Discurso durante a 103ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro de projeto de lei apresentado por S. Exª que cria regras para a contratação de dirigentes e membros de conselhos de administração das estatais brasileira.

Autor
Ricardo Ferraço (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Ricardo de Rezende Ferraço
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA:
  • Registro de projeto de lei apresentado por S. Exª que cria regras para a contratação de dirigentes e membros de conselhos de administração das estatais brasileira.
Publicação
Publicação no DSF de 23/06/2015 - Página 164
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA
Indexação
  • REGISTRO, APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, OBJETIVO, CRIAÇÃO, NORMAS, REGULAMENTAÇÃO, FORMA, CONTRATAÇÃO, DIRIGENTE, MEMBROS, CONSELHO ADMINISTRATIVO, EMPRESA ESTATAL.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

            Srªs e Srs. Senadores, brasileiros, capixabas que nos acompanham pela TV Senado e redes sociais, Sr. Presidente, os ruidosos escândalos envolvendo a governança da Petrobras, revelados pela Operação Lava Jato, da Polícia Federal, Justiça Federal, Procuradoria-Geral da República e tantos órgãos que se associaram numa tarefa exitosa no combate à impunidade, revelaram mais do que crimes contra o patrimônio do cidadão brasileiro. Esses casos mostram, com desconcertante clareza, que a corrupção e o desvio prosperaram graças ao aparelhamento político de cargos de comando na maior companhia do País e também nas brechas do modelo de governança para as estatais brasileiras. Mas é claro que essa crise não é exclusiva de uma estatal, trata-se de um problema verificado em diversas outras estatais em níveis diferentes de intensidade, mas, de quando em quando, somos surpreendidos por esses desvios nas estatais do nosso País.

            O ataque de malfeitores à Petrobras precisa fazer a República e todos nós refletirmos verdadeiramente sobre a forma como as empresas estatais são controladas pelo Governo, suas organizações e seu modelo de governança. Assistimos a uma série de problemas gravíssimos, fruto de um quadro cuja realidade não mais pode continuar sendo ignorada. Mas também não é por causa dela que podemos generalizar, considerando a natureza estatal como sendo a principal causa dos abusos, das irresponsabilidades e consequências.

            Estatal não é sinônimo de per si de incompetência e de malfeitos. Aqui mesmo em nosso País, por um período contínuo, tivemos estatais que foram modelo de eficiência e de excelência.

            Basta lembrarmos, aqui, que os nossos Correios e Telégrafos chegaram a figurar, por décadas, como uma instituição brasileira de elevada reputação e credibilidade entre os cidadãos brasileiros.

            É possível buscar alguns outros importantes exemplos, como a instituição pública do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), que se consolidou referência de sucesso em uma área de extrema complexidade. O Instituto Tecnológico de Aeronáutica não é apenas admirado e respeitado por brasileiros: mundo afora, é uma instituição pública de elevadíssima reputação pela qualidade dos seus quadros técnicos e pela excelência da sua gestão.

            Se olharmos a experiência internacional, vamos, de novo, constatar casos de eficiência e de bons resultados operacionais de grandes estatais, como é caso da companhia norueguesa Statoil, para ficar apenas neste exemplo do setor de óleo e gás, que é um setor de extraordinária relevância para a população brasileira. E nós olhamos para a Statoil, olhamos para a Petrobras, duas empresas estatais: uma, navegando com desafios, é verdade, com resultados conjunturais que merecem reflexão, mas navegando por princípios que lhe dão, ao longo dos anos, muita estabilidade e a mantêm blindada dessas crises.

            É nesse sentido que emerge, a meu juízo, pelo menos, a seguinte questão: como podemos impedir que se reprisem os tristes episódios fomentados pela má gestão, pelo patrimonialismo e pelos desvios despudorados de recursos na casa de bilhões de reais? Que lições podemos tirar da conjuntura que o Brasil vive em razão do comando, efetivamente, negligente - para dizer o mínimo - daqueles que estiveram à frente da Petrobras? Não é possível acreditar que as 140 estatais e as 128 autarquias da União estejam condenadas à mesma sorte ou que só produzem maus exemplos. Não, isso não é verdade.

            A eficácia do instrumento da delação premiada também, apesar de ter revelado ao País toda a sua eficácia, é insuficiente para evitar que problemas semelhantes se repitam ou continuem se mantendo no dia a dia da República brasileira.

            Com o propósito de contribuir para o debate, que visa a profissionalizar a gestão das empresas estatais é que apresentei projeto de lei, ao Senado da República, que estabelece regras para a contratação de dirigentes e membros de conselhos de administração das estatais brasileira.

            Regras únicas, regras que estabelecem um padrão só para a ocupação dessas tarefas. Esse projeto de lei fortalece, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, três princípios essenciais que deveriam ou devem nortear a Administração Pública: a transparência, a impessoalidade e o mérito.

            Ao buscar mais e melhores resultados para as estatais, estamos honrando o contribuinte que paga para que elas possam funcionar adequadamente e oferecer resultados à sociedade.

            Pela regra proposta nesse projeto, que nós estamos trazendo ao debate no Senado da República, no momento da contratação, as estatais devem publicar convocação pública com informações relevantes, como a natureza do cargo a ser preenchido, suas atribuições, remuneração e experiência profissional exigida.

            Todos os cidadãos brasileiros que se adequarem aos requisitos exigidos para o cargo poderão participar de um processo seletivo. Ou seja, aqueles que preencherem essas pré-condições estarão habilitados para serem avaliados, independente de qualquer outra questão que deve, a meu juízo e do projeto que estamos elaborando, definir, presidir esses critérios. A estatal será obrigada a tornar pública a lista de interessados. Por fim, a autoridade responsável pela seleção, que pode ser uma empresa especializada, habilitada através de concurso público, através de concorrência pública, uma espécie de headhunter, definirá os critérios de seleção. Mundo afora, quando olhamos para as boas experiências, para as experiências exitosas de estatais que oferecem retorno aos seus contribuintes, tais empresas se prevalecem de empresas especializadas na contratação de recursos públicos, na contração de quadros e perfis que possam responder pelas expectativas. 

            Essas empresas, portanto, definirão os critérios de seleção, podendo ser provas, avaliação de currículo, entrevistas e outras formas de avaliação que se julgarem necessárias, tudo respeitando, Sr. Presidente, o princípio da transparência, do interesse público, o valor da meritocracia, evidentemente, e também da impessoalidade, a fim de que haja igualdade de competição dentro dos quadros que deverão se habilitar e estar preparados para responderem às expectativas que a sociedade deve ter sobre essas empresas estatais.

            A história recente tem mostrado que as estatais não podem mais continuar sendo alvo de uma ocupação político-partidária, com vistas à formação de uma base congressual. Nesse sentido, é bem-vindo, a meu juízo, o novo papel desempenhado pelo Tribunal de Contas da União, com mais ativismo no controle social das estatais, até aqui muito intocadas ou colocadas acima das regras e das leis.

            Por exemplo, a situação do BNDES, que foi ao Supremo Tribunal Federal para tentar não oferecer ao Tribunal de Contas da União informações sobre operações. Considerando que o BNDES é uma instituição pública que trabalha com recurso público - portanto, a transparência deve ser uma premissa -, foi necessário que o Supremo Tribunal Federal decidisse e declarasse, com todas as letras, que o BNDES tem a obrigação de oferecer ao Tribunal de Contas da União, que, por sua vez, tem a obrigação constitucional de exercer controle sobre o Estado público, sobre as estatais, e assim por diante. Uma polêmica absolutamente desnecessária, não fosse o esforço inadequado do BNDES. A discussão foi alvo de projetos que tramitavam em algumas comissões desta Casa e que, por conta de disputas e divergências políticas, não evoluiu, mas o Supremo Tribunal Federal, em torno da inércia legislativa, acabou definindo, enfim, o papel, ativismo que o Tribunal de Contas está exercendo. Tal decisão é muito bem-vinda, é importante e reforça o papel extraordinário do Ministério Público, do Tribunal da Contas da União, que todos nós estamos vendo debater aspectos absolutamente importantes do dia a dia da vida fiscal brasileira, relacionados a atos que estão sendo questionados, como atos da criatividade contábil, como o ato das chamadas “pedaladas fiscais”, em que a violação à Lei de Responsabilidade Fiscal contribuiu, de maneira efetiva, para que o País estivesse mergulhado numa tempestade perfeita de variáveis que estão impondo, à Nação brasileira, inflação, recessão, taxas de desemprego que imaginávamos já terem sido varridas da agenda brasileira.

            Enfim, é preciso saudar esse ativismo do Tribunal de Contas da União no controle social das nossas estatais. Prova disso é, de novo, a manifestação do órgão, contrária à forma, também, com que o Poder Executivo estabeleceu as regras de licitação para a Petrobras, Sr. Presidente.

            Dentre as 110 estatais brasileiras, somente a Petrobras dispõe da condição da flexibilidade de contratar sem considerar a Lei das Licitações. V. Exª, Presidente, foi prefeito municipal, é Senador da República, é homem de reconhecido talento e experiência. Apenas a Petrobras pode contratar sem considerar a licitação. Foi editado um decreto presidencial, do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, lá atrás, num momento em que a competição se estabelecia nos negócios de petróleo e gás.

            Houve mudanças no marco regulatório e a Petrobras precisava - como precisa - de mecanismos ágeis que não a engessem. A Petrobras é uma companhia que não pode viver engessada pela Lei das Licitações. Tudo bem. Mas, daí à banalização desse instrumento há uma distância muito grande, até porque a diferença entre o remédio e o veneno está na dose. E a Petrobras se valeu, nos últimos anos - e continua se valendo, ainda -, de ferramentas que já produziram o que se chama de cartel das empreiteiras. Somente nos últimos dez anos.

            É preciso atualizar esse valor, mas somente através de convite é que a Petrobras qualifica e classifica aqueles que têm condição de atendê-la, ela define quem pode participar dos certames. Nos últimos dez anos, aproximadamente R$250 bilhões foram adquiridos daqueles ou daquelas que a Petrobras entende como habilitados.

            Veja, Sr. Presidente, que até mesmo complexo o Complexo Comperj, no Rio de Janeiro, foi contratado sem concorrência pública. A Petrobras define que atores estão aptos a participar daquela concorrência, alguns poucos diretores ou pessoas de hierarquia na companhia definem.

            Enfim, isso também está sendo questionado pelo Tribunal de Contas da União. E, em lugar de a Petrobras se curvar a essa realidade e colocar de pé um outro modelo, que possa, ao mesmo tempo, dar à companhia eficiência e também blindá-la, para que essas práticas perversas deixem de fazer parte do seu dia a dia, não; em lugar de o Governo fazer um debate aberto em relação a isso, o Governo vai, de novo - não o Governo, mas a Petrobras -, ao Supremo Tribunal Federal contra a decisão do Tribunal de Contas da União, que tem criticado sistematicamente, através de seus acórdãos, consagrado, através de seus acórdãos, que tais práticas não são compatíveis.

            Em linha com o Tribunal de Contas da União, apresentamos aqui no Senado um decreto legislativo a fim de sustar os efeitos desse decreto presidencial, que não tem o sentido e a finalidade de engessar a companhia. Absolutamente. A competição está estabelecida nesse segmento, e é necessário que a Petrobras tenha velocidade, mas o nosso decreto tem o sentido de dar um freio de arrumação, para que o Governo coloque no lugar desse decreto algo que, ao mesmo tempo, lhe dê agilidade e que possa blindá-lo.

            Esse projeto estava em vias de ser votado na Comissão de Constituição e Justiça, mas houve requerimento solicitando que fosse para a Comissão de Infraestrutura e para a Comissão de Assuntos Econômicos, de modo a procrastinar, a postergar uma decisão que parece inadiável. Mais dia, menos dia, o Governo terá que rever essa sistemática, porque ela não respeita, ela não se subordina aos critérios de moralidade, de impessoalidade, de transparência e de igualdade de oportunidade na competição dos prestadores de serviços e produtos.

            As medidas propostas por esse projeto que apresentei, mudando radicalmente os critérios de ocupação de cargos nas diretorias das estatais e nos conselhos, permitirão que candidatos com perfil desejado participem de seleção em benefício da Administração Pública, e não dos seus interesses privados e partidários ou particulares, pois poderão ser selecionados ou deverão ser selecionados os melhores candidatos para ocupar essas vagas.

            Além disso, as medidas sugeridas também permitirão o maior controle social das escolhas feitas pela Administração Pública, uma vez que poderá ser feita uma análise crítica dos candidatos selecionados em comparação com os demais interessados, ou seja, coloca-se luz, coloca interesse público, coloca-se transparência, e a sociedade acompanha isso com absoluto interesse.

            É importante frisar que a presente matéria pode ser de lei de iniciativa parlamentar. Esse é o limite! Não podemos ir além; não podemos ir além porque a Constituição não nos consagra essa prerrogativa de iniciativa. O texto estabelece princípios republicanos a serem seguidos para a seleção dos dirigentes e não impõe regras rígidas ou define estruturas administrativas nas estatais. Desse modo, a matéria não fere a competência e a independência dos poderes.

            Acredito que esse projeto seja, tecnicamente, uma boa alternativa para que o Senado possa se apresentar como protagonista na construção de novos e definitivos critérios na ocupação das diretorias das nossas estatais e até autarquias.

            Estamos em uma conturbada quadra, na qual é preciso fazer escolhas. Não podemos e não devemos nos dar ao luxo de continuar permitindo que as estatais sejam aparelhadas por apadrinhados políticos e usadas como instrumentos de práticas delinquentes. Isso traz resultados perversos às empresas e a todo o País.

            Houve, de certa forma, e foi descortinado, um conluio, um conluio de partidos, um conluio de políticos que se valeram também de técnicos que trabalhavam nessas empresas e que se curvaram e participaram ativamente na construção desse ambiente.

            Governança pública é um sistema de equilíbrio de poder entre os agentes públicos e os cidadãos que permite que o bem comum prevaleça sobre os interesses de pessoas ou grupos. A melhor forma de evitar a corrupção - mas não apenas a corrupção - e a ineficiência do gasto público não é burocratizar, não é enrijecer as regras, mas elevar a transparência das ações dos gestores públicos e criar uma estrutura de incentivos que facilite os mecanismos de controle.

            Com esse projeto que nós estamos trazendo para debate no Senado, defendo que possamos avançar nessa agenda de reformas a fim de restaurar as melhores práticas de gestão nas nossas estatais, que tanto serviram ao desenvolvimento de nosso País ao longo da sua história, além de dar, obviamente, um melhor retorno aos tributos pagos, com o sacrifício da sociedade brasileira - e convenhamos que, em nosso País, a carga tributária e o volume de impostos são muito altos até se compararmos com aquilo que o Estado retorna em torno de benefícios para a sociedade. Estamos com uma carga tributária já muito próxima de 40% do conjunto do Produto Interno Bruto.

            Infelizmente, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o patrimonialismo é uma praga antiga entranhada na cultura brasileira. Essa praga, essa cultura se exacerbou nos últimos anos, banalizou-se de uma forma jamais vista na história da república brasileira, ao ponto de que houve um tipo de apropriação do Estado brasileiro por diferentes partidos e grupos políticos que não colocaram o interesse da sociedade brasileira e do País acima dos seus interesses muito específicos e pontuais. É verdade, Senador Blairo Maggi, que alguém ou alguns poderão considerar essa minha manifestação, esse meu projeto ingênuo. Mas eu prefiro andar por esse caminho a deixar as coisas como estão, porque, como estão, é evidente que elas não darão certo. Não é possível que saiamos dessa crise toda sem precedentes, sem extrair dela lições e uma vacina para impedir que tragédias como essa a que nós estamos assistindo na Petrobras voltem, daqui a alguns anos, a frequentar a nossa pauta e a nossa agenda.

            De novo estamos convivendo com problemas que nós deveríamos, lá atrás, ter corrigido. E aí a vacina é, de fato, o resgate de princípios e valores que são fundamentais, como da impessoalidade, da transparência, da meritocracia. Não há como se afastar dessas regras e desses princípios olhando para a história, para as boas experiências internacionais. Nesses valores é que se assentou tudo aquilo que foi muito eficiente, não apenas localmente, mas em estatais que acabaram tendo presença global.

             Enfim, este é o momento, Sr. Presidente, de nós fazermos esta reflexão. Mas, muito mais que refletir, eu acho que nós precisamos agir.

            Com esta proposta que nós estamos apresentando e com tantas outras que, eventualmente, possam estar tratando destes temas, que nós possamos ver qual é a contribuição que o Senado dará para toda esta crise a que nós estamos assistindo na maior estatal do nosso País, na mais importante companhia pública do nosso País, na companhia que tem um papel decisivo na história e no futuro do nosso País.

            É hora de nós olharmos para este ambiente, para a crise que nós estamos atravessando, e tirarmos dela as lições necessárias. E as lições, a meu juízo, passam pela revisão dessas práticas, que, até aqui, não produziram resultados positivos.

            Muito obrigado, Sr. Presidente; muito obrigado, Srªs e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/06/2015 - Página 164