Discurso durante a 73ª Sessão de Debates Temáticos, no Senado Federal

Sessão temática destinada a debater a Terceirização.

Autor
Marcelo Crivella (PRB - REPUBLICANOS/RJ)
Nome completo: Marcelo Bezerra Crivella
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TRABALHO:
  • Sessão temática destinada a debater a Terceirização.
Publicação
Publicação no DSF de 20/05/2015 - Página 46
Assunto
Outros > TRABALHO
Indexação
  • REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, SESSÃO, OBJETIVO, DEBATE, PROJETO DE LEI, ORIGEM, CAMARA DOS DEPUTADOS, ASSUNTO, REGULAMENTAÇÃO, TERCEIRIZAÇÃO, MÃO DE OBRA, TRABALHADOR, CRITICA, APROVAÇÃO, PROPOSTA, LEI FEDERAL, POSSIBILIDADE, AMEAÇA, DIREITOS E GARANTIAS TRABALHISTAS.

            O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco União e Força/PRB - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, senhores líderes das Centrais, que muito nos honram com a presença aqui, nesse plenário, Srªs Senadoras, senhores telespectadores da TV Senado, senhores ouvintes da Rádio Senado, o homem é o único ser que produz. Esse atributo exclusivo contém, pois, algo de essencial para a nossa espécie. A natureza dá aos animais o que eles precisam, ao preço de mantê-los nos ambientes e nas condições que ela lhes determinou.

            Sendo capaz de inventar recursos sempre novos, o homem é um ser muito mais livre, que recria continuamente as condições e as potencialidades da sua própria existência.

            Dois aspectos complementares demarcam esse nosso caminho. O primeiro é a capacidade de projetar. O segundo é a vida em sociedade, condição indispensável para que possamos produzir o que foi projetado. É de trabalho que estamos falando.

            O homem é, também, sob certos aspectos, um ser muito mais frágil. Só pode sobreviver fisicamente, organizar seu complexo psiquismo e adentrar no mundo da cultura, o mundo humano por excelência, se, ao nascer, for acolhido e protegido por muito tempo, durante uma infância e uma adolescência excepcionalmente longas.

            Acolhimento e proteção, é de família que estamos falando.

            Condições de trabalho e organização da família, eis o que, em última instância, define o padrão civilizatório das sociedades humanas. Toda atenção é pouca para essas questões.

            Em relação à primeira delas, de que tratarei aqui, o vetor da história não deixa margem a dúvidas, o progressivo reconhecimento da dignidade dos direitos do trabalhador, a valorização do trabalhador é o que diferencia passado e futuro. Muito mais do que os feitos tecnológicos, os avanços na convivência é que definem o genuíno progresso. Os homens convivem necessariamente porque trabalham e, ao trabalharem, convivem.

            O Projeto de Lei nº 1.133, de 2015, apresentado pelo Deputado Sandro Mabel, aprovado na Câmara e agora em debate nesta Casa, pode alterar profundamente as condições de trabalho em nosso País. Não é, pois, trivial, remete a uma questão de fundo: que padrão civilizatório desejamos para o povo brasileiro?

            Durante quase 400 anos da nossa história os trabalhadores foram coisas, libertados da escravidão, permaneceram marginalizados. Foi preciso uma revolução em 30, para que se criassem as condições de uma mudança decisiva. Não por acaso, Getúlio Vargas permanece na memória de todos como grande construtor do Brasil moderno.

            Entre suas realizações, destaca-se exatamente o reconhecimento dos direitos do trabalho. O povo brasileiro nunca o esquecerá. Nosso povo também nunca nos esquecerá, se produzirmos um retrocesso histórico nesta questão. Seremos lembrados como traidores, se permitirmos a involução desses direitos.

            Os defensores do projeto de lei ora em debate dizem que querem aumentar a competitividade das nossas empresas e regulamentar uma situação de fato. Neste último aspecto, tenho alguma razão. Desde a década de 90, os processos de terceirização avançam no Brasil e os terceirizados já correspondem a 25% de nosso mercado formal de trabalho.

            A inexistência de uma legislação abrangente que regulamente essa prática de fato é uma lacuna. Por agora, ressalto que não estamos diante de um vácuo jurídico. Nas últimas décadas, o assunto foi tratado em três dispositivos legais. A Lei nº 6.019, de 1974, regula a contratação temporária de trabalhadores para suprir acréscimos extraordinários de serviço ou substituição temporária de mão de obra regular.

            A Lei nº 7.102, de 1983, trata especificamente da terceirização de serviços de vigilância em estabelecimentos bancários.

            Em 1994, por fim, a Súmula nº 331, do Tribunal Superior do Trabalho, consolidou nossa jurisprudência. Desde então, ela tem sido a principal referência do tema, estabelece os limites e a natureza jurídica dessa relação de trabalho, fazendo a distinção decisiva entre atividade-meio e atividade-fim, que agora se quer apagar.

            Sejamos francos: o projeto que estamos debatendo cria as condições para que o trabalho terceirizado se generalize em nosso País no lugar do trabalho diretamente contratado pelas empresas. A questão, pois, é esclarecer se isso é bom ou ruim para o País.

            Não precisamos ter um debate abstrato e meramente conceitual. Como a terceirização já existe e não é pequena, vamos aos fatos, usando dados do Dieese e do Ministério do Trabalho: o salário dos terceirizados é, na média, 24% menor que o dos empregados formais; os terceirizados não gozam de benefícios como participação nos lucros, auxílio-creche e jornada de seis horas nas empresas que têm tais benefícios; os terceirizados trabalham, em média, três horas a mais por semana do que os empregados fixos; de cada dez acidentes de trabalho, oito - isto foi dito pelo Calixto - atingem trabalhadores terceirizados; a rotatividade no trabalho terceirizado é muito maior do que nos trabalhadores formais. Esses já seriam motivos suficientes para que tenhamos muita cautela. A eles, diversos outros se somam.

            O Projeto de Lei nº 1.133 é uma proposta inconstitucional: o art. 5º da Constituição Federal só admite distinção entre pessoas na mesma situação jurídica quando houver justificativa razoável. A aplicação desse artigo, no caso de que tratamos, impõe que duas pessoas que prestam regularmente o mesmo serviço a uma empresa, nas mesmas condições, devem receber o mesmo tratamento, enquadradas, naturalmente, nos termos da legislação em vigor, a Consolidação das Leis do Trabalho. A terceirização de atividade-fim quebrará essa isonomia constitucional. Uma mesma empresa passará a estabelecer relações qualitativamente distintas com trabalhadores que nela realizam a mesma função.

            É uma proposta que fere mortalmente a capacidade negociadora do movimento sindical. O art. 8º da Constituição, secundado pelo art. 511 e pelos seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho, define que os sindicatos dos trabalhadores só podem negociar com os sindicatos dos seus empregadores. Havendo terceirização nas atividades-fim, um mesmo grupo profissional, trabalhando numa mesma empresa, ficará dividido entre diversos empregadores e não poderá participar das mesmas negociações sobre salários, benefícios e condições laborais.

            É uma proposta que desvaloriza o trabalho. É óbvio, é óbvio - vou repetir três vezes -, é óbvio que a empresa principal só contratará a empresa terceirizadora se reduzir os seus custos. Também é óbvio, uma, também é óbvio, duas, também é óbvio, três, que a empresa terceirizadora, por sua vez, repassará ao trabalhador apenas parte do que recebeu. Assim, a redução de custos se fará, necessariamente, à custa do salário do trabalhador. É um jogo de soma negativa, no qual o trabalhador sempre perde. O Projeto de Lei nº 1.133 - aqui, PLC 30 - permite também que uma empresa individual funcione como prestadora de serviços, atribuindo ao trabalhador a dupla condição de empresa e de trabalhador terceirizado, o que escancara as portas para a burla dos direitos trabalhistas.

            É uma proposta que estimula a criação de empresas-fantasmas. Ao não fixar nenhum limite para a percentagem de trabalhadores que uma empresa contratante pode terceirizar, permite-se que ela funcione com apenas um empregado, ou mesmo com nenhum. E pior: toda empresa com mais de cem funcionários tem de ter uma cota de trabalhadores com necessidades especiais. Agora nossos surdos-mudos, nosso pessoal com problema de locomoção, tudo vai ser terceirizado.

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Senador Crivella, só para complementar, há uma nota aqui do Conade exatamente denunciando isso e repudiando a terceirização.

            O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco União e Força/PRB - RJ) - Obrigado, Sr. Presidente.

            É uma proposta que dificulta a ação fiscalizadora do Estado, pois admite que a empresa terceirizada também faça contratações terceirizadas, permitindo a quarteirização, a quinteirização e daí por diante, em cascata. Nesse contexto, as fraudes aos direitos trabalhistas só tendem a aumentar. A Justiça do Trabalho já lida hoje com milhares de processos em que trabalhadores terceirizados sequer conseguem localizar as empresas contratantes, que simplesmente desaparecem.

            É uma proposta socialmente irresponsável: conceder às empresas a possibilidade indiscriminada de trocar mão de obra contratada por terceirizada, com salários menores e jornadas maiores, dará grande impulso ao desemprego, que já está crescendo, pois a jornada de trabalho dos terceirizados, como vimos, é maior que as dos empregados fixos.

            Estudo do Dieese calcula que, se os atuais terceirizados...

(Soa a campainha.)

            O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco União e Força/PRB - RJ) - ... fossem contratados e passassem a trabalhar o mesmo número de horas que os empregados fixos, seriam criadas, imediatamente, 880 mil novas vagas de trabalho formal. É a contratação direta e não a terceirização que cria mais empregos.

            É uma proposta desumana. Como vimos, os terceirizados sofrem muito mais acidentes de trabalho, entre outros motivos, porque as empresas que os agenciam são de menor porte e não têm as mesmas condições técnicas e econômicas das grandes empresas contratantes. Segundo o Ministério do Trabalho, 90% dos trabalhadores resgatados entre 2010 e 2014 nos dez maiores flagrantes do trabalho eram escravos terceirizados.

            Eu não tenho tempo para continuar, mas quero dizer ao Sr. Presidente que tenho aqui em mãos um projeto que vou apresentar - se V. Exª me der a honra, assina junto comigo - que é uma maneira de vencermos essa batalha. Se nós fizermos alterações nessa lei, por mais bem intencionadas que forem, e a aprovarmos nesta Casa, os Srs. Deputados irão derrubá-la, e o projeto será sancionado do jeito que eles quiserem. Portanto, o caminho correto, o caminho certo, o caminho cívico que temos para combater essa ignomínia é rejeitar o projeto completamente e apresentar um novo projeto pelo Senado Federal.

            Sr. Presidente, muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/05/2015 - Página 46