Discurso durante a 78ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre o desajuste das contas públicas ocorrido nos últimos anos.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Comentários sobre o desajuste das contas públicas ocorrido nos últimos anos.
Publicação
Publicação no DSF de 23/05/2015 - Página 196
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • COMENTARIO, DESAJUSTAMENTO, ECONOMIA NACIONAL, CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ENFASE, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOTIVO, DESONERAÇÃO TRIBUTARIA, EXCESSO, GASTOS PUBLICOS, CORRUPÇÃO, DEFESA, NECESSIDADE, REDUÇÃO, DESPESA, AUMENTO, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, POLITICA SOCIAL, SAUDE PUBLICA.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador Lasier, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, nesses últimos dias, nossas conversas - inclusive, nós dois e outros, nossos companheiros do PDT, Senador, e aqui - têm sido muito sobre o ajuste. Eu vou falar hoje de desajuste, porque a gente esquece que só precisa ajustar depois de ter sofrido ou provocado um desajuste. Isso é assim nas máquinas. Se a gente precisa afinar um equipamento, é porque a gente desafinou o equipamento. Quando a gente precisa ajustar o carro, é porque a gente desajustou o carro. É importante saber o que é que houve para o Brasil precisar de um ajuste.

            Eu vou falar de dois momentos: primeiro, os desajustes recentes que levaram à necessidade desse ajuste, os desajustes que foram feitos nos últimos anos; depois eu quero falar um pouco dos desajustes ao longo de algumas décadas.

            Veja bem, nesses últimos anos - e eu fui um, repito sempre, dos que alertaram aqui que nós estávamos encaminhando para desajustes -, houve desonerações fiscais muito além do possível. É preciso explicar que desoneração fiscal é o Governo dizer que não vai receber imposto. Logo, ele está criando um déficit, a não ser que houvesse redução de gastos. Se você abre mão de renda - imagine você abre mão de parte do seu salário - e não tiver outra fonte ou não reduzir os seus gastos, você vai ter um déficit no final do mês. É isso que nós fizemos: foram R$240 bilhões, em um ano, de desonerações, abrindo mão de impostos para vender mais carros e outros bens industriais.

            Houve um desajuste pelo excesso de gastos, gastos até bons. Nós aumentamos os gastos com programas sociais. Claro que isso é positivo, mas foi um positivo com uma dose de irresponsabilidade.

            Senador Lasier, eu costumo, desde meu tempo de professor de Economia, dizer aos meus alunos que nós economistas dividimo-nos em dois grupos: uns que não ligam para a ética e outros que não ligam para a aritmética. Os dois são perigosos. Quando um economista ou um governo cria programas sociais, ele tem ética social, mas, quando ele faz isso sem levar em conta a aritmética, ele é irresponsável. E um economista que se preocupa com a aritmética sem ligar para o social é responsável, mas é indecente. Então, nós precisamos combinar ética com aritmética.

            Sabe como se faz isso? É só dizer em quanto tempo a gente faz. Não fazer nem mesmo as boas coisas apressadamente. Eu nunca engano: meu projeto para mudar a educação brasileira leva 20 ou 30 anos, porque querer fazer isso antes é populismo, demagogia e irresponsabilidade. É isso casar ética e aritmética.

            Os economistas chamados de direita, em geral, preocupam-se só com aritmética; os chamados de esquerda se preocupam com a ética, não se preocupam com a aritmética.

            Sexta-feira passada, faz oito dias, V. Exª e eu estávamos num congresso do nosso Partido, e houve discurso maravilhoso de gente ali, mas que não ligava para aritmética, que fazia críticas sem ver que há limites. A aritmética é a lei da gravidade da economia, e a ética é a força para voar. Tem que combinar os dois.

            Avião só voa, porque leva em conta a lei da gravidade; se não, não voa, cai. E essa foi irresponsabilidade: excesso de gastos, alguns positivos, programas sociais bons, mas além dos limites das contas.

            Outra forma de criar esse desajuste foi a ineficiência da máquina. Para uma coisa que se faz com sessenta, precisava gastar cem por ineficiência, por falta de planejamento, por falta de cuidado na definição do processo de construção de obras. A chamada transposição do Rio São Francisco está custando muitas vezes mais do que deveria se houvesse eficiência. Cada obra do Governo tem ineficiência. Pavimenta-se uma estrada e daí a dois anos tem de fazer de novo, por ineficiência.

            E há o outro lado, que não é ineficiência, é corrupção mesmo. Corrupção aumenta os gastos e, ao aumentar os gastos, cria um desajuste que nós estamos pagando.

            Os sucessivos pacotes. A cada tantos meses, faz-se um pacote, e aí tem que se corrigir com esse pacote... Isso gera um desajuste. Os empresários ficam sem saber se devem ou não investir, porque eles não sabem qual é a regra que vai valer quando o investimento deles estiver funcionando! O trabalhador não sabe qual é o critério de sua aposentadoria, porque há um pacote para lá e outro para cá. Os alunos que criaram a expectativa de estudarem graças ao Fies, de repente, não sabem se vão poder estudar graças ao Fies. São pacotes sucessivos que criam desajustes!

            Outro ponto é a falta de preocupação com a estrutura, com os portos, com as estradas, com aquilo que faz a economia funcionar.

            Mais um: descaso com a dívida pública - uma irresponsabilidade que provocou esse desajuste -, que foi maquiada! Aliás, uma das grandes causas do desajuste foi as pedaladas, porque, ao fazerem aquelas pedaladas, ao manipularem as químicas contábeis, escondiam a realidade. Quando você esconde a realidade de um desajuste, o desajuste piora! A primeira coisa para se começar a consertar um desajuste é dizer: estamos desajustados. O Governo da Presidente Dilma escondeu, com pedaladas, com química, com contabilidade criativa, os desajustes. E aí, quando se descobre, não é mais desajuste apenas: é um desastre completo!

            A distribuição de benesses - inclusive aqui dentro, no Congresso, para atender a interesses nossos, de Parlamentares. Eu nunca me beneficiei disso, mas alguns, sim, vendendo voto em troca de algumas coisas. Isso gera um desajuste, porque evita a crítica dos que falam a verdade, compram os que se enganam com a mentira.

            E eu diria que, finalmente, a euforia. A euforia em que o Governo do PT mergulhou de que era o melhor do mundo, de que o Brasil estava começando ali, em 2003. A euforia de que o Lula era o salvador de tudo; de que tudo era possível; de que este País tinha tirado 30 milhões da miséria - que não tirou! -; de que tinha criado uma classe média de cento e tantos milhões - que não criou! Mais uma vez: a aritmética. Como é que fez para dizer que era classe média? Baixou a dimensão que diz o que é classe média: passou a ser classe média quem era muito pobre. Todas essas manipulações provocaram o desajuste que nós vemos hoje.

            Eu falei muito, nesses dias, sobre o ajuste. Eu quero falar é de um detalhe. Para mim, o mais grave dos desajustes foi um Governo que nós elegemos para corrigir os desajustes históricos que se adaptou aos desajustes históricos. Isso que é grave. Ficou na mesma coisa. E, quando ele tenta consertar isso, é de forma atabalhoada, como está sendo hoje. O ajuste proposto hoje é 69 bilhões de corte - é o que está nas notícias de hoje -, com 14 bilhões em duas medidas provisórias, mas, ao mesmo tempo, 50 bilhões a mais para o BNDES e aumento de impostos para banco. Está atabalhoado. Nós não estamos ajustando o desajuste de forma ajustada. Nós estamos tentando consertar o desajuste ajustando de forma atabalhoada.

            E esse atabalhoamento em outras partes vem do desajuste histórico, em que não quero me alongar muito, mas em que quero tocar um pouco. Esse desajuste, Senador Lasier, começa, na verdade, no desajuste de ter uma mão de obra escrava. Isso era um desajuste completo. Esquecendo esse passado distante, vamos começar nos anos 50. A ideia de crescer 50 anos em 5 é uma forma de desajustamento. Não tem jeito. É como um organismo: se você crescer depressa, você fica desajustado, até na roupa que você usa. Nós inventamos crescer 50 anos em 5 no governo Juscelino. E aí só teve um jeito: inflação, que é um desajuste. A inflação está para o organismo como a febre. A febre é a prova de um desajuste no seu organismo, uma doença. A inflação é a febre da economia, é um desajuste que a economia vive. E nós fizemos isso.

            Outro desajuste. Deixamos de usar nossas vias fluviais para o transporte, no que o Brasil talvez seja um dos mais ricos do mundo. Deixamos de desenvolver as estradas de ferro que poderíamos ter fortalecido, porque são mais eficientes, mais baratas. E, para viabilizar a indústria automobilística, decidimos que o Brasil teria toda a sua riqueza transportada em caminhões. Isso provocou um desajuste: um custo elevadíssimo das estradas, um custo elevadíssimo de investimentos, uma ineficiência do transporte. São problemas de todos os tipos, o que é fruto de uma decisão equivocada.

            Outro desajuste tem a ver também com isso: o desajuste de como fizemos nossas cidades crescerem. Nossas cidades que dizem ser metrópolis, Senador Lasier, eu as costumo chamar de “monstrópolis”, porque são monstruosas. Esse é um desajuste, e a gente se esquece disso. Estamos falando muito do desajuste fiscal e do ajuste fiscal e nos esquecemos do desajuste urbano. Nossas cidades são desajustadas completamente. São três horas por dia no ônibus, como tantos fazem. Há inundações ou falta d’água. Tudo isso é resultado de desajustes que fomos provocando ao longo da história, com um crescimento rápido das cidades, o que vem do desajuste de um crescimento industrial rápido sem atender à agricultura, como deveria ter sido feito. Chegou-se ao ponto de se dizer que país desenvolvido é país urbanizado, quando país desenvolvido é país onde o rural é bem tratado. Não precisava necessariamente essa migração.

            A depredação ambiental é um desajuste que nós criamos. Há desajuste na saúde. Em parte, doenças são provocadas pela própria economia, pela própria urbanização. Há o desajuste de uma ciência e tecnologia atrasada. Um cientista não sabe se, no próximo ano, vai ter o dinheiro que recebeu este ano para continuar suas pesquisas, não sabe se o prédio que se prometeu a um organismo internacional que financia uma pesquisa - e se exige um prédio novo a ser construído - vai ser construído, porque se corta dinheiro, porque a empresa quebra, porque a licitação é complicada ou porque o Ministério Público manda parar a obra. Esse é um desajuste que a gente vive. É um desajuste que é estrutural. Não se trata apenas do desajuste fiscal desses últimos anos que estamos tentando consertar.

            E aí vêm duas coisas graves. É que o atual Governo - falo do Governo que está aí desde 2003 - foi eleito para consertar os desajustes históricos. Eu fiz campanha por eles, eu fui do Partido dos Trabalhadores, eu acreditava que nós íamos consertar os desajustes: o desajuste da desigualdade social, o desajuste das cidades mal organizadas, o desajuste do meio ambiente mal cuidado e, sobretudo, a mãe de todos os desajustes, a educação. Não cuidamos disso.

            Há desajuste mais grave do que nós não formamos uma geração de pessoas que sirva para trazer eficiência, produtividade, competitividade, solidariedade, fiscalização? Tudo isso vem da educação. Quando digo que há uma correlação entre país bem educado e pouca corrupção, as pessoas acham que estou dizendo que pessoas educadas não roubam. Não! Se olharmos os corruptos brasileiros, veremos que todos são educados. Mas uma população educada não aceita que haja pessoas corruptas, uma população educada fiscaliza para que os educados não roubem. Os ladrões são educados, mas por causa do silêncio dos não educados, da dificuldade e da incapacidade de os não educados fiscalizarem o funcionamento das coisas.

            Nós, o nosso Governo, este que foi eleito em 2002, não agimos como deveríamos, em 12 anos, para ajustar a economia à sociedade, não agimos para ajustar a economia e desajustamos as finanças nos últimos anos.

            Diga-se de passagem que, nesse sentido, não se pode culpar o Presidente Lula, porque ele cuidou das finanças, para evitar desajustes no seu tempo. Muita gente, inclusive, criticou quando o Ministro Palocci segurou as contas. Ele foi responsável, sim!

            O desajuste fiscal é recente, o desajuste estrutural é antigo. Mas este Governo, nestes 12 anos, ganhou a eleição prometendo que ia fazer o ajuste estrutural e, em vez disso, fez o desajuste fiscal. Isso é que é grave, Senador Lasier! Não fez o ajuste estrutural e quebrou o ajuste fiscal que a gente tinha conseguido a partir de 1994, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, com o Plano Real, que o Presidente Fernando Henrique Cardoso iniciou e que o Presidente Lula manteve na linha, ao qual Lula deu continuidade. E aí estamos, hoje, com a sociedade desajustada, com uma economia desajustada estruturalmente e com as finanças públicas desajustadas, exigindo, agora, um ajuste.

            O desafio - e não é para hoje; temos de falar isso e vamos continuar a falar na próxima semana - é o seguinte: como fazer o ajuste sem quebrar a linha estrutural, ou seja, sem parar certos investimentos, inclusive em educação, sem sacrificar mais as massas empobrecidas e sempre excluídas? Como fazer isso com entendimento, e não com pacotes? Um dia, há um pacote; um dia, outro; outro dia, outro. Há uma medida provisória aqui e outra medida provisória ali. É feito um contingenciamento hoje e outro contingenciamento amanhã. Isso não vai resolver! Nós só vamos resolver isso - lembro que o Senador Jucá, uma vez, falou isto aqui e que eu até comentei - com algo mais do que pacotes, com algo mais do que MPs: com um entendimento, com um entendimento amplo.

            Que, primeiro, por uma questão cronológica, nós pensemos o ajuste fiscal, mas, junto, o ajuste estrutural. Como é que este País vai atravessar o ajuste fiscal e, lá na frente, vai ter mais competitividade, mais criatividade, inovação e capacidade de não apenas crescer, mas também de melhorar? Melhorar é um verbo muito mais rico do que crescer. É preciso melhorar, com mais saúde, com menos desajuste, para não dizer com mais ajuste. Hoje, se eu disser que deve haver mais ajuste, ninguém vai ver o lado positivo de ser ajustado; o que o pessoal vai ver é o custo das medidas de ajuste.

            É isto, Senador Jucá: precisamos caminhar para um entendimento, mas um entendimento com propósitos e com diálogo entre todos, não um entendimento sem propósitos maiores, apenas para resolver um probleminha. É preciso um entendimento, para que não continue o mesmo desajuste histórico estrutural que nos desorganiza tanto!

            Creio que lideranças como o senhor, Senador Lasier, e todos os outros deveríamos nos dedicar mais para buscar esse entendimento por um ajuste estrutural no País, enfrentando imediatamente o ajuste fiscal, que é fruto de um desajuste criado por um Governo que foi irresponsável com nossas contas nesses últimos quatro anos.

            Era isso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/05/2015 - Página 196