Discurso durante a 80ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Apelo por celeridade na apreciação de projeto de lei de autoria de S. Exª que obriga as emissoras e os canais de televisão a veicularem fotos de pessoas desaparecidas; e outro assunto.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Apelo por celeridade na apreciação de projeto de lei de autoria de S. Exª que obriga as emissoras e os canais de televisão a veicularem fotos de pessoas desaparecidas; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 26/05/2015 - Página 268
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • DEFESA, ACELERAÇÃO, APRECIAÇÃO, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ASSUNTO, DETERMINAÇÃO, EMISSORA, TELEVISÃO, INSERÇÃO, TRANSMISSÃO, FOTOGRAFIA, PESSOAS, DESAPARECIMENTO, COMENTARIO, BENEFICIO, REDUÇÃO, OCORRENCIA, FATO, BRASIL.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Acir, é um prazer tê-lo como Presidente no momento em que eu falo.

            Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, o Senador Paim acaba de falar, lembrando que hoje é o Dia Internacional das Crianças Desaparecidas. Eu vou tocar nesse assunto, mas vou tocar primeiro falando de uma maneira mais ampla do que, para mim, é o conceito de criança desaparecida. Segundo, vou falar de um projeto específico meu que, desde 2014, está avançando muito devagar e que diz respeito a como localizar essas crianças.

            Primeiro, Senador, se a gente for olhar bem, o Brasil é um país de crianças desaparecidas. E desaparecidas, por exemplo, por morte antes do tempo, seja por falta de UTIs, como a gente vê todos os dias na televisão, seja por falta de um atendimento médico antes mesmo até de essas crianças serem dirigidas à UTI. São crianças, Senador Alvaro, que desaparecem, porque morrem.

            Nós temos crianças desaparecidas por morte violenta. Fala-se que, em 30 anos, 600 mil crianças morreram por violência, Senador - 600 mil, em 30 anos, dá 20 mil por ano! Em poucas guerras, morrem 20 mil pessoas por ano.

            No Brasil, são 20 mil crianças! Dessas, 180 mil, em 30 anos, foram por homicídio, ou seja, 6 mil crianças por ano vítimas de homicídio, balas perdidas, assassinatos, como a gente vê, na televisão, até por padrastos, madrastas, pais. Ou seja, este é um país de crianças desaparecidas pela morte precoce pela falta de um atendimento, pela violência contra elas, inclusive por homicídio.

            Mas não é só isso. Este é um país de crianças desaparecidas, porque elas desaparecem da escola. E eu não vou, nem de longe, comparar sair da escola com a morte, mas, do ponto de vista do sucesso na vida futura, sair da escola carrega um desastre na vida - é um desaparecimento.

            E sabem quantos desaparecem? Em 2013 - este é o último número que eu consegui -, saiu, desapareceu da escola 1,6 milhão de crianças. Desse total, 1,5 milhão, das escolas públicas, e 100 mil, de escolas particulares, provavelmente escolas particulares mais pobres em que, hoje, até pessoas pobres estão colocando seus filhos para fugir das greves, ou seja, 1,6 milhão de crianças desaparece das escolas, com todas as consequências que isso traz: não conseguirem emprego; não serem capazes de entender o mundo onde vivem; não participarem da construção do País na dimensão do potencial que elas carregam ao nascer, mas que não desenvolvem por não ficarem na escola. Este é um país de crianças desaparecidas: desaparecidas pela morte precoce, desaparecidas pela violência, desaparecidas da escola.

            Mas não é só isso. Nós temos também o desaparecimento das crianças, a partir de certa idade, ainda muito jovens, na adolescência, por causa das drogas. As drogas não provocam o desaparecimento físico das crianças. Não falo das crianças que desaparecem - esta é última parte da minha fala - fisicamente, falo das que desaparecem continuando ali, continuando em casa, mas sob o efeito de drogas, que não lhes permitem viver plenamente com os pais, os irmãos, os familiares, os amigos.

            São crianças desaparecidas as que estão nas drogas durante a sua adolescência. Não falo dos adultos desaparecidos por causa da droga, estou falando das crianças desaparecidas entre 12, 14, 15, 16 anos por causa da dependência da droga, aquelas que por aí chamam de zumbis. O zumbi é um desaparecido, mesmo que esteja fisicamente ali.

            Finalmente, quero falar daquele que é o conceito mais tradicional de crianças desaparecidas, porque fisicamente sumiram. O primeiro contato que eu tive, Senador Alvaro, por coincidência, foi com uma senhora do Paraná, que dirigia um grupo que tentava recuperar crianças desaparecidas.

             E eu me lembro - isso já deve fazer 25, 30 anos - de ela dizer que a criança, filha dela, se não me engano, com oito anos, saiu de bicicleta na rua e sumiu; nunca mais voltou. Isso já fazia, na época, uns 10, 15 anos, e essa senhora me dizia - e é óbvio, até! - que nunca houve um dia em que ela não se lembrasse dessa sua filha desaparecido.

            Como eu vi, a partir daí, pelo interesse que fui adquirindo nesse assunto, muitas pessoas me disseram que o desaparecimento provoca uma dor diferente, mas mais constante e permanente do que a própria morte de um filho, porque, com a morte, você vai ao cemitério visitar o túmulo; você deu o ato final da vida. O desaparecido você não sabe onde está, ele desapareceu fisicamente, mas está ali dentro, na cabeça, no coração dos familiares. Essa é uma tragédia que passa, muitas vezes, despercebida pelos que não viveram o problema.

            Segundo, eu vi hoje de manhã, chega a 40 a 50 mil o número de crianças desaparecidas por ano - e quero aqui fazer uma ressalva. Creio que aí são as crianças que desaparecem por um dia, dois dias, e seus familiares vão à polícia, fazem o boletim de ocorrência, e depois aparecem. É impossível que desapareçam definitivamente, ou por longos anos, até que a gente veja essas crianças reaparecendo em programas de televisão, reencontrando-se com os familiares, é impossível que sejam 40 mil por ano; não!

            Mas vamos supor que sejam 5 mil, que sejam 3 mil, que seja 1 mil, Senador Acir. É uma dor grande demais para os pais, e nós precisamos enfrentar isso. E é aí por que eu lhe disse, no início da minha fala, Senador Alvaro, que eu apresentei um projeto que daria uma obrigação às televisões brasileiras: colocarem, um minuto por dia, fotos de crianças, e adultos também, desaparecidos e desaparecidas, porque estou falando de crianças, mas há muitos velhos, sobretudo portadores de Alzheimer, que saem de casa e somem, desaparecem; não sabem voltar para casa, e as famílias não conseguem encontrá-los outra vez.

            Com esse projeto, tenho certeza de que esse número diminuiria bastante, porque muitos seriam encontrados. Hoje as técnicas de computação permitem, inclusive, você colocar a foto e mostrar como deve estar hoje, 1 ano depois, 5 anos depois, 10 anos depois, 20 anos depois.

            Se a gente colocar essas fotos na televisão, em horário nobre, em todas as televisões - não em cadeia, porque isso exige dar uma rigorosidade à grade de programa de cada televisão, e elas têm que ser livres; não tem nem que ser no mesmo instante, desde que seja em um horário que seja visível, não pode ser às quatro da manhã -, se a gente colocar fotos dessas crianças e desses adultos usando as técnicas de computação para mostrar como deve ter evoluído o rosto, eu tenho certeza de que esse número diminuiria muito.

            Esse projeto está na CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania). O Senador Magno Malta já fez o relatório, que é favorável. O que eu quero pedir é que, quando chegar esse projeto, não se peça vista; quando esse projeto chegar, que seja votado imediatamente e que tentemos fazer com que vire lei.

            Eu já fui procurado por alguns responsáveis por televisões, por emissoras. Eles têm reagido negativamente, dizendo que custa muito tirar um minuto da sua grade para colocar fotos em vez do programa que estava previsto.

            Desculpem-me, mas, primeiro, não vejo como é que custa muito deixar de ganhar por esse minuto. Se você pega um minuto em 24 horas, teria que aumentar tão pouquinho o valor da publicidade que não perderia nada.

            E o serviço público? As emissoras de televisão são órgãos de serviço público a que o Governo dá direito de fazer privadamente, e eu sou favorável. Sou contra a estatização dos meios de comunicação porque isso leva, sim, à manipulação da opinião pública e a uma ditadura. Tem que ser livre, mas tem que ser livre prestando um serviço público.

            A uma dessas emissoras eu disse que eles vão é ganhar dinheiro. Sabem por quê? Porque cada vez que encontrarem uma criança dessas, isso dá um programa tão tocante como os programas exibidos, sobretudo, nos domingos à noite, de reencontro de irmãs e de filhas com mães, em que a audiência aumenta. Ao aumentar a audiência, pode aumentar o valor do minuto da publicidade naquele programa. Esse reencontro cria um clima muito favorável em toda a população, dá um sentimento de satisfação.

            Por isso eu quero pedir aos Senadores da CCJ - e eu não sou membro da CCJ - que aprovem esse projeto logo que ele entrar na pauta. E que as televisões do Brasil o apoiem.

            Eu, Senador Acir, se fosse dono de uma televisão, já estaria fazendo isso há tempo. E quando conseguisse reunir mil crianças com seus pais, eu pediria o Prêmio Nobel da Paz por esse gesto humanitário. Não custaria nada.

            Aliás, eu faço um apelo: as tevês comunitárias já podiam começar fazendo isso mesmo antes de qualquer lei. Ainda seria muito pouco o público que veria, ainda perderíamos muitas crianças se as fotos ficassem apenas nas tevês comunitárias e nas tevês públicas.

            Aqui mesmo, a Universidade de Brasília tem uma televisão. Em muitos Estados as universidades têm televisão. São televisões públicas, mas a audiência não é tão grande.

            Esse projeto realmente só vai surtir o efeito que eu imagino, que permita ter um impacto grande, quando todas as televisões do Brasil estiverem envolvidas nessa campanha de reencontro, para que um dia a gente possa comemorar o último ano do Dia da Criança Desaparecida. Último ano porque no ano seguinte não seria mais necessário isso, pois a gente teria evitado essa tragédia.

            Tragédia que se dá, por incrível que pareça, pelo avanço técnico, que hoje permite transplante de órgãos; pelo desaparecimento de crianças por causa do tráfico de drogas, ou da prostituição juvenil; pelo tráfico de mulheres, no caso dos adultos e das adultas. Nós precisamos parar isso. Enquanto não conseguimos, vamos pelo menos tentar reencontrar as desaparecidas.

            Primeiro, fazendo com que este País não seja de violência e que criança não morra antes do tempo por razões de violência, de homicídio, de bala perdida.

            Segundo, que nenhuma criança deixe de ter acesso a uma UTI e a um médico quando precisar, e que não desapareça porque perdeu a vida por falta de acesso ao serviço médico.

            Terceiro, garantindo que toda criança fique na escola até o final do ensino médio, para que nenhuma desapareça da escola.

            Quarto, combatendo, da maneira mais inteligente e eficiente possível, a droga, para que nenhuma criança desapareça sob o efeito da droga.

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) -E quinto, fazendo com que, graças a um projeto como esse, de minha autoria, as crianças possam ser encontradas, mesmo depois de estarem separadas dos seus familiares por um desaparecimento.

            É isso, Sr. Presidente, que eu falo, pedindo apoio, em nome do Dia Internacional da Criança Desaparecida, aos Senadores e às tevês, para que possamos pelo menos reencontrar crianças que ficaram desaparecidas.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/05/2015 - Página 268