Comunicação inadiável durante a 89ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Manifestação contrária à redução da maioridade penal.

Autor
Fátima Bezerra (PT - Partido dos Trabalhadores/RN)
Nome completo: Maria de Fátima Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Comunicação inadiável
Resumo por assunto
CONSTITUIÇÃO:
  • Manifestação contrária à redução da maioridade penal.
Publicação
Publicação no DSF de 03/06/2015 - Página 582
Assunto
Outros > CONSTITUIÇÃO
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, EDUARDO CUNHA, PRESIDENTE, CAMARA DOS DEPUTADOS, MOTIVO, POSSIBILIDADE, APROVAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, REDUÇÃO, MAIORIDADE, IMPUTABILIDADE PENAL, CUMPRIMENTO, DIREITOS, PREVISÃO, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, OBJETIVO, DELINQUENCIA JUVENIL.

            A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão da oradora.) - Que bonito, Senador Telmário!

            Senador Telmário, Senadora Vanessa, ouvintes da Rádio Senado, telespectadores da TV Senado, é exatamente disso que o Brasil precisa - não é, Vanessa? O Brasil precisa firmar direitos, universalizar direitos e, exatamente, corrigir injustiças, como foi feito hoje com a sanção pela Presidente Dilma da lei que traz finalmente a isonomia de direitos para os trabalhadores e as trabalhadoras domésticas do nosso País.

            Portanto, o Brasil não precisa ir na contramão da história e, por exemplo, enveredar pelo rumo da questão da redução da maioridade penal. E esse é exatamente o tema, Senador Telmário, da minha reflexão nesta tarde em que ocupo a tribuna do Senado mais uma vez.

            No último fim de semana, mais uma ameaça, mais uma investida contra os direitos humanos em nosso País foi feita. Refiro-me, exatamente, à fala do Presidente da Câmara, Deputado Eduardo Cunha, quando a imprensa noticiou, nesse final de semana, que ele destacou que, após a conclusão da reforma política... Aliás, reforma política, não! Porque o que está sendo aprovado na Câmara dos Deputados é uma contrarreforma, mas isso será objeto de um pronunciamento nosso em outra ocasião.

            Mas o que eu quero aqui colocar é que o Deputado Eduardo Cunha disse que, após a conclusão da reforma política, colocará para a votação em plenário, até final deste mês, a PEC 17.193, que prevê a redução da maioridade penal no País, de 18 anos para 16 anos.

            O Presidente da Câmara também propõe que a sugestão passe por um referendo a ser feito junto com as eleições municipais de 2010. É evidente que ele sugere esse referendo, porque, dada ainda a necessidade de maior aprofundamento sobre o tema, dado, inclusive, o aspecto do ponto de vista da comoção que envolve esse tema, acha que a maioria da população é favorável à redução da maioridade penal.

            Ao se pronunciar sobre o mérito da PEC, o Presidente da Câmara fala como se aprovar a alteração da maioridade penal fosse uma questão, inclusive, de derrotar o PT. Meu Deus, isso é um sentimento muito pequeno! Muito pequeno esse sentimento! Até porque os setores mais progressistas deste País, como entidades civis ligadas aos direitos humanos, advogados, magistrados, especialistas e grande parte dos religiosos, o próprio Governo que, por meio de diversos pronunciamentos da Presidenta Dilma, entendem que, se essa alteração for aprovada na PEC, ou seja, a redução da maioridade penal, da idade penal, quem levará um golpe profundo serão os direitos humanos e a juventude deste País, especialmente os jovens pobres, os jovens negros. Exatamente os jovens pobres e os jovens negros que ainda não têm, Sr. Presidente, oportunidade de educação e emprego.

            O Governo anuncia que criou uma comissão de ministros exatamente para estudar uma proposta alternativa à PEC que tramita na Câmara, prevendo mudanças na legislação para penalizar mais severamente adolescentes que cometem crimes contra a vida e os adultos que aliciarem menores para o mundo do crime.

            Então, quero colocar aqui que o Governo, portanto, ao contrário do que defende o Presidente da Câmara, Eduardo Cunha, prefere e defende endurecer a lei para punir adultos que usarem menores de 18 anos em crimes. Volto a dizer: o Governo prefere, corretamente, endurecer a lei para punir adultos que usarem menores de 18 anos em crimes.

            E, nessa direção, o Secretário de Comunicação Social, Edinho, anunciou exatamente a criação de uma comissão de ministros para estudar uma proposta alternativa à PEC que tramita na Câmara.

            Estamos certos de que grande parte das pessoas que defendem a alteração na Constituição assim o faz por acreditar que a mudança reduziria a criminalidade. Consideramos que, se a população tiver acesso às reais informações sobre os índices de criminalidade entre os menores, não será a favor dessa redução. E mais: muitas pessoas desconhecem que a PEC não contribui em nada para reduzir os índices de criminalidade do País.

            Aqueles que defendem a redução da maioridade penal teimam em comparar nossa situação com o restante do mundo, muitas vezes manipulando os dados, inclusive, a seu favor. Ao contrário do que muita gente diz, somos um dos poucos países do mundo que estabelecem a responsabilidade penal antes dos 18 anos. Hoje, somos um dos poucos que fixam o início da responsabilidade juvenil aos 12 anos. A maioria dos países da Europa, por exemplo, só o faz a partir dos 14 anos. Responsabilizar jovens como jovens é uma coisa - e isso, inclusive, já é feito. Agora, punir jovens como se adultos fossem é outra completamente diferente.

            De uma lista de 54 países divulgada pela Unicef, a maioria deles, 70%, adota a idade de responsabilidade penal absoluta apenas aos 18 anos, como é o caso do Brasil. Estados Unidos, Inglaterra e Suíça, que têm previsão legal para punir jovens ou até mesmo crianças como se fossem adultos, são exceções. A maioria dos países age diferentemente até em decorrência das recomendações internacionais de que deve haver um sistema de justiça especializado para julgar, processar e responsabilizar autores de delitos abaixo dos 18 anos.

            Todos os países que reduziram a maioridade penal não registraram redução da violência. Por isso que, inclusive, alguns deles, como, por exemplo, Alemanha e Espanha, que tinham adotado a redução da maioridade penal, já voltaram atrás na decisão de criminalizar menores de 18 anos. Na Alemanha, por exemplo, foi criado um sistema especial para julgar jovens na faixa de 18 a 21 anos.

            E, no que diz respeito aos percentuais de cometimento de crime, será que os defensores da redução da maioridade penal sabem que menos de 1% dos homicídios cometidos no País tem como autores menores de 18 anos? Os dados são do Ministério da Justiça e da Unicef, que também informam que, dos 20 mil adolescentes que cumprem medidas socioeducativas, apenas 11% cumprem pena por assassinato. A maioria, 43,7%, cometeu crimes contra o patrimônio, como furto e roubo. Outros 26,6% estão presos por envolvimento com o tráfico de drogas.

            E, Sr. Presidente, outro dado, aqui, para reflexão, com relação a reincidências, enquanto 70% dos adultos presos voltam a cometer crimes, apenas 20% dos jovens que cumprem medidas socioeducativas infringem novamente a lei.

            O Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, é uma das legislações mais avançadas do mundo, e isso é reconhecido por especialistas, por autoridades no assunto. Ao elaborá-lo, o legislador escolheu privilegiar, através do ECA, medidas socioeducativas com caráter predominantemente educativo e não punitivo, o que não significa, de maneira nenhuma, passar a mão na cabeça ou deixar que impere a impunidade.

            Na verdade, nosso País, o Brasil, já possui uma das menores idades para a responsabilidade juvenil, que é de 12 anos, como já falamos. A partir desta idade, qualquer adolescente é responsabilizado pelo ato cometido contra a lei, e fica sujeito a sanções penais que vão desde prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida até semiliberdade e internação.

            Portanto, o problema não é legislação, não é com o ECA; o problema é dar efetividade ao cumprimento da legislação. É disso que se trata, volto a dizer. Com o Estatuto da Criança e do Adolescente, temos uma das legislações mais avançadas do mundo. Mas é preciso que a lei seja cumprida, porque não adianta termos uma lei baseada na ressocialização, se as unidades socioeducativas estão superlotadas, muitas vezes nos moldes das prisões comuns. Não oferecem atividades esportivas nem medidas de reinserção na sociedade, há carência de funcionários e de acompanhamento familiar, entre outras dificuldades. Infelizmente, este é o quadro que temos nas chamadas unidades socioeducativas pelo País afora.

            Não temos que endurecer a lei, mas cumpri-la! O que precisamos é encontrar formas de implementar plenamente direitos de educação, saúde e outros, previstos no ECA e na Constituição. A sociedade não está fazendo o seu trabalho: é negligente com a educação de seus jovens e, depois, quer resolver problemas sociais com punição, botando na cadeia.

            E o Legislativo, que tem o dever de elaborar leis em prol da sociedade, lança uma proposta de encarcerar nossos meninos e meninas longe de nossas vistas, como se o adolescente infrator brotasse espontaneamente em nossa sociedade.

            Não podemos ser cínicos, senhoras e senhores. Todos sabemos que os adolescentes são cooptados para o crime por adultos, porque esses adolescentes, que deveriam estar protegidos pela sociedade, estão soltos por aí. O adolescente infrator é fruto de um estado de injustiça social que gera e agrava a pobreza, em que sobrevive grande parte da população - índices que nosso Governo do PT e aliados, aos poucos, está conseguindo reverter.

            Os jovens precisam é de mais atenção, oportunidade, proteção e formas de integração à sociedade. Se forem colocados na prisão com adultos, serão violentados, entrarão em contato direto com os mais perigosos criminosos, aprenderão técnicas criminosas muito bem elaboradas e sairão dali, ainda jovens muitas vezes, mas não nos iludamos, sairão com Ph.D. na criminalidade, em vez de prontos para serem reinseridos na sociedade.

            Puni-los com o encarceramento é negar a eles a chance de se tornarem cidadãos conscientes de seus deveres e direitos.

            No mundo todo, ações no campo da educação têm-se mostrado muito mais positivas do que o simples aprisionamento.

            Portanto, senhoras e senhores, o que os jovens precisam é de escolas de tempo integral e não de prisões para se escolarizarem no mundo do crime. Vou repetir: o que os jovens precisam é de escola, escola de boa qualidade, escola inclusive em tempo integral, e não de prisões para se escolarizarem no mundo do crime.

            Ao invés de estarmos discutindo, aqui, punições, deveríamos estar discutindo formas de manter nossos meninos e meninas longe da criminalidade.

            Então, Sr. Presidente, é essa a reflexão que faço na tarde de hoje, mais uma vez chamando a atenção do Senado Federal e dos que nos ouvem e nos assistem neste exato momento para a necessidade que a sociedade tem, Senador Telmário, de estar mobilizada, vigilante.

            A escalada conservadora em curso no nosso País, capitaneada pelo Presidente da Câmara, continua em marcha.

            A reforma política, que nós estamos acompanhando, é um absurdo! É uma reforma política que está se constituindo em uma verdadeira contrarreforma, porque, na verdade, o que foi aprovado até o presente momento, na Câmara dos Deputados, não vai em direção, em nenhum momento, de corrigir os erros e as distorções.

            A Câmara já aprovou a terceirização, liberando para todas as atividades-fim, matéria essa que está no Senado e que nós, se Deus quiser, vamos derrotar, vamos corrigir. Agora, insiste, exatamente, no tema da redução da maioridade penal, ou seja, é a agenda conservadora em curso.

            Daí a necessidade, repito, de a gente estar aqui mobilizado, fazendo o bom debate, a boa discussão do Senado Federal com o envolvimento da sociedade. É muito importante que a sociedade venha para dentro do Congresso Nacional, para que o Senado, ouvindo as vozes da sociedade, possa deter essa marcha conservadora em curso neste exato momento, inclusive agora, quando ele diz que quer colocar a PEC da redução da maioridade penal.

            Somos contra por tudo aquilo que já acabamos de falar, porque não é disso que os nossos jovens precisam. Os nossos jovens precisam de oportunidade de emprego, de educação e de cultura. É disso que os nossos jovens precisam e a que têm direito.

            Muito obrigada.

            O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Senadora, só complementando a fala de V. Exª, não diria nem que era uma agenda conservadora, mas uma agenda demagoga, porque o que me parece é que aquilo que a sociedade está querendo e que não prejudica o Parlamento se bota em votação para fazer plateia, porque, se forem consultar a população, ela quer que se fechem as duas Casas.

            A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - É verdade.

            O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - A primeira coisa que eles querem é isso. Agora, quanto à questão da menoridade, V. Exª fez uma boa explanação, e eu queria só acrescentar dados.

            Não se vai diminuir a criminalidade. A população está aflita e sente hoje a violência na rua.

            A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Claro.

            O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Quando uma pessoa é morta por um jovem ou perde a vida por meio do jovem, a mídia faz um alarde danado, é muito bom divulgar isso...

            A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Há toda uma comoção.

            O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Mas diariamente... Sabe quantas pessoas morrem pelo Brasil, por ano? Cinquenta e seis mil. Dessas, 53% são jovens; desses jovens, 77% são negros.

            A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - É verdade.

            O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Desses 53%, 93% são do sexo masculino.

            Então, bem disse V. Exª: antes de discutir a menoridade, vamos embora dar condições a ele primeiro: vamos dar casa, emprego, um trabalho social com dignidade, uma vida com dignidade. Vamos dar segurança, escola. Vamos “oportunizar”, como é “oportunizado” o filho do rico. Aí sim, se a pessoa praticar, é por índole. Aí o índice é muito baixo, é baixíssimo.

            Dessas pessoas que vão hoje para essas casas de recuperação, só 20% voltam a ser reincidentes; dos que vão para uma cadeia, para uma casa de detenção, 70% voltam à criminalidade.

            Então, como bem disse V. Exª, é pegar o jovem que ainda é vítima do próprio sistema, para quem o próprio Estado ficou de costas - quando digo Estado, refiro-me ao Município, ao Estado ou à Federação. O Estado ficou de costas para esse jovem quanto aos serviços públicos de qualidade, que não houve, e essa pessoa vai para uma sala fria, fazer um curso na escola do diabo, porque o que vemos ali são procedimentos. Se o cara chega lá com uma especialidade, como muito bem classificou V. Exª, sai Ph.D. em diversas especialidades.

            A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Saem Ph.D.

            O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Em diversas especialidades.

            A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Com certeza.

            O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Em diversas especialidades.

            A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Com certeza.

            O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Se ele chegou lá porque arrombou uma porta, sai de lá sabendo arrombar um cofre. Se chegou lá porque roubou uma galinha, sai como um bocado de político pilantra, roubando a Petrobras. E esses não vão para a cadeira. Esses não vão para a cadeia. Quem vai para a cadeia é o pobre!

            A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Com certeza, Senador Telmário.

            O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Na hora em que eu ver os políticos que roubaram a Petrobras e que roubaram outro setor lá na cadeia, aí vamos colocar os nossos jovens.

            A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Com certeza, Senador.

            Só para concluir, o que os nossos jovens precisam é de escolas da vida e não de escolas do crime - escolas da vida, aqui, entendidas como escolas com professores bem remunerados, valorizados, com boas condições de trabalho, como escolas sintonizadas com o mundo contemporâneo de hoje, de banda larga, de acesso à internet. É dessa escola da vida que os nossos jovens precisam. Daí a nossa luta incansável em defesa da educação, inclusive pela realização das metas do novo Plano Nacional da Educação, e não para colocar, como bem disse V. Exª agora, nossos jovens nas escolas do crime. Jogá-los nas prisões por este Brasil afora, da forma como essas prisões se encontram hoje, é jogá-los na chamada escola do crime. E uma legislação dessa natureza, como a PEC 177, que propõe a redução da maioridade da idade penal, em nada vai contribuir; muito pelo contrário, ela vai agravar! O Senado e a Câmara têm que debater os grandes temas, a começar por uma reforma política - não o que está sendo feito -, para depois ingressar na reforma tributária, no Pacto Federativo, na democratização da comunicação etc.

            É isso, Senador.

            Muito obrigada.

            E o nosso papel aqui é este: é resistir, é lutar. Com o apoio e com o envolvimento da sociedade, eu tenho muita crença, mais do que crença, mais do que fé, mais do que esperança, eu tenho muita confiança, Senadora Vanessa, de que nós vamos barrar essa agenda conservadora!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/06/2015 - Página 582