Discurso durante a 52ª Sessão Especial, no Senado Federal

Sessão especial destinada a homenagear os povos indígenas.

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Sessão especial destinada a homenagear os povos indígenas.
Publicação
Publicação no DSF de 17/04/2015 - Página 202
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, INDIO, CRITICA, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, OBJETIVO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, POSSIBILIDADE, AMEAÇA, SEGURANÇA, COMUNIDADE INDIGENA.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/PSOL - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, meu companheiro Telmário, com quem tenho estado aqui junto nas lutas e que chegou há pouco no Senado e já disse a que lado tem servido. Tenho total crença que Telmário é um amigo dos povos indígenas, um amigo da floresta, um amigo da biodiversidade. A última votação aqui nesta Casa sobre esse tema provou concretamente isso.

            Ao cumprimentá-lo, quero cumprimentar também o Senador João Capiberibe, que propôs esta audiência, e, da mesma forma, cumprimentar o Sr. Presidente da Funai, Sr. Flávio Chiarelli, a Srª Sônia Guajajara, Coordenadora Executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, as lideranças indígenas, algumas que já se pronunciaram aqui, Davi Yanomami, Neguinho Truká e Piracumã Yawalapiti, e meu querido, meu caríssimo Maurício, que se pronunciou ainda há pouco, representando o Instituto Socioambiental.

            Meus caríssimos povos indígenas aqui presentes, esse termo como os tratamos, “povos indígenas”, é um tema que, nos últimos dois dias, anteontem e ontem, foi debatido aqui no plenário deste Senado, foi debatido e nós sustentamos o reconhecimento das senhoras, dos senhores, dos parentes aqui presentes como povos, porque são povos que estão nesta terra denominada Brasil antes de o branco português chegar.

            Ainda há pouco, Piracumã disse que alguns políticos daqui deste Congresso Nacional costumam dizer que há muita terra para pouco índio.

            Pois bem, nós temos que dizer o seguinte: esta terra toda era dos índios antes de o branco português chegar. (Palmas.) Então, é o inverso: há pouca terra e há um genocídio - genocídio! - de mais de 500 anos contra os povos indígenas.

            O genocídio se explica em números. Há uma diferença entre genocídio e assassinato em massa. Genocídio é pior porque a ideia do português que aqui chegou foi extinguir, acabar com os povos indígenas todos, e, em muitos casos, isso conseguiram. Vocês eram 3 milhões de povos, eram 3 milhões - 3 milhões! - de índios quando os portugueses aqui chegaram, de mais de 400 povos diferentes. Hoje, em 2010, são 817 mil índios, e, nesse intervalo de tempo, em 1957, eram 70 mil. Num intervalo de quase 450 anos, quase que eles, os brancos que para cá vieram, dizimaram, genocidaram quase todos os povos indígenas do Brasil.

            Esta terra aqui teve dono e esta terra foi tomada dos povos indígenas que aqui estão. Por isso, é inaceitável, Sr. Presidente, meu caro Maurício, não reconhecer a diversidade, a heterogeneidade, as diferenças que existem entre vocês. Há diferença ou não há entre galibi, galibi-marworno, guarani, guarani-kaiowá, tupiniquim, xingu e os diferentes povos? Há diferença ou não há entre uaçá, wajãpi, os povos do Xingu e os outros diferentes povos? É óbvio que são povos diferentes, cada um com culturas diferentes, e a grande maioria, além de culturas diferentes (Palmas.), falando línguas diferentes. O que marca a formação de um povo é a sua característica histórica, e cada um dos povos aqui tem a sua história própria. (Palmas.) Os guaranis-kaiowás têm a sua história construída antes de o branco português chegar. Todos os diferentes povos do Xingu têm a sua própria história construída antes de o branco português chegar.

            Os uaçá, lá da fronteira do meu Amapá, lá no meu Oiapoque com a Guiana Francesa, têm a sua própria história antes do branco português chegar. E cada uma dessas histórias é uma história distinta. Só branco cego, só branco que não vê que não enxerga isso. Só branco que não vê e que desrespeita os povos indígenas que não reconhece isso. (Palmas.)

            Vocês são povos diferentes, não são população, como querem denominar na marra, na força, porque população é um conceito demográfico, está na geografia. Povo é um conceito da história que cada um de vocês construiu muito antes de os brancos aqui chegarem, muito antes. (Palmas.)

            Por isso, é inaceitável que no Estatuto da Biodiversidade, no PL 7.735, do qual o Maurício já falou ainda há pouco, é inaceitável que queiram chamar vocês de populações. Ainda bem que em outros aspectos desse PL nós vencemos aqui. É porque, aqui nesta Casa do Congresso Nacional, seja aqui no Senado, seja na outra, a do tapete verde, a Câmara, há muito representante que se diz representante dos povos, mas que, na verdade, querem tirar os direitos dos povos e, principalmente, dos povos indígenas. (Palmas.)

            Estes que querem tirar os direitos são alimentados, como diz a poesia, como diz um poeta da nossa música brasileira, eles são alimentados pelo poder da “grana, que ergue e destrói coisas belas”. É esse poder da grana, é o poder de alguns desses, financiados pelos latifúndios, que são os responsáveis pela morte de muitos e pela dizimação de muitos dos povos indígenas, daqueles que são financiados pelas mineradoras que querem explorar minério nas terras dos povos indígenas. São esses, são esses que querem aprovar lá na Câmara dos Deputados e mandar depois para cá uma proposta de emenda à Constituição chamada 215, que quer terminar o serviço que iniciaram em 1500; essa PEC 215 é para terminar o serviço do branco, que começou em 1500. (Palmas.)

            É bom que se diga para o que é. Quem protege a biodiversidade há muito tempo, há mais de mil anos, são vocês. Quem protege esta terra há mais de mil anos são vocês. Quem é dono desta terra são vocês. (Palmas.) Não é muita terra para pouco índio; é terra de menos para os direitos dos índios. (Palmas.)

            É o inverso, é o inverso.

            Então, por isso que nós não vamos deixar que esta PEC passe, porque esta PEC é para terminar o genocídio começado em 1500.

            É por isso que nós temos lutado e temos estado do mesmo lado - eu, o Senador Capiberibe e o Senador Telmário - para que o Estatuto da Biodiversidade... O que chamam de biodiversidade é toda a riqueza que vocês têm na floresta. Quem é o guardião das riquezas das florestas? É quem vive lá, é quem cuida lá, são vocês, não são empresas multinacionais ou empresas aqui do Brasil que querem se apropriar dos recursos genéticos de vocês, dos recursos de vocês e não devolverem nada em contrapartida para os povos indígenas.

            Conseguimos algumas conquistas aqui. Vai voltar para a Câmara. E, mesmo que eles queiram na marra denominar de populações, é a história que diz o que vocês são de verdade: povos. E todo povo é senhor de direito, e direito se faz assim como vocês têm feito ao longo da história (Palmas.)

            O grande mérito do dia de hoje, ou melhor, o grande mérito do próximo dia 19 e o grande mérito da celebração que aconteceu de manhã com vocês na Câmara e aqui, no Senado... E não adianta só fazer aqui discurso bonito, palavras, utilizar da tribuna e utilizar de palavras em homenagem aos povos indígenas. Isso somente não é o bastante. Palavras às vezes somente convencem. É o exemplo que arrasta. O exemplo é estar defendendo os direitos de vocês aqui também, estar ao lado de vocês aqui também.

            Vocês não precisam de favor nenhum. Vocês precisam só de direitos. Vocês têm sobrevivido nesses 500 anos, embora alguns queiram genocidá-los, pela teimosia e pela insistência de viver. E essa insistência de viver que deve ser celebrada, a insistência de viver e ir à luta para ter mais direitos. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/04/2015 - Página 202