Pronunciamento de Lindbergh Farias em 16/04/2015
Discurso durante a 51ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal
Relato dos acontecimentos envolvendo a VII Cúpula das Américas, realizada na Cidade do Panamá nos dias 10 e 11 de abril; e outros assuntos.
- Autor
- Lindbergh Farias (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
- Nome completo: Luiz Lindbergh Farias Filho
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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POLITICA INTERNACIONAL:
- Relato dos acontecimentos envolvendo a VII Cúpula das Américas, realizada na Cidade do Panamá nos dias 10 e 11 de abril; e outros assuntos.
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ATIVIDADE POLITICA:
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HOMENAGEM:
- Publicação
- Publicação no DSF de 17/04/2015 - Página 151
- Assuntos
- Outros > POLITICA INTERNACIONAL
- Outros > ATIVIDADE POLITICA
- Outros > HOMENAGEM
- Indexação
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- REGISTRO, IMPORTANCIA, FATO, PARTICIPAÇÃO, REPRESENTANTE, GOVERNO ESTRANGEIRO, CUBA, REUNIÃO, ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA), LOCAL, PAIS ESTRANGEIRO, PANAMA, MOTIVO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ENCERRAMENTO, EMBARGO, POLITICO.
- REGISTRO, INSTALAÇÃO, REPRESENTAÇÃO, BRASIL, LOCAL, PARLAMENTO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), ELOGIO, MEMBROS, PARLAMENTO LATINO AMERICANO.
- HOMENAGEM POSTUMA, JORNALISTA, ESCRITOR, ESTRANGEIRO, ORIGEM, PAIS ESTRANGEIRO, URUGUAI, ELOGIO, VIDA PUBLICA.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta, Srªs e Srs. Senadores, senhoras e senhores que nos assistem pela TV Senado e nos ouvem pela Rádio Senado, público presente, aconteceu, há poucos dias, 10 e 11 de abril, a VII Cúpula das Américas, realizada na Cidade do Panamá.
A Cúpula das Américas, como as senhoras e os senhores sabem, é a reunião que congrega todos os países que compõem a Organização dos Estados Americanos (OEA). Ela ocorre, em média, a cada três anos e, em média, não produz resultados muito significativos, além de declarações vazias e burocráticas. Afinal, a OEA vem perdendo espaço no continente. Os países latino-americanos resolveram apostar na sua união e em sua capacidade de articular estratégias de inserção internacional próprias.
Hoje, o nosso País, bem como outros países da região, não esperam permissões e orientações que vêm do norte para fazer o que deve ser feito, como acontecia num passado recente. Hoje, simplesmente fazemos. Hoje, a Unasul e a Celac têm mais importância e maior capacidade de articulação do que a OEA. São nessas instâncias, criadas com a iniciativa decisiva do Brasil e de sua nova política externa, que os países da região articulam, de forma independente, a sua integração e a sua política geoestratégica. A América Latina se emancipou. Assim, a OEA não é mais é aquela que, até pouco tempo, ditava normas e políticas para todo o continente.
Contudo, Srª Presidente, essa Cúpula das Américas produziu, sim, resultados muito significativos. Mais do que isso: a VII Cúpula das Américas foi uma reunião que já entrou para a história do continente e para a história mundial e o fez por várias razões.
Foi nessa reunião que Cuba participou, pela primeira vez, da Cúpula das Américas. Cuba participava da OEA desde a sua fundação e foi expulsa em 1962 por iniciativa dos Estados Unidos, que impôs o inútil, cruel e beócio embargo econômico, comercial, político e diplomático. Cuba foi expulsa de um continente que lhe pertence por direito geográfico. Nas Américas, do território cubano, ficou apenas a base de Guantánamo e a vergonha das suas masmorras. E Cuba voltou à OEA, porque, na cúpula anterior, realizada em Cartagena, em 2012, os países do América Latina, liderados, entre outros, pelo Brasil, tomaram uma decisão histórica: não se fará mais cúpulas da OEA sem a presença de Cuba; ou Cuba entra, ou estamos fora.
Os Estados Unidos perceberam, então, que as suas relações com a América Latina, especialmente suas relações com a América do Sul, dependiam de sua política em relação a Cuba. Caso quisessem uma maior aproximação e uma maior cooperação com um subcontinente muito mais independente que no passado, eles precisavam rever essa política anacrônica e contraproducente, símbolo de um intervencionismo que não cabe mais nesta América Latina politicamente emancipada e dona de seu próprio destino.
Além da participação de Cuba, a VII Cúpula das Américas também entrou para a história como a Cúpula que encerrou, com mais de duas décadas de atraso, a Guerra Fria em nosso continente. Obama, um Presidente que está tomando decisões corajosas em seu segundo mandato, declarou, com toda a pompa, após o histórico encontro com Raúl Castro: "A minha mensagem é de que a Guerra Fria acabou".
Finalmente, senhoras e senhores, até que enfim, percebeu-se que a Guerra Fria não faz mais sentido - aliás, não faz mais sentido desde os tempos do Gorbachev. Embora bastante tardia, é uma mensagem muito bem-vinda, especialmente para uma região que sofreu muito com os efeitos da Guerra Fria, que congelou nossa política interna, nossa política regional e nossa política externa por tantos anos.
O término da Guerra Fria nas Américas e a nova política dos Estados Unidos da América em relação a Cuba tendem a recolocar a relação da América Latina com a América do Norte num patamar bem diferente, muito mais rico e cooperativo. Aparentemente, a política dos Estados Unidos da América para a América Latina não será mais ditada pelos interesses anacrônicos e paroquiais de um pequeno grupo de exilados cubanos e por dinossauros ideológicos incrustados no Departamento de Estado.
Aliás, devemos celebrar, porque, no dia de ontem, houve um reparo de uma injustiça histórica: o Presidente Obama removeu Cuba da lista do governo norte-americano de nações que patrocinam o terrorismo. Isso elimina, assim, o maior obstáculo para restauração diplomática entre os dois países, depois de décadas de relações hostis por parte do governo norte-americano. A decisão final para a retirada de Cuba dessa lista depende agora do Congresso norte-americano. O próximo passo tem que ser a suspensão dessas sanções covardes, impostas pelo governo norte-americano a Cuba.
Aliás, eu queria citar um outro fato sobre Cuba aqui. Recentemente, essa ilha do Caribe foi o único país da América Latina que conseguiu atingir todas as metas estabelecidas pela ONU em seu relatório de monitoramento global - “Educação para Todos”. A pequenina Cuba foi o único país da América Latina que conseguiu atingir todas as metas.
Evidentemente, essa nova disposição norte-americana terá também que passar pelo teste da Venezuela.
A recente decisão do Departamento de Estado de impor sanções a esse nosso vizinho, membro pleno do Mercosul, só tende a piorar a situação daquele país, enrijecendo posições e criando novas tensões. O encontro na Cúpula entre Maduro e Obama, aparentemente bem-sucedido, pode abrir caminhos para uma distensão que poderá propiciar o apaziguamento da situação interna na Venezuela, que é o que todos desejamos.
Srª Presidente, esse notável avanço da Sétima Cúpula das Américas ocorreu em grande parte porque a integração regional propiciou a articulação dos interesses do subcontinente de forma autônoma e racional. O fim da guerra fria foi anunciado agora, no Panamá, porque em Cartagena, Colômbia, os países latino-americanos, mais integrados e independentes que no passado, deram um basta a essa lógica perversa e anacrônica que amarrava um continente inteiro ao passado.
Portanto, não podemos regredir no Mercosul, em nome de um livre- cambismo quimérico, como desejam alguns. Não podemos regressar aos sepultados tempos da Alca, que ameaça ressurgir na forma de acordos bilaterais de livre-comércio. Não podemos regredir na integração regional. Ao contrário, precisamos fazer avançá-la ainda mais.
Srª Presidente, senhores e senhoras, aproveito a oportunidade para informá-los de que, ontem, foi instalada a Representação Brasileira no Parlamento do Mercosul, o Parlasul, do qual tenho a honra de ser membro junto com outros distintos Parlamentares deste Senado e da Câmara dos Deputados. Desta casa participarão do Parlasul os seguintes Senadores e Senadoras: Humberto Costa, Fátima Bezerra, Luiz Henrique, Roberto Requião, Valdir Raupp, Paulo Bauer, Antonio Carlos Valadares e Blairo Maggi.
Quero expressar as mais sinceras homenagens ao Senador Roberto Requião, eleito ontem Presidente da Mesa Diretora da Representação Brasileira no Parlasul. Trabalharemos muito para fortalecer ainda mais este mecanismo de integração regional!
E aqui, Srª Presidente, quero aproveitar a oportunidade e prestar a minha homenagem ao primeiro Cidadão Ilustre do Mercosul, que recebeu esse prêmio em reconhecimento à sua contribuição à cultura, à identidade latino-americana e à integração regional.
Quero prestar minha homenagem ao mais entusiasta pensador da integração regional, ao escritor que nos integrou com palavras e pensamentos, ao poeta que nos uniu com beleza e sensibilidade.
Quero, sobretudo, homenagear o homem que mais amou a nossa América Latina. O homem único que acolheu, numa única identidade, todas as nossas identidades.
Quero homenagear Eduardo Galeano.
E, como fazê-lo? Que palavras usar quando se homenageia o mestre delas, o construtor que delas se utiliza para construir casas que abrigam os mais belos sentimentos, avenidas pelas quais percorrem os mais profundos pensamentos?
Creio que a melhor forma, talvez a única, seja homenageá-lo com suas próprias palavras.
Assim, quero homenagear Galeano falando em “galeanês”.
Quero dizer um pouco do muito que ele disse.
Por exemplo, sobre a América Latina, disse ele:
Esta nossa região faz parte de uma América Latina organizada para o divórcio de suas partes, para o ódio mútuo e a mútua ignorância. Mas só existindo juntos seremos capazes de descobrir o que podemos ser, contra uma tradição que nos treinou para o medo, a resignação e a solidão e que a cada dia nos ensina a não gostarmos de nós mesmos, a cuspirmos no espelho, a copiar ao invés de criar.
De fato, muitos ainda cospem no espelho da nossa identidade, com a raiva de vira-latas ensandecidos. Muitos odeiam os outros latinos, não percebendo que, ao fazê-lo odeiam a si mesmos.
Ódio que nunca contaminou Galeano. Sobre o Brasil, um gigante perto de seu pequeno Uruguai, Galeano só nos legou palavras generosas e amorosas.
Sobre os nossos paradoxos, escreveu Galeano:
Paradoxalmente, Garrincha, arruinado desde a infância pela miséria e pela poliomielite, nascido para a desdita, foi o jogador que mais alegria ofereceu em toda a história do futebol; e paradoxalmente, Oscar Niemeyer, que já cumpriu cem anos de idade e é o mais novo dos arquitetos e o mais jovem dos brasileiros.
Entusiasta do futebol, que via essencialmente como arte e manifestação cultural, Galeano escreveu as mais belas passagens sobre Garrincha e Pelé.
Sobre Pelé, disse:
Pelé atrai a bola onde seja, quando seja e como seja, e ela nunca lhe falha.
Não há quem possa pará-lo, nem a laço, nem a balaço, até que deixa a bola cravada, branca, fulgurante, no fundo da rede.
Dentro e fora de campo se cuida. Jamais perde um minuto do seu tempo e nem deixa cair uma única moeda do seu bolso. Até pouco tempo lustrava sapatos no porto.
Pele nasceu para subir; e o sabe.
Em relação à Garrincha, faz um belo e agudo contraste:
Dribla Garrincha derrubando rivais. Meia volta, volta completa, faz que vai, mas vem. Faz que vai, mas vem. Os rivais caem derramados ao chão, nádegas ao solo, pernas para o ar, como se Garrincha deixasse cair cascas de bananas.
Garrincha joga para rir, não para ganhar, alegre pássaro de pernas tortas, e se esquece do resultado. Ele ainda acredita que o futebol é uma festa, não um emprego ou um negócio. Mão aberta, tudo dá, tudo perde.
Garrincha nasceu para cair, mas não o sabe.
A Niemeyer, Galeano dedicou um verdadeiro poema:
Niemeyer odeia o ângulo reto e o capitalismo. Contra o capitalismo não é muito o que pode fazer, mas contra o ângulo reto, opressor do espaço, triunfa sua arquitetura livre e sensual e leve como as nuvens.
Niemeyer concebe a morada humana na forma do corpo da mulher, costa sinuosa ou fruta do trópico.
Também em forma de montanha, se a montanha se recorta em belas curvas contra o céu, como no caso das montanhas do Rio de Janeiro, desenhadas por Deus naquele dia em que Deus criou Niemeyer.
Não há palavras mais bonitas dedicadas ao nosso samba, que essas que escreveu Galeano:
Nos lares respeitáveis ainda o olham com receio. Merece desconfiança por ser negro e pobre e nascido nos refúgios dos perseguidos pela polícia.
Mas o samba alegra as pernas e acaricia a alma, e não há maneira de ignorá-lo quando toca.
Ao ritmo do samba, respira o universo até que chegue a Quarta-Feira de Cinzas, enquanto dura a festa que transforma todo proletário em rei, todo paralítico em atleta e todo chato em louco lindo.
Mas é quando escreve sobre Mário de Andrade que Galeano faz a mais bela homenagem ao Brasil e ao brasileiro. Diz ele:
Mario de Andrade é um desafiador da servil e adocicada e grandiloquente cultura oficial, um criador de palavras que morrem de inveja da música e que, apesar disso, são capazes de ver e dizer o Brasil, e também capazes de mastigá-lo, por ser o Brasil um saboroso amendoim quente.
Macunaíma é mais real que seu autor. Como todo brasileiro de carne e osso, Mário de Andrade é um delírio da imaginação.
(Soa a campainha.)
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Sr. Presidente, eu peço mais dois minutos apenas, para concluir essa minha fala.
Sr. Presidente, senhoras e senhores, acho que ninguém nos amou tanto, nos compreendeu tanto quanto Galeano.
Esse uruguaio que amava o Brasil, que amava a Argentina, que amava a Bolívia, que amava o México, que amava a todos nós, latino-americanos, que frequentava o Café Brasilero, em Montevidéu, que pensava grande e que escrevia com generosidade, nos apontou um caminho sem volta da integração.
O caminho do nosso único futuro possível. O caminho contra a mediocridade compartilhada, o ódio mútuo, a ignorância recíproca. O único caminho que pode nos levar à verdadeira grandeza, como ficou evidente nessa última Cúpula das Américas.
E por falar em futuro, quero citar um outro fragmento do eterno Galeano, que nos remete a uma reflexão sobre a tentativa de setores conservadores do Parlamento de criminalização de nossas crianças e adolescentes, por meio da aprovação de um projeto de redução da maioridade penal. Diz Galeano:
Dia a dia nega-se às crianças o direito de ser criança. Os fatos, que zombam desse direito, ostentam seus ensinamentos na vida cotidiana. O mundo trata os meninos ricos como se fossem dinheiro, para que se acostumem a atuar como o dinheiro atua. O mundo trata os meninos pobres como se fossem lixo, para que se transformem em lixo. E os do meio, os que não são ricos nem pobres, conserva-os atados à mesa do televisor, para que aceitem, desde cedo, como destino, a vida prisioneira. Muita magia e muita sorte têm as crianças que conseguem ser crianças.
Esse grande uruguaio, esse grande latino-americano, também nos deixou uma história que resume a vida de todos nós.
Assim contou Galeano:
Um homem da aldeia de Negu, no litoral da Colômbia, conseguiu subir aos céus. Quando voltou, contou. Disse que tinha contemplado, lá do alto, a vida humana. E disse que somos um mar de fogueirinhas.
O mundo é isso -- revelou -- Um montão de gente, um mar de fogueirinhas. Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e fogueiras pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chegar perto pega fogo.
Sr. Presidente, a fogueira de Galeano ardeu como poucas, incendiou todos nós, aqueceu e iluminou toda América, espalhou o calor pelo mundo. Agora se apagou, mas não se extinguiu. Amigos, Galeano vive na nossa integração!
Muito obrigado.