo masculino.

    Por essa razão, os homicídios de jovens representam uma questão nacional de saúde pública, além de grave violação aos direitos humanos, refletindo-se no sofrimento silencioso e insuportável de milhares de mães, pais, irmãos e comunidades. A herança da violência e do racismo que a escravidão deixou está viva e representa um problema estrutural e sistêmico para o nosso País. E precisamos debater essa questão, fazer um diagnós- tico e construir políticas para enfrentar o que o movimento negro chama de genocídio da juventude negra.

    Na semana passada, realizamos a segunda sessão da CPI do Assassinato de Jovens, que foi instalada no Senado Federal, e apresentamos nosso plano de trabalho. Aqui está a nossa Presidente, Senadora Lídice da Mata, daqui a pouco, às 19h30, teremos uma audiência pública extremamente importante. E consideramos que essa CPI trata de um tema importantíssimo, que representa uma tragédia nacional: a morte de jovens bra-

sileiros e brasileiras, de 12 a 29 anos, em homicídios dolosos.

    Hoje - acabei de me referir a isso -, às 19h30, teremos a nossa primeira audiência pública, que será tele-

    visionada e transmitida pela TV Senado, e contará com a presença do Dr. Ignacio Cano, que professor e funda- dor do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro; do Prof. Marcelo Nery, professor do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo; e do Dr. Michel Misse, professor do Núcleo de Estudos de Cidadania, Conflito e Violência Urbana da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E essa primeira audiência pública tem vistas na apresentação de dados e indicadores sobre homicídios de jo- vens nos últimos anos.

    Os dados do relatório Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade Racial 2014, divulgado na semana passada, apontam que a juventude negra é a principal vítima da violência no País. Jovens negros têm duas vezes e meia mais chances de serem assassinados, do que jovens brancos.

    O Estado onde nasci, a Paraíba - sou Senador pelo Rio, mas sou paraibano - tem o segundo pior coefi- ciente do Índice de Vulnerabilidade Juvenil, atrás apenas de Alagoas. Lá, a taxa de homicídios de negros é 13 vezes maior que a de brancos.

    Os homicídios dolosos são a primeira causa de mortes entre os jovens. Esse índice é considerado epidê- mico pela ONU e faz do País um recordista num dos índices mais trágicos: o mapa mundial da violência.

    O nosso País passou por grandes avanços sociais e econômicos nos últimos 13 anos, com a expansão de políticas de transferência de renda, a redução do desemprego, a ampliação do trabalho formal e a valorização do salário mínimo. Em 30 anos, o Brasil conquistou a democracia, aprovou a Constituição Federal, controlou a inflação e implementou um programa amplo de políticas sociais que melhorou a vida de milhões de pessoas. As políticas dos Governos do Presidente Lula e da Presidenta Duma reduziram desigualdades e tiraram 36 mi- lhões de brasileiros e brasileiras da linha de pobreza.

    No entanto, a violência contra a nossa juventude não diminuiu de forma significativa, e o número de assassinato de jovens envergonha o nosso País. Nos últimos 30 anos, enquanto a taxa de homicídios da po- pulação não jovem no Brasil cresceu 118%, que é um número absurdo, a de jovens cresceu 194%. Todo ano, 56 mil famílias sofrem com a perda de um jovem morto de forma trágica. Já os homicídios por arma de fogo, nesse mesmo período, saltaram, pasme, Senador Hélio José, 463% entre jovens de 15 a 29 anos - o aumento de homicídios por arma de fogo, em 30 anos, subiu 463%!

    Compreendemos que o Estado brasileiro tem responsabilidade. E os Poderes Executivo, Legislativo, Ju- diciário, nas esferas municipais, estaduais e nacional, precisam enfrentar essa questão. No Senado Federal, po- demos dar uma importante contribuição.

    Sr. Presidente, a CPI do Assassinato de Jovens começa seus trabalhos em um momento de discussão da PEC 171, de 1993, que prevê a redução da maioridade penal; o PL 3.722, de 2012, que altera o Estatuto do Desarmamento; o PL 4.471, de 2012, que acaba com os autos de resistência; e a PEC 51, de minha autoria, que trata da reformulação do sistema de segurança pública e do modelo de polícia no País.

    Senador Hélio José.

    O SR. PRESIDENTE (Hélio José. Bloco Maioria/PSD - DF) - Senador, realmente é alarmante! Brasília está estarrecida: para V. Exª ter uma ideia, de sexta para cá, nós tivemos o assassinato de um ex-policial da PM de Brasília e atual policial federal, que deixou órfã uma família, e ele era um jovem, tinha menos de 30 anos; ti- vemos o assassinato de um sargento do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, covardemente assas- sinado a tiros; e ainda tivemos o assassinato de um conterrâneo seu - V. Exª é paraibano, mas adotivo do Rio de Janeiro -, que era um coronel do Exército, vítima de uma armação ardilosa; por causa de sua pensão, a sua esposa armou a situação, lamentavelmente, que o vitimou, e fizeram um sequestro relâmpago, e assassinaram o jovem coronel do Exército brasileiro. É alarmante, é preocupante!

    Então, V. Exª tem total acerto, quando coloca esses dados preocupantes, e o nosso País precisa analisá-

    -los com muito cuidado, para, inclusive, não piorar a situação. Quando falamos sobre essa questão de maio- ridade penal, sobre essa questão de nossas penitenciárias lotadas, vemos que isso não vai servir para poder sanar esse grave problema da violência que temos no País, principalmente fruto de algumas injustiças sociais. Quando vemos que projetos, como o de terceirização e outros projetos, vêm acentuar essa degradação do nosso povo brasileiro, precisamos, realmente, ter muito cuidado, como estamos fazendo aqui, nesta Casa, para evitar exatamente que esses índices alarmantes de crime, de violência continuem aumentando em nosso País e fazendo da gente uma vergonha. Porque um País que é lindo por natureza como o nosso não pode ter tanta violência como percebemos hoje.

    Então, quero parabenizar V. Exª e dizer que essa CPI da qual V. Exª faz parte, juntamente com a Senadora Lídice da Mata, é de muita relevância para o nosso País, porque os assassinatos da nossa juventude, da nossa maior força de mão de obra ativa, que estão acontecendo hoje, são inaceitáveis. E precisamos fazer alguma coisa.

    Muito obrigado, Senador.

O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Eu agradeço muito, Senador Hélio José.

    Quero dizer que V. Exª tocou em temas importantes. A gente acabou montando, e V. Exª faz parte, V. Exª fundou esta Frente Parlamentar Progressista aqui, porque nós estamos preocupados com uma série de pautas que vêm da Câmara dos Deputados, numa agenda conservadora que se tenta impor no País. V. Exª falou aqui da redução da maioridade penal, mas eu falo de outro ponto muito importante, o Estatuto do Desarmamento, que foi uma grande conquista da sociedade brasileira - infelizmente, a Bancada da Bala se organiza na Câmara dos Deputados, e eu estou convencido de que, se houver um retrocesso em relação ao Estatuto do Desarma- mento, esses números que são terríveis vão explodir.

    E aqui eu falo, quando falo da juventude, V. Exª citava o caso do Distrito Federal, mas sinceramente a juventude que está morrendo é a juventude que vive nas periferias, é a juventude mais pobre, é a juventude trabalhadora, são jovens negros, que estão sendo, eu digo, no meu Estado, assassinados pelo tráfico, pela mi- lícia e, às vezes, por uma polícia despreparada. Por isso, quando eu falo da PEC 51, que reestrutura o sistema de segurança pública, introduz o tema da desmilitarização, porque vale dizer, e V. Exª também falou nisso, os policiais estão sendo vítimas desse sistema também. O Brasil é um dos países em que a polícia mais mata, mas em que mais morre também.

    E algumas questões nós vamos ter que começar a enfrentar. É um debate difícil de ser feito, mas essa política de guerra às drogas tem fracassado no mundo inteiro. Acho que colocar como centro da estratégia de uma política de segurança de um determinado Governo do Estado o combate ao tráfico de drogas tem pena- lizado a polícia e a nossa juventude. Não está surtindo o efeito, e mais importante do que qualquer coisa é a defesa da vida, o controle das armas.

    Então, acho que este é um debate complexo, mas que nós vamos ter que aprofundar, por meio desta CPI, porque todo mundo sofre pressão dos seus Estados para discutir a questão da violência. Antigamente, a discussão sobre a questão da violência estava muito centrada em São Paulo e Rio. E V. Exª sabe que não é mais isso: agora todos os Estados do Brasil estão enfrentando problemas gravíssimos nessa área, e é preciso que aprofundemos o debate para mudar a estrutura desse sistema que não está funcionando a contento.

    Senador Hélio José, estou ocupando a relatoria dessa Comissão, que tem na Presidência esta guerreira Senadora Lídice da Mata; na Vice-Presidência o Senador Paulo Paim. Nós apresentamos um plano de trabalho que tem como objetivo levantar elementos para responder perguntas que consideramos importantíssimas.

    Quem comete um homicídio doloso? Ou ainda, em outras palavras, quem mata? Onde se mata? Quando se mata? Como se mata? Por que se mata? E quem morre?

    A primeira tarefa da CPI é levantar mapeamentos e diagnósticos existentes no cenário brasileiro, levando em conta especificidades e complexidades. Vamos trazer ao Senado especialistas, pesquisadores e estudiosos do tema.

    Em seguida, realizaremos oitivas com a sociedade civil organizada para o enfrentamento do tema, representantes de instituições, agentes estatais, profissionais de segurança pública, parentes de vítimas da violência letal.

    Experiências bem sucedidas no campo da segurança pública, com efetivos resultados na redução de homicídios dolosos, em Município e Estados brasileiros, assim como na seara internacional, serão objeto da nossa atenção.

    Por isso, contaremos com o apoio de entidades da sociedade, dos movimentos de negros, de mulheres, de jovens contra a violência, movimentos hip hop, organizações da sociedade civil ligadas à luta pela paz, dos movimentos por direitos humanos, contra o racismo, de combate à violência contra a mulher, contra a homo- fobia, contra o extermínio de índios, entre outros. A imprensa e as mídias alternativas bem como as redes so- ciais também são extremamente importantes, assim como os institutos de pesquisas e os setores acadêmicos.

    Nessa CPI, esses atores serão ouvidos e serão protagonistas, com suas múltiplas vozes e olhares, desde o planejamento até a aprovação do relatório final, que pretende propor e recomendar ações efetivas para a diminuição da taxa epidêmica de morte violenta de jovens no nosso País.

    Queremos também realizar algumas visitas in loco para averiguação, de acordo com a demanda apre- sentada ao longo dos trabalhos, oitivas com casos específicos e para solicitar diligências, principalmente para compreender novas tendências, como, por exemplo, a interiorização da violência no País - eu já havia falado sobre isso.

    No âmbito do apoio institucional, solicitamos a disposição e o empenho para o diálogo das diversas esferas governamentais do Poder Executivo, das várias instâncias do Poder Judiciário e de todos os níveis do Poder Legislativo.

    Sr. Presidente, subi à tribuna do Senado, no dia 6 de abril, com tristeza, para lamentar mais uma morte no Estado do Rio de Janeiro: a morte do Eduardo de Jesus Ferreira, de apenas 10 anos, que tinha morrido dias

    no Rio de Janeiro.

    Uma criança foi morta, atingida por um disparo desferido por um policial militar. E não podemos ad- mitir que as crianças e jovens do nosso País sejam assassinados. O Estado tem responsabilidade, e com a CPI daremos a nossa contribuição para aprofundar a investigação da violência letal com apresentação de dados e dinâmicas específicas.

    Queremos investigar os temas organizados em dois eixos principais: prevenção e responsabilização.

    No eixo de prevenção, abordaremos a questão do controle de armas, o Estatuto do Desarmamento, além da investigação de políticas públicas preventivas, como ações de cultura e lazer, educação e esporte, trabalho e renda, diversidade, enfrentamento ao racismo institucional, saúde e participação social.

    No que toca ao eixo de responsabilização, duas frentes deverão ser analisadas: a persecução criminal de quem comete o crime e a responsabilização política e judicial de instituições e seus representantes.

    Assim, chegaremos a questões complexas como a desigualdade do acesso à Justiça, ritos investigativos, atuação de agentes públicos, sistema penitenciário e dinâmicas interinstitucionais. Para isso, dedicaremos esforços no sentido de aprofundar a investigação acerca da violência letal praticada por agentes do Estado.

    Sr. Presidente, os números demonstram que as vítimas de homicídios dolosos no Brasil têm idade, cor e sexo que refletem contradições históricas da sociedade brasileira, como a manutenção da escravidão por 350 anos, como o período de industrialização sustentado em duas ditaduras, como um processo de democratiza- ção que ainda não se completou e uma era democrática que não conseguiu enfrentar o problema da violência.

    O nosso desafio nessa Comissão Parlamentar de Inquérito está acima de qualquer questão partidária ou da alternância natural dos governos que enfrentam o problema. Trata-se de um desafio a todos os brasileiros que comungam do sonho de Joaquim Nabuco de “apagar todos os efeitos do regime” escravocrata.

    Com isso, estaremos dando nossa contribuição decisiva para salvar a vida dos nossos jovens, de modo que eles possam ser os destinatários e os beneficiários da profunda transformação social que o Brasil está vi- vendo nos últimos 13 anos, com uma opção clara pela redução das desigualdades, o que tem o poder de con- duzir o País a um novo patamar de cidadania.

    Afinal, qual a validade desses avanços se não conseguirmos parar de matar os nossos jovens?

    Sr. Presidente, muito obrigado pelo tempo, pela tolerância de V. Exª, e muito obrigado pelo aparte também.

    O SR. PRESIDENTE (Hélio José. Bloco Maioria/PSD - DF) - Parabéns, Senador Rollemberg... Senador Lin- dbergh.

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Ainda viro governador como o Senador Rollemberg.

    O SR. PRESIDENTE (Hélio José. Bloco Maioria/PSD - DF) - Com certeza. O Rio de Janeiro o aguarda.

    Foi com muita alegria que presidi esta sessão, com a sua fala tão importante para o nosso País. Quero dizer que V. Exª nos orgulha por fazer parte desta Casa, por contribuir para que nós tenhamos um País mais justo, mais igualitário, mais fraterno.

    Hoje, estive aqui na sessão sobre a Defensoria Pública - aqueles que estão do outro lado, defendendo os menos favorecidos. Foi uma sessão solene importante, assim como é relevante o tema que o trouxe hoje a esta tribuna, ao relatar para o nosso País a necessidade de agirmos em prol do fim da violência.

    Então, parabéns, Senador!

O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito obrigado, Senador Hélio José.

    O SR. PRESIDENTE (Hélio José. Bloco Maioria/PSD - DF) - Não havendo mais nenhum Senador inscrito, daremos por encerrada esta sessão não deliberativa de hoje.

    Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Hélio José. Bloco Maioria/PSD - DF) - Está encerrada a sessão.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/05/2015 - Página 144