Discurso durante a 80ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre a relação diplomática entre Brasil e França, especialmente acerca da ligação do Estado do Amapá à Guiana Francesa.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL:
  • Comentários sobre a relação diplomática entre Brasil e França, especialmente acerca da ligação do Estado do Amapá à Guiana Francesa.
Publicação
Publicação no DSF de 26/05/2015 - Página 281
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL
Indexação
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, RELAÇÕES DIPLOMATICAS, FRONTEIRA, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, GUIANA FRANCESA, ENFASE, DEFESA, NECESSIDADE, CONGRESSO NACIONAL, APROVAÇÃO, PROJETO DE DECRETO LEGISLATIVO, ASSUNTO, REGULAMENTAÇÃO, COMERCIO, ATENDIMENTO, SAUDE, REGIÃO, SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ACELERAÇÃO, PAVIMENTAÇÃO, ESTRADA, LIGAÇÃO, MUNICIPIO, OIAPOQUE (AP), AMAPA (AP), PAIS, VIZINHO.

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, subo à tribuna hoje para falar de um tema que diz respeito à fronteira do Brasil com a França, ou à fronteira do Mercosul com a União Europeia.

            Quando se fala, nestes termos, que o Brasil faz fronteira com a França, isso surpreende muitos brasileiros. Mas o meu Estado, o Amapá, faz fronteira com o departamento francês da Guiana, que é território francês, e a França é um dos países que compuseram o núcleo inicial da União Europeia. Quem mora na Guiana e quem mora no Amapá sabe que Caiena, a capital da Guiana, está tão distante de Paris, capital da França - mesmo com o Oceano Atlântico para se atravessar -, como Macapá está distante de Brasília. Essas distâncias são distâncias políticas.

            Quando eu percebi, em 1995, ao assumir o Governo do Amapá, que havia uma distância política e que essa distância poderia ser intermediada por uma representação com compromissos coletivos com as comunidades locais, eu não tive a menor dúvida de definir uma política voltada a integrar o Amapá aos países do Platô da Guiana, incluindo Roraima, que é o Estado de V. Exª. Esses pequenos países juntos - a República da Guiana, o Suriname e a região francesa da Guiana -, junto com o Amapá e Roraima, devem somar em torno de 3 milhões de pessoas, que formam um mercado isolado do resto do mundo.

            Sabendo que as chances de nos aproximar de Brasília seriam através de uma articulação, de relações internacionais, nós procuramos a França, procuramos a Guiana, conversamos com as autoridades locais, em que pese a desconfiança que havia entre as duas regiões, porque nós tivemos um conflito com a França no final do século XIX. Na verdade, a armada francesa massacrou uma pequena comunidade do Amapá em 1895. Massacrou a população civil, matando mais de 60 pessoas. Daí, então, acelerou o processo que culminou com a decisão da comissão suíça de que a parcela que os franceses reivindicavam como terra francesa, da margem direita do Rio Araguari à margem esquerda do Rio Oiapoque, de fato, pertencia ao Brasil.

            Eu procurei me aproximar das autoridades da Guiana e das autoridades da França. Tivemos vários encontros que culminaram com a assinatura da renovação do Acordo-Quadro de Cooperação franco-brasileira, em maio de 1996, em que incluímos uma cláusula que passou a permitir uma cooperação regional entre o Amapá e a Guiana. Houve uma aproximação tanto do Amapá em relação a Brasília, como de Caiena em relação a Paris.

            No marco dessa cooperação, nesse período, em 1995, 1996, o núcleo inicial que formou a União Europeia, que hoje conta com 27 países, não passava de 12 ou 13 países. Eles formataram uma política de cooptação dos países vizinhos, uma política que permitia investimentos, abria créditos, dava tratamento diferenciado aos países fronteiriços àqueles pertencentes à União Europeia. Só que os que formataram essa política não imaginavam que o Brasil poderia ser um país fronteiriço à União Europeia.

            Numa das minhas inúmeras viagens pela Europa para tratar exclusivamente do tema da cooperação entre o Brasil e a França, entre a Guiana e o Amapá, estive na Comissão Europeia, mostrando que o Brasil era um país limítrofe com a União Europeia. Portanto, as regras que haviam sido estabelecidas para esses casos caberiam também ao Brasil. E, assim, algumas instituições francesas, como a Agência Francesa de Desenvolvimento e o Banco Europeu de Desenvolvimento, passaram a financiar projetos no Brasil.

            Depois da assinatura, nós instituímos uma comissão transfronteiriça Amapá/Guiana e realizamos nove reuniões, a partir de 1997 até os dias de hoje - a última foi realizada em 2013 -, em que delineamos a cooperação possível. Entre outras coisas, definimos que, de um lado, o governo francês iria pavimentar a estrada que liga Régina à fronteira, a São Jorge do Oiapoque; e o Brasil faria a sua parte do lado brasileiro, pavimentando a BR-156, de Macapá até Oiapoque. Essa decisão foi tomada em 1997.

            Além da pavimentação das estradas, definiu-se a construção de uma ponte sobre o Rio Oiapoque, Sr. Presidente, que está pronta desde 2011. O lado francês cumpriu rigorosamente os compromissos assumidos com o Brasil. No acordo de cooperação, nenhum dos compromissos firmados pela França deixou de ser cumprido. Já do lado brasileiro, por exemplo, ainda restam 110 quilômetros da nossa estrada para chegar até Oiapoque e, neste momento, no período chuvoso na Amazônia, a BR-156 está bloqueada, causando enorme sacrifício para quem mora na cidade do Oiapoque e nas comunidades vizinhas. É uma situação dramática, porque, sem a estrada, não há como chegar com combustível e, sem combustível, as termoelétricas não funcionam e a comunidade está às escuras.

            Nós aqui estamos para fazer um apelo à Senhora Presidente da República, Presidente Dilma. O Ministério dos Transportes nos informou que a estrutura para abrigar as instituições de controle do lado brasileiro finalmente ficou pronta. Os prédios para abrigar a Polícia Federal, a Receita Federal, a Anvisa, enfim, todas as instituições do Estado brasileiro, segundo o Ministério dos Transportes, estão prontos.

            Restam agora, para que se possa inaugurar essa ponte - imaginem uma ponte de trezentos e tantos metros, uma belíssima ponte sobre o Rio Oiapoque, pronta desde 2011; até hoje não passa ninguém por essa ponte -, alguns acordos a serem ratificados pelo Congresso Nacional. E tramitam, na Câmara Federal, os Projetos de Decreto Legislativo nºs 50, de 2015; 51, também de 2015; e 52. São três projetos.

            O PDC (Projeto de Decreto Legislativo) 50, de 2015, refere-se ao Acordo de Transporte Rodoviário Internacional de Passageiros e Carga, até porque é fundamental que esteja esclarecido como se daria nos casos - evidentemente, não desejados, mas que, frequentemente, acontecem - em que um veículo brasileiro ou um veículo francês atravessa a fronteira e sofre um acidente. Então, tem que estar claramente estabelecido como é que o seguro cobre, digamos, um acidente tanto de um lado como de outro da fronteira.

            Da mesma forma, nós temos o PDC 51, que trata de matéria de primeiros-socorros. Como é que alguém, um brasileiro que atravessa para o outro lado, o da Guiana, e sofre algum problema de saúde vai ser atendido pelas estruturas de saúde do lado francês? E a mesma coisa quando um francês atravessa para o Amapá.

            E o terceiro, que é o PDC 52, trata de um tema que é muito importante para as duas comunidades, que é um regime especial para comércio de produtos de subsistência - produtos de alimentação, vestuário, mobiliário, produtos de limpeza - entre as duas comunidades, entre o Oiapoque e São Jorge do Oiapoque. Isso vai permitir, na verdade, uma pequena área de livre comércio ali na fronteira.

            Esses três projetos estão tramitando na Câmara Federal.

            O projeto sobre tratamento especial para comércio de produtos de sobrevivência já tem como Relatora, na CCJ da Câmara, a Deputada Janete Capiberibe, que já apresentou seu relatório, que deve ser votado na próxima quarta-feira na Comissão. E nós estamos acelerando, porque o Governo nos alega que não pode inaugurar essa ponte enquanto esses acordos todos não forem homologados pelo Congresso Nacional.

            Nós entendemos que também é fundamental, é importante, é necessário que nós os aprovemos, e é nisso que nós estamos trabalhando na Câmara, juntamente com o PSB, que está trabalhando e acelerando esse processo.

            Essa cooperação com a França, com a Guiana é muito importante para o Oiapoque. Até agora não tem dado resultado, porque ela é muito lenta, é um processo muito lento. Existe o projeto da construção de uma PCH, existe o projeto da construção de um linhão, que vai interligar, vai acontecer, saindo da cidade de Calçoene até Oiapoque, mas tem demorado muito, e a população tem sofrido muito por isso. Por isso, este apelo à Presidente Dilma para que possamos acelerar o processo de inauguração dessa ponte.

            Eu acredito que, em dois ou três meses, o Congresso, tanto a Câmara como o Senado, terão homologado ou aprovado os acordos que hoje tramitam na Câmara e, logo mais, vão estar aqui, no Senado, para podermos, então, definitivamente, inaugurar essa ponte e estabelecer, digamos, aquilo que é o desejo de todos nós, uma cooperação mais intensa, uma cooperação em todos os aspectos.

            Nós iniciamos lá, em 1995, a cooperação e tivemos a oportunidade de reunir os dois Presidentes, o Presidente do Brasil e o Presidente Jacques Chirac, lá, em São Jorge do Oiapoque, em novembro de 1997, o que terminou acelerando os acordos que paulatinamente vêm se concretizando.

            Esse é um processo extremamente demorado, das Relações Internacionais. A ponte é binacional - metade da ponte é brasileira, a outra metade é francesa; metade da ponte está regida pelas leis brasileiras, a outra metade pelas leis francesas -, mas há o ir e vir de cidadãos tanto brasileiros quanto franceses, o que precisa ser regulado por esses acordos que estão, hoje, tramitando na Câmara Federal.

            Por último, há um projeto antigo, também de 1995, que é o aproveitamento de uma queda d’água no Rio Oiapoque, o Salto Cafesoca, para a construção de uma PCH, uma unidade hidroelétrica sem barramento, uma unidade hidroelétrica construída sem que haja necessidade de barragem, construída a fio d’água, com apenas um desvio do rio. Essa hidroelétrica deveria estar pronta já há alguns anos. No entanto, só em agosto do ano passado foi a leilão, e uma empresa finalmente ganhou a concessão para a construção dessa hidroelétrica e também para o fornecimento de energia ao longo do tempo necessário para a construção desse empreendimento.

            Portanto, renovo meu apelo às autoridades brasileiras. Para nós, é desgastante, diante das autoridades francesas. Todas as vezes em que reunimos a Comissão Transfronteiriça, nós sofremos um enorme desgaste pela demora. Para V. Exa ter uma ideia, Sr. Presidente, o acordo de combate ao garimpo clandestino e à pesca predatória, nós levamos quatro anos para aprová-lo na Câmara. Quatro anos! E isso terminou fazendo com que se demorasse tanto tempo para avançar em outros projetos, porque os franceses, com muita razão, se recusam inclusive a inaugurar a ponte sem que todos esses acordos estejam devidamente aprovados.

            A nossa expectativa, principalmente para o povo do Oiapoque, é de que, uma vez inaugurada a ponte e instalada lá a nova empresa que vai produzir energia, haja garantias de que, com a ponte funcionando, na hora em que houver uma obstrução da BR-156 do lado brasileiro, a empresa possa adquirir o óleo diesel, até que a PCH esteja funcionando, do lado francês, sem nenhuma dificuldade. Portanto, é importante que aceleremos o processo, tanto na Câmara quanto no Senado, e que o Governo brasileiro se prepare para inaugurar, defina o corpo de profissionais que vão ali trabalhar, já deixe tudo organizado para que, quando homologarmos aqui, na Câmara e no Senado, já definamos a data para a inauguração.

            Era isso. Lamentamos profundamente a situação que está vivendo o povo do Oiapoque. A estrada está obstruída. Não passa o óleo diesel. Estão submetidos um racionamento terrível de energia elétrica, causando transtornos para famílias, inclusive com doenças. Houve um surto de chicungunha, uma doença transmitida pelo mesmo mosquito que transmite a dengue, só que ela é muito mais grave, e o povo está sendo atacado em função da falta de energia e das dificuldades de infraestrutura.

            Faltam 110km da estrada, que voltou para a mão do DNIT. Estive com o Ministro dos Transportes, que me assegurou que, até junho ou julho, estará concluído o processo de nova licitação para retomar a pavimentação, e, possivelmente até o ano que vem, a estrada estará concluída.

            Era isso, Sr. Presidente, muito obrigado. 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/05/2015 - Página 281