Discurso durante a 104ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da participação do Plenário do Senado na decisão sobre o tema da redução da maioridade penal.

Autor
Ricardo Ferraço (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Ricardo de Rezende Ferraço
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL:
  • Defesa da participação do Plenário do Senado na decisão sobre o tema da redução da maioridade penal.
Aparteantes
Benedito de Lira.
Publicação
Publicação no DSF de 24/06/2015 - Página 379
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL
Indexação
  • CRITICA, CAMARA DOS DEPUTADOS, MOTIVO, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, ASSUNTO, REDUÇÃO, MAIORIDADE, IMPUTABILIDADE PENAL, DEFESA, PROJETO, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ALOYSIO NUNES FERREIRA, SENADOR, OBJETIVO, COMBATE, IMPUNIDADE, MENOR, INFRAÇÃO, CRIME HEDIONDO, DESTINAÇÃO, MINISTERIO PUBLICO, COMPETENCIA, ANALISE, DIFERENÇA, PENA.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, brasileiros e capixabas que nos acompanham pela TV Senado até esta hora da noite, mesmo com o plenário um pouco vazio, queremos trazer aqui nossa manifestação, nossa opinião acerca de um tema que tem frequentado a agenda brasileira. Na semana anterior, esse tema foi alvo de decisão por parte da Câmara dos Deputados. Em que pese a legitimidade da decisão adotada pela Câmara dos Deputados, quero expressar minha divergência, por entender que o caminho adotado pelo conjunto dos Deputados Federais não é o melhor caminho para que possamos enfrentar um tema tão complexo como esse. Refiro-me, Senador Benedito, ao tema da redução da maioridade penal.

            Fui Relator daquela que considero a mais criteriosa proposta, porque ela reduz a maioridade penal com critério, com rito definido, com tipificação adequada, que é uma proposta apresentada pelo Senador Aloysio Nunes Ferreira. O tema foi decidido na Câmara Federal e, agora, vem para o Senado, que, há alguns meses, há alguns anos, está discutindo essa matéria. O debate foi duro, porque o tema é polêmico. Na Comissão de Constituição e Justiça, Senador Wilder, na condição de Relator, perdemos a votação por dez votos a oito. Ato contínuo, apresentamos um recurso à Mesa Diretora, para que esta pudesse ouvir o conjunto dos Srs. Senadores. Participaram desse debate, naquele momento, apenas os Senadores que fazem parte da Comissão de Constituição e Justiça. O recurso tem o sentido de fazer com que a Mesa Diretora, o Presidente do Congresso e do Senado, Senador Renan Calheiros, possa submetê-lo ao Plenário do Senado, para que todos os Senadores, o Plenário possa decidir, não apenas a Comissão de Constituição e Justiça, pela dimensão desse tema.

            O fato objetivo é que, desde os anos 90, o tema tem sido alvo de um crescente debate, e, nesse tempo todo, lamentavelmente, tem sido um debate dominado por posições extremadas, contaminadas por um conjunto de visões ideológicas rivais, entre aqueles que desejam que tudo continue como está e aqueles que querem reduzir a maioridade penal sem critério.

            O Senado tem a chance, a meu juízo, de encarar de maneira corajosa e racional uma questão que aflige a grande maioria da sociedade. E como encará-la?  É preciso submeter ao Plenário do Senado recurso que foi assinado por mais de 30 Senadores, para que, além da Comissão de Constituição e Justiça, o Plenário do Senado possa se manifestar como forma de se colocar como protagonista diante desse tema, senão,  em algumas semanas, o Senado vai receber a matéria que foi aprovada na Câmara, vamos debatê-la, e esse tema volta para a Câmara. Ou seja, o Senado precisa ter protagonismo.

            Portanto, estamos também aproveitando esta oportunidade para reivindicar ao Presidente do Senado, Senador Renan Calheiros, que ele possa submeter esse recurso ao conjunto dos Senadores. Em particular, o Plenário do Senado tem, como estou afirmando, há cerca de um ano, a meu juízo, de novo, a melhor e maior resposta que pode ser dada a essa que é uma demanda que está posta no dia a dia da sociedade.

            Esse projeto equilibrado e responsável não tem, na sua principal motivação, o desejo de encarcerar mais jovens, até porque isso não vai resolver o problema, considerando que o sistema prisional brasileiro ou mesmo as unidades socieducativas, com alguma exceção, são universidades que aperfeiçoam o crime. O objetivo não é prender por prender mediante uma simples redução da maioridade penal, mas é combater a impunidade nessa faixa etária. Visa a combater a impunidade até mesmo como valor didático e pedagógico. A PEC 33, de 2012, visa a combater a impunidade de crimes hediondos cometidos por jovens entre 16 e 18 anos e a intimidar essa faixa etária de continuar cometendo atrocidades como latrocínio, estupro e tortura.

            Na hipótese que defendo, os crimes envolvendo menores passam a ser diferenciados. O texto prevê que o Ministério Público é quem aciona a redução da maioridade penal naquele caso específico, ficando a cargo do juiz dar a palavra final, ou seja, a penalidade se dará mediante uma avaliação criteriosa feita por um promotor que atue na Vara da Infância e da Juventude, seguida a de um magistrado que também tenha experiência e formação ou especialização nesse segmento. Só assim será apurado se o adolescente em questão compreende a gravidade do crime que cometeu.

            Está, então, nas mãos de todos os Senadores avaliar e deliberar sobre uma alternativa consistente aos dois polos que se formaram em torno da questão da maioridade penal: o daqueles que querem manter tudo como está e o de outros que querem a simples redução da faixa etária, dos atuais 18 anos para 16 anos, sem critério algum, a todo e qualquer custo.

            A proposta de emenda constitucional que avança na Câmara Federal reduz, a qualquer custo e sem qualquer critério, a maioridade penal para 16 anos, sem a necessária reflexão. É nessa hora que cresce a responsabilidade do Senado como Casa revisora em oferecer um ponto de convergência, uma solução de equilíbrio que contemple cada caso com o critério que ele merece.

            O quadro desafiador, envolvendo crimes bárbaros praticados diariamente por menores, não será domado com a simples mudança no alcance penal. A situação dos 23 mil jovens internados também não será tratada adequadamente só com discursos. Em São Paulo, por exemplo, 2,5% dos dez mil adolescentes internados praticaram crimes hediondos, dos quais 71% têm 16 anos ou mais. Ou seja, existem jovens dessa faixa etária que praticam crimes com requintes de crueldade, mas que querem ser julgados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente como se crianças e adolescentes fossem, e não o são.

            É verdade que o Estatuto da Criança e do Adolescente não tem merecido do Poder Público uma dimensão de efetividade, mas, enquanto o Poder Público cuida do desenvolvimento e da implantação do ECA, também há a obrigação, simultaneamente, de se criarem condições especiais para combater a impunidade dos criminosos nessa faixa etária, sim, até porque, independentemente de fazer 16 ou 17 anos, os criminosos cruéis precisam ser reconhecidos como tais e impedidos de voltar a praticar crimes como o da dentista morta barbaramente por um menor de 17 anos apenas por não ter dinheiro no seu consultório. Vamos recordar algo pior: aquele jovem que matou covardemente a namorada na véspera de completar 18 anos e ainda fez piada com isso, postando aquele requinte de crueldade nas redes sociais.

            Precisamos criar um sistema em que a perspectiva de punição para os jovens seja tão pesada quanto o é para os adultos, mediante determinados critérios. Portanto, estamos defendendo a redução da maioridade penal nos casos que citamos aqui de crimes hediondos.

            É preciso trabalhar a privação da liberdade desses criminosos e psicopatas, que não fizeram dezoito anos, mas que são capazes de crimes com requintes de crueldade e não podem continuar andando impunemente, tirando a vida de seres humanos absolutamente inocentes, trazendo angústia e tristeza a tantas famílias do nosso País.

            O que víamos até então é que tanto defensores quanto críticos da redução da maioridade penal formaram conceitos quase que às cegas, com dados imprecisos, como o mito de que 1% dos assassinatos é atribuído aos menores de dezoito anos. A discussão não evoluiu porque os dados e os indicadores não são confiáveis.

            O que proponho na prática é uma adequação a favor do bom senso geral e da segurança pública em particular. É óbvio que, em casos de excepcional gravidade, é preciso uma punição mais eficaz do que a preconizada no Estatuto da Criança e do Adolescente. O Estatuto prevê, no máximo, três anos de internação, sendo o jovem assassino ou estuprador devolvido à sociedade como réu primário para que ele possa reincidir e, de novo, achacar a vida de pessoas semelhantes. Isso não é possível.

            A PEC 33, que não é de minha autoria, mas do Senador Aloysio Nunes Ferreira, que relatei na Comissão de Constituição e Justiça, deixa claro que essa regra pode e deve ser flexibilizada. De toda forma, os jovens infratores cumpririam pena em instituições específicas, separadas, apartadas de criminosos adultos.

            Em 19 de fevereiro de 2014, o meu relatório foi vencido na Comissão de Constituição e Justiça, como disse aqui anteriormente, ratificando, em uma votação apertada, com dez votos a favor e oito votos contra. Desperdiçamos ali a chance de avançar com uma solução equilibrada, uma solução razoável para reduzirmos a impunidade, cuja intensidade estamos vendo ampliar no dia a dia da sociedade brasileira.

            Dias depois da rejeição na CCJ, o Senador Aloysio Nunes Ferreira e tantos outros, assim como eu, apresentamos recurso ao Plenário. E, desde lá, lamentavelmente, isso não foi submetido, para que o Plenário do Senado pudesse debater esse tema.

            Não adianta tapar o sol com a peneira e deixar tudo como está. A virulência de um crime não pode ser medida a partir da idade do seu autor.

            Diante das constantes notícias de ataques cruéis nas ruas, cometidos por adolescentes contra cidadãos indefesos, com esfaqueamentos, sequestros e execuções sumárias, a população cobra uma resposta urgente. As pessoas esperam que a ação violenta dos jovens seja coibida dentro da lei, de modo que culpados não permaneçam impunes e livres para atos reincidentes.

            É ingenuidade acobertar, sob o Estatuto da Criança e do Adolescente, psicopatas que torturam, estupram e matam. Basta lembrar que o Código Civil permite que um jovem de 16 anos, que já tem maturidade para votar e influir, portanto, na vida política do País, também se emancipe para constituir família e abrir e gerenciar empresas, com todas as responsabilidades fiscais e trabalhistas.

            Não é possível que, em pleno século XXI, não tenhamos a capacidade de identificar que um jovem com 16 ou 17 anos tem pleno discernimento das suas opções e das suas escolhas. O que está acontecendo é que, na prática, eles não se veem alcançados pela legislação. Por conta disso, o crime é estimulado pela impunidade.

            Mas também é um exagero carimbar como criminosos menores que cometem pequenos delitos, por imaturidade. Cada caso é um caso. Esse é o tal caminho do meio que estamos defendendo.

            Pelo projeto aprovado na Câmara, Sr. Presidente, Senador Walter Pinheiro, um simples usuário de drogas, que, eventualmente, for classificado, no boletim de ocorrência, na delegacia - porque a polícia Militar faz a parte ostensiva -, não como usuário, e, sim, como traficante, ele vai ter a redução da maioridade penal alcançada. Nós sabemos que isso acontece muito no dia a dia. E não podemos, simplesmente, imaginar que, encarcerando esses jovens, estaremos resolvendo o problema. Não.

            Os jornais, hoje, já atestam que o Brasil dispõe da quarta maior população carcerária do mundo, tamanha a escalada da violência no nosso País. E, no centro, no núcleo dessa escalada, está essa desgraça do consumo e do tráfico de drogas, que deveríamos combater nas fronteiras, e não nas cidades, porque são conhecidos os corredores por onde passam essas drogas que não são produzidas aqui, que são importadas de países que fazem fronteira seca com o nosso País.

            De modo, Sr. Presidente, que deixar tudo como está é ignorar um fato efetivo e real, qual seja a violência juvenil. Atropelar o mais elementar senso de justiça e deixar a sociedade refém do medo sem uma decisão equilibrada, a tendência é que a sociedade passe a pressionar por medidas mais radicais. O debate, portanto, precisa ser pautado.

            Encerro as minhas palavras fazendo de novo um apelo ao Presidente, Senador Renan Calheiros, para que ele coloque esse recurso, a fim de que os Senadores possam debater e para que possamos cotejar a diferença das propostas da Câmara para o Senado. Ao cotejar as diferenças, que possamos fazer, como afirma sempre o nosso Senador Delcídio, um debate qualificado em relação a esse tema, que impacta a rotina de milhares e centenas de milhões de brasileiros de todos os Estados, Estados grandes, pequenos, não apenas as grandes e médias cidades, mas também as pequenas cidades, que já são alcançadas por essas deformações, que são uma realidade nesse tempo em que estamos vivendo.

            Mas ouço, com enorme prazer, o Senador Benedito de Lira.

            O Sr. Benedito de Lira (Bloco Apoio Governo/PP - AL) - Nobre Senador Ferraço, V. Exª, mais uma vez, traz um tema que é recorrente, hoje, no País. Não é por acaso que mais de 80% da população brasileira pedem para que a maioridade seja...

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Quase 90%.

            O Sr. Benedito de Lira (Bloco Apoio Governo/PP - AL) - Pois é, mais de 80%. São 90%.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - É verdade! Está correto V. Exª.

            O Sr. Benedito de Lira (Bloco Apoio Governo/PP - AL) - Antes de ontem, eu assistia ao jornal. Se a memória não me falha, parece-me que pela Rede Record vi um garoto sendo levado pela Polícia com 14 anos de idade. O policial perguntou a ele por que ele tinha agido daquela forma. Ele encontrou uma senhora na rua, aproximou-se dela e lhe pediu o celular. Ela tentou não dar atenção. Ele levantou a camisa e mostrou uma arma, um revólver. Quando, então, pediu o celular, ela entregou. Ele saiu correndo, e a polícia pegou. Quando perguntado por que tinha feito aquilo, ele disse que foi por emoção, foi a emoção de ver como era, porque vê isso todos os dias sendo feito. Então, nobre Senador Ferraço, como V. Exª acabou de dizer, esta Casa e o Congresso Nacional têm que tomar uma decisão, e  uma decisão equilibrada. Aparecem agora, porque estão vendo que a decisão haverá de sair, algumas  defesas e algumas sugestões. Por que o Governo, através do Ministério da Educação, não revitaliza as escolas agrícolas que existiam neste País e que hoje estão em fase praticamente de extinção? Há escola agrícola no meu Estado, em Pernambuco, na Paraíba. Por que não se colocar garotos, jovens, na faixa etária de 14 a 17 ou 18 anos para estudar em sistema de internato, para que possam aprender uma profissão? Isso existia no passado, e nós não tínhamos esse grau de violência praticada por menores. O que existe é muita   hipocrisia neste País, infelizmente, e não só nos segmentos de menores, mas em outros segmentos da sociedade. Há muita hipocrisia, pois as pessoas veem ao longe, mas não enxergam os resultados, as ações, aquilo que deveria ser feito. Assim, infelizmente, nós vamos continuar vendo garotos com 14 anos de idade dizendo que praticaram um delito por emoção, porque acharam bonito os outros fazendo. Isso é triste para a sociedade brasileira e para os jovens, que precisam de escola, precisam de uma atividade, precisam fazer alguma coisa para ocupar o seu tempo. A juventude de hoje, nobre Senador, é diferente da juventude do passado, de 30, 40 ou 50 anos atrás. Hoje, essa moçada de 8, 10, 12 anos de idade sabe mexer em um computador, sabe usar a internet, sabe fazer coisas que muita gente hoje ainda não sabe. Então, há evolução para o bem como também para o mal. Portanto, é preciso coragem para que, numa parceria entre Governo e iniciativa privada, possamos salvar a juventude do nosso País. Eu queria cumprimentar V. Exª, pois tenho acompanhado o seu trabalho, a sua dedicação e a sua preocupação. Por isso, eu queria cumprimentá-lo, na noite de hoje, por mais esse pronunciamento de V. Exª. Mas é preciso que a sociedade brasileira, que os órgãos e as instituições brasileiras, que a iniciativa privada abram os olhos, porque o mal não é apenas para determinados segmentos, é para todos. Por isso, os jovens do meu País precisam ter uma atividade diferente do que a prática do crime. Muito obrigado.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Eu que agradeço a contribuição de V. Exª, fazendo esse depoimento com a sua visão, com a sua experiência de vida. Peço autorização a V. Exª para incorporar no meu discurso esse aparte que V. Exª apresenta.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.

            Muito obrigado, Srªs e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/06/2015 - Página 379