Discurso durante a 104ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Alerta para os prejuízos que a tese da ideologia de gênero pode acarretar aos princípios da sociedade brasileira; e outros assuntos.

Autor
Marcelo Crivella (PRB - REPUBLICANOS/RJ)
Nome completo: Marcelo Bezerra Crivella
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO:
  • Alerta para os prejuízos que a tese da ideologia de gênero pode acarretar aos princípios da sociedade brasileira; e outros assuntos.
Aparteantes
Cristovam Buarque, Ricardo Ferraço.
Publicação
Publicação no DSF de 24/06/2015 - Página 364
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO
Indexação
  • CRITICA, EXPECTATIVA, VOTAÇÃO, MUNICIPIOS, ASSUNTO, IDEOLOGIA, REPRESENTAÇÃO, SEXUALIDADE, AMBITO, SISTEMA ESCOLAR, DEFESA, PAPEL, FAMILIA.

            O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco União e Força/PRB - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Sr. Presidente.

            Perde muito o PSDB com a saída da ilustre dama do Estado de Goiás, Lúcia Vânia. Que Deus ilumine seus novos caminhos, suas novas estradas!

            Sr. Presidente, venho a esta tribuna para tratar do art. 205 da Constituição. O art. 205 da Constituição diz o seguinte:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

            E no art. 206: “O ensino será ministrado [nas escolas] com base nos seguintes princípios...” E se discorre sobre os princípios.

            Sr. Presidente, nos Estados brasileiros e nos 5.564 Municípios brasileiros, há uma expectativa de se votar a ideologia de gênero. O que é isso? Dizer às crianças que meninos e meninas não devem ser tratados assim, porque um menino pode ser menino ou, às vezes, menina, e uma menina, às vezes, pode ser menino, que pode haver uma, diria, mudança.

            Então, venho a esta tribuna para alertar para o perigo que essas coisas trazem para os princípios da nossa nacionalidade. É importante dizer que educação é obrigação de pai e mãe, é dever de pai e mãe. Ensino é dever do Estado. O pai e a mãe passam para os seus filhos princípios, valores, disciplina, tradições. E isso é plantado no ambiente genético ao qual a criança pertence. Ela é fruto de uma descendência. Ela vem ao longo de uma família. O Estado, a escola prestará o ensino. Não é possível, Sr. Presidente, supor que uma criança será educada por professores. Ela tem 20, 30 professores. Os professores lidam com ela uma ou duas horas. A educação não pode ser feita sem amor. E esse amor é do pai e da mãe. Esse amor é comprovado pelo exemplo, pela renúncia, pelo sacrifício de um pai que sai para trabalhar, que luta a vida inteira, sob chuva, sol, poeira, para ter pão na sua casa, e de uma mãe que, com sua doçura e ternura, derrama luzes da sua alma sobre seus filhos. Isso é educação. É ali que se definem sentimentos, princípios, valores, tradições. É nesse ambiente que se dá a educação dos filhos.

            Escola, primeiro grau, segundo grau, ensino básico, universidade é informação, é a formação para o trabalho, como diz aqui a Constituição, é o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho.

            Então, não cabem discussões próprias do seio da família para serem tratadas ideologicamente por diversos professores e cada um deles com suas convicções. Isso não vinca a índole, nem a vocação da alma do povo brasileiro.

            Eu faço aqui, Sr. Presidente, essa advertência, esse pedido, esse clamor ao bom senso. Isso clama aos céus, mas clama também aos homens de boa vontade: educação é pai, é mãe, é avô, é avó, é tia, é ambiente familiar. São princípios, são valores, são tradições, são sentimentos, é disciplina. Isso, sim, vinca a índole e a vocação de uma criança.

            Escola, professores podem até dar exemplo, mas é formação, é ensino, para preparar para a cidadania e para ser útil à sociedade e à humanidade, desenvolvendo a sua profissão, escolha da sua vocação profissional.

            Então, não cabe tratar de impor religião em sala de aula. Não cabe tratar de ideologia, seja de gênero, sejam outras quaisquer, coisas em que pai e mãe saberão conduzir seus filhos, e eles, claro, no futuro, poderão, dependendo das circunstâncias do mundo em que viverão, adaptá-las.

            E é assim, Sr. Presidente, que tem sido ao longo dos milênios, no progresso da nossa civilização.

            Ouço, com muita atenção, o Senador Cristovam Buarque.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Senador Crivella, o senhor está trazendo um tema fundamental da discussão que nós temos no mundo de hoje e aqui, no Brasil: educação não é uma coisa de escola apenas. Toda razão, Senador. Educação é feita por famílias, pela mídia, pelos amigos, pelas religiões. Sem isso, a gente não tem educação. Pode até ter instrução em uma escola, mas não educação plena, completa. Lamentavelmente, no mundo de hoje, as famílias ficaram tão ausentes, que, cada vez mais, a escola está sendo obrigada a preencher um papel que antes cabia basicamente à família. Além disso, a mídia está ocupando um papel tão forte e deseducador, em geral, que a escola tem que preencher, hoje, um lugar muito importante. Daí a importância do horário integral. O horário integral, no qual a criança fica o dia todo na escola, não é apenas para dar mais educação, mas para tirá-la da rua, porque, provavelmente, em casa, já que os pais e as mães trabalham, e o trabalho das mulheres é uma das conquistas da civilização contemporânea, as crianças ficam nas ruas. Agora, o senhor tem toda a razão, a família exerce um papel fundamental. Por isso, lamento e critico tanto aqui o fato de que o Governo não está deixando que se aprove um projeto meu, que já está na última comissão da Câmara, e que condiciona o Bolsa Família à presença da família na escola dos filhos - pelo menos uma vez por ano, eu coloquei. Se as famílias não vão à escola, ela não preenche o papel da educação. E quanto ao papel da escola na promoção de ideias, ideologias e religiões, talvez haja uma discordância entre nós. Penso que não podemos deixar que a escola passe uma religião, passe uma idéia, mas deve passar todas. Deve haver liberdade para que todos possam se manifestar dentro da escola, no trabalho, na rua, em qualquer lugar, sobre todas as ideias. Tenho visto uma preocupação até correta de pessoas contra o doutrinamento das escolas. Mas temos que ser contra o doutrinamento em todos os lugares, e não só nas escolas. Temos que ser contra o doutrinamento no quartel, no trabalho, nos campos de futebol, temos que ser contra em todos os lugares. Porém, estamos de acordo com a maneira com que enfrentaremos isso. A diferença está em como faremos isto: se a gente proíbe a fala daqueles que tentam defender uma ideia ou se a gente abre para que todos possam falar a ideia que têm. Eu sou defensor dessa segunda alternativa. Creio que a liberdade mata as doutrinas. Doutrinamento, doutrina é fruto do isolamento de uma ideia abandonando as outras. Quando todas as ideias vêm, acaba o doutrinamento. Oxigena. E todas as ideias vão conviver. Alguns podem até ter uma ideia tão forte que parece uma mania, como vemos hoje no mundo. Fica para ele, não se espalha. Doutrina não se espalha na liberdade. Na liberdade, espalha-se ideia. E isto é bom. E que haja confronto, que haja divergência, que haja provocações. Fico preocupado, pois tenho visto algumas ideias no sentido de, em nome de proibir o doutrinamento, querer proibir professores de se manifestarem de acordo com sua crença, com sua ideologia, com seu pensamento, até porque, no primeiro momento, vão escolher uma doutrina para ser barrada, depois virão as outras, as outras e as outras, e um dia, em nome de combater a doutrina, a escola vai ficar em silêncio, porque as ideias serão todas proibidas e as religiões serão também perseguidas por aquela que tiver mais poder naquele momento, até que uma outra surja e abafe esta também. Então, estamos perfeitamente de acordo nos seguintes pontos. Um, o papel da família na educação. E eu acrescento: o papel das igrejas na educação, o papel dos amigos. Um professor raramente faz um aluno virar leitor, mas um amigo faz. Um professor raramente faz um aluno cair na droga, mas um amigo faz. Por isso, o amigo é tão importante! Os pais se preocupam, às vezes, mais com o professor do que com os amigos. Têm que se preocupar muito com os amigos e as amigas. Nisto estamos de acordo. Estamos de acordo também que se precisa acabar com o papel doutrinador dentro de uma escola, dentro de qualquer ambiente. As igrejas têm direito de fazer sua doutrina, porque vai para lá quem quer ouvir aquilo, quem está de acordo com aquilo. É diferente. Mas ela tem que conviver com as outras igrejas ao redor, que vão tentar passar outras doutrinas. Esse debate é fundamental. Acho que a melhor maneira de enfrentar a liberdade não é proibindo uma ou outra ideia, é abrindo para todas as ideias o debate. A liberdade mata as doutrinas, salvo nas crenças religiosas, que não têm nada a ver com debate. Aí é uma revelação divina, que uns têm e outros não conseguem ter, que uns têm de uma forma e outros têm de outra. Vamos abrir o debate. Vamos proibir o monopólio de qualquer ideia, isto sim. Mas se soltarmos o debate para todas as ideias, nenhuma doutrina vai resistir como idéia. Resiste como fé, que não tem nada a ver com debate. Então, neste ponto, estamos de acordo, é preciso acabar que as escolas sejam doutrinadoras, talvez discordemos da forma. Eu defendo a liberdade plena, plena, plena! Defendo o fim de qualquer monopólio de ideia. E aí que as ideias floresçam no choque entre elas!

            O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco União e Força/PRB - RJ) - Muito obrigado, Senador Cristovam Buarque. V. Exª tem uma concepção bíblica. A primeira página da Bíblia fala no Paraíso. A descrição que dá é de um local aprazível, de muitas árvores, de muitos rios. Duas árvores tinham nome: Árvore da Vida e Árvore do Bem e do Mal. A Árvore do Bem e do Mal já simbolizava o princípio sagrado de escolher o seu próprio destino, de tomar sua própria decisão, de as pessoas serem livres para decidirem entre o bem e o mal. O fanatismo religioso, muitas vezes, não entende isso.

            Agora, o fato é que V. Exª toca num assunto importante. Nós temos como matriz fundamental, do berço, a idade da consciência, os primeiros anos, o papel da família. O exemplo da família é exemplo de renúncia, de sacrifício. As palavras de um pai ficam gravadas na consciência. No momento em que ele tem amor - e amor é renúncia -, no momento em que ele se devota à sua esposa e ao seu lar, no momento em que ele trabalha, em que ele luta, como eu disse, de segunda-feira a sexta-feira, sob chuva, sol, poeira - e pode ser um pai humilde, operário -, aquilo fica gravado no coração da criança. Ela nutre pelo pai ou pela mãe uma admiração de um herói, no seu sacrifício, na sua abnegação, no seu devotado amor.

            Esse é um papel que o professor não presta. O aluno tem 20 ou 30 professores que vão lidar com ele de maneira fraterna, mas que não vão amá-lo como uma mãe e um pai. Não é possível educar sem amor. Esse amor é capaz de vincar nossa índole e nossa vocação dentro dos princípios, dos valores, dos sentimentos, das disciplinas, das rotinas daquele lar. Aquele lar é formado pelos avós, pelos bisavós. Aquele lar vem de uma linhagem. Há ali um universo genético. As sementes são plantadas em solo fértil, e, assim, vão se perpetuando as famílias. É assim que somos nós brasileiros.

            Nós não podemos, amanhã ou depois, dizer, por exemplo, que está certo um professor, a título apenas de ilustração, ao dizer para uma criança o seguinte: “Você é menino ou menina, Joãozinho?” “Eu sou menino. Mamãe disse que sou menino.” “Olha, nós não sabemos. Você tem de experimentar uma relação homossexual para saber se você gosta. Se você gostar, você, então, não é menino, você pode ser menina.”

            Isso não é conselho que se dê a uma criança! Pois é, é isto que nós estamos discutindo: ideologia de gênero.

            Quando fui missionário na África, meu filho voltou um dia da escola com essa ideologia. Na África, na colônia britânica, havia livros escolares em que, por exemplo, havia a Branca de Neve e os Sete Anões e o Branco de Neve e os sete anões homossexuais. Era outra versão, uma versão LGBT, invadindo, na verdade, aquilo que cabe ao pai, aquilo que cabe à mãe.

            Ora, essas coisas têm um valor sagrado. Essas coisas são caras a nós. Não são caras só aos evangélicos, aos católicos, aos espíritas ou a quem professa uma religião, elas são caras a todos aqueles que vêm de uma civilização cristã ocidental ou mesmo de uma civilização oriental, mas cujas tradições, princípios, valores são da família, daquela família adâmica: um homem, uma mulher e seus filhos.

            Senador Cristovam Buarque, veja que espetáculo esta descrição: Adão tinha o paraíso, foi o homem mais rico que já houve, tinha comunhão com Deus na virada do dia, mas ainda sentia solidão. Nem a comunhão com Deus, nem a posse do mundo substituía a família. Deus não tirou Eva da cabeça nem dos pés, mas da costela, para que fosse igual. O homem não entendeu isso. Os homens passaram milênios escravizando as mulheres, fazendo-as ser subumanas, de segunda categoria. Tragédia! Deus criou uma Eva. As civilizações que têm cinco, seis, sete, oito Evas, como na África, vez ou outra, são varridas por endemias, como a aids, porque há uma promiscuidade enorme. Também não foi Ivo. Foi Eva, com sua característica feminina, e eles se completavam.

            Há nisso tudo, eu diria a V. Exª, lições que ficam marcadas e que vão dirigir o ensino, independentemente do conceito religioso. Então, o pai veste o menino, leva o menino para o futebol, leva o menino à bravura. E a mãe leva sua filha à ternura e à coragem também, mas às coisas de menina, às bonecas, ao ambiente doméstico, à cozinha, à poesia. São coisas que encontro em todos os lares ou na maioria deles, seja em Rondônia, seja no Rio Grande do Sul, seja no Espírito Santo. É a família! É a família! É a nossa família.

            Estas coisas estão escritas na Constituição: Estado e família, família e educação, Estado e cidadania, formação profissional, prestação de serviços à humanidade, convivência. E, agora, com essa discussão de ideologia de gêneros, ficamos sujeitos a deformações, que amanhã poderão ter reflexos muito complexos até para serem avaliados. Isso vai dar confusão no futuro. E o pior é que vão desautorizar o pai e a mãe na sua autoridade de educadores.

            Ouço o Senador Ricardo Ferraço, com muita atenção.

            O Sr. Ricardo Ferraço (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Senador Marcelo Crivella, o tema tem ganhado destaque no meu Estado. Tem ganhado destaque, porque o Plano Nacional de Educação define que os planos estaduais e os planos municipais devem seguir essa mesma linha, essa mesma orientação. A ficha começa a cair à medida que esse debate começa a ganhar capilaridade nos Estados, nos Municípios e nas comunidades. E o confronto de orientação, a confusão que o Estado cria na cabeça da organização das famílias é muito grande. A separação do Estado e da religião é absoluta. Mas, nesse caso, o Estado está invadindo e criando um conflito entre a formação da estruturação de cada família e a orientação que o menino ou a menina vai receber na escola. Acho que o professor tem de ensinar Geografia, Português, Matemática, de forma muito objetiva. É claro que ele tem de contribuir para a formação do caráter cidadão do aluno e assim por diante, para que ele se possa colocar diante da sociedade com espírito e responsabilidade coletivos. Mas acho que, fundamentalmente, a formação, a transferência de princípios e de valores, isso é papel da família. E acho, sinceramente, que o Estado está procurando chifre em cabeça de cavalo ou está querendo, por assim dizer, desafiar a lei da gravidade, como se pudesse fazer chover de baixo para cima. A meu juízo, um tipo de debate que não tem o menor sentido é esse da ideologia de gênero. Desse modo, quero associar-me às preocupações e às reflexões que V. Exª traz, sem querer ser o dono da verdade, porque não há dono da verdade. A verdade tem pelo menos três faces. Há a minha verdade, a sua verdade e a verdade. Quem é capaz de jogar a primeira pedra e afirmar que é dono da verdade? As contribuições do Senador Cristovam Buarque são também sempre muito ricas. Acho que esse tipo de tema invade o dia a dia, os hábitos e os costumes de gerações que estão na formação de princípios civilizatórios. De repente, nessa quadra, rasgamos todos os princípios que estão na formação e na construção da sociedade, porque resolvemos inventar a roda. Isso traz enormes consequências na organização e na dicotomia que pode haver entre a orientação que o pai e a mãe dão e a orientação que a criança vai receber na escola. Por qual delas vou fazer a opção? Esse tipo de coisa vai ser iniciado não na pré-escola, mas numa fase em que o leito da família vai formando e estruturando a visão, a formação e a transferência de princípios e de valores. Eu não vi graça nenhuma nisso. Por isso, esse tema, de fato, tem merecido, em nosso Estado, não apenas a manifestação do nosso Arcebispo e da nossa Igreja Católica, mas também de importantes lideranças evangélicas. Esse é um tema dos cristãos, esse é um tema que precisamos enfrentar. Eu quero cumprimentar V. Exª por trazer ao Plenário do Senado um tema tão importante, tão rico, que diz respeito ao dia a dia das famílias. Acho que o Estado está se intrometendo de forma indevida na formação de princípios que são muito caros à sociedade. Cumprimentos a V. Exª!

            O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco União e Força/PRB - RJ) - Muito obrigado, Senador Ricardo Ferraço.

            Já vou concluir, Sr. Presidente, dizendo que, neste debate, neste microcosmo do Plenário do Senado Federal, tanto o Senador Ferraço como o Senador Cristovam Buarque manifestam preocupações, como a minha, sobre a ingerência do Estado em temas que são típicos da educação do pai, da mãe, dos avós, dos tios, do ambiente familiar.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/06/2015 - Página 364