Discurso durante a 51ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Homenagem ao Sr. Paulo Brossard, falecido no último domingo.

Autor
Lasier Martins (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RS)
Nome completo: Lasier Costa Martins
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Homenagem ao Sr. Paulo Brossard, falecido no último domingo.
Aparteantes
Ana Amélia.
Publicação
Publicação no DSF de 17/04/2015 - Página 161
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, PAULO BROSSARD, EX SENADOR, VOTO DE PESAR, APRESENTAÇÃO, PESAMES, FAMILIA, ELOGIO, VIDA PUBLICA.

            O SR. LASIER MARTINS (Bloco Apoio Governo/PDT- RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado.

            Sr. Presidente Raimundo Lira, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado, política é feita de princípios. É feita de ideias. É feita de honestidade, de caráter, de respeito à coisa pública. Política é feita também de amor pela democracia, pelo debate e pelo diálogo.

            São essas lições, Sr. Presidente, que nos deixa o ex-Senador Paulo Brossard, que tanto honrou esta Casa, que nos deixou no último domingo e que tive o prazer de conhecer bastante e de ser seu aluno no curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Era o tempo em que o Brasil estava mergulhado na ditadura, regime contra o qual Brossard foi das vozes mais altissonantes da oposição, ocupando esta mesma tribuna do Senado muitas e muitas vezes com destemor e ousadia. Naqueles tempos sombrios, era uma lanterna na escuridão.

            Brossard fez bela história, Senador Reguffe, fez bela história! No cenário de homens públicos brasileiros, ele foi dos raros, talvez o único que chegou ao ápice nos Três Poderes da República. Foi Ministro da Justiça, Senador e Ministro do Supremo Tribunal Federal, além de Presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

            Em quase sete décadas de vida pública, esse gaúcho de Bagé, nascido em 1924, foi quase tudo, sempre com destaque, deixando como marca a integridade e uma biografia inatacável, sem nenhuma mancha, fundada no desejo mais autêntico de dedicar a sua vida ao Brasil.

            No Legislativo, Brossard se destacou na luta contra a Ditadura, enfrentando em plenário desta Casa as Lideranças da Arena, então chamado de maior partido do Ocidente. Tornaram-se lendários os seus debates contra os Senadores governistas de então.

            No Executivo, comandou o Ministério da Justiça no delicado período da transição democrática em que, depois de 21 anos de regime autoritário, estava o País novamente aprendendo a viver em uma democracia. Era o tempo de grandes esperanças, e muitas se concretizaram graças ao trabalho de Brossard. Em seu discurso de despedida da Pasta da Justiça advertiu, talvez com presciência, que "ninguém governa só".

            No Judiciário, foi durante cinco anos Ministro do Supremo Tribunal Federal e também Presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

            Além desses vários cargos públicos foi ainda advogado e articulista em diversas publicações.

            Esse homem brilhante, genial até - palavra que sempre deve ser usada com moderação - já estava naquele jovem que, ainda aluno do curso de Direito na Faculdade de Direito de Porto Alegre, se iniciava na vida pública.

            Segundo suas próprias palavras, "desde estudante, até o dia em que me vi coberto pela toga, exerci a atividade política". Era o ano de 1945. Eram os momentos finais do Estado Novo. Filiou-se ao Partido Libertador. O País estava prenhe de esperanças, desejos, sonhos de liberdade e ansioso para experimentar a democracia. Viu seu desejo de ser eleito para a Assembléia Estadual frustrado duas vezes antes de se tornar Deputado Estadual, em 1954. Tornou-se liderança política. Reelegeu-se duas vezes, em 1958 e 1962. Eram tempos de esgarçamento do tecido político, de radicalização ideológica, de enfrentamento entre polos políticos opostos. O final já sabemos, a Ditadura.

            Em 1966, Brossard, já filiado ao MDB, elegeu-se Deputado Federal. Foi um dos autores de projeto rejeitado que visava a restaurar as eleições diretas em todos os níveis. Já era tribuno. E brilhante tribuno! Em seu primeiro ano de mandato, 1967, discursou em plenário acusando os militares pela morte, na época com grande repercussão, de um sargento que fora encontrado em Porto Alegre com sinais de tortura.

            Na época, Senador Raimundo Lira, a ditadura se tornava mais e mais feroz. O Congresso foi fechado com o Ato Institucional nº 5. Quando reaberto, Brossard foi o único Deputado a discursar contra a eleição indireta do General Médici, seu conterrâneo. Afirmou ele, abre aspas:

A sessão do Congresso Nacional convocada (...) se destina a eleger o Presidente da República. Ora, a menos que as palavras tenham perdido o significado, não se trata de eleger, porque eleger, de eligere, quer dizer escolher, separar, estremar, nomear, preferir, selecionar, designar. E, no caso, não se trata de eleger, porque a eleição já foi feita.

            Em 1970, foi candidato ao Senado pela primeira vez, mas derrotado pela máquina da Arena, que elegeu os dois Senadores no Rio Grande do Sul.

            Em 1974, tenta mais uma vez. Em carta pública de apoio, Érico Veríssimo escreveu para Brossard:

Não faz muito, uma pessoa de minhas relações - situacionista ortodoxo - escutou, a meu pedido, uma de suas magníficas palestras na televisão, ao cabo da qual, indignado, exclamou: "Mas esse homem [Brossard] é o próprio advogado do diabo. Repliquei que, ao contrário, uma vez eleito, você seria, no Senado brasileiro, o advogado dos homens".

            E Érico tinha razão. Brossard foi o grande advogado dos homens, de todos os brasileiros no Senado Federal. Mas não foi fácil para Brossard chegar ao Senado. Seu adversário, em 1974, foi Nestor Jost, homem da ditadura que havia sido Presidente do Banco do Brasil.

            O confronto entre os dois, em debate promovido pela TV Gaúcha, a atual RBS TV, foi um dos mais marcantes daquelas eleições, com Brossard, de Código Penal em punho, conquistando vitória esmagadora nas umas, resultando em humilhação para o regime de então. Brossard venceu em todo o Estado com mais de 400 mil votos de vantagem.

            Após a eleição, ficou no imaginário do País a imagem com um Brossard de bombachas cavalgando pelas coxilhas de Bagé. Aliás, foi em Bagé o meu último e próximo encontro, quando pude sorver mais e mais da sabedoria do grande jurista numa improvisada carona de Bagé para Porto Alegre. Ambos estávamos para palestrar na Associação Rural de Bagé e, na volta, ofereci carona de carro para Brossard e D. Lúcia, sua esposa.

            Naquela noite, tendo apenas as estrelas como testemunhas, percorremos 400 quilômetros até Porto Alegre, tempo suficiente para um retrospecto da história do Brasil contada por um baluarte da democracia. E a viúva, Lúcia, ainda se lembrava, num encontro que tivemos há bem poucos dias, no último domingo, quando uma pequena multidão foi levar suas últimas homenagens a Brossard no Salão Negrinho do Pastoreio, no Palácio Piratini, em Porto Alegre.

            Mas, recordando um pouquinho mais, em entrevista a Zero Hora, Brossard relembrou episódios da sua trajetória, em especial sobre sua estreia na tribuna do Senado, em 1974...

(Soa a campainha.)

            O SR. LASIER MARTINS (Bloco Apoio Governo/PDT - RS) - ...quando encerrou o longo discurso lançando dúvidas sobre o tempo que permaneceria combatendo os desmandos do regime de então. Disse ele:

Fui eleito por oito anos, no entanto meu mandato pode durar oito meses. Parei, olhei para um lado, olhei para outro, para cima, para baixo e continuei: ou oito semanas. E repeti o mesmo gesto, como quem diz: alguém objeta, alguém quer um aparte? E continuei: ou oito dias, ou oito horas. Mas, enquanto estiver aqui, não pedirei licença a ninguém para dizer aquilo que entendo que deva dizer. Entenderam?

            Brossard cumpriu a promessa. Isso é muito importante, Presidente Raimundo Lira. Disse ele: “O regime jamais ousou”. E dizemos nós, gaúchos: o regime jamais ousou calar sua voz.

            Além de ocupar com maestria esta tribuna, Brossard também percorreu o país para defender a redemocratização, atacando em praças públicas o arbítrio, as eleições indiretas, as cassações e o Ato Institucional n° 5, que endurecera ainda mais o regime.

            Em 1978, ousou afrontar ainda mais o regime ao aceitar ser o candidato a vice-presidente na chapa de oposição do General Euler Bentes Monteiro, que enfrentou o General João Baptista Figueiredo no Colégio Eleitoral. Apesar da vitória de Figueiredo por 355 a 226 votos, o regime começava ali a apresentar fissuras.

            A despeito de ter sido um dos mais importantes Senadores do PMDB durante a década de 1970, não foi reeleito em 1982, mas não se abateu.

            Disse ele, muito depois:

Curiosamente, eu acho que pouco acrescentaria na minha biografia parlamentar [a reeleição], porque as condições já tinham mudado. Mas eu não faço planos, até porque não adianta. Há pessoas que fazem planos e depois se escravizam àquilo e fazem tudo, tudo para chegar lá.

            Em 1986, foi escolhido Ministro da Justiça pelo Presidente José Sarney, cargo no qual permaneceu até 1989, ano em que foi indicado para o Supremo Tribunal Federal. Segundo ele próprio:

Jamais me passou pela cabeça que eu fosse chegar ao Supremo Tribunal Federal. Era tão inverossímil, porque a escolha é do Presidente. Os ministros são escolhidos por quem, afinal? Pelo Presidente da República. E todo o tempo em que eu estava lá sempre fui oposição.

            Da sua passagem, gostaria de reproduzir pequeno trecho da sua biografia que está no site do Supremo Tribunal Federal, em que é dada uma lição de humildade e mais, uma lição de como o verdadeiro homem público lida com o erro. Está no voto que deu na condição de relator no julgamento do RE 140-616-DF. Vejamos:

Convencido do desacerto dos meus votos anteriores na Segunda Turma, conheço do recurso extraordinário e lhe dou provimento para denegar a segurança concedida pelo STJ. Lamento que os recorridos tenham essa sorte quando outros obtiveram êxito, inclusive com meu voto, mas não posso votar de outra maneira, permanecendo na posição que me parece menos acertada por amor a uma mal entendida coerência, a coerência do erro, ou pelo pudor de confessá-lo. Já que não posso eximir-me do erro, não quero e não posso deixar de corrigi-lo toda vez que convencido de que nele incidi.

            Sr. Presidente, Senadores e Senadoras, perdemos um grande homem público, inteligente, corajoso, destemido, cheio de ideais, mas também capaz de assumir os erros. Perdemos um grande brasileiro. Perdemos Paulo Brossard de Souza Pinto. Perdemos um que foi grande, destacado, mesmo quando estava ao lado de gigantes como Ulysses, Tancredo, Montoro e tantos outros que se bateram pela volta da democracia no Brasil. Que seu exemplo frutifique. Que aprendamos com suas ações. Que, mesmo nos momentos mais difíceis, não nos acovardemos.

(Soa a campainha.)

            O SR. LASIER MARTINS (Bloco Apoio Governo/PDT - RS) - Que mesmo nas horas mais duras, ainda há esperança. E a luta só vale a pena quando é feita com a ética, com a decência, com a honestidade.

            Obrigado, Paulo Brossard. Que saibamos seguir suas lições.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

            O SR. PRESIDENTE (Raimundo Lira. Bloco Maioria/PMDB - PB) - Senador Lasier Martins, eu me congratulo com V. Exª e com todo o povo do Rio Grande do Sul porque tive a honra de conhecer o Ministro Paulo Brossard na época em que eu exercia o mandato de Senador e o Ministro era Ministro da Justiça do Governo Sarney, com muita dignidade e muito respeitado pela comunidade brasileira.

            V. Exª, portanto, faz uma homenagem muito justa e todos nós brasileiros nos congratulamos com V. Exª e com o Rio Grande do Sul.

            O SR. LASIER MARTINS (Bloco Apoio Governo/PDT - RS) - Obrigado.

            A Srª Ana Amélia (Bloco Apoio Governo/PP - RS) - Senador Lasier Martins, V. Exª fez uma homenagem a uma das figuras mais ilustres e uma das vozes mais vigorosas e corajosas em defesa da liberdade de expressão, em defesa do Estado de direito e em defesa da democracia. E, aqui neste mesmo plenário, Líder da oposição, teve embates muito vigorosos com o então Líder do Governo militar, Jarbas Passarinho. Eram dois políticos, claro, de pensamentos diferentes, mas que tinham a erudição, a capacidade dialética e política no conteúdo dos seus pronunciamentos e a coragem, cada um de defender as suas ideias, de demonstrar que a política é realmente uma atividade que consagra os grandes homens, independentemente de onde estejam, desde que sejam coerentes e sejam íntegros com suas opiniões e suas ideias. E Brossard foi uma dessas figuras. Eu digo que ele encarnava um pedaço do Getúlio Vargas, um pouco de Assis Brasil como parlamentarista que era, mas era, acima de tudo, Paulo Brossard, até um pouco de Osvaldo Aranha porque gostava muito da política externa e ele deixou, nesta Casa, no Supremo Tribunal Federal - agora estamos às vésperas de sabatinar na CCJ o indicado pela Presidente da República ao Supremo Tribunal Federal, na vaga do Ministro Joaquim Barbosa - teve uma passagem brilhante pelo Supremo Tribunal Federal, foi Ministro da Justiça em 85 no Governo do ex-Presidente Sarney. A propósito, para terminar este aparte de V. Exª sobre o Ministro Brossard, o ex-Presidente Sarney produziu um dos textos mais bonitos para descrever o personagem, a figura humana e o amigo Senador Paulo Brossard, transcrito na Folha de S.Paulo que tive, digamos, a honra de ler na íntegra porque, ali, ele praticamente sintetizou o sentimento dos Senadores e desta Casa em relação à perda do grande Líder Paulo Brossard. Então, quero apenas me associar. Nós, os três Senadores gaúchos, juntamente com o apoio de todos os Senadores, apresentamos um voto de pesar à família do Senador Paulo Brossard. Então, parabéns, Senador Lasier Martins, por trazer de novo a lembrança dessa figura tão notável e que tanto honrou as tradições políticas no nosso Estado.

            O SR. LASIER MARTINS (Bloco Apoio Governo/PDT - RS) - Muito obrigado, Senadora Ana Amélia, pelo aparte. Peço seja incorporado ao meu discurso tanto quanto o pronunciamento, também, do Senador Raimundo Lira.

            Obrigado. 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/04/2015 - Página 161