Discurso durante a 91ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas ao atual modelo do sistema penitenciário nacional; e outro assunto.

Autor
Ana Amélia (PP - Progressistas/RS)
Nome completo: Ana Amélia de Lemos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL:
  • Críticas ao atual modelo do sistema penitenciário nacional; e outro assunto.
Aparteantes
Flexa Ribeiro, Magno Malta.
Publicação
Publicação no DSF de 09/06/2015 - Página 76
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL
Indexação
  • CRITICA, MODELO, SISTEMA PENITENCIARIO, PAIS, ENFASE, LOTAÇÃO, EXCEDENTE, PRESIDIO, AUSENCIA, INVESTIMENTO, RECURSOS PUBLICOS, OBJETIVO, RECUPERAÇÃO, DETENTO, DEFESA, NECESSIDADE, MELHORAMENTO, SEGURANÇA PUBLICA, ALTERAÇÃO, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, REFERENCIA, AUMENTO, TEMPO, RECLUSÃO, CRIANÇA, ADOLESCENTE, RESPONSABILIDADE, CRIME HEDIONDO.

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Apoio Governo/PP - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Caro Senador José Medeiros, que preside esta sessão, há pouco, a Senadora Gleisi Hoffmann tratou da questão relacionada a um tema que tem tudo a ver com o que estamos discutindo aqui que é a questão da redução da maioridade penal, tema que a Casa vai ter de enfrentar. E é uma situação extremamente grave, porque o nosso sistema prisional, reconheço, faliu, e as penitenciárias brasileiras não têm condição da chamada ressocialização dos apenados. Ao contrário, nosso sistema penitenciário, por ter fracassado em todos os sentidos, hoje está simplesmente formando, pós-graduando os criminosos.

            Lembro até que, no mês de março, o Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, esteve, a convite da Ajuris, na capital gaúcha, falando sobre o sistema prisional. E, além de lembrar o que nós todos falamos, da falta de investimento histórica no sistema prisional, também se referiu ao mau uso dos recursos pelos gestores públicos. Segundo ele, há retidos, no Fundo Penitenciário Nacional, quase R$2 bilhões não aplicados - não aplicados! -, o que poderia reduzir sensivelmente o déficit nas vagas e até garantir a melhoria do tratamento, das condições desses presídios.

            A frase é do Ministro Gilmar Mendes: “É mais fácil ganhar na loteria do que receber liberação de verbas para construir presídio”, ironizou o Ministro Gilmar Mendes.

            A burocracia criada é tão grande que, no Estado do Paraná, se travou, se impediu a execução do projeto de construção de uma nova casa prisional pelo desacordo na elaboração de vagas para o estacionamento de veículos.

            Senador, isso é o suprassumo da falta de compromisso com o interesse nacional, com o interesse da sociedade brasileira. Um total descompromisso com o dinheiro público, com a falta de planejamento, com a falta de competência numa área absolutamente sensível e prioritária, que diz respeito à segurança pública em nosso País. Por conta de um desacordo em relação ao estacionamento. Ainda se fosse um desacordo pelas condições do tamanho de uma cela, pela falta de iluminação, pela falta do banho, pela falta das condições humanas de um presídio, tudo bem. Não, do estacionamento, Senador Magno Malta. Quer dizer, é muita vontade de não fazer as coisas, de não resolver.

            No caso específico da redução da maioridade penal, reconheço também que o sistema prisional brasileiro está falido. Em Porto Alegre, temos um presídio, o Presídio Central, que já foi condenado por órgãos internacionais de direitos humanos. O Presídio Central tinha que ser implodido, mudado de lugar e construída uma nova penitenciária.

            Agora estamos vivendo uma situação em que o dinheiro fica retido, não é aplicado. Quase R$2 bilhões aplicados, contingenciados. Dinheiro do Fundo Penitenciário Nacional, contingenciado. Não é aplicado o dinheiro que deveria ir para isso.

            Então, o que acontece? Superlotação. Recentemente, uma pesquisa demonstrou: superlotação. E o aumento da população carcerária em nosso País. Um aumento violento nos últimos anos.

            Ainda assim, há um número expressivo de criminosos andando pelas ruas, um número muito grande, Senador José Medeiros. E ainda nem cheguei à redução da maioridade penal.

            A Senadora Gleisi Hoffmann abordou aqui a questão da possibilidade que teremos de mudar o ECA, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Então, estamos em uma situação absolutamente muito complicada.

            O gestor público, como não vai resolver o problema da situação de destruição e falência do sistema prisional, não pode aprovar a redução da maioridade porque não há lugar para deixar esse menor que irá, pela lei, se for mudada, para uma cadeia, onde estão os presidiários hoje.

            Então, nós estamos em uma situação muito complicada, em um verdadeiro impasse. A Câmara está propondo também um referendo popular, para 2016 ou 2018, para tratar do assunto. Mudar o ECA é uma alternativa paliativa.

            Eu quero dizer também que quem mata alguém cometeu um crime, e a privação da liberdade do criminoso é a penalidade que ele precisa receber por ter cometido um crime. Tirou a vida de uma pessoa! Só Deus pode tirar a vida de uma pessoa, Senador Magno Malta. Só Deus! Nenhum de nós! A não ser, claro, como diz nosso Código Penal, em legítima defesa. Se alguém tentar me matar, eu tenho o direito de me defender.

            Mas eu vou lhe dizer, Senador: hoje, no Brasil, o apenado tem uma série de benefícios e vantagens. Ele tem uma bolsa que recebe, se é contribuinte da Previdência. Até aí está dentro da lei, contribuiu para a Previdência e vai receber. Mas o Brasil é o único País do mundo, Senador, em que o presidiário, o criminoso pode sair quatro vezes por ano da cadeia. E escolhe o dia em que pode sair, como no Dia das Mães e no Natal. É o famoso “saidão”. Quatro vezes por ano, Senador. Sabe o que é isso?

            O Sr. Magno Malta (Bloco União e Força/PR - ES) - V. Exª me concede um aparte, Senadora?

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Apoio Governo/PP - RS) - Concedo o aparte ao Senador Magno Malta.

            O Sr. Magno Malta (Bloco União e Força/PR - ES) - Eu ia falar da redução, mas pego essa parte de “único País do mundo.” Essa bolsa é eleitoreira, como todas as bolsas que eles criaram: bolsa presídio, bolsa prostituta, bolsa isso, bolsa aquilo, com a intenção tão somente de segurar essas pessoas para o quê? Garanti-las dentro de um processo eleitoral, razão pela qual este País está falido, com sua economia combalida, absolutamente desmoralizada e em queda livre. Qualquer esforço que se faça não vai barrar a queda livre deste País. V. Exª está correta. V. Exª faz a análise de que nosso sistema prisional está falido. Claro! Está falido há muito tempo. Presídios inchados, cadeias inchadas, onde devia haver quatro há quarenta; onde devia haver 40 há 140. Existem presidiários dormindo como coruja e como morcego, de cabeça para baixo, porque não há lugar. Está falido. Mas veja, quando queremos fazer com que alguma coisa dê certo, temos que fazer um piloto. Não é o suprassumo, mas o sistema prisional que deu certo no mundo hoje é o da Itália. Um indivíduo entra e na sua ficha é anotado com um lápis, para que se possa apagar no dia da sua saída, a hora em que entrou. Assim, fica marcado a hora em que vai sair daqui a 17 anos, 20 anos, 8 anos, 4 anos, 3 anos, etc. Lá dentro, esse indivíduo trabalha e recebe um salário. Parte desse salário vai servir para ressarcir a vítima, outra parte vai ressarcir o Estado e o restante vai sustentá-lo. Não existe rebelião, porque o indivíduo não é esquecido lá dentro, já que sabe o dia e a hora em que vai sair. E por que não temos isto? Por falta de dinheiro é que não é. Ninguém pode dizer isso a um povo que está vendo o derrame do dinheiro da Petrobras indo pelo ralo; ninguém pode falar isso a um povo que está vendo que o nosso dinheiro foi aplicado em Cuba e que o BNDES foi estuprado; há o desvio nos fundos de pensão, enfim, não dá para falar isso ao povo. Falo da redução da maioridade penal desde que presidi a CPI do Narcotráfico quando ainda era Deputado Federal. Vim para esta Casa e me senti como João Batista, uma voz que clama no deserto, falando sozinho, ninguém me dava atenção, ninguém me aparteava. Em 2003, fiz a PEC Liana Friedenbach e propus para 13 anos, porque achei que faríamos um grande debate no Brasil. E foi uma loucura falar em 13 anos. Mas o Presidente Lula era muito forte, tinha uma base muito forte e a ordem foi botar na gaveta. Colocaram e nunca mais se discutiu isso. Depois, voltou-se à discussão e todo mundo começou a falar. Entrou, então, a PEC do Senador Aloysio Nunes, que pretendia reduzir de 18 para 16 anos. Eu voto com ele, mas não concordo. Já tive 16 anos, já tive 18 anos. Há 35 anos eu tiro drogados das ruas. Conheço os dois lados do balcão. Tenho na minha instituição menino de oito anos que é alcoólatra, menino de 12 que é cheirador de cocaína, de 13 anos que é dono de boca, de 14, de 15. Enfim, conheço tudo isso, conheço os dois lados, não estou jogando conversa fora. Reduzir de 18 para 16 anos é tentar passar mel na boca da sociedade, uma sociedade que está sofrendo, chorando lá fora e pedindo uma solução da classe política. Venho estudando isso e cheguei à conclusão de que não precisamos tratar com faixa etária. A proposta é a seguinte - e V. Exª acabou de dizer -: cometeu um crime de natureza hedionda... Porque existe um elenco de crimes que não é hediondo. Devemos separar o que não é hediondo do que é hediondo. Por exemplo, um menino rouba um telefone. Ele é perfeitamente recuperável. No entanto, esse menino vai para dentro da Fundação Casa, Febem, Iesbem, seja qual for o nome, e fica junto com aquele que é estuprador com 16, 17 anos, que mata e sequestra. Pois bem, esse menino que roubou o telefone, para não morrer no sistema, fica igual àquele que é estuprador. A escola do crime no Brasil não é a penitenciária. Na penitenciária ninguém tem nada para aprender ou para ensinar. Transitou e julgou. A escola do crime é a Febem, é a Iebem. No meu Estado, chama-se Iases. No seu Estado não sei como se chama.

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Apoio Governo/PP - RS) - Fase.

            O Sr. Magno Malta (Bloco União e Força/PR - ES) - Esse meio é a escola do crime. Ali, viram bandidos qualificados, de alta tecnologia e periculosidade. Tanto que, hoje, mais de 50% dos presos nos presídios do Brasil, começaram aos 14 ou 15 anos e se especializaram aí, começaram a passar pelo sistema prisional aí. Depois, foram para a penitenciária quando fizeram 18, 19 anos de idade. A minha proposta o Parlamento não pode discutir sozinho. A minha proposta tem de envolver o Executivo e o Judiciário, porque temos de mudar um sistema. Cometeu crime de natureza hedionda, perca-se a menoridade e seja colocado na maioridade para pagar as penas da lei. Com que idade, nada. Uma criança de cinco anos, de quatro ou de três, não pega em uma escopeta e mata alguém. Ele pega em mamadeira, em chupeta, mas não em um revólver 38. Quem comete um crime de natureza hedionda vai ter de pagar. Mas como? Manda para a penitenciária? Não. O sistema está falido. E não é porque está falido, não é para mandar para lá mesmo. Manda para a cadeia pública? Não manda porque está falido o sistema? Não, não é porque está falido, é que não é para mandar mesmo. Manda para onde? Primeiro, vamos acabar com Febem, com Iebem, com Iases, com Fundação Casa. Vamos acabar com tudo isso, que é escola do crime. E agora, Senador? O que se faz? A proposta de juntar os três Poderes é para isto: vamos criar um piloto. O Estado fica obrigado a construir centros de ressocialização para a formação de campeões em esportes de alto rendimento para o País. Você retira a escopeta da mão, o 38. Se o menor cometer um crime hediondo, ele não vai para o sistema, ele não vai morrer na rua, não vai ser assassinado dentro do presídio. Ele vai para esse centro de ressocialização, onde vai pagar a pena e se tornar um atleta de alto rendimento. Primeiro, porque temos vocação para o esporte. Eu convivo com essas pessoas já há 35 anos e sei da vocação deles para o esporte. Nós temos mão-de-obra qualificada no Exército, na Marinha e na Aeronáutica em função das Olimpíadas das Forças Armadas. Temos atletas de alto rendimento no vôlei, na natação, no jiu-jitsu, no boxe, no basquete, em tudo. Vamos criar um piloto. Ora, gastamos R$2 bilhões em estádios. Era para gastar R$700 milhões em estádios no Brasil onde nem futebol existe. Como não há dinheiro para fazer um piloto como esse e começar um trabalho? O mundo vai passar a nos copiar. Vão dizer: “O Brasil descobriu a roda. O menino comete um crime hediondo, paga a sua pena e eles devolvem um atleta para a sociedade!”. Esse menino, que um dia fez a sociedade chorar, agora faz a sociedade sorrir com medalhas no peito. Vamos ressocializá-los. Essa proposta é cristã, é inclusiva, é social, não mata, não exclui e forma um atleta. Ora, por que não discutimos isso juntos? Eu tenho pedido aos Líderes de partido: “Deixem-me falar com o seu partido, com a sua bancada”. Eles fecham a porta! Nós estamos diante de um Governo que diz: “Não. Somos contra ideologicamente”. Parabéns, é uma posição de vocês, mas qual é a saída? “Não, somos contra.” Sim, parabéns, mas qual é a solução? Vocês são governo. “Não, somos contra ideologicamente.” Sim, parabéns, mas qual é a saída? “Não, somos contra.” E daí? E o povo está chorando, clamando, sangrando nas ruas, pedindo socorro: “Nós votamos em vocês. Estão nos matando, destruindo!”. São órfãos de pessoas assassinadas, empresários pobres e ricos assassinados nas ruas, e nós estamos aqui, calados. Um homem com 17 anos, no Brasil, que estupra, mata e sequestra, quando a televisão vem - ele estuprou, atirou na cabeça de uma criança -, tem que colocar tarja no rosto porque ele é criança. Mamãe, me acode! Mamãe, me acode! Só falta eu ver chover para cima, porque tudo eu já vi, então. Tudo eu já vi, então. Então, veja, nós precisamos chamar o Presidente do Supremo e o Presidente do STJ, chamar esta Casa, juntar com o Executivo e dizer: “Vamos fazer um piloto, vamos mudar essa lógica, vamos dar uma resposta para a sociedade”. Agora, como a Câmara está fazendo lá, mudar de 18 para 16... Eu soube, na semana passada, que dois Deputados indicaram meu nome para falar sobre isso na comissão. “Não, nós não queremos ouvir político aqui. Nós só queremos ouvir técnicos.” Eu, há 35 anos, tiro e recupero gente da rua - 85%. Eu não conheço um índice como esse não mão de um técnico. Por quê? Eu estou na vida pública para fazer brincadeira? É claro que não! Reduzir de 18 para 16 é uma piada! É uma piada, é tentar brincar com a sociedade. Quem está na rua, estuprando, tem 14, tem 15, tem 16. Daqui a pouco, vão fazer outra reunião, outra comissão para descer para 14; depois, outra comissão, outra reunião para descer para 13. Então, chegando nesta Casa, nós precisamos tomar isso com seriedade e esquecer sigla partidária, esquecer Governo, oposição. Vamos nos juntar em favor da sociedade. Penso que é isso o que V. Exª está falando, está propondo, pegando a ponta de um aqui, a ponta de outro, juntando ao que V. Exª pensa, para que nós possamos chegar a bom termo. Eu já convidei todo mundo aqui, Senadora Ana Amélia, e ninguém vai. Eu queria que V. Exª conhecesse a minha instituição. Eu tenho um centro de treinamento de MMA. Estou acostumado a tirar o 38 da mão de uma pessoa e fazer dela um atleta. Dá certo, tem saída. Alguma coisa tem que ser feita. Eu disso isso em uma palestra, numa universidade, e uma pessoa que era contra a redução falou: “Mas o que o senhor está propondo é muito difícil”. Amigo, muito difícil? Difícil é o que está aí! Difícil de aguentar é o que está aí. Então, precisamos realmente tomar essa iniciativa. V. Exª me perdoe pelo aparte tão longo, mas é porque sou muito apaixonado pelo tema. É a minha vida, é o ministério que Deus me deu, é o que eu respiro. Só o que eu sei fazer é tirar gente da rua ao longo da minha vida. Isso me chama muito a atenção. Eu não estou aqui para reclamar de sistema prisional. Está inchado mesmo, está inchado mesmo. Já podia ter mudado, mas as autoridades não querem. Eu sei lá, só Deus. Só daqui para frente nós vamos saber o que foi essa Copa, com esses estádios de R$2 bilhões. Já estão dizendo que o negócio chegou no Blatter, e o Blatter fez tantos elogios ao Brasil que já começamos a ter medo, não é, Senador Flexa? Mas eu espero que quem tinha dinheiro para fazer essa lambança toda tenha dinheiro também para mudar o sistema prisional ou, pelo menos, para começar a fazer um piloto dessa natureza, para que possamos dar uma resposta à sociedade. Obrigado.

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Apoio Governo/PP - RS) - Obrigada, Senador Magno Malta. Sempre me lembro disso quando falo sobre esse tema. V. Exª citou o exemplo do sistema penitenciário italiano, que é um regime democrático, europeu, de grande tradição na história do mundo e exemplo importante de um sistema em relação ao preso, ao apenado. Ele cumpre a pena trabalhando, o trabalho dele é remunerado. Então ele tem, sim, a condição da ressocialização.

            Vou lhe dar outro exemplo, Senador. Vou lhe dar o exemplo de um país que não é democrático, Cuba. Eu visitei, por dois dias, uma prisão em Havana - isso há vários anos, em 1985 - com o então Ministro da Justiça, Paulo Brossard e o Secretário Nacional de Política Penitenciária. Eles se interessaram em visitar o presídio e eu também. Claro, não fomos falar com os presos políticos, porque com esses não podíamos ter contato. Eram presos comuns. Aquela prisão, talvez, seja o pavilhão destinado aos turistas ou às visitas. Eu lembrei do meu internato, no Colégio Rainha da Paz, em Lagoa Vermelha: as caminhas branquinhas, com lençoizinhos brancos, todas arrumadas - uma penitenciária masculina! -, as escovas de dente em cima do criado-mudo, que lá na minha terra, no Rio Grande, chamam bidê. Presídios com regime disciplinar comandados pelas autoridades militares de Cuba. O trabalho dos presos cubanos respondia por 82%, à época, do custo da penitenciária. O trabalho pagava a estada deles na prisão. O dinheiro que recebiam era distribuído entre eles e as famílias. Pouco, porém uma remuneração. Os presos eram divididos por habilidades: mecânicos trabalhavam numa oficina mecânica; marceneiros, numa marcenaria; quem entendia de agricultura plantava uma horta para manutenção do presídio.

            Um dia, falei sobre isso no plenário e alguém disse que eu estava elogiando o regime cubano. Não. Eu estava destacando um modelo exemplar de sistema penitenciário prisional.

            Só isso, assim como V. Exª levantou o exemplo muito bom da Itália. É evidente que não vou dizer que o melhor exemplo é o dos Estados Unidos, nas prisões de Guantánamo, com uma bola de ferro no tornozelo do bandido - não necessita disso -, mas nós temos, sim, formas de tratamento. Agora, o apenado ficar dentro de uma cadeia, sem nada para fazer, Senador, sem praticar MMA para, digamos, desaguar todas as suas iras, as suas neuroses ali? O esporte, o trabalho, precisa de tudo isso. E criou-se até uma possibilidade de recuperação para quem tivesse aderido a uma igreja, lá praticasse, fizesse um trabalho religioso dentro da penitenciária, ou a leitura de livros para a redução de pena. Mas nada como o trabalho para recuperar adequadamente um ser humano.

            E concordo com V. Exª: redução da maioridade penal, mudança do Estatuto da Criança e do Adolescente em relação ao crime hediondo. Não importa a idade. Hoje, eu até me surpreendi. Queria cumprimentar o jornalista Cláudio Humberto, porque estava ouvindo a Rádio Bandeirantes, a BandNews de Brasília, e ele falou que essa questão da maioridade deveria ser: “cometeu o crime, especialmente se for hediondo, não tem que ter idade, porque a pessoa sabia o que estava fazendo quando matou.” E, agora, V. Exª vem nessa questão. A questão é o tipo do crime cometido.

            O Sr. Magno Malta (Bloco União e Força/PR - ES) - Para cooperar com V. Exª, o crime não trata com faixa etária. Tem 14 anos e a capacidade de queimar o Tim Lopes no pneu, esse vira o gerente. Quem manda é esse. Então, ele tem lá 50, 60, 40. Esse manda no bairro, manda fechar o comércio, determina luto, com 14, 13 anos. Ora, se o crime não trata com faixa etária, por que nós temos que tratar? Se o menino com 13 anos é o dono da boca e manda na área da escola dele, manda fechar a escola, abrir escola, manda avisar a diretora que não haverá aula, anda de moto, com a escopeta nas costas, nós é que vamos tratar? E, depois, quando um homem desses é preso, tem que botar uma tarja no rosto dele, porque ele não pode ser visto? Olha que coisa absurda! Então, veja: se não trata, por que vamos tratar? Porque o próprio crime já entendeu que, hoje, avançamos tanto. Na minha época, com 13 anos, eu era menino, mas, hoje, com 13 anos, não é menino mais. Um menino de 8, 7, 6 anos toma o celular da mão do pai e desmoraliza o computador. O pai nem sabe mexer naquilo, e o menino descobre coisas que nem imaginávamos que havia lá dentro.

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Apoio Governo/PP - RS) - É verdade.

            O Sr. Magno Malta (Bloco União e Força/PR - ES) - Aí vai me dizer? Ora, quem pega uma arma para matar sabe exatamente o que está fazendo.

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Apoio Governo/PP - RS) - Senador Magno Malta, como estava dizendo, o Brasil é o único país do mundo que tem...

            O Sr. Magno Malta (Bloco União e Força/PR - ES. Fora do microfone.) - O Tim Lopes era seu colega.

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Apoio Governo/PP - RS) - Exato. O Tim Lopes, sim, uma vítima fatal, porque exatamente tratava de informar a sociedade sobre o que acontecia naquelas regiões do Rio de Janeiro.

            Mas eu queria dizer que o Brasil é o único país que dá o privilégio - eu diria um tratamento - para o apenado, que cometeu um crime e, por isso, está preso, de poder sair da cadeia três vezes por ano, em três datas: Dia das Mães, Natal... É o famoso saidão. E quanto a esse preso, em geral, há um retrabalho, porque a polícia, que deveria estar cuidando da segurança, vai ter que buscar esse criminoso que não retorna à cadeia. Ele não retorna. Os índices de não retorno à penitenciária são elevadíssimos, mais de 70%. Então, há um gasto adicional para recuperar, trazer de volta para a cadeia, quando deveriam estar cuidando da segurança.

            O Sr. Flexa Ribeiro (Bloco Oposição/PSDB - PA) - Permita-me um aparte, Senadora Ana Amélia?

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Apoio Governo/PP - RS) - Então, Senador, o meu projeto não tira esse benefício de sair, mas limita. Em vez de quatro, apenas uma saída por ano, mas na condição de que ele seja réu primário e não seja reincidente, não tenha cometido o crime. Ele, que foge, vai ter depois o direito de sair novamente.

            O Senador Pedro Taques, agora Governador de Mato Grosso, foi Relator na Comissão de Constituição e Justiça e aprovou esse projeto. Houve um debate em Osasco, lá em São Paulo, e 90% das pessoas que participaram do programa, na rádio, foram favoráveis a isso. Apenas alguns poucos não concordaram, porque achavam que a saída permitia a ressocialização. Ora, se ele sai dali sem um tostão no bolso, o que ele vai fazer para ter o dinheiro? Assaltar o primeiro que ele enxerga. É isso. Há reincidência do crime. Nós temos, no Rio Grande do Sul, vários casos. No Brasil inteiro, vários casos. Então, simplesmente não está tirando, mas está criando as condições.

            Com muito prazer, concedo o aparte ao Senador Flexa Ribeiro.

            O Sr. Flexa Ribeiro (Bloco Oposição/PSDB - PA) - Primeiro, Senadora Ana Amélia, quero parabenizá-la pelo pronunciamento que V. Exª faz na tarde de hoje. Essa questão do sistema penitenciário brasileiro há muito tempo já deveria ter tido, por parte do Governo Federal, uma atenção e uma ação no sentido de reverter o quadro que está aí. A violência no Brasil, hoje, está em todos os Estados. Não há um Estado que possa servir de exemplo para a Nação. No próprio Rio de Janeiro, o Governo está se achando incapaz de manter as unidades pacificadoras. Era um exemplo que estava dando certo e, de uma hora para outra, a prática da violência voltou a essas áreas onde estão instaladas as unidades pacificadoras. V. Exª tem toda razão quanto ao projeto que propõe, no sentido de que, ao invés de quatro saídas para o apenado, que tenha uma, e, se ele não retornar, não tenha mais nenhuma. Agora, é preciso que haja realmente esse controle. Acredito que essa questão do sistema penitenciário tem que ser uma ação tripartite - União, Estados e Municípios -, os três entes federados agindo em conjunto. Não adianta haver verbas para o sistema penitenciário que não são liberadas, que, como V. Exª colocou, R$2 bilhões para o superávit primário. Tudo é superávit primário, não se pensa em outra coisa. Os estudantes universitários estavam fazendo faculdade pelo programa de financiamento, o Fies, que foi cortado em 50%. O que vai acontecer com esses 50% que foram cortados? Vão deixar de estudar. E a marca do Governo é Brasil, Pátria Educadora. Então, tem que educar e não dizer que vai educar. Acho que o momento tem que ser agora. Talvez o Senado, o Congresso possa ser o mentor da ação no sentido de juntar os três entes para que possam agir. A obrigação é do Estado, o recurso deveria ser transferido pela União, o que não ocorre, e é no Município que acontece o crime. É lá que as pessoas nascem, vivem, e morrem. É preciso pensar, não dá mais para continuar como está. É preciso que haja uma ação para encontrar um caminho. Exemplos há muitos no mundo todo que podemos adaptar - não copiar - para a realidade do nosso País. Fazer um sistema penitenciário, como foi dito aqui, em que o apenado tenha condições de trabalhar, produzir para o seu sustento e o da sua família, e não receber o dinheiro e ficar preso. Às vezes, ele pode até pensar - se não fosse não horroroso como o é: “eu serei preso, terei alimentação garantida, um recurso que me parece ser de R$900,00, que transfiro para minha família. Lá fora, vou ganhar um salário mínimo, menos do que isso, e ainda vou ter que trabalhar.” Essas distorções levaram o Brasil a essa situação lamentável em que se encontra. Parabéns! Trabalharei para o seu projeto e votarei para que ele seja aprovado rapidamente.

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Apoio Governo/PP - RS) - Além desse projeto de limitar a apenas uma saída por ano, Senador Flexa Ribeiro, também sou autora do PLS nº 25, de 2014, que proíbe o contingenciamento do recurso para o Fundo Penitenciário, para ser aplicado, de fato, esse dinheiro. Essa é a situação.

            Hoje, a falência é tão grande que quem manda na cadeia são os criminosos. Eles administram a cadeia. Lá dentro, eles fazem os novos sistemas de crime como o sequestro relâmpago. O ordenamento é de dentro da cadeia, com celulares, com todo o arsenal tecnológico. Quando houve a introdução do RDD (Regime Diferenciado Disciplinar), foi um deus nos acuda, porque o Comando Vermelho e outros comandos de criminosos que determinavam a liderança desses processos acabaram criando até um sistema. Um helicóptero desceu dentro de uma penitenciária de São Paulo. Ficaram famosos esse sistema e esse fato.

            Então, eu queria dizer que, no caso do orçamento federal, o Fundo Penitenciário Nacional tem sido alvo de contingenciamento no Orçamento, e isso prejudica os repasses das verbas que os Estados possam construir ou reformar estabelecimentos penais.

            Nos últimos 13 anos, dos R$4,5 bilhões autorizados no Orçamento da União, pouco mais de um bilhão foi desembolsado. É inaceitável que os recursos de um fundo tão lucrativo quando o do Funpen, com mais da metade das receitas, 63,68% formadas por loterias, sorteios de números de apostas, não sejam disponibilizados para áreas tão importantes como é a área de segurança pública.

            Então, eu queria exatamente reforçar a convicção sobre esse tema, e a questão da maioridade penal...

(Soa a campainha.)

            Senador José Medeiros, estou finalizando, pois fui muito bem auxiliada em dois brilhantes apartes, do Senador Magno Malta e do Senador Flexa Ribeiro. Quero dizer que, no nosso sistema prisional, as políticas equivocados e a falta de uma boa administração de recurso público para a área de segurança não podem ser usadas como desculpa e bode expiatório para retroceder neste tema em que nós precisamos cada vez mais insistir.

            Neste domingo, aliás, o jornal Folha de S.Paulo mostrou claramente que não há dados oficiais confiáveis sobre a participação de jovens em crimes. Isso mostra o completo descaso de muitas autoridades em relação a estes temas: "violência" e "insegurança". Sem dados claros e sem políticas bem definidas, a banalização da violência inevitavelmente aumenta e, com ela, os crimes e a impunidade - aí reside o grande problema - tanto de menores quanto de maiores infratores.

            Os crimes por menores são muitos, ao contrário do afirmado pelo Governo Federal, com base em debate do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, de que os menores cometem apenas 0,5% dos homicídios no Brasil. Por causa da ausência de dados nacionais sobre este relevante tema, a própria Folha de S.Paulo foi obrigada a solicitar a todos os Estados números sobre a violência cometida por menores. Com metodologias variadas, apenas oitos Estados e o Distrito Federal divulgaram as informações referentes ao ano passado.

            Em sete dos Estados consultados, a participação de menores em crimes foi igual ou superior a 10%, enquanto o Governo fala que no geral é zero vírgula alguma coisa, nem 1%. No Ceará, a participação chegou a 31%. No Mato Grosso, seu Estado, o percentual foi menor, 4%. São Paulo e Rio de Janeiro, cidades que costumam ter elevados índices de violência, por suas dimensões, não forneceram dados ao jornal Folha de S.Paulo. Para reforçar o quão preocupante é a situação da violência no País, basta conversarmos com as pessoas nas ruas ou com qualquer amigo que a gente tenha e que já sofreu um assalto.

            Todos os dias, a violência e a falta de segurança fazem parte não apenas das manchetes dos jornais, mas também da rotina das pessoas, independentemente de classe social. Há duas semanas, por exemplo, a adolescente Danielly N. F., de 17 anos, uma das quatro garotas estupradas e espancadas por quatro adolescentes e um adulto, morreu no Hospital de Urgência de Teresina, no Piauí. Depois de estuprada, essa jovem foi arremessada de um morro de uma altura de sete metros. Danielly sofreu lesões no tórax, chegou a ser submetida a uma cirurgia de reconstituição da face, mas não resistiu às complicações. Detalhe importante: todos os menores que participaram desse crime cruel e covarde tinham passagem pela polícia.

            No meu Estado, o Rio Grande do Sul, pelo menos 19 adolescentes fizeram uma monitora da Fundação de Atendimento Socioeducativo - Fase refém entre as 22h de domingo e 1h da manhã de hoje, em Porto Alegre. O caso aconteceu no pavilhão superior do complexo da Fase, na Vila Cruzeiro. Fase é como se chama lá, Senador Magno Malta, no Rio Grande do Sul. O local é destinado para os internos com mais de 18 anos e que foram internados antes de completarem a maioridade. Os adolescentes estavam armados de estoques e paus e exigiam a transferência de um interno para o Presídio Central. Quatro funcionários da Fase ficaram feridos e foram encaminhados ao Hospital de Pronto-Socorro.

            Casos como esses são recorrentes em qualquer cidade do Brasil. Até Municípios de médio porte são hoje vítimas das ameaças trazidas pela insegurança e violência.

            Recebi recentemente a mensagem de um pai aflito, vítima da criminalidade. Eduardo Rodrigues perdeu o único filho, Diego Machado Rodrigues, morto por três criminosos, sem a mínima chance de defesa. Revoltado, o pai pede socorro para que as leis sejam aplicadas com o devido rigor. São famílias massacradas e humilhadas pela violência e pela banalização dos crimes no Brasil. São jovens e crianças perdendo a vida por causa da crescente violência protagonizada não só por menores infratores, mas também por adultos.

            A sociedade está tão cansada e já não sabe aonde bater que, em Novo Hamburgo, nasceu um projeto para acabar, Senador - veja só, é o desespero da sociedade -, como o semiaberto. Qual é o motivo? É porque também esses que são beneficiados pelo semiaberto acabam, nos dias em que saem da prisão, cometendo crimes. Então as pessoas estão querendo até acabar com o semiaberto.

            Não chego a esse ponto, mas é preciso um controle muito maior do funcionamento dos presídios para que a sociedade não fique refém, tendo que ficar presa, cercada por grades, alarmes, cercas, por tudo, dentro de casa, e a cidade entregue para a marginalidade.

            É o grito que a sociedade está dando. Como fazer? Temos que encontrar uma saída, sob pena de aumentar o nosso descrédito por essa sociedade que clama por uma solução.

            Muito obrigada, Sr. Presidente. Obrigada aos Senadores pelos apartes.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/06/2015 - Página 76