Fala da Presidência durante a 52ª Sessão Especial, no Senado Federal

Sessão especial destinada a homenagear os povos indígenas.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Fala da Presidência
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Sessão especial destinada a homenagear os povos indígenas.
Publicação
Publicação no DSF de 17/04/2015 - Página 181
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, INDIO, REGISTRO, REALIZAÇÃO, AUDIENCIA, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, MICHEL TEMER, VICE-PRESIDENTE DA REPUBLICA, LIDERANÇA, GRUPO INDIGENA, OBJETIVO, ENTREGA, REIVINDICAÇÃO, COMUNIDADE INDIGENA.

     O SR. PRESIDENTE(João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB- AP) - Muito bem! Vamosdar

início, estamos aguardando a presença de algumas lideranças que estão se deslocando ainda para o plenário. Eesclareço que, daqui a poucos minutos, eu peço a atenção das lideranças, vou fazer o meu pronunciamento na abertura desta sessão. E, logo em seguida, vou passar a Presidência ao Senador Telmário Mota, e vou me ausentar, com algumas lideranças indígenas, para uma audiência com o Senhor Vice-Presidente da República, em que serão encaminhadas as demandas dos povos indígenas do Brasil. Senhores e Senhoras, 19 de abril é uma data muito importante para a população de todo o mundo, em particular para nósbrasileiros. Nesta data, comemoramos o Dia dos Povos Indígenas, criado em 1940, por lideranças indígenas presentes no 1º Congres- so Indigenista Interamericano, realizado no México, e três anos depois institucionalizado pelo governo brasi- leiro, por decreto-lei editado pelo ex-Presidente Getúlio Vargas, em 1943. E, para compreender a importância das etnias indígenas para nós brasileiros, vale a pena recorrer ao grande mestre, o antropólogo Darcy Ribeiro, que nos ensinou o seguinte raciocínio, sobre as populações indígenas, a cultura brasileira e o povo brasileiro, abre aspas:“Há poucascoisasmaisresistentesdo que uma etnia, do que a identidade de um povo. Etnia é mais resistente do que o aço, mais que qualquer bobagem material, é dura. Uma etnia é dura, nada é mais rígido”, fecha aspas - palavras de Darcy Ribeiro.

    Diante do ataque que estão sofrendo ospovosindígenasbrasileiros, é muito importante fazer esse exer- cício básico e preliminar de inteligência. Não podemos destruir a história de nosso povo. Seria como destruir nosso próprio País.

    Pelo que se sabe, em torno do ano de 1500, quando os colonizadores aportaram em nosso Território, existia cerca de 8 milhões de indígenas, distribuídos desde a Foz do Oiapoque, no Norte, até o sistema uvial Paraná-Paraguai-Uruguai, no Sul do Brasil. Eles eram os donos dessas terras, conheciam esse chão palmo a

palmo, a natureza em detalhe. Sabiam, como ninguém, para que servia e para que não servia cada bichinho

e cada planta, e eles usavam essa fantástica biodiversidade para alimentação, remédios, estética e outros ns.

Os povos indígenas dominam o Território brasileiro há cerca de 10 mil anos. Atualmente, existem 462 terras indígenas regularizadas que representam 12,2% do Território nacional, localizadas em todos os biomas, com concentração na Amazônia Legal. Nesse contexto, inaugurou-se um novo marco constitucional que im- pôsao Estado o dever de demarcar asterrasindígenas, considerando osespaçosnecessáriosao modo de vida tradicional, culminando, na década de 1990, no reconhecimento de terrasindígenasna Amazônia Legal, como as terras indígenas Ianomâmi, entre o Amazonas e Roraima, e Raposa Serra do Sol, em Roraima.

A demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas se constitui como uma das principais obrigações impostas ao Estado brasileiro pela Constituição Federal de 1988. Infelizmente não é as- sim que a roda gira no atual Governo. Em carta enviada a Presidente Dilma, datada de 26 de março último, a Articulação dosPovosIndígenasdo Brasil expressou que ospovosindígenasde todasasregiõesdo Brasil estão profundamente preocupadospela crescente e grave violação sistemática dosseusdireitos, principalmente ter- ritoriais, veri cada em distinto âmbito do Estado e da sociedade brasileira e, na carta, as lideranças indígenas a rmam que não é admissível, que o Governo brasileiro continue com a decisão política de paralisar osproce- dimentos administrativos de demarcação das terras indígenas.

São maisde 20 terrasindígenasque estão em homologação na Presidência da República, sem qualquer impedimento judicial ou administrativo. Estou articulando para que a Presidente Dilma possa receber aslideran- ças indígenas para tratar exatamente desses 20 processos que estão aguardando apenas a sua homologação. Minha expectativa é que a Presidente da nossa República conceda 15 a 20 minutos para receber as lideranças indígenas para que a gente... (Palmas.)

Além disso, as lideranças reivindicam na carta que o Ministro da Justiça publique as portarias declara- tórias que estão na mesma situação, e que a Funai também publique os relatórios circunstanciados de terras concluídos e até hoje engavetados. O que querem os povos indígenas é que o atual Governo dê continuidade à demarcação de todas as terras indígenas do Brasil - muitas das quais até hoje sem nenhum procedimento demarcatório instituído -, ao invés de tentar modi car os procedimentos demarcatórios e publicar sucessivos instrumentos, como a Portaria 60/2015, que pretende agilizar e encurtar os prazos para licenciamentos am- bientaisque impactarão osterritóriosindígenas, em detrimento de sua autonomia e em agrante desrespeito à legislação nacional e internacional de proteção e promoção de seus direitos, principalmente a Constituição Federal e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

Ospovosindígenaspedem, ainda, à Presidente Dilma que, ao invésde se dobrar aosinteressesdo capital, endossando iniciativas legislativas que atropelam e buscam suprimir os seus direitos - como o PL 7735/2014, que regulamenta o acesso ao patrimônio genético e aosconhecimentostradicionais-, adote postura de defesa irrestrita dosseusdireitos, inviabilizando a aprovação de Projetosde Lei e Propostasde Emenda Constitucional como o PL1.610/96, da mineração em terrasindígenas, e a PEC215/2000, que transfere ao Congresso Nacional a prerrogativa constitucional, atualmente do Executivo, de demarcar as terras indígenas, titular as terras dos quilombolas e criar unidades de conservação.

Na carta, as lideranças indígenas querem que o Governo trabalhe junto ao Poder Judiciário, principal- mente ao Supremo Tribunal Federal, para impedir que decisõesparciaisde anulação de portariasdeclaratórias e decretosde homologação se consolidem, considerando como marco de ocupação tradicional o 5 de outubro de 1988. Écomo se nada existisse antes de 1988; é como se essas terras que compreendem o País fossem de- sabitadas pelos povos indígenas antes de 1988. Éalgo surpreendente que se raciocine dessa forma no nosso País e, se con rmada tal interpretação, irá restringir os direitos territoriais de muitos outros povos, aumentan- do decisõescontra procedimentosde demarcação de terrase o clima de con itose violênciascontra ospovos indígenas.

Por m, solicitam que a Presidente efetive na Presidência da Funai o Dr. Flávio Chiarelli Vicente de Azeve- do, para acabar com longosanosde sucessivosinterinos, impossibilitadosde exercer plenamente a sua função, em prejuízo do e caz e satisfatório desenvolvimento do papel institucional do órgão indigenista.

Concordo em número, gênero e grau com a carta da articulação dospovosindígenasdo Brasil. (Palmas.) Espero, assim como nossos irmãos indígenas, que eles não recebam do atual Governo mais promessas, mas, sim, respostas concretas às reivindicações contidas na carta e outras tantas que, ao longo de décadas, foram retiradaspelospovosindígenas. A informação que tenho é de que a Presidência da República está analisando a carta para nosdar uma resposta, e a expectativa é de que a gente tenha, o maisbreve possível, essa resposta e, de preferência, que a Presidenta possa dar a resposta para asliderançasindígenas- essa é a nossa expectativa.

Não se pode esquecer de que a população indígena brasileira tem sido vítima de um massacre. Desde 1500 até os dias atuais, dos 8 milhões de indígenas existentes temos apenas 800 mil indígenas no Território

nacional. O famigerado Relatório Figueiredo, com mais de 7 mil páginas, produziu horror em todos e todas

que lutam e respeitam os direitos humanos, que querem um Brasil com democracia, justiça e entendem a im- portância da autodeterminação dos povos. O relatório nos mostrou até mesmo que os indígenas brasileiros foram vítimas de cruéis regimes de escravidão, e a institucionalidade desse terror era garantida pelo regime autoritário da ditadura civil militar, que criou até mesmo uma absurda polícia indígena.

    Nosdiasatuais, da mesma forma que a sociedade brasileira faz um esforço imenso, para tentar punir tor- turadorese práticascriminosascometidasno passado, também estamosdesenvolvendo todososesforçospara garantir o direito dospovosindígenasdeste Paísao seu território, a seu idioma, cultura e sua autodeterminação. Renovo o meu compromisso de não permitir nenhum retrocesso nos direitos dos povos indígenas do Brasil.

    Este território é fruto de 10 mil anos de interação dos índios com a natureza. Cerca de 7 milhões de indí- genas foram assassinados, massacrados. Vamos virar essa página e construir outro futuro!

    Não é possível que, em plena democracia, com o País governado desde 2003 pelo Partido dosTrabalha- dores, os povos indígenas estejam sendo tratados com tanto descaso. Viva o povo brasileiro! Vivam os povos indígenas do Brasil!

Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/04/2015 - Página 181