Discurso durante a 96ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa de um diálogo mais efetivo entre o Governo do Distrito Federal e a sociedade como forma de solução para os atuais problemas por que passa a referida unidade da Federação.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL:
  • Defesa de um diálogo mais efetivo entre o Governo do Distrito Federal e a sociedade como forma de solução para os atuais problemas por que passa a referida unidade da Federação.
Publicação
Publicação no DSF de 13/06/2015 - Página 41
Assunto
Outros > GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL
Indexação
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, CRISE, ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA, GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF), REGISTRO, IMPORTANCIA, RODRIGO ROLLEMBERG, GOVERNADOR, REALIZAÇÃO, DIALOGO, PARTICIPAÇÃO, POPULAÇÃO, PROVIDENCIA, RELAÇÃO, MELHORIA, BRASILIA (DF), CAPITAL FEDERAL, DEFESA, NECESSIDADE, AUMENTO, QUALIDADE, EDUCAÇÃO, SAUDE, TRANSPORTE.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Senador, o senhor sempre gentil e sempre atento.

            Eu ouvi o seu pronunciamento aqui. Eu não estava presente na hora, mas assisti pela rádio o seu pronunciamento de apoio. Não apenas põe na cadeia como cassa o mandato.

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Mais importante ainda.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Muitos políticos preferem ir para a cadeia a perder o mandato. Então, a partir de agora - depois que chegar à Câmara, for aprovado e a Presidente sancionar, porque aqui as coisas são tão lentas que eu tenho que dizer que espero que seja ainda no mandato atual -, quando for sancionado, é cadeia e cassação de mandato para quem desviar recursos da educação.

            Então, Senador, muito obrigado pelo seu reconhecimento e também por lembrar que eu me preocupo muito com os problemas nacionais, olhando lá na ponta.

            Mas hoje, sexta-feira, eu vou falar aquilo que eu tenho obrigação, porque eu sou Senador representando o Distrito Federal. Eu não posso, nessa minha preocupação com a educação sobretudo, mas com a economia, o desenvolvimento e a segurança no Brasil, esquecer o Distrito Federal, cujos eleitores já me fizeram governador e me colocaram aqui pela segunda vez como Senador. E a situação do Distrito Federal, do Governo atual do Distrito Federal não está boa, exige uma tomada de posição que o Senador Reguffe tem sempre dito aqui como representante do Distrito Federal. Exige uma posição de crítica, de análise e de sugestão também ao Governo atual.

            O que a gente vê é que o atual Governo chegou carregado na esperança de que iríamos recuperar o desastre de governos anteriores: um governador preso, um ex-governador que não pôde nem ser candidato mais, porque a Justiça não deixou, e um governador recente que todos sabem o desastre que foi e que deixou uma herança maldita para o atual governador. Não podemos ignorar isso. O Estado quebrou do ponto de vista financeiro, fiscal, diante das irresponsabilidades cometidas pelo governo anterior, mas o governador que chega não tem o direito de ficar prisioneiro dessa armadilha da falta de recursos, não tem direito.

            O Governo precisa mostrar para que veio. E ele não veio apenas para pôr ordem nas contas. Ele veio para pôr ordem nas contas e ter criatividade, vontade e competência para, enquanto põe ordem nas contas, mostrar que governa para um Distrito Federal melhor. E isso, lamentavelmente, a gente não está vendo. E eu venho aqui no espírito de colaborar para sugerir o que se pode fazer para sair disso.

            A primeira coisa é provocar o Governador atual, Rodrigo Rollemberg, a um diálogo maior, mais franco e mais transparente com todas as forças vivas do Distrito Federal. E quando digo as forças vivas, eu não quero limitar o diálogo apenas aos políticos, muito menos aos políticos com mandato. É claro que tem que ter um diálogo permanente com os Deputados locais, distritais, como dizemos aqui, que correspondem aos estaduais dos outros Estados. É claro que tem que ter, são eles que votam as leis. E são esses 24 que precisam de um diálogo contínuo, mas não só com eles, com os Deputados Federais, com os Senadores, mas não só com esses, com todas as lideranças políticas do Distrito Federal, mas não só com as lideranças políticas, tem que conversar com os líderes empresariais, tem que conversar com os líderes religiosos, tem que conversar com os intelectuais da cidade, com os artistas da cidade, tem que conversar com as pessoas na rua.

            Um governo, para ter sucesso, tem que ir à rua. Se ele está em dificuldade financeira, mais ainda. E a sensação que se tem é a de que as pessoas querem ser escutadas, mas não estão sendo. Há um fechamento do Governo em relação às lideranças e em relação à população.

            A segunda sugestão é que haja um esforço maior para tratar Brasília com clareza de carinho. Governante tem que cuidar, mais até do que administrar. E o que a gente tem visto é que o Governo nem chega ao nível de administrar porque se sentiu, se define e se coloca como prisioneiro específico das finanças. Aí, nem dá o salto para a administração geral e, pior ainda, para o cuidar. É preciso cuidar da cidade, pequenos detalhes que fazem, visualmente até, o morador da cidade se sentir em um lugar de que ele gosta, que ele ama. E isso não pode ser impedido por uma crise financeira, porque o custo disto é tão pequeno diante do tamanho das finanças, dos recursos, mesmo que esgotados, que não vai trazer problemas.

            Não é por falta de recursos para uma operação que chamemos Carinho com Brasília, não é por causa da falta de recursos das grandes contas que isso não é possível de ser feito. Sim, é possível de se fazer. Mudaria muito a situação se a gente passasse a ter uma cidade mais bem iluminada, mais limpa, com detalhes ao longo dela.

            A terceira proposta, talvez pelo meu vício, é em relação à educação. É claro que falta dinheiro até para pagar os compromissos que o governo anterior irresponsavelmente assumiu, por exemplo, com os servidores. Mas, mesmo assim, algumas coisas podem ser feitas.

            É possível retomar alguns projetos do governo de 20 anos atrás, quando eu fui o Governador. A Poupança Escola, que é um depósito, no final do ano, na conta dos alunos que passarem de ano entre aqueles das camadas mais pobres, é um incentivo fundamental para que as crianças estudem e passem de ano. Esse depósito, além de ser pouco, não é um desembolso. É um dinheiro que fica numa conta do próprio governo, apenas no nome do aluno.

            Nesse período, eu lembro que, no meu governo, o saldo dele era usado para financiar o programa que nós chamávamos Banco de Brasília Trabalho - BRB Trabalho. Era microcrédito. Então, é um dinheiro que não é desembolsado. É um dinheiro escritural até que a criança termine o ensino médio, ou seja, demora para que esse dinheiro seja, de fato, desembolsado.

            Eu creio que uma reforma do ensino que o Brasil inteiro está pedindo, de que o próprio Ministro da Educação está falando, que, além do próprio Ministro da Educação, o Ministro de Assuntos Estratégicos está propondo é uma reforma do ensino médio. Brasília pode vir a ser o estudo de caso, pode ser a experiência. O Ministro vai gostar de receber esta sugestão do Governo do Distrito Federal: venha usar o Distrito Federal para fazermos a reforma do currículo do ensino médio de que o Brasil precisa. Isso não custa recursos, e os professores vão gostar disso se for debatido com eles, não se for imposto de cima para baixo como uma proposta autoritária.

            Está aí uma coisa de que a gente está precisando para mostrar que o Governo existe: um debate com os professores, com os servidores, com os alunos sobre como deve ser um currículo, um currículo nos tempos da televisão, da internet, do computador, um currículo no tempo da globalização, um currículo no tempo em que o conhecimento muda a cada dia. Como deve ser um currículo? Essa é uma reforma que mostraria um Governo presente, sem precisar esperar que seja superada a crise financeira.

            E há outras coisas que custam dinheiro, mas que a gente pode começar em uma escola, em vez de começar em todas as escolas. Horário integral, por exemplo. Pode-se começar não só em uma escola; pode-se começar em uma cidade inteira. Nós podemos sim experimentar em algumas escolas ou em uma cidade ter todas as escolas com a qualidade que nós queremos para quando não houver mais crise financeira, mas que seja feito desde já.

            Na saúde, que é um dos pontos mais dramáticos da gestão que nós temos no Distrito Federal, e pode ser em todo o Brasil, por que não retomar um programa que deu certo, chamado Saúde em Casa, que nós praticamos aqui, no período de 1996 a 1998? Não há recursos para implantar em todo o Distrito Federal? Comecemos em uma cidade, mostremos como funciona bem. Peguemos uma cidade pequena do Distrito Federal, com um pequeno número de médicos, de auxiliares deles nas diversas áreas, com uma casinha alugada. E o Governo tem casinhas por aí, nem precisaria alugar. A gente monta um ponto de atendimento médico. O médico vai à casa, portanto o doente não vai ao hospital. Aí desaparece essa ansiedade do doente que quer ser atendido num hospital e não tem como, porque são tantos que chegam que não há como atendê-los nos leitos do hospital. Evitemos que cheguem ao hospital! Esse é o caminho da saúde pública! E isso é possível num cronograma lento, devagar, cujos custos iniciais são irrisórios.

            Não dá para exigir que o atual Governo, na sua crise, diga: "Todo o Distrito Federal retomará o que teve em 1998, e que foi extinto em 1999 pelo governo que assumiu então." Não dá! Não dá para fazer isso na crise financeira atual, mas dá para fazer em alguns lugares.

            Uma quinta proposta é o transporte público, que é um gargalo difícil, mas que precisa de criatividade para se enfrentar.

            O que não pode acontecer é, como vimos nesta semana, o Secretário de Transportes - e V. Exª, que acompanha bem os fatos aqui, deve ter visto - diante de uma greve nefasta, terrível, grave, dizer: “Isso não é problema do Governo, é problema dos empresários e dos rodoviários.” Não pode!

            É isso o que está afastando a população em relação ao Governo. É isso que está criando essa desconfiança, quando o próprio Governo diz: “Esse problema de transporte não é meu, esse problema de transporte é dos empresários donos dos ônibus e dos motoristas que dirigem.” Não pode!

            Tem que dizer que esse é um problema nosso e sentar até resolver. Mas não basta resolver uma greve. É preciso, sim, encontrar caminhos alternativos, e o próprio Governador atual Rodrigo Rollemberg, por diversas vezes - até aqui como Senador - falava, Senador Paim, da idéia de que o caminho é reduzir a necessidade de transportes. Criar pequenas oficinas em cada cidade, para que os trabalhadores não precisem se deslocar. Hoje em dia, com a informática, podemos ter secretárias trabalhando sem vir ao escritório.

            Mas chega ao Governo e se esquece disso! Esquece suas propostas, suas considerações. Daria para estar começando isso. Não daria para implantar em todo o Distrito Federal, mas uma pequena experiência que seja retoma uma grande esperança de que o Distrito Federal está precisando.

            Eu diria uma quinta proposta que é uma intervenção de força concentrada, articulada do Governo e da sociedade para responder, portanto, ao desafio do transporte.

            Eu creio que o povo precisa sentir que o governante está preocupado com a sua cidade, que está dela cuidando para o presente e para o futuro. É isso o que queremos que seja feito, medidas concretas e estratégicas. Concretas pequenas, com uma estratégia de longo prazo, que resolvam as questões presentes e nos sinalizem um futuro melhor.

            Para isso, o Governo precisa sair da armadilha da crise. Não é fechar os olhos à crise, não é ignorar a crise financeira, mas sair dela e dizer: “Há espaço para retomarmos a confiança da população”, e há tempo ainda porque faltam três anos e meio.

            Tem que sair, Senador, de um certo terrorismo contra o funcionalismo público sem esconder as dificuldades, mas não precisa ficar no terrorismo de dizer que se não forem aprovados certos projetos haverá demissão.

            Deixe esse assunto para discutirmos no momento oportuno, se não conseguirmos superar a crise - e podemos superar, sim. Vamos fazer um apelo para superar. Vamos trazer uma esperança austera, não dá mais para trazer a esperança dos grandes projetos, das grandes obras. E, aliás, eu nunca fui defensor dessas grandes obras, eu era defensor das obras pequenas e escondidas, como colocar água e esgoto em todas as cidades do Distrito Federal, como eu fiz quando governador, sem fazer obras monumentais, que, aliás, são as que aparecem mais sob o ponto de vista do prestígio do político para a sua população.

            Um prédio como o estádio de dois bilhões, que está dando prejuízo, dá mais prestígio do que colocar água e esgoto em todas as casas de uma cidade. Um estádio que não serve para nada dá mais prestígio do que água e esgoto em todas as casas, porque ninguém vê e porque parece obrigação, água e esgoto, e o monumento é uma obra nova, é algo que fica ali.

            Pois bem, eu nunca fui favorável às grandes obras, então fico à vontade para dizer: nós precisamos de austeridade, mas de uma austeridade esperançosa, uma austeridade que traga esperança; abrir com transparência o debate em todas as áreas; definir lista de projetos que atravessem a crise. Eu gosto de chamar isso de projetos transcrise, até porque, depois dessa crise, virão outra e outra, e outra, e outra, e outra. Temos que ter alguns projetos para que a gente diga: “A gente vai em frente nesses projetos apesar da crise, adaptando, criando, mudando o que for preciso.”

            Eu creio que é preciso chamar os Parlamentares para saber que projetos eles querem e apoiam, e não que cargos eles querem. É um erro conseguir apoio em troca de cargos, mas é um erro não pedir apoio, se oferecendo para realizar os sonhos, os projetos, as propostas, os compromissos que os Parlamentares assumiram com seus eleitores.

            Eu creio que a gente precisa de um choque de criatividade, Senador, com austeridade em cada área, inclusive nas finanças. Está faltando criatividade no tratamento das finanças.

            Para uma coisa para que não adianta criatividade: aritmética. A aritmética é a deusa. Tem que ser mesmo. A aritmética é a rainha. Tem que ser mesmo: dois mais dois são quatro, não tem jeito. Dois mais dois, quatro. Não tem jeito de dizer: dois mais dois, cinco. Não, mas você pode ter criatividade para fazer com quatro o que ia fazer com cinco: respeitou a aritmética e conseguiu fazer as coisas que são necessárias.

            Finalmente, eu acho que valem a pena alguns gestos de austeridade simbólicos, partindo dos que estão no governo.

            Na campanha, eu sugeri que os que estão no governo com cargos altos comecem a usar os serviços públicos. Isso não vai mudar, mas vai dar um sentimento da realidade do transporte público, da saúde pública, da educação pública e, além disso, tem um simbolismo importante diante da opinião pública, quando vê os que estão no governo usando os serviços para cujo tratamento, atendimento e gestão eles foram eleitos.

            Foram eleitos para fazer a escola pública funcionar - então, usem a escola pública. Foram eleitos para fazer a saúde pública funcionar - usem a saúde pública. Foram eleitos para fazer o transporte público funcionar - usem o transporte público da cidade onde são dirigentes.

            Eu creio que a gente esteja precisando de gestos de austeridade como esses, gestos simbólicos de austeridade e de solidariedade para com o povo. Nós precisamos disso. Brasília precisa disso e eu creio que os Parlamentares, os líderes... A cidade inteira não se furtará a colaborar para que a cidade recupere a esperança que perdeu já faz algum tempo, mas, para isso, o ponto de partida tem que ser o próprio governo.

            Era isso o que eu queria falar, Senador Paim, nesta sexta-feira, agradecendo ao senhor, que fez com que, no começo, lembrássemos do meu projeto que cassa mandato, que coloca na cadeia aqueles que desviam dinheiro da saúde e da educação, em qualquer Município ou Estado do Brasil. Eu espero que, com a ida do projeto, nesta semana ainda, para a Câmara dos Deputados, ali tenhamos apoio de Deputados, para que esse projeto, rapidamente, chegue à Presidência da República, para que, depois de sancionado, virando lei, a gente possa dizer: ninguém rouba dinheiro de merenda; ninguém desvia recursos da educação; ninguém rouba as crianças. Pelo menos isso espero que a gente possa dizer neste País!

            Era isso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/06/2015 - Página 41