Discurso durante a 52ª Sessão Especial, no Senado Federal

Sessão especial destinada a homenagear os povos indígenas.

Autor
Telmário Mota (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Telmário Mota de Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Sessão especial destinada a homenagear os povos indígenas.
Publicação
Publicação no DSF de 17/04/2015 - Página 203
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, INDIO, COMENTARIO, VIDA PUBLICA, ORADOR, DEFESA, COMUNIDADE INDIGENA, CRITICA, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, OBJETIVO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS.

            O SR. TELMÁRIO MOTA (Bloco Apoio Governo/PDT - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - V. Exª custou a me passar a palavra. Eu já ia para a aldeia. Eu já estava preparado.

            Quero, primeiro, parabenizá-lo, Senador João Capiberibe, pela sua iniciativa, pela brilhante iniciativa. V. Exª, aqui dentro, tem sido um parceiro nosso nas causas da minoria - isto nos honra e nos gratifica -, assim como o Randolfe e outros que estão aqui.

            Quero saudar a Deputada Janete e o Flávio, Presidente da Funai, jovem brilhante, que fez uma brilhante explanação. É o jovem Flávio. (Palmas.)

            Sônia é sinônimo da luta, da guerra, das agonias. Ela é agoniada. A Sônia é agoniada.

            Quero saudar o Maurício, que fez uma explanação técnica fantástica.

            O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Senador Telmário, permita-me V. Exª...

            O SR. TELMÁRIO MOTA (Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Pois não.

            O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - ...interrompê-lo. Eu queria convidar a Deputada Janete Capiberibe para compor a nossa Mesa.

            O SR. TELMÁRIO MOTA (Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Uma salva de palmas para ela! (Palmas.)

            Quero saudar aqui as lideranças que falaram: o Davi Yanomami, que é do meu Estado, e o Neguinho Truká, que foi excepcional. Onde ele está? Não voltou mais aqui? Ficou lá? Ele foi muito bom!

            Saúdo o Piracumã, que foi também brilhante, e outros que ainda vão aqui se pronunciar.

            Srs. Senadores e parentes indígenas que estão aqui, muitos talvez não saibam, mas hoje vivo um momento de muita alegria e de emoção. Imaginem que nasci em uma comunidade indígena chamada Teso do Gavião. Agora, no dia 19, vamos estar lá, comemorando. Acho que mais de duas mil pessoas estarão nesse lugar.

            Até os 11 anos de idade, eu não tinha sentado em um banco de escola. Minha bisavó, Quitéria, mal falava o português, falava bem o macuxi. E minha mãe, descendente, também sem nenhum estudo, foi empregada doméstica. Era para isto que eles usavam os indígenas na minha região: ou para vaqueiro ou para empregado doméstico. Então, imaginem que ela me convidava para sair da comunidade, para irmos para a cidade. Ela foi lavar, passar, e eu fui fazer trabalhos secundários, braçais, como cavar vala, vender banana, engraxar etc.

            Entrei no banco, Deus quis. No meu Estado, não havia faculdade, não havia nada. E hoje sou economista, contabilista. Tenho mais de 28 especialidades. Tenho dez anos na política.

            Ao ser candidato pela primeira vez como Vereador pela capital, eu não tive um voto indígena, nenhum. Eu tinha passado 14 anos fora de Roraima. Assim que ganhei a eleição, já ali, no dia seguinte, convoquei todos os tuxauas, capatazes, professores, enfermeiros e as mulheres de todos, porque sempre nas comunidades as mulheres falam forte. É assim também lá, Sr. Senador Capiberibe? As mulheres falam muito forte.

            Na minha casa, com todos, estabelecemos políticas no Município, de forma que avançamos muito. Construímos escolas e estradas, fornecemos água potável e incentivamos os setores produtivos. Isso me conferiu uma credibilidade imensurável perante as comunidades. Na minha eleição, obtive três vezes a minha votação. Nunca aconteceu no Estado de Roraima um político ocupar o mesmo mandato e obter votação três vezes superior. Tive 80% dos votos indígenas.

            Depois, saí candidato ao Senado. Achei-me ousado com os votos. Fiquei em terceiro lugar, com uma votação expressiva. Fiquei perto dos 70%, 80% dos votos indígenas. Saí candidato a Prefeito. Fui o terceiro colocado e agora me candidatei para Senador, o mais votado da história de Roraima e das comunidades indígenas, com mais de 90% dos votos. (Palmas.)

            Eu dizia que eu ia chegar a esta Casa e ia usar um cocar. (Palmas.)

            Eu quis fazer isso no dia da minha posse. Mas há contra mim no meu Estado uma oligarquia muito forte, extremamente forte, dos meios de comunicação. Meus adversários vão todos os dias para a televisão para dizer que quem paga a minha campanha são as ONGs, que estou a serviço das ONGs que controlam os indígenas contra o povo brasileiro. É uma retórica atrasada, sem fundamento, porque quem me elegeu foi Deus e o sentimento de um povo maltratado e excluído. Só devo este mandato ao povo de Roraima e a Deus, a nenhum empresário, a nenhum grupo, a nenhuma ONG, a nenhum poder econômico nem grupo político. Devo-o ao povo soberano que me colocou aqui. (Palmas.)

            Foi com esse propósito que cheguei a esta Casa maior do Legislativo brasileiro, que é uma grande escola. Encontrei vários bons parceiros. Aqui, há dois do Amapá, que me apoiam, que me ajudam. Juntos, somamos nossas humildes forças e já temos aqui conseguido vitórias.

            Ontem, não conseguimos a vitória na questão dos povos indígenas.

            Não a conseguimos no papel. Mas olhem para o painel, porque lá está a expressão “povos indígenas”. Aqui, eles colocam povos indígenas, mas no papel eles não têm coragem de colocar. (Palmas.)

            Mas estamos avançando, estamos avançando. Filma isto aqui, filma isto aqui, para dizer que, no painel do Senado, está escrito “povos indígenas”. (Palmas.)

            É assim, João Capiberibe! É assim, João Capiberibe, que nós vamos avançando dentro desta Casa. Sempre a vitória dos povos indígenas custa muito caro, custa o sangue, custa a vida, custa a alma, mas quem tem alma é quem nasceu no Brasil, é quem deu origem ao povo brasileiro. E quem deu origem ao povo brasileiro foram os indígenas. Por isso, nossa alma é forte, nosso espírito é valente, e nós vamos ser vitoriosos! (Palmas.)

            Podem acreditar! Não há poder econômico, não há forças que dominam este País que vão fazer esse povo se curvar em busca dos seus direitos. Desde 1500, eles usaram a arma, usaram a Bíblia, usaram todos os métodos. O Senador Randolfe falou aqui em genocídio. E falou com verdade. No começo, neste País, havia três milhões de indígenas, mesmo com todos os métodos que eles usaram para tentar acabar com a cultura, com os costumes e até com o biótipo. Como dizem eles, cruzaram-se os brancos e os índios, e sou dessa cruza, como dizem eles. Mas não conseguiram escravizá-los, não conseguiram exterminá-los totalmente.

            Em 1957, eles quase chegaram aos seus objetivos: os povos indígenas eram apenas 70 mil. Mas, de lá para cá, foi criado o SPI, do Rondon. Depois, no mesmo sistema militar, mas já com a Funai, os povos foram se fortalecendo. Fomos encontrando os parceiros nessa luta, e as conquistas foram chegando, ao ponto de hoje termos quase 900 mil indígenas no País. Mais do que isso, eles estão se consolidando. Em todo o Estado brasileiro, temos a presença indígena identificada.

            Mais do que isso, estamos resgatando o que é mais sagrado de um povo, que é o nosso patrimônio cultural. A cada encontro desses, muitos podem até fazer foto e sorrir, mas nós conhecemos o valor da integração, da troca de informação e, mais do que isso, do fortalecimento cultural. (Palmas.)

            Então, Soninha, no seu pequeno tamanho de mulher guerreira... (Palmas.)

            Mulher guerreira que tu és, carregas nesses ombros o sonho, o compromisso, a cultura, a sobrevivência, a existência de um povo que é verdadeiramente brasileiro.

            Você merece palmas, Sônia. (Palmas.)

            A cada dia, os povos brasileiros, que são os indígenas, matam um leão. Quando cheguei aqui, eu dizia: “São muitos os que vou enfrentar.” Mas nunca imaginei que, num pequeno espaço de tempo, teríamos a oportunidade de sentar aqui como para aqui viemos, mostrando como moramos nas nossas comunidades, com nossas vestes, sem camisa, à vontade, sentados nas cadeiras dos Senadores. Que legal! Isso, Capiberibe, é compromisso! Isso é compromisso seu e meu, mas nós só somos instrumento dessa vontade que não para no coração de cada parente que hoje aqui está sentado.

            A nossa luta é uma luta de uma bicicleta: se parar, cai. Nós não podemos parar sempre. Sempre vamos pedalar, mas vamos pedalar no sentido de buscar aquilo que é nosso e que alguns tentam tirar.

            Não tenho nenhuma dúvida de que essa PEC que anda, que rola, assombra, não acalanta o nosso povo, implanta o medo, coloca-nos em eterna prontidão, coloca-nos sempre em alerta, como um escoteiro.

            Mas nós vamos lentamente construindo e consolidando isso.

            Hoje, Juruna não veio aqui, mas o espírito dele baixou em mim. Não estou com um gravador, mas vi quando o Líder do PSDB, Senador Cássio Cunha Lima, disse para a Sônia: estou contra a PEC. Ele falou isso aqui. Isso está gravado, está em cima dessa mesa. O Líder do PMDB, Senador Eunício Oliveira, também se comprometeu. Eu vi Senadores que votaram ontem contra a gente virem aqui hoje, para dizerem, da tribuna desta Casa, que também vão nos apoiar. (Palmas.)

            Quiçá queira Deus! Quiçá queira Deus!

            Aconteceu um fato interessante na votação. Quando se estava tentando construir para tirar a palavra de povos indígenas, esses painéis deram pane. Aí eu pedi o microfone e disse: “Presidente Renan, foi o vírus da pajelança que entrou aqui.” (Palmas.)

            Soninha, você nos orgulha. A sua simplicidade, a sua garra, a sua determinação representa a de todos os que estão aqui. Ninguém aqui se sinta diminuído. Só usei o nome dela porque eu me familiarizei com ele, senão eu estenderia muito o meu discurso pontuando cada nome aqui.

            Cada um de vocês veio para cá sem nenhum tostão e não tem onde dormir. Na minha casa, dorme um primo meu que é indígena. Ele não veio para cá, não sei para onde ele foi. E mais quatro dormem no meu quarto. A gente está dormindo no chão do apartamento. Há três dias, ele está com a mesma roupa. Eu disse: “Lava-a de noite, que, de manhã, ela amanhece enxuta.” Então, é com esse amor e com essa determinação, Flávio, que essa turma vem aqui.

            Quero concluir minha fala. Eu vi aqui as pessoas cobrarem da Funai a presença do Presidente da Funai nas localidades. Não pensem vocês que os duzentos e poucos... São duzentos e poucos servidores que existem lá, Flávio? (Pausa.)

            São pouco mais de dois mil servidores. O Flávio e todos os que estão aqui...

            Agora, Flávio, eu estou falando pela advogada Sônia, que me pediu para falar isso para você.

            A Funai está esvaziada! A Funai não pode sair, não! A Funai é o esteio que sustenta toda essa luta!

            Ela é a centralizadora, a unificação das lutas, das conquistas. Tirar a Funai é como matar o líder dos caititus. É afastar o rebanho para perder o Norte, e nós não vamos perder o Norte.

            Nós temos, sim, que fortalecer a Funai, colocando recursos. (Palmas.)

            Nós temos, sim, que devolver à Funai os direitos com os quais ela iniciou. Tiraram dela a saúde, porque lá está o dinheiro e está a corrupção. No meu Estado, já foram quatro presos por roubo nesse setor, indicados por Senador. Tiraram a educação. Deixaram a Funai, a disciplina e o controle só da administração da terra, como se a Funai se tornasse um monstro contra o Brasil, contra os brasileiros. Não. Vamos lutar para dar à Funai a força financeira, o material, para até o Presidente poder ir lá visitá-los e sentir as necessidades de vocês.

            Concluo minha fala com muito orgulho, por ter nesses braços o sangue indígena bem próximo, que quase todo brasileiro tem. Mas o meu é bem próximo.

            A esta hora, a minha mãe, a minha avó e a minha bisavó estão chorando de alegria. Valeu a pena eu estar aqui.

            Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/04/2015 - Página 203