Discurso durante a 104ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Satisfação com a aprovação, na CE, de projeto de lei de autoria de S. Exª que cria o Programa Federal de Educação Integral de Qualidade para Todos.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO:
  • Satisfação com a aprovação, na CE, de projeto de lei de autoria de S. Exª que cria o Programa Federal de Educação Integral de Qualidade para Todos.
Aparteantes
José Medeiros, Lasier Martins.
Publicação
Publicação no DSF de 24/06/2015 - Página 367
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO
Indexação
  • REGISTRO, APROVAÇÃO, COMISSÃO DE EDUCAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ASSUNTO, RESPONSABILIDADE, UNIÃO FEDERAL, MANUTENÇÃO, CONSTRUÇÃO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, PAIS, CRITICA, DESIGUALDADE REGIONAL, DESIGUALDADE SOCIAL, ENSINO, AUSENCIA, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, nesta manhã, na Comissão de Educação, tivemos um momento que considero extremamente positivo na direção de o Brasil caminhar para ter a educação que é necessária. Nós aprovamos a proposta que, desde 2008, vem circulando no Senado - ou seja, faz sete anos -, a de que educação tem de ser uma questão nacional, e não municipal; a de que a manutenção das escolas no Brasil tem de ser feita pela União, não pelos Municípios.

            Um projeto meu demorou muito, e, no final, para conseguir os votos, fiz uma carta a cada Senador da Comissão de Educação, que eu gostaria de ler aqui, que é muito curta, em que começo dizendo: “Sr. Senador, Srª Senadora, nós fazemos parte da Comissão de Educação porque entendemos que o futuro de um país tem a cara de sua escola do presente.”

             Se quiserem ver como será o futuro de um país, se quiserem ter uma capacidade total de perceber como será esse futuro, basta que olhem sua escola de hoje. A escola de hoje tem a cara do futuro do país. Se a escola é bonita, com professores contentes e bem preparados, se a escola é bem equipada e se nela os alunos aprendem, o futuro será bonito para o país. Se a escola é degradada, com professores descontentes e sem dedicação, se nela as crianças ficam sem aprender, o futuro será feio para o país. Esta é uma lógica perfeita, não é uma hipótese, não é uma ideia, mas é uma constatação: o futuro de um país tem a cara da sua escola no presente.

            Disse ainda na carta: “Ao nascer, cada cérebro é uma fonte de energia proporcional à educação que vier a receber ao longo da vida.” Salvo exceções de algumas inteligências geniais que não precisam de qualquer educação, qualquer cérebro se torna mais potente na medida em que, ao longo da vida, vai acumulando saber, conhecimento.

            Para isso e por isso é uma insanidade. Repito: é uma insanidade nacional negar educação a 3 milhões de crianças que não estão nem ao menos matriculadas. A gente se esquece disso. Quando a gente fala que o Brasil já matricula todas as suas crianças, esquece 3 milhões. Para ser mais exato: são 2,9 milhões crianças que não se matriculam, fora da escola. São os futuros analfabetos totais.

            “Ao mesmo tempo, é uma insanidade que as cerca de 50 milhões que estão matriculadas nas quase 200 mil escolas estejam em escolas sem qualidade, espalhadas pelo Brasil.”

            É uma insanidade nacional. Estamos jogando fora um patrimônio, estamos jogando fora um potencial, estamos jogando fora uma energia. É como se descobríssemos poços de petróleo e os tapássemos. Isso é um poço de energia, se bem trabalhado.

            Ao mesmo tempo dessa insanidade da escola ruim, nós temos uma imoralidade: a escola é desigual. Além de ruim e média, nossas escolas são muito desiguais. Isso é uma imoralidade. Não é desigualdade escola desigual. Uma roupa bonita e uma roupa feia é desigualdade, uma casa grande e uma casa pequena é desigualdade, mas uma pessoa poder estudar ou não poder é imoralidade. Uma pessoa morrer ou não morrer porque tem ou não tem dinheiro é imoralidade. O resto é desigualdade.

            Pois nós temos aqui, no Brasil, um sistema que é insano e imoral. Insano porque sacrifica o futuro do País e imoral porque oferece educação, escola desigual, conforme a criança.

            “Nosso sistema de educação de base está entre os piores do mundo e é, provavelmente, o mais desigual”.

            Os países que têm um sistema de educação pior do que o nosso são países muito pobres. Então, todas são ruins. Aqui, não. Aqui temos desigualdade.

            “Isso representa, além da imoralidade, uma insanidade, de certa forma equivalente [vejam o que eu vou dizer aqui e não sei se concordam] ao sistema escravocrata de 130 anos atrás”, que era absurdo, do ponto de vista econômico, e era imoral, do ponto de vista ético. Nós vivemos numa situação que tem equivalência com a escravidão.

            “É tentando superar essa insanidade e imoralidade que apresentei, em 2008, o PLS 320, que visa a assegurar a cada criança brasileira acesso à educação com a máxima e a mesma qualidade”.

            Uns vão ser mais educados do que outros, mas porque têm mais talento, mais dedicação, mais força de vontade, mas não porque têm mais dinheiro, não porque moram em uma cidade e não em outra.

Eu não vejo outra forma de obter isto [o fim da insanidade e da imoralidade] salvo se dermos à Nação brasileira a responsabilidade pela educação da totalidade das nossas crianças, implantando um novo sistema nacional que substitua o atual, velho, ineficiente, cansado e dividido em 5.600 pequenos sisteminhas, o sistema de cada cidade, o sistema de cada Estado, com suas diferentes carreiras de magistério e com suas imensas desigualdades.

            “Há escolas no Brasil, escolas públicas, em Municípios tão pobres, nos quais o custo de cada aluno para sua educação municipal é o equivalente a R$2,5 mil.”

            São R$2,5 mil por ano! Como é que a gente vai dar uma boa educação nesse sentido, Senador Lasier? Isso significa centavos por dia quase, menos de R$6,00 por dia por criança.

            “E outras escolas públicas [eu falo das 543 escolas federais públicas] que chegam a gastar até R$16 mil”.

            É uma imoralidade! Crianças com R$2,5 mil e outras com R$16 mil. Públicas!

            Pior é quando a gente coloca as escolas particulares. Há escolas, eu não digo uma - há uma, duas, três, cinco, dez -, de R$60 mil por ano. Eu falo de algumas das de classe média mais alta. São R$46 mil por ano. Ou seja, no Brasil, a imensa maioria das crianças tem uma escola com R$2,5 mil por ano, e algumas outras por R$46 mil. Isso é imoral e é também estúpido, do ponto de vista do interesse nacional.

            Essa desigualdade no custo anual, repito, é uma insanidade, uma imoralidade, ainda maior se a gente considera o tempo em que a criança fica na escola, porque essas crianças que têm escola a R$2,5 mil por ano ficam seis, sete anos na escola. As que têm escola de R$46 mil ficam 20 anos na escola.

            “Quando a gente vai analisar, somando o tempo [e aqui é o número que choca], algumas crianças no Brasil, a imensa maioria, recebem ao longo de toda a sua vida R$15 mil, e algumas recebem R$870 mil”. Estão considerados, inclusive, os anos de faculdade pública pagos pelo Governo. Ou seja, algumas crianças, ao longo da vida, recebem quase R$1 milhão, R$874 mil, quase R$1 milhão na sua formação até o final, e outras recebem R$15 mil. É ou não imoral isso? É ou não estúpido para o interesse nacional?

            Por isso, o PLS que aprovamos hoje - e agradeço aqui ao Senador Lasier, que estava lá e fez uma bela defesa -, no art. 1º, diz:

Art. 1º O Poder Executivo fica autorizado a criar o Programa Federal de Educação Integral de Qualidade para Todos - PFE, para implantação nas escolas estaduais, municipais e do Distrito Federal.

Art. 3º O Poder Executivo fica autorizado a criar a Carreira Nacional do Magistério da Educação Básica - CNM, das escolas públicas de educação básica do Distrito Federal, dos estados e dos municípios.

            Durante o curto debate, houve algumas críticas, mas não vou ler o anexo que fiz rebatendo cada uma, apenas digo: uns falam que isso concentraria a gestão em Brasília. Não. A gestão dessas escolas deve ser descentralizada radicalmente. Cada escola deve ser autogerida.

            Outros dizem que há risco de a padronização eliminar as especificidades. Não. Deve haver um currículo comum e um currículo local, patrocinado pela secretaria municipal de educação, que deixaria de ter a responsabilidade de pagar aos professores, de manter as escolas, mas teria a responsabilidade de ajudar na definição do currículo.

            Outros dizem que aumentaria os gastos dos Municípios com o piso salarial. Não. O financiamento será pela União.

            Outros, que, do atual sistema, nada muda, salvo o agente financiador. Muda, muda tudo, na medida em que há uma carreira nacional.

            Que o custo é alto. Ao longo de 20 anos, se vamos implantando aos poucos esse novo sistema, criando o novo e o outro desaparecendo, vamos ter necessidade de 6,4% do PIB para pagar um custo de R$10 mil por ano, por aluno, supondo o PIB crescer a 2%.

            Outro, no lugar de adotar, não seria melhor mandar o dinheiro? As cidades não mantêm boas escolas por falta de dinheiro apenas, mas porque não têm professores preparados, não têm condições técnicas. Se chover no quintal de uma escola, vira lama na primeira chuva. É preciso fazer com que o dinheiro chegue aos neurônios das nossas crianças.

            Finalmente, que alguns Municípios já estão fazendo o dever de casa. Primeiro, são raríssimos os Municípios que estão conseguindo fazer o dever de casas. Segundo, não são dos mais pobres. Terceiro, o dever de casa é muito modesto. Mesmo a melhoria que houve nesse período, foi uma melhoria pequena. Eu não estou pensando em melhorar. Estou pensando em saltar. Eu não estou pensando em ficarmos, daqui a cinco anos, melhores do que hoje. Eu estou pensando, daqui a 20 anos, em ficarmos iguais à Coreia do Sul, à Finlândia. Não há nada que impeça o Brasil de ser isso, desde que façamos a engenharia necessária e dê o tempo. Não é possível, em menos de 20 anos, chegar a todo o Brasil, mas é possível chegar a uma cidade em dois anos.

            É isso o que foi aprovado hoje. Agradeço muito aos Senadores que participaram do processo.

            Daqui o projeto ainda vai à Câmara. Eu espero que lá não demore sete anos, como demorou aqui no Senado. E, quando for aprovado, tenho que reconhecer que ainda vai ser nas características de autorizativo, o que significa que o Poder Executivo terá o direito de não ligar para isso, de jogar fora, de deixar de lado. Eu espero que até lá uma pressão surja e se faça como o Presidente Lula fez: pegou a Lei do Piso Salarial, que saiu daqui, que foi de minha iniciativa, como essa lei, e, no meio do caminho, disse: “Eu vou aprovar isso.” Transformou um projeto que era autorizativo em um projeto a ser executado pelo Governo Federal. O Lula sancionou a lei depois de aprovada, e nós já temos quase dez anos de piso salarial.

            Vou passar a palavra para o Senador Lasier, que a pediu em primeiro lugar.

            O Sr. Lasier Martins (Bloco Apoio Governo/PDT - RS) - Senador Cristovam, antes de tudo, quero cumprimentá-lo pela persistência, pela tenacidade com que defende a educação no Brasil. E o projeto que hoje aprovamos na Comissão de Educação, se não me engano, 9 a 1, diz bem da procedência da sua proposta ante o abismo que existe entre as escolas brasileiras. Como bem assinalou V. Exª, há escolas que durante um ano gastam R$500, R$600 com uma criança, e há outras que gastam R$16 mil. Então, isso vai contra a própria Constituição brasileira, que diz no art. 37 que a Administração Pública deve se pautar pelo princípio da moralidade. O sistema de educação que temos no Brasil é imoral, é insano, como disse V. Exª. Então, a minha palavra é de cumprimentos e de pedido. V. Exª deverá ter o nosso apoio no Senado o tempo todo, porque nenhum Senador da República tem lutado tanto quanto V. Exª para a melhoria desse que é o maior mal brasileiro que nós enfrentamos, que é a pouca educação. Cumprimentos.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Obrigado, Senador Lasier.

            Passo a palavra ao Senador José Medeiros.

            O Sr. José Medeiros (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Senador Cristovam, como é bom ver o Senado da República tratando de tema como esse! Como é bom ver esta Casa do povo tratando de grandes temas! Essa é a grande reforma. Esse é o grande objetivo que este País deve perseguir. Aqui tratamos de tantos assuntos todos os dias, falamos de reformas e mais reformas, mas a grande reforma que vai fazer o grande salto deste País é o que V. Exª em quase todos os seus discursos traz aqui: devemos remodelar a educação deste País. As grandes campanhas têm que ser de conscientizar o pai de que ele também é responsável pela educação, de que ele também é responsável por fazer com que aquela criança tenha vontade de aprender. V. Exª falou aqui sobre a escola, que a escola de hoje é a cara do nosso amanhã. Eu morava na roça. Vim do Nordeste e fui para o Mato Grosso. Sou da escola da palmatória ainda, em que a gente estudava com os retalhos do abecedário destacado, que vinha do Mobral. Eu tinha uma professora que tinha um sonho. Eu nunca vi uma pessoa tão motivada, e ela colocava na cabeça de cada criança que o nosso futuro dependia daquilo que nós aprendêssemos. E aquelas crianças tinham isso. Era uma tapera quase caindo, mas ali existia uma escola de verdade, porque havia uma professora motivada. Hoje, os nossos professores - e V. Exª tem denunciado - não têm nem utopia nem têm sonhos, porque isso lhes foi tirado. Hoje eles têm que trabalhar em três, quatro, cinco empregos. A cabeça deles está em todos os lugares, menos focada no que deveria estar. Não conseguem vender sonhos, e os alunos, com isso, não têm com que sonhar. Muito obrigado por me conceder um aparte.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Eu que agradeço, Senador Medeiros.

            Concluo minha fala, Sr. Presidente, agradecendo a todos que fizeram o possível para que hoje o Senado tivesse dado esse primeiro grande passo na direção da adoção das escolas municipais e estaduais pelo Governo Federal. Essa palavra que, durante algum tempo, chamamos de federalização chamemos de adoção. É mais modesto, é mais simples, é mais generoso, é mais adocicado, mas o efeito vai ser o mesmo.

            Senador Lasier, mais uma vez eu agradeço a sua lembrança hoje de manhã, chamando a atenção para o fato de que a Constituição praticamente obriga que a gente faça isso.

            Muito obrigado, Srs. Senadores, Srªs Senadoras.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/06/2015 - Página 367