Discurso durante a 92ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Protesto contra o projeto de lei que visa a terceirização nas relações de trabalho; e outro assunto.

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Autor
Donizeti Nogueira (PT - Partido dos Trabalhadores/TO)
Nome completo: Divino Donizeti Borges Nogueira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TRABALHO:
  • Protesto contra o projeto de lei que visa a terceirização nas relações de trabalho; e outro assunto.
GOVERNO FEDERAL:
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Publicação
Publicação no DSF de 10/06/2015 - Página 234
Assuntos
Outros > TRABALHO
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • COMENTARIO, HISTORIA, TRABALHADOR, REGISTRO, REALIZAÇÃO, SENADO, AUDIENCIA PUBLICA, DEBATE, PROJETO DE LEI, ASSUNTO, TERCEIRIZAÇÃO, TRABALHO, ATIVIDADE ESPECIFICA.
  • DEFESA, GOVERNO FEDERAL, CRIAÇÃO, PROGRAMA DE INVESTIMENTO, INFRAESTRUTURA, TRANSPORTE, AUMENTO, EMPREGO, CRITICA, OPOSIÇÃO, DISCRIMINAÇÃO, CLASSE SOCIAL, BAIXA RENDA.

            O SR. DONIZETI NOGUEIRA (Bloco Apoio Governo/PT - TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sras e Srs. Senadores, fui hoje ao lançamento do Programa de Investimento em Logística 2015/2018. E ouvi aqui os Senadores da oposição falando agora daquilo que eles não davam conta de fazer e duvidam que a Presidenta Dilma vá fazer. Ouvi Senador falando que, mais uma vez, vai haver frustração.

            Senador Paulo Paim, quero dizer que, realmente, os Senadores da oposição ficarão frustrados com as ferrovias que serão construídas, com as rodovias que serão construídas, com rodovias que serão modernizadas, com portos que serão modernizados, com aeroportos que serão modernizados, para dar conta do desenvolvimento do Brasil, da circulação de sua riqueza.

            Mas a história é assim: os cães ladram e a caravana passa. A caravana do desenvolvimento vai passar e nós vamos continuar ouvindo a oposição falando de frustração. A frustração de um Governo que gerou mais de 20 milhões de empregos, que colocou milhões e milhões de filhos dos trabalhadores e das trabalhadoras para estudar na universidade.

            Essas pessoas reclamam, xingam, criticam de forma, às vezes, até odiosa. E aqui não estou falando dos Senadores, mas do que vemos nas redes sociais e, às vezes, nos bares e restaurantes, agredindo cidadãos livres. É de ódio! É de ódio, porque o filho do vaqueiro, agora, estuda na mesma universidade, Senador Paim, do filho do fazendeiro. O filho do operário da construção estuda, lá no exterior, nas melhores faculdades, universidades do mundo, junto com o filho dos grandes industriais. Isso eles não toleram. Trabalhar para que todos possam ter, um dia, igualdade de oportunidades, isso essas pessoas não toleram. Elas não toleram! Não toleram que os aeroportos estejam lotados, que os pobres possam viajar de avião. Não toleram porque, durante muitos séculos, esses espaços eram reservados, Senador Garibaldi, apenas para esses poucos que hoje criticam.

            Mas a Presidenta Dilma, com a sua equipe, vai dando rumo ao Governo. E este não é um Governo de quatro meses, como disse a Presidente, mas um Governo de quatro anos. E as coisas vão acontecendo. Este Governo não suprime direitos.

            Mas eu, às vezes, até imagino o que estaríamos discutindo nesta Casa hoje, Senador Paim, segundo o que dizia quem seria o então ministro do candidato que concorreu com a Presidenta Dilma, que precisava tirar o poder de compra do salário mínimo, se esses, provavelmente, estivessem aqui hoje defendendo acabar com o décimo terceiro, com o direito às férias, coisa que, no último governo tucano, foi cogitada e apresentada por aquele governo, essas possibilidades. Mas não. O Governo da Presidenta Dilma é um governo que garante direito, corrige os malfeitos e aponta para o País um conjunto de obras de infraestrutura que prepara o País para um novo momento do desenvolvimento. E isso, para alguns, é intolerável. Pensar o País para o futuro, pensar o País para dar resposta à capacidade de trabalho, de geração de riqueza do povo brasileiro incomoda.

            Mas nós, da Base do Governo, vamos apoiar a Presidenta Dilma e o Governo que está aí, para continuar conduzindo o País no rumo de ser protagonista no mundo. Não é pouco a aprovação do Banco do BRICS, que contraria os interesses norte-americanos e contraria os interesses daqueles que defendem os interesses norte-americanos aqui, porque a construção de um novo polo econômico vai polarizar com a hegemonia econômica dos Estados Unidos.

            Há setores no Brasil que pretendem é que o Brasil se desestruture, que o Brasil quebre, que o Brasil não avance, para que ele não tenha condição de permanecer no BRICS e, desta forma, tentar destruir o BRICS, que vai polarizar contra os interesses neoliberais, capitaneados, principalmente, pelos Estados Unidos.

            Hoje, a Presidenta Dilma, ousada, disse que, apesar das dificuldades, apesar de ainda não termos superado todos os problemas, mas nós precisamos superar os problemas e desenvolver o País. Nós precisamos superar os problemas e preparar o País para o novo ciclo de desenvolvimento. E virão outros programas de investimentos, para a área de energia, para petróleo, gás e energia. Virão outros programas, outros programas de investimento, para continuar o Minha Casa, Minha Vida.

            Há aqueles que pensam ou que dizem, por desconhecimento, por ignorância ou por má-fé, que o Programa Minha Casa, Minha Vida acabou, que está parado; está mentindo para si e para a sociedade brasileira, porque o Governo tem o comando.

            Quem rege o Governo é a Presidenta Dilma. Aí, não dá para vir aqui e dizer “Não, a Presidenta tercerizou o Governo”.

            Isso só na cabeça de quem defende terceirização mesmo, porque aqueles que compreendem, conhecem a competência e as qualidades da Presidenta Dilma sabem que ela tem o comando e que articula junto com o Vice-Presidente da República a base de apoio de para tocar o desenvolvimento brasileiro.

            Não me tinha inscrito hoje, Senador Paim, para falar dessas coisas, mas fui provocado e quis responder. Temo que os doze minutos que me restam não sejam suficientes para falar sobre o tema para o qual me inscrevi hoje, a terceirização, o tal 4330 na Câmara e 30 aqui no Senado.

            Mas Srªs e Srs. Senadores, a tecnologia, a ciência, a produção material e tudo que diz respeito à atividade humana sobre a terra tem no trabalho sua raiz mais profunda. A centralidade do trabalho determinou nossa sociedade e modo de vida. Assim é que o trabalho modelou nossa cultura e nossa economia, ditou um dado percurso daquilo que chamamos progresso. Com o trabalho, matamos nossa fome, vestimos nossos corpos, construímos nossos abrigos e mantemos nossas famílias, mas ele também permite que a sociedade humana possa extrapolar esse conjunto de necessidades mais imediatas. Não se trata apenas de construirmos um índice ótimo de riqueza material, mas também de construirmos índices que permitam a existência da arte e da matemática. Além disso, trabalho pressupõe lazer, como sua necessária contrapartida.

            O vínculo do trabalho com a escravidão é histórico. Encontramos, com variações, nas mais diversas culturas, o emprego de mão de obra escrava. Os gregos, inventores da ocidentalidade e da razão que utilizamos, foram escravocratas. As pessoas capturadas faziam parte do butim de guerra. A escravidão era algo, em princípio, não questionado.

            A guerra, pai de todas as coisas, na dicção de Heráclito [c. 535 a.C. - c. 475 a.C], fornecia mão de obra escrava ao vencedor. Somente 2,5 mil anos depois do filósofo, o dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht [1898 - 1956] nos pergunta, em um poema: "quem construiu a Tebas de sete portas? Nos livros vêm os nomes dos reis, mas foram os reis que carregaram as pedras? No dia em que ficou pronta a Muralha da China, onde foram seus pedreiros?".

            Sr. Presidente, a crônica transformou todos esses trabalhadores em anônimos. Seu trabalho desapareceu magicamente nos escaninhos do tempo. A nossa leitura da história ainda é muito restrita, e pouco sabemos das vidas privadas ou das mentalidades de tais personagens, embora a impressão que nos domine seja a de apagamento dos papéis "menores" da história.

            O poeta José Chagas [1924 - 2014] tem dois versos seminais que dizem: "Se o que nos consome fosse apenas fome / cantaria o pão". Interpreto esses versos como a necessidade íntima que todos temos de ultrapassar a fome mais elementar que sentimos. Vou me consumindo por não saber responder, com a certeza que gostaria de ter, se o trabalho dignifica ou avilta o homem. Ao mesmo tempo reconheço que "cantar o pão" ainda é uma necessidade maior, fisiológica. A fome física nos consome tanto quanto a fome de justiça, e o trabalho mantêm-se numa zona de claro-escuro: dignifica uns, avilta outros.

            Srªs e Srs. Senadores, um marco para entendermos o trabalho na nossa cultura está na primeira Revolução Industrial. O avanço do mercantilismo e a criação de mercados internacionais, num contexto colonialista, implicam mudanças de escala na produção. Além desse fato, por si só preocupante, a Revolução Industrial começou a explorar o trabalho humano ininterruptamente, pouco importando se era trabalho de homens, de mulheres ou de crianças. Também pouco importando a duração da jornada de trabalho, que frequentemente ultrapassava 16 horas/dia.

            A Revolução Industrial, que começou na Inglaterra e depois se espalhou pelo mundo, retomou a escravidão sob uma nova perspectiva e um novo conceito. Tolstói, o grande autor russo, chamou-a de escravidão branca. Seus grilhões são invisíveis, mas bastante funcionais. Entre seus elementos básicos contam-se os baixos salários, a jornada extenuante e os acidentes de trabalho, além do sentido genérico da precariedade que perpassa toda a época pós-Revolução Industrial, atingindo, em cheio, a contemporaneidade.

            Sr. Presidente, imagine como não foi árduo conquistar direitos trabalhistas nesse velho cenário. No entanto, eles foram reivindicados e, paulatinamente, foram sendo incorporados à esfera de ganhos legais dos trabalhadores. A própria ideia de trabalho veio mudando. O mundo passou a olhar para o trabalho fabril, algo totalmente diverso da produção artesanal, ou da agricultura, ou da pecuária então praticadas.

            O trabalho trouxe algo ainda mais importante, a multiplicação das horas trabalhadas. Em um dia de 24 horas, bastam três trabalhadores em regime de oito horas para completar o dia de trabalho. Se forem 50 milhões de trabalhadores formais, caso similar ao do Brasil de hoje, em um único dia, 24 horas, são trabalhadas 1,2 bilhão de horas. Esse número equivale a mais de 135 mil anos embutidos em um único dia.

            É impressionante pensar no poder do trabalho, o poder que atua alongando o tempo, alterando radicalmente a face do Planeta. Resta lembrar que hoje, no Brasil, 25% desses empregos formais são ocupados por contratos de empresas terceirizadas.

            Não é, portanto, à toa que o trabalho é fundamento constitucional. Seu poder transformador é imenso. O artigo 1º da Constituição Federal o caracteriza como possuindo valor social, ombreado à dignidade da pessoa humana.

            Ele se reveste de um valor intrínseco e é um direito social, no art. 6º da Constituição Federal. A Constituição Federal também reconhece um sem-número de ganhos específicos, entre os quais a igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso.

            Hoje, aqui no Senado, recebemos para um debate público, com o intuito de compartilhar nossas inquietações e para pensar soluções, sindicalistas, empresários, procuradores, juízes. O debate, pleno de mediações, foi sobre o famigerado projeto de terceirização. Não queremos nem devemos aprovar projetos de tal magnitude a toque de caixa. Consultemos também a sociedade civil.

            O viés da globalização é, sem dúvida, um dos assuntos da pauta de discussões que o Senado Federal debaterá nesse tema. Dentro do cenário econômico mundial, como entender a questão chinesa ou asiática, lato sensu, do trabalho? A organização do trabalho em alguns países sinoasiáticos se assemelha, para nosso ponto de vista social e para nossa legislação, à escravidão branca. A quase total ausência de direitos trabalhistas para a remuneração nesses países tem sido vetor de deslocamento da produção de escala para essas áreas de fronteiras desguarnecidas. Mas isso não pode, de maneira alguma, levar-nos a transigir em defesa dos direitos dos trabalhadores. Podemos e faremos valer outros diferenciais para a atração de investimentos.

            Sr. Presidente José Medeiros, o trabalhismo brasileiro joga suas raízes no populismo de Getúlio Vargas, que reconheceu os direitos dos trabalhadores e elaborou regras benéficas para os trabalhadores brasileiros. Nossas leis trabalhistas são favoráveis aos trabalhadores, mas, ainda assim, sabemos da instabilidade pela qual passa o trabalhador brasileiro. Ele permanece, se não for terceirizado, menos de seis anos no mesmo emprego. Esse número cai para 2,7 anos para o terceirizado. Pergunto se queremos piorar ainda mais esses números. Já vivemos na precariedade, meus amigos e amigas.

            Não é possível aceitar a imposição de um projeto que relativize completamente o trabalho e a vida dos nossos trabalhadores. Tenho certeza de que todo trabalhador brasileiro deseja viver com dignidade. Como consegui-lo? Espero que, na tramitação do projeto, aqui no Senado, possamos apontar soluções adequadas para tal questão.

            Nossa defesa do trabalhador terceirizado deve ser intransigente.

(Soa a campainha.)

            O SR. DONIZETI NOGUEIRA (Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Certamente não é aproximando as condições brasileiras de produção das condições asiáticas de produção que resolveremos os problemas da economia brasileira. Há outras questões que subjazem ao crescimento, como a questão tributária, que torna a concorrência, por parte do mercado brasileiro, menos justa.

            Para terminar, os empregados de empresas prestadoras, terceirizados, trabalham até três horas semanais a mais do que os trabalhadores contratados diretamente. Nessas empresas, o calote não é incomum. As empresas que oferecem serviços de terceirização não passam por controle rigoroso, e frequentemente ouvimos falar de empresas que faliram, que simplesmente desapareceram, sem pagar as verbas rescisórias, por exemplo.

            Por fim, a apropriação do trabalho no modelo escolhido de terceirização do PLC n° 30, de 2015, é mais uma afronta ao trabalhador brasileiro. Se precisamos melhorar o desempenho econômico do País, então que as políticas públicas visem outros caminhos. Não é possível retirar direitos dos trabalhadores, terceirizados ou não, direitos assegurados por cláusulas pétreas em nossa Constituição.

            Finalmente, quero agradecer pela oportunidade e dizer que esse debate da terceirização, até hoje, não sei a quem interessa. Penso que ele desconstrói a cultura das empresas, penso que ele precariza as condições de trabalho e penso...

(Soa a campainha.)

            O SR. DONIZETI NOGUEIRA (Bloco Apoio Governo/PT - TO) - ... que ele vai baixar a qualidade da produção brasileira, com essa questão da terceirização.

            Obrigado, e uma boa noite aos Senadores e Senadoras.

 

            


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/06/2015 - Página 234