Pronunciamento de Benedito de Lira em 18/06/2015
Pela Liderança durante a 101ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Pesar pelo falecimento do Dr. Aloysio Campos da Paz Júnior e comentários sobre os serviços de saúde do País.
- Autor
- Benedito de Lira (PP - Progressistas/AL)
- Nome completo: Benedito de Lira
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Pela Liderança
- Resumo por assunto
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HOMENAGEM:
- Pesar pelo falecimento do Dr. Aloysio Campos da Paz Júnior e comentários sobre os serviços de saúde do País.
- Publicação
- Publicação no DSF de 19/06/2015 - Página 164
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM
- Indexação
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- HOMENAGEM POSTUMA, VOTO DE PESAR, MORTE, ALOYSIO CAMPOS DA PAZ JUNIOR, MEDICO, ELOGIO, VIDA PUBLICA, APREENSÃO, SITUAÇÃO, SAUDE PUBLICA, AUSENCIA, VAGA, HOSPITAL, CRITICA, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, PLANO DE SAUDE, DEFESA, NECESSIDADE, AUMENTO, INVESTIMENTO, SAUDE.
O SR. BENEDITO DE LIRA (Bloco Apoio Governo/PP - AL. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Presidente. V. Exª tem sido democrático!
Na verdade, o pronunciamento que farei agora à tarde trata de um assunto da maior relevância para a sociedade brasileira.
Sr. Presidente, em janeiro próximo passado, nós perdemos uma referência extraordinária para a saúde dos brasileiros. Nós perdemos o Dr. Aloysio Campos da Paz Júnior.
Nasceu na Rua Toneleiros, em Copacabana, no dia 9 de novembro de 1934. Contava que nasceu em casa, e que seu tio Manoel, médico urologista, fez o parto e amarrou seu umbigo com um barbante.
A primeira memória de sua infância foi ter visto um gigantesco objeto flutuando sobre o céu da praia de Copacabana, o dirigível Hindenburg, que ligava a Europa às Américas e que explodiria algum tempo depois, em 1937. Não sei se isso, se essa primeira memória infantil teve alguma influência sobre o menino Aloysio, mas o fato é que ele não conseguia pensar pequeno.
O espírito independente e a dificuldade de compreender o significado da palavra "impossível" definiam sua personalidade.
A opção pela Medicina exemplifica isso. O diretor da escola, um dia, disse-lhe, abre aspas: “Você vai estudar Engenharia. Não consegue passar em Medicina”, fecha aspas. Ele respondeu: “Ah, é?” Não apenas passou, e muito bem colocado, como foi pessoalmente esfregar a lista de aprovados na cara do diretor - assim como V. Exª, nobre Senador Requião, que não leva desaforo para casa.
Pois bem, depois de se formar em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas do Rio de Janeiro, saiu pelo Brasil plantando sonhos: primeiro, Brasília; depois, São Luís, Salvador, Belo Horizonte, Fortaleza, Macapá, Belém e, finalmente, o Rio de Janeiro, com o Centro Internacional de Neurociências e Neurorreabilitação.
O Dr. Campos da Paz faleceu no último dia 25 de janeiro, no Hospital SARAH, em Brasília, e podemos dizer que cumpriu o seu papel, que realizou seu sonho, que criou exatamente aquilo que se propôs a criar: um contraponto. Ele dizia que o objetivo da Rede SARAH não era resolver sozinha o problema de assistência médica no País. Segundo suas próprias palavras, o objetivo era criar, abre aspas, “um modelo contraditório, para que a população entenda que pode existir um modelo diferente do que está aí”, fecha aspas.
O que era o tal, abre aspas, “modelo contraditório”, o modelo diferente do que está aí, que o Dr. Campos da Paz queria mostrar para o Brasil?
Ele contava um caso que nos ajuda a ilustrar esse conceito. Nos primórdios do SARAH, quando ainda não havia aquele grande hospital que fica no Setor Médico Hospitalar Sul, em Brasília, ele internou um cidadão baiano, que tinha quebrado o joelho. Quando foi à enfermaria visitar o doente, o sujeito o recebeu aos gritos, abre aspas: “Isso é um hospital público! Eu não estou pagando nada! Como é que está tudo funcionando?” Pois é justamente esse o cerne do seu projeto, uma rede hospitalar financiada com dinheiro público, com atendimento gratuito, onde tudo funciona à perfeição.
Infelizmente, a saúde brasileira fora da Rede SARAH vive uma realidade diferente. Experimentem perguntar às pessoas qual é sua maior preocupação. A resposta mais ouvida será a saúde. As pesquisas demonstram o seguinte: a segurança preocupa, a educação preocupa, o dinheiro preocupa, mas é a saúde que preocupa mais.
Em outros países, em países cujo sistema de saúde funciona, as preocupações são outras. Os canadenses, por exemplo, preocupam-se mais com o dinheiro e com o trabalho; os brasileiros, por sua vez, estão sempre com aquela dúvida: se eu ficar doente, quem é que vai cuidar de mim?
O Tribunal de Contas da União publicou um relatório que demonstra, de forma sistemática, que os brasileiros têm razão em se preocupar com a saúde. As Emergências dos hospitais públicos estão quase sempre lotadas; as UTIs não têm vagas; as enfermarias não têm leitos; a rede de atenção básica é tão deficiente que os pacientes são obrigados a buscar as Emergências dos hospitais. Em 80% das unidades, falta pessoal; em 77%, faltam equipamentos; e em 73%, a estrutura física é inadequada.
Outro relatório, publicado pelo Conselho Federal de Medicina, deparou-se com situação igualmente vexaminosa em ambulatórios, unidades básicas de saúde, centros de saúde e postos de programas de saúde da família.
Essas pesquisas são importantes. Elas indicam, de forma clara, estatisticamente fundamentada, que a saúde pública brasileira precisa de rumo. Existe, entretanto, uma forma mais direta de entender o significado desses números. Basta conversar com qualquer cidadão que dependa da saúde pública. Ele nos fornecerá um relatório detalhado, minucioso, concreto sobre os problemas que enfrenta.
É por isso, por causa desses problemas que as pessoas tiram dinheiro do próprio bolso para custear sua saúde, mas os custos de uma grande cirurgia, de um tratamento complexo, de uma internação prolongada em UTI são capazes de quebrar qualquer orçamento.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, milhões de pessoas vão à falência todos os anos por causa desses gastos diretos com saúde. Para mitigar esses riscos, as pessoas contratam seguros de saúde, pulam do fogo para a frigideira, já que a situação de 50 milhões de usuários de planos de assistência médica no Brasil não é confortável. O número de usuários aumenta a cada dia, e aumenta em velocidade superior ao número de prestadoras de serviço.
Dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar mostram que, em período recente, o número de usuários cresceu quatro vezes mais do que o número de leitos privados. As explicações mais comuns apontam o dedo para as operadoras de planos de saúde. Elas são acusadas de não remunerar adequadamente os prestadores de serviços, de glosar procedimentos, de interferir na autonomia do exercício profissional e de abusar do poder econômico frente a profissionais e usuários.
Dados recentes da Agência Nacional de Saúde mostram um aumento anual de 129%, Sr. Presidente, no faturamento das operadoras, e de apenas 44% no valor médio pago pelas consultas médicas.
O que dizer da qualidade dos serviços prestados pelos planos de saúde? Segundo a Agência Nacional, é insatisfatória. A Agência avalia os planos segundo um indicador chamado Índice de Desempenho da Saúde Suplementar. Entre os 1.073 planos avaliados, 743 apresentaram pontuação inferior a 6, numa escala de 0 a 10. Quatrocentos e trinta e sete tiveram nota inferior a 4. O resultado final é que 10 milhões de brasileiros estão nas mãos de planos de saúde com nota abaixo de 6. Nos meus tempos de escola, ninguém se arriscaria a tirar uma nota dessas. Seria reprovado, com certeza.
Esse cenário desolador, tanto na saúde pública quanto na saúde suplementar, acaba levando as pessoas ao desespero; e, do desespero, à busca por justiça.
A judicialização da saúde é um problema sério. As pessoas esperam que o Judiciário aproxime a realidade institucional - a nossa realidade cotidiana - da realidade desejada - a realidade que está no texto legal. Solicitam as mais variadas prestações de serviços: medicamentos, órteses e próteses, vagas em UTI, leitos hospitalares, realização de cirurgias e exames, tratamento fora do domicílio. Em resumo, elas pedem a execução adequada das políticas públicas, ou o cumprimento da lei que rege os seguros de saúde.
No que se refere ao SUS, o Judiciário é obrigado a intervir para fazer funcionar uma máquina emperrada, sobrecarregada, que não tem capacidade de resposta. Uma analogia que vem à mente é o problema da mobilidade urbana: o transporte público não funciona, as pessoas compram seus próprios carros, e o número de veículos cresce, o trânsito piora, a poluição aumenta, ninguém consegue sair do lugar. Não há intervenção judicial que resolva.
Existe solução para esse imbróglio? Existirá uma saída para a saúde pública brasileira? Haverá um caminho por onde possamos seguir, confiantes, sabendo que, ao final, alcançaremos nossa meta, uma saúde pública de qualidade? Acredito que sim.
O primeiro passo, nós já demos. A Constituição Federal já estabeleceu que a saúde é direito de todos e dever do Estado, regido pelo princípio do acesso universal e garantido mediante políticas que visem à redução do risco de doenças e outros agravos. Está tudo ali. É a regra, e ela é clara. Quais seriam os próximos passos?
Uma das questões fundamentais é o financiamento da saúde. Nossos investimentos em saúde, quando interpretados como um percentual do PIB, são comparáveis aos investimentos feitos por países onde a saúde pública realmente funciona. Onde está o problema, então? O problema é que, de todo o dinheiro que o Brasil investe em saúde, menos da metade é de dinheiro público. Ou seja, quem faz a maior parte do investimento brasileiro em saúde são os indivíduos, as famílias. É dinheiro privado.
Em todos os países onde a saúde pública funciona, seja no Canadá, no Reino Unido ou na Noruega, o percentual de investimento público é superior a 70%. No Brasil, o percentual é de apenas 46%. Investimos menos do que a Bolívia, do que a Argentina, do que o Peru, do que o Chile... Investimos menos até do que os Estados Unidos, que têm uma saúde predominantemente privada, com todas as vantagens e desvantagens que o modelo possui. Saúde é um investimento caro e não se faz apenas com promessas.
A saúde pública brasileira precisa de dinheiro, mas também precisa de gestão. Eis o problema, Senador Paim. Sr. Presidente, o problema maior não é recurso, mas é, sim, gestão, porque não adianta você ter dinheiro e não saber gastar, também precisa haver gestão, precisa-se de um verdadeiro choque de gestão. Não adianta colocar dinheiro nas mãos de quem não sabe gastar. É desperdício! É inútil alimentar uma criatura cuja fome sempre aumenta. Um dos aspectos, talvez o mais importante da gestão da saúde pública, é a questão de pessoal. Não se faz saúde sem gente, sem médicos, sem enfermeiros, sem técnicos em saúde e o pessoal de apoio. Volto a parafrasear o Dr. Campos da Paz: “Você não faz assistência médica com tijolo e com estrutura metálica. Você faz [sim] com gente!”
Uma questão que dominou as discussões políticas recentes foi a propalada carência de médicos. “Faltam médicos”, bradam por aí. O instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), publicou um estudo chamado Sistema de Indicadores de Percepção Social, que identifica as percepções das pessoas sobre a qualidade dos serviços públicos.
Os resultados mostram que cerca de um terço dos entrevistados considera ruins ou muito ruins os serviços prestados pelo SUS nas áreas de urgência, emergência, centros e postos de saúde...
(Soa a campainha.)
O SR. BENEDITO DE LIRA (Bloco Apoio Governo/PP - AL) - Quando questionada sobre o que deveria ser feito para melhorar os serviços do SUS, a grande maioria respondeu: “Aumentar o número de médicos.” Será que faltam médicos no Brasil?
Desde a década de 70, a população brasileira duplicou. O número de médicos, no mesmo período, quintuplicou. Naquela época eram 60 mil médicos; hoje, são 400 mil médicos. São cerca de dois médicos para cada mil habitantes.
É importante que se diga "em média", porque, se tivéssemos dois médicos para cada mil habitantes em cada um dos 5.770 Municípios brasileiros, as pessoas não teriam a sensação de que faltam médicos. O problema não é o número. É a má distribuição dos profissionais no espaço geográfico.
Vou dar aqui o exemplo de um dos Estados mais bonitos, mas um dos mais pobres do País, que é o meu Estado, o meu querido Estado de Alagoas, Senador Paim. Nossa população é de pouco mais de 3 milhões de habitantes. Nossa capital, Maceió, tem pouco menos de 1 milhão de habitantes. Nós temos, em Alagoas, 3.921 médicos. Em Maceió, temos 3.690 médicos. Repito: 3.690 estão na capital. O interior do Estado, que abriga a maior parte da população, conta com apenas 231 médicos. E mais: os médicos que atuam no SUS, que atendem à população nos postos de saúde, nas emergências e nos hospitais públicos, são a minoria. Maceió, apesar de ter 3,91 médicos por mil habitantes, tem apenas 1,67 trabalhando no SUS. No interior do meu Estado - veja que número assustador -, com mais de 2 milhões de habitantes, temos 0,5 médico por mil habitantes - 0,5 médico! Essa situação se repete em outros Estados, como Paraíba, Maranhão, Amapá, Pará e Tocantins.
A razão de médicos por habitante no âmbito do SUS, no Brasil, é quatro vezes menor do que a razão de médicos por habitante no âmbito da saúde privada.
(Soa a campainha.)
O SR. BENEDITO DE LIRA (Bloco Apoio Governo/PP - AL) - É uma situação flagrante de má distribuição de recursos humanos. É como se a saúde privada estivesse canibalizando a saúde pública.
Em resumo, o problema real não é a falta de médicos, mas a incapacidade do Estado de atraí-los para os Municípios que mais precisam deles.
Sr. Presidente, um pouquinho de paciência, porque estou terminando.
Esse panorama, essa situação crítica da saúde, reconduz nosso pensamento ao paradoxo que representa a Rede SARAH, o tal modelo contraditório de que falava o Dr. Campos da Paz.
Como será que ele conseguiu criar uma ilha de excelência no meio desse oceano tempestuoso de caos e má gestão que é a saúde pública nacional?
Infelizmente, não podemos perguntar isso diretamente a ele. Devemos procurar respostas nas pistas que ele deixou.
Em uma determinada entrevista, um repórter lhe perguntou: “O que é mais importante no SARAH?” Sua resposta foi a seguinte - abro aspas:
O sucesso da instituição se deve a um projeto constante, cotidiano e coerente de formação, uma formação que não implica somente no conhecimento da técnica; implica em opções ideológicas. Não é fácil atrair um jovem para dedicar a sua vida a uma causa. O SARAH é uma causa. A pessoa larga tudo para ficar em tempo integral, com dedicação exclusiva. É bem paga, mas precisa se dedicar.
Pois bem, Sr. Presidente, o Dr. Campos da Paz tinha uma espécie de obsessão pelo conceito de trabalho em tempo integral, com dedicação exclusiva, mas também com remuneração decente, remuneração justa, remuneração capaz de dar ao profissional dignidade no exercício da sua atividade.
Era assim que ele mantinha o corpo funcional da Rede Sarah, um corpo funcional composto por gente com letra maiúscula “G”, como ele próprio gostava de repetir. Talvez tenha sido esse o seu legado, esse contraponto, esse modelo diferente de gestão, esse exemplo que ele quis que nos ficasse como herança. Um modelo “diferente desse que aí está”, como ele dizia.
Sr. Presidente, eu acho que o pensamento...
(Soa a campainha.)
O SR. BENEDITO DE LIRA (Bloco Apoio Governo/PP - AL) - ... do Dr. Aloysio Campos da Paz era exatamente esse, pelo qual todos nós, principalmente o Governo, deveríamos nos orientar.
Por que é que ele se assustou quando um homem de Salvador lhe perguntou: “Esse hospital em que eu estou é de graça? Ele é público? Porque aqui tudo funciona!” E ele deu a resposta a tudo isso que nós acabamos de levar ao conhecimento desta Casa e da sociedade brasileira.
Sr. Presidente, muito obrigado pela tolerância.
Um grande abraço.
Obrigado.