Discurso durante a 104ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Alerta para a necessidade de o Governo Federal realizar a reforma agrária e regularização fundiária de forma eficaz; e outro assunto.

Autor
José Medeiros (PPS - CIDADANIA/MT)
Nome completo: José Antônio Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FUNDIARIA:
  • Alerta para a necessidade de o Governo Federal realizar a reforma agrária e regularização fundiária de forma eficaz; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 24/06/2015 - Página 373
Assunto
Outros > POLITICA FUNDIARIA
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, MOTIVO, AUSENCIA, COMPROMETIMENTO, REGULARIZAÇÃO, PROPRIEDADE RURAL, ENFASE, NECESSIDADE, TITULARIDADE, ASSENTAMENTO RURAL, POSSIBILIDADE, FINANCIAMENTO AGRICOLA, FINANCIAMENTO RURAL, COMENTARIO, PROPOSTA, ORADOR, COMISSÃO, REFORMA AGRARIA, REALIZAÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA, DEBATE, SITUAÇÃO, OCUPAÇÃO, TERRAS.
  • REGISTRO, ACIDENTE DE TRANSITO, RODOVIA, LIGAÇÃO, MUNICIPIOS, RONDONOPOLIS (MT), PEDRA PRETA (MT), MOTIVO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, MOVIMENTO TRABALHISTA, ASSENTAMENTO RURAL.

            O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, todos que nos acompanham aqui nesta Casa, Senador Cidinho, que está aqui nos visitando - muito nos honra a sua presença -, o que me traz à tribuna no dia de hoje é o decantado tema da reforma agrária, mais especificamente os problemas da regularização fundiária, pano de fundo da maioria dos conflitos e apreensão no campo, hoje, no Brasil.

            Pois bem, a falta de comprometimento do Governo Federal em desenvolver uma política séria para tirar do papel, de forma definitiva, a reforma agrária e acelerar o processo referente às demandas da falta de titulação de áreas existentes vem prejudicando milhares de brasileiros. Para se ter uma ideia, somente em Mato Grosso, o meu Estado, há mais de 500 projetos de assentamentos rurais sem conclusão, onde residem cerca de 83 mil famílias, e existem, ainda, 26 projetos de assentamentos municipais com cerca de 700 famílias.

            É expressivo, portanto, o número de cidadãos e cidadãs que vivem em um ambiente marcado pela instabilidade social, pela insegurança jurídica. Basta visitar qualquer desses assentamentos para perceber que milhares de brasileiros são relegados pelo Estado a uma espécie de limbo jurídico-social.

            Diante da mais aflorada necessidade, as famílias fixam-se nessas terras, fazem dela sua moradia e dão início ao seu trabalho produtivo. Todavia, tudo isso é feito sem a garantia da propriedade dos imóveis, uma vez que o processo de titularização das terras é altamente moroso e de uma complexidade burocrática capaz de invejar o imaginativo escritor tcheco Franz Kafka - e era justamente disso que, há pouco, falava aqui, na tribuna, o Senador Blairo Maggi.

            A complexidade burocrática no Brasil tomou rumos pelos quais não podemos continuar a caminhar. A titularização das terras assentadas, portanto, representa hoje um dos mais sensíveis gargalos para a efetiva implementação de uma reforma agrária justa.

            Isso na perspectiva consagrada por Rui Barbosa, de que justiça tardia nada mais é do que injustiça institucionalizada. É preciso entender que essas famílias assentadas são verdadeiras credoras da União, por imperativo diretamente constitucional, nos termos dos arts. 184 e 189, da Magna Carta.

            A situação já chegou a tal ponto que a própria União, o próprio Estado começa a fazer puxadinhos para poder atender ao financiamento de algumas famílias, Sr. Presidente. Eles dão uma carta de propriedade provisória para essas famílias em que é dito que o Estado reconhece que a família está ali, mas o documento não sai. Portanto, é uma gambiarra para que eles peguem o financiamento.

            Com efeito, a partir da titularização, as famílias passam a poder acessar programas de financiamento, de modo a melhorar a produção e a qualidade de vida. Já o reverso, por óbvio, reduz-lhes a capacidade para investir, diminui-lhes a produtividade e, consequentemente, eleva a taxa de pobreza nessas áreas. Não é temerário dizer que alguns desses assentamentos poderiam ser lamentavelmente caracterizados de favelas rurais.

            O que eu acho interessante é que, ao mesmo tempo em que o Governo canta em verso e prosa, fala de boca cheia da pequena agricultura, da agricultura familiar, alguns setores deste mesmo Governo demonizam a grande agricultura. Então, há muita dificuldade em avançar o processo e a regularização dessas terras.

            O Governo Federal muito tem falado em erradicação da pobreza rural a partir de uma política pública tridimensional, calcada no cooperativismo, na agroindustrialização e na agroecologia. Todavia, o ponto de partida para toda e qualquer política agrária, que é o aperfeiçoamento do processo de regularização fundiária, não tem avançado como deveria. É preciso, pois, repensar o modelo do Incra e dotá-lo dos meios e instrumentos necessários para por em prática ações céleres e eficientes no plano da reforma agrária. E isto o Governo não tem dado mostras de que irá fazê-lo.

            Sr. Presidente, se há um órgão que não funciona, não funciona mesmo, este órgão é o Incra. Talvez ladeado com muita força pela Funai.

            É sabido que a questão agrária no Brasil é marcada pela concentração fundiária, herança histórica do processo de colonização, e que teve profundas implicações nas relações de produção no campo, resultando em desigualdades socioeconômicas. Na década de 90, a formulação das políticas favoráveis à agricultura familiar e à reforma agrária obedeceu, em boa medida, às reivindicações das organizações de trabalhadores rurais e à pressão dos movimentos sociais organizados.

            Todavia, nos últimos anos, é possível perceber retrocesso nesta área, em função de políticas equivocadas e segregadoras.

            Representantes dos movimentos sociais de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul afirmam que as constantes manifestações nas sedes do Incra em todo o País servem como alerta para a população e para o Governo, a respeito da total paralisação do órgão. Existem Estados em que o Incra está há cinco anos sem realizar um dos seus principais objetivos, a reforma agrária.

            Preocupado com esta questão, propus à Comissão de Agricultura e Reforma Agrária a realização de audiência pública para discutir ações que visem à fixação do homem no campo e ao fortalecimento da agricultura familiar. O requerimento foi aprovado e a audiência se realizará nesta quinta-feira, dia 25, às 8 da manhã. Os convidados são a Ministra de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Kátia Abreu; a Presidente do Incra, Maria Lúcia Falcón; o Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, Alberto Broch; e o Secretário de Reordenamento Agrário do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Adhemar Lopes de Almeida.

            Entre os tantos temas que circundam a fixação do homem no meio rural e o desenvolvimento da agricultura familiar, é certo que dedicaremos especial atenção ao aprimoramento dos mecanismos de regularização fundiária. Pretendemos realizar o mais amplo e preciso diagnóstico das patologias do atual modelo, a fim de obter subsídios para contribuirmos com soluções legislativas.

            Para finalizar, Sr. Presidente, gostaria de mencionar um acontecimento lamentável - e que, por sorte, não foi ainda mais trágico -, ocorrido ontem na BR-364, entre Rondonópolis e Pedra Preta. Falo de um engavetamento envolvendo sete veículos, do qual saíram feridas quatro pessoas. Não bastasse a tragicidade em si do evento, a PRF atribui o acidente a um protesto de integrantes do Movimento dos Trabalhadores Acampados e Assentados - notem, Movimento dos Trabalhadores Assentados - responsável pelo bloqueio da pista.

            Temos aí, Sr. Presidente, mais um triste e diário capítulo dessa verdadeira novela em que se constitui a regulamentação fundiária no Brasil. É passada a hora de enfrentarmos e, mais do que isso, resolvermos essa questão.

            Essas pessoas foram para as rodovias simplesmente porque não conseguem ser atendidas no Incra. O órgão não os recebe! Já estão assentados, mas simplesmente foram jogados lá e pronto. Isso não é reforma agrária. Lima Barreto já denunciava, no início do século passado, que esse modelo não funcionava.

            Portanto, convido as Srªs e os Srs. Senadores e toda a população que nos acompanha a participarem da audiência pública da próxima quinta-feira.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/06/2015 - Página 373