Pronunciamento de Alvaro Dias em 25/05/2015
Discurso durante a 80ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Críticas ao Governo Federal pelo sigilo das cláusulas de contratos de financiamento firmados entre o BNDES e nações estrangeiras.
- Autor
- Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
- Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
GOVERNO FEDERAL:
- Críticas ao Governo Federal pelo sigilo das cláusulas de contratos de financiamento firmados entre o BNDES e nações estrangeiras.
- Publicação
- Publicação no DSF de 26/05/2015 - Página 271
- Assunto
- Outros > GOVERNO FEDERAL
- Indexação
-
- CRITICA, GOVERNO FEDERAL, MOTIVO, MANUTENÇÃO, SIGILO, CLAUSULA, CONTRATO, FINANCIAMENTO, EMPRESTIMO, AUTORIA, BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), DESTINATARIO, PAIS ESTRANGEIRO, COMENTARIO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), INVESTIGAÇÃO, NEGOCIAÇÃO, APOIO, PROJETO, ANA AMELIA, SENADOR, ASSUNTO, ALTERAÇÃO, RESOLUÇÃO, OBJETIVO, DETERMINAÇÃO, AVALIAÇÃO, SENADO, CONCESSÃO, AUTORIZAÇÃO, OPERAÇÃO FINANCEIRA, RECURSOS PUBLICOS, SOLICITAÇÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), LIBERAÇÃO, ACESSO, INFORMAÇÕES, BANCO DE DESENVOLVIMENTO.
O SR. ALVARO DIAS (Bloco Oposição/PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esta Casa está prestes a instalar uma CPI para investigar as ações desenvolvidas pelo BNDES ao longo dos últimos anos. E nós pretendemos, hoje, voltar a este tema para dizer que, definitivamente, o Governo não tem o menor apreço pela transparência.
Nós dedicamos boa parte deste mandato à tarefa de obter informações a respeito dos empréstimos celebrados pelo BNDES com países estrangeiros, mas o Governo insiste em manter longe do conhecimento da população brasileira as condições sob as quais foram realizados diversos empréstimos.
Eu volto ao tema porque encaminhei um novo pedido de informações, valendo-me da Lei de Acesso à Informação, com base no art. 5º da Constituição e arts. 10 e seguintes da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, a chamada Lei de Acesso à Informação. Nós encaminhamos ao Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, o ex-Senador Armando Monteiro, pedido de acesso à informação, exatamente as informações relacionadas às operações financeiras realizadas pelo BNDES, especialmente destinadas ao financiamento de construção de obras de infraestrutura em outros países, notadamente em Angola, Argentina, Cuba, Gana e Venezuela.
O pedido de informações a respeito desse financiamento tinha o interesse de tornar conhecidas as seguintes informações: que garantias foram apresentadas para cada contratação; quais os prazos e condições para os pagamentos de cada contratação; quais as taxas de juros aplicadas; qual a diferença entre os juros pagos pelo tomador do empréstimo e aquele que é pago pelo Tesouro Nacional aos seus financiadores.
Como o Governo brasileiro vem utilizando o argumento de preservar o sigilo de empresas privadas envolvidas no processo, deixei claro na solicitação de informações que o pedido dizia respeito a empréstimo de dinheiro público na origem e a realização de obra pública no destino; versava sobre negociações já concluídas; não envolvia nenhuma informação a respeito de empresas privadas que executaram ou executam esses empreendimentos; e se referia às garantias, condições de pagamento e taxas de juros praticadas.
A matéria publicada no jornal Expansão, de Angola, em 2012, referindo-se aos financiamentos do Governo brasileiro para a construção de obras em Angola, realizadas pela Odebrecht, informa que fonte da empresa contatada pelo jornal Expansão esclareceu que os referidos empréstimos se inscrevem na linha cinco e foram abertos para o governo angolano, que é uma regra básica mundial do mercado financeiro.
Ainda de acordo com a fonte da empresa ouvida pelo mencionado jornal, as linhas de crédito são abertas de Estado para Estado e não de um Estado diretamente para uma empresa. Nesse caso, quem define os projetos a serem implementados é o governo de Angola. Os acordos preveem que os projetos para essa linha de crédito sejam realizados por empresas brasileiras. Na verdade, quem recebe não é a Odebrecht, a Camargo Corrêa ou a Queiroz Galvão. Quem recebe é sempre o país.
Resta claro, portanto, Sr. Presidente, conforme explicado pela própria empresa executora das obras financiadas, que as informações solicitadas não afrontam nenhum sigilo de empresa privada.
Todavia, mesmo focalizando o pedido nas informações afetas a países, nós não obtivemos sucesso.
Em que pese o fato de o BNDES ser uma empresa pública, sujeita à supervisão do Ministro de Estado de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, a resposta encaminhada pelo Ministério foi pífia e não contemplou o que foi solicitado no pedido de informações. Ofereceu somente informações sobre os prazos e condições para o pagamento dos financiamentos feitos ao governo de Cuba para a construção do Porto de Mariel e o empréstimo feito ao governo de Gana para a construção do Corredor Rodoviário Oriental - Estrada Nacional N2.
Nas cinco operações que envolvem o Porto de Mariel, o prazo de financiamento é de 25 anos, com pagamento de 42 parcelas semestrais consecutivas iguais, em amortizações do principal, e 50 parcelas semestrais consecutivas de juros. Todos os contratos contemplam um prazo de carência de quatro anos. Já com relação ao empréstimo feito ao governo de Gana, a informação é a de que o prazo de financiamento é de 19 anos e meio com carência de quatro anos.
Embora as informações recebidas do Ministério contemplem quase nada do que foi solicitado, o pouco que foi informado já indica que o Governo deve ter muitos motivos para não jogar luz sobre esses negócios. Na página do BNDES que trata de operações dessa natureza, tem a advertência de que o prazo do financiamento a ser concedido pelo exportador ao importador não poderá ultrapassar 15 anos, ressalvando que, no caso de exportação de serviços, o termo inicial para a contagem do prazo de financiamento será definido pelo BNDES, em função das características da operação. Nos dois casos, Cuba e Gana, o prazo de 15 anos, que é regra do BNDES, não foi registrado.
Portanto, em que pese a resposta insuficiente, ela já indica a prática de irregularidade. Não há, na resposta ao pedido de informações, valores, taxas de juros; enfim, a informação única que chega é a de que o empréstimo será pago, no caso de Cuba, em 25 anos e, no caso de Angola, 19 anos e meio, superando, portanto, o limite estabelecido na norma do BNDES, que seria de 15 anos. Primeira irregularidade.
Aliás, o Governo esconde as informações sobre valores, sobre objetivos, sobre taxas de juros, e exatamente porque há receio de irregularidades maiores.
Nós estamos já desde 2005, aproximadamente, combatendo esse tipo de desvio de finalidade que é praticado pelo BNDES.
De 2008 a 2014, o Tesouro Nacional transferiu R$426 bilhões para o BNDES e agora, recentemente, mais R$50 bilhões. Esse aporte de recursos do Tesouro foi apresentado como instrumento de política econômica.
O Governo agora realiza um ajuste fiscal, sacrificando a sociedade, impondo rigor fiscal no que diz respeito ao contribuinte, ao trabalhador brasileiro, subtraindo direitos que foram adquiridos, exigindo sacrifícios imensos da população, e não faz a sua parte com reforma administrativa, mas busca uma economia que não chega a R$20 bilhões, enquanto já repassou ao BNDES R$470 bilhões. E, só numa medida provisória recentemente aprovada pelo Senado Federal, ele repassou mais R$50 bilhões do Tesouro Nacional ao BNDES, recursos oriundos, sobretudo, do trabalhador brasileiro.
Isso, porque há recursos do FGTS. Ainda recentemente se anunciou que o Governo pretendia lançar mão de R$10 bilhões do FGTS para o caixa do BNDES, como lança mão de recursos do FAT, e o trabalhador brasileiro, que tem esses recursos como a sua segurança, a sua garantia financeira maior, acaba sendo remunerado de forma insuficiente, com taxa de juros privilegiadas, que beneficiam grandes grupos econômicos em outros países, em detrimento do interesse do assalariado, sobretudo do assalariado brasileiro. É ele quem perde, ao ver o Governo utilizando-se do seu dinheiro, para oferecer taxas de juros privilegiadas a determinados grupos econômicos mais próximos do poder no País e, sobretudo, a nações do mundo mais próximas ideologicamente do Governo atual.
O Tesouro Nacional capta recursos no mercado financeiro, pagando juros com base na taxa Selic (13,25%) e recebe do que aporta no BNDES juros com base na Taxa de Juros de Longo Prazo - TJLP (5,5%). Em cálculo de setembro último, requerido pelo TCU, o Ministério da Fazenda estimou que esses financiamentos subvencionados pela União custarão ao contribuinte brasileiro, no período 2012 a 2015, R$ 79,75 bilhões, ou seja, quase R$20 bilhões anuais.
É o que custará ao contribuinte brasileiro. É a economia que o Governo quer fazer com um ajuste fiscal que sacrifica ainda mais os setores produtivos, empresariais e de trabalhadores.
Para justificar os aportes, o Governo argumenta que, além de auxiliar na recuperação da economia, os empréstimos têm como objetivo garantir ao BNDES recursos para financiar diversos projetos de médio e longo prazo, com foco em infraestrutura, importantes para manter as taxas de crescimento econômico esperadas para os próximos anos.
O dinheiro se foi, o crescimento não veio, e o contribuinte continuará pagando a conta nos próximos anos.
Em evento realizado pelo Bank of America, em 4 de março de 2015, o Ministro Joaquim Levy fez questão de enfatizar que "aportes adicionais do Tesouro para o BNDES aumentaram significativamente, mas não são mais instrumentos de política econômica"! Finalmente!
Embora o Ministro da Fazenda enfatize a mudança, sua posição não modifica os compromissos já assumidos pelo BNDES. O contribuinte brasileiro, ou seja, aquele que paga imposto, continuará pagando bilhões anuais em equalização de taxas de juros de dinheiro que foi utilizado para financiar grandes empresas e construir obras de infraestrutura no Brasil e no exterior.
Até dezembro de 2013, os financiamentos para a construção de infraestrutura em países da África e da América Latina atingiram o valor de US$8,6 bilhões, o que representa, no câmbio atual, o montante de R$26 bilhões. Portanto, é uma cifra significativa.
Especificamente aos empréstimos ao Governo de Angola, país que abocanhou 33% dos valores acima, R$8,5 bilhões, merece um olhar crítico no sentido de que esse país mantém um governo permanente, dito democrático, desde 1979.
Matéria publicada no jornal El País, no dia 12/11/2014, informa que o jornalista angolano Rafael Marques, preso em 1999 por suas críticas ao regime, publicou em 2013 na Forbes o artigo “Daddyys Girl: how an African 'Princess' banked US$3 billion in a country living on US$2 a day (Filhinha de Papai: como uma 'Princesa Africana' acumulou US$3 bilhões em um país que vive com US$2 por dia)”.
Segundo Marques, os grandes negócios de Isabel dos Santos, filha do Presidente do País, são forjados de duas formas: participando de empresa estrangeira que precisa de licenças para abrir caminho em Angola ou por meio de uma concessionária criada pelo decreto real de seu pai.
É para um pais como esse que o Governo brasileiro oferece empréstimos da ordem de 8,5 bilhões de reais, com taxas de juros privilegiadas e sem informação alguma ao cidadão brasileiro que paga impostos. Secretamente, sigilosamente.
Coincidência ou não, matéria publicada no jornal El País, no dia 04/05/2015 repercutiu o fato de a Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros da Polícia Federal haver instaurado inquérito para investigar se os US$16 milhões trazidos de Angola pelo publicitário João Santana, em 2012, são efetivamente relacionados à realização da campanha em Angola ou se seria uma operação de lavagem de dinheiro para beneficiar o Partido dos Trabalhadores. João Santana atuou nas campanhas eleitorais de 2012 e 2014.
Sobre as informações solicitadas a respeito dos empréstimos concedidos ao Governo de Angola pelo BNDES, o Ministério informou que encaminhou o pleito ao BNDES, que, até o momento, nada respondeu - o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.
Basta recorrer ao Poder Judiciário para tentar obter informações que, à luz do art. 52 da Constituição Federal, deveriam ser autorizadas pelo Senado Federal. É uma polêmica que está, inclusive, Senador Acir, nas redes sociais. Uma professora da USP alega que caberia Ação Direta de Inconstitucionalidade, em razão dos empréstimos sigilosos celebrados com outros países, a pretexto de que esses empréstimos não foram aprovados pelo Senado Federal.
Realmente, em função do art. 52 da Constituição Federal, eles deveriam ser autorizados pelo Senado Federal. No entanto, a matéria não é pacífica, já que há uma resolução do próprio Senado, a Resolução nº 50, de 1993, que regulamentou o dispositivo constitucional que diz respeito às operações de financiamento externo, realizadas com recursos orçamentários da União, contratadas diretamente com entidades estrangeiras de direito público ou privado, não pode ser interpretada como instrumento permissivo para dispensar a exigência de que a concessão de financiamento por agência financeira oficial de fomento diretamente a governo estrangeiro ocorra com a aprovação prévia do Senado Federal, conforme dispõe comando constitucional.
O §2º do art. 1º da Resolução estabelece:
As disposições desta resolução não se aplicam às operações financeiras de apoio à exportação, realizadas mediante a concessão de créditos em moeda nacional aos exportadores brasileiros, ou mediante a equalização de taxas de juros de financiamentos concedidos por instituições do mercado financeiro, as quais deverão ser conduzidas pelo Poder Executivo, ao abrigo da legislação pertinente.
As operações de créditos destinadas ao financiamento de construção de infraestrutura em países da África e da América Latina não foram realizadas mediante a concessão de créditos em moeda nacional aos exportadores brasileiros. O financiamento, como foi visto, foi concedido de Estado para Estado e não de um Estado diretamente para uma empresa privada.
Por essa razão, Presidente, nós cogitamos alterar essa Resolução nº 50. Preparamos o projeto com esse objetivo e, depois, verificamos que a Senadora Ana Amélia já adotou essa providência e há projeto de sua autoria na Comissão de Assuntos Econômicos. Por essa razão, nós recolhemos a nossa pretensão e apoiamos a proposta da Senadora Ana Amélia de alteração da Resolução nº 50, para que empréstimos dessa natureza, concedidos a outros países, obrigatoriamente, tenham que ser autorizados pelo Senado Federal.
As operações de crédito destinadas ao financiamento de construção de infraestrutura em países da África e da América Latina não foram realizadas mediante a concessão de crédito em moeda nacional, como eu disse antes. Portanto, essas operações, com as alterações que se pretendem na Resolução nº 50, terão que, obrigatoriamente, passar pelo crivo do Senado Federal.
O Senado Federal pode, portanto, regulamentar de forma diferenciada os empréstimos realizados com recursos orçamentários da União e aqueles financiamentos por agência financeira oficial de fomento.
Entretanto, não pode deixar de autorizar operações que a Constituição Federal atribui a ele competência privativa para autorizar.
O Governo Federal, além de deixar de observar comando constitucional para conceder os empréstimos a países estrangeiros, esconde dos brasileiros as condições em que empresta o dinheiro público a países com governos identificados e alinhados com o Partido dos Trabalhadores.
Portanto, Sr. Presidente, mais do que nunca, é necessário se instalar essa CPI do BNDES. Todas essas questões serão alvo de debate nessa CPI evidentemente, além da investigação que se fará sobre esses empréstimos externos sigilosos, desvio de finalidade do banco.
Nós, em diversas ocasiões, quando abordamos essa questão, questionamos o Governo brasileiro sobre o fato de estar ele comprometendo acordos que foram celebrados pelo Brasil com outras nações de combate à corrupção internacional, porque, com essa modalidade de empréstimo externo sigiloso, estaria o nosso Governo contribuindo para estimular a corrupção internacional, já que ela se daria em outros países, com as facilidades oferecidas às empresas que chegam com os recursos do Brasil para a realização de obras. Certamente, as licitações de obras públicas naqueles países não obedecem ao rigor da ética, já que há o estímulo a empresas que conseguem os recursos com taxas privilegiadas e sigilosas para a execução daquelas obras. Portanto, Sr. Presidente, o apelo já se fez aqui, do plenário do Senado Federal, para que essa CPI se instale o mais brevemente possível, e é fundamental que isto ocorra.
Nós encaminhamos - apenas para concluir, Sr. Presidente, agradecendo a concessão do tempo - ao Supremo Tribunal Federal, recentemente, porque não obtivemos respostas com base na Lei de Acesso à Informação, um mandado de segurança pretendendo abrir essa caixa-preta ou essa Caixa de Pandora, para conhecer os detalhes dessas operações de crédito celebradas pelo Brasil com outras nações, que importam já em mais de US$8,5 bilhões nos últimos anos.
Esse mandado de segurança foi protocolado junto ao Supremo Tribunal Federal, tendo como Relator o Ministro Luiz Fux. E, recentemente, com o recebimento de novas informações insuficientes, essas informações insuficientes nos autorizam a impetrar um novo mandado de segurança, dessa feita no Superior Tribunal de Justiça, que me parece ser o local mais adequado, o foro adequado para o julgamento de um mandado de segurança dessa natureza.
Portanto, nós já estamos providenciando um novo mandado de segurança para que realmente... Com base nessa resolução, nós não teríamos respaldo jurídico para uma ação direta de inconstitucionalidade. Resta a utilização desse expediente do mandado de segurança. É o que pretendemos fazer novamente, agora com o endereço do STJ.
Muito obrigado, Sr. Presidente.