Discurso durante a 105ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Leitura de carta ao Ministro da Fazenda que critica a destinação de quantidade vultosa de recursos para a construção da Usina Nuclear de Angra III diante da crise econômica apresentada pelo País; e outro assunto.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO:
  • Leitura de carta ao Ministro da Fazenda que critica a destinação de quantidade vultosa de recursos para a construção da Usina Nuclear de Angra III diante da crise econômica apresentada pelo País; e outro assunto.
MINAS E ENERGIA:
Publicação
Publicação no DSF de 25/06/2015 - Página 512
Assuntos
Outros > EDUCAÇÃO
Outros > MINAS E ENERGIA
Indexação
  • COMENTARIO, PROPOSIÇÃO LEGISLATIVA, APROVAÇÃO, COMISSÃO DE EDUCAÇÃO, OBJETO, FEDERALIZAÇÃO, EDUCAÇÃO BASICA.
  • LEITURA, CARTA, DESTINO, JOAQUIM LEVY, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), ASSUNTO, CRITICA, CONSTRUÇÃO, USINA NUCLEAR, MUNICIPIO, ANGRA DOS REIS (RJ), RIO DE JANEIRO (RJ), SOLICITAÇÃO, DESISTENCIA, OBRAS, MOTIVO, SEGURANÇA, REDUÇÃO, GASTOS PUBLICOS.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.

            Ontem, estive nesta tribuna falando da aprovação que conseguimos na Comissão de Educação do projeto que inicia um processo que vem sendo chamado de federalização da educação de base.

            Hoje, pela Agência Senado, li matéria do jornalista Rodrigo Batista e os comentários do Ministro Janine, pessoa pela qual tenho o maior respeito - fiz questão de parabenizar a Presidente Dilma quando o nomeou. Ele fez alguns comentários. Aproveito esta tribuna para explicar aquilo que ele não entendeu.

            Primeiro, ele disse que a educação é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Continua assim, mas a União terá responsabilidade pela carreira dos professores, pela qualidade das escolas. Não terão essa responsabilidade os Municípios e os Estados, mas a União. Agora, os Estados continuarão participando na definição das especificidades do currículo e de outras atividades.

            Ele disse que isso vai levar um longo tempo. É verdade, isso vai levar um longo tempo, porque educação não se faz de um dia para outro. Mas isso está parado! Vai levar um longo tempo andando, caminhando, cidade por cidade. A proposta que elaborei e que foi aprovada permite que, em dois anos, haja uma revolução educacional em uma cidade, em duas, em três, em cinco ou em dez cidades, mas não nas 5.564. Para isso chegar a todas as cidades, vamos precisar de 20 anos. O projeto de lei fala em três milhões de crianças novas por ano sob o patrocínio da União. Ele fala também que não podemos aplicar automaticamente esse padrão das escolas federais, que são as melhores do Brasil, e estou totalmente de acordo.

            Então, Ministro, isso vai demorar, mas começará. E hoje isso não está começando ainda.

            Finalmente, ele fala que centralizar tudo em Brasília é um erro. Esse é um erro! Centralizar a gestão é um erro. Por isso, o projeto permite e defende a descentralização, escola por escola, como já é hoje nas universidades, nas escolas técnicas, nas escolas militares. Ou seja, será mais descentralizada do que é hoje, quando o chefe é o Prefeito. Aí o chefe vai ser a comunidade de cada escola.

            Sr. Presidente, dito isso, quero aproveitar hoje - esta é a intenção de eu ter vindo aqui - para ler um documento que me chegou às mãos. Não vou ler o documento inteiro, mas vou ler boa parte. É uma carta aberta de um grupo de 35 entidades e de mais 193 pessoas até o momento - isto foi publicado já faz um mês - ao Ministro Levy. Mas não é uma carta, Senador Acir, que fala de ajuste, que fala de juros. Não! Fala de algo em favor da redução de gastos. Fala do absurdo que parece a essas pessoas, e a mim também, o gasto de alguns bilhões de reais em um País em crise para fazer mais uma central nuclear em um País que não precisa de central nuclear para gerar energia. Apenas 3% da energia saem das centrais nucleares que nós temos. Para que fazer mais uma central nuclear, no momento em que o mundo inteiro contesta a correção do uso de energia sob fontes nucleares?

            Essas pessoas fizeram uma carta que começa dizendo:

Sr. Ministro, temos seguido pelos jornais seus esforços para diminuir os gastos do governo [ou seja, começa se solidarizando com a redução dos gastos]. Pois teríamos uma sugestão a lhe fazer, que se mede em termos de bilhões a serem economizados imediatamente: parar a construção da usina nuclear de Angra III.

Essa obra está cercada de possíveis surpresas desagradáveis: as que já estão sendo provocadas por revelações de grandes empresas que dela participam e têm seus nomes nas listas da Lava Jato e as que podem ser determinadas pela Justiça, caso o Ministério Público leve adiante uma denúncia feita em 2010 [cinco anos atrás] pelo engenheiro de segurança Sidney Luiz Rabello, da Comissão Nacional de Energia Nuclear.

Sua denúncia - que seus superiores tentaram desmentir, sem conseguir - foi a de que o projeto de Angra III é anterior aos grandes acidentes ocorridos a partir de 1979 e não foi atualizado para adequar-se às novas normas de segurança que a Agência Internacional de Energia Atômica editou, em função desse acidente. O Procurador Federal então em exercício em Angra dos Reis transformou a denúncia [do engenheiro Sidney] em recomendação, bem fundamentada em processo de quatro volumes, a que, infelizmente, a Eletronuclear respondeu com a usual tecnicidade enganosa.

Sr. Ministro, parar esta obra, até que um dia o projeto seja revisto, lhe daria também a oportunidade de mostrar que, além de cuidar da economia, V. Exª [o Ministro Levy] se interessa peta segurança e bem-estar da sociedade, preocupando-se, portanto, em evitar que venha a acontecer um acidente nuclear no Brasil, provocado por falhas de projeto, como os ocorridos em Chernobyl e Fukushima. Quem tem informações sobre os pormenores desses trágicos acidentes [eu visitei Chernobyl] classifica-os como catástrofes, pelo sofrimento em curto e longo prazos dos trabalhadores das usinas e dos moradores das regiões circundantes e pelos milhares de mortes que já causaram, continuando a ameaçar muitas gerações futuras, por força da contaminação radioativa de extensos territórios.

Mas referindo-nos apenas aos aspectos econômicos, V. Exª, certamente, sabe que o Sr. Pedro Malan, Ministro da Fazenda do Sr. Fernando Henrique Cardoso, não tomou posição a favor ou contra o programa nuclear, mas não liberou verba para a construção de Angra III por causa do custo.

            Aqui se fala do custo financeiro, do custo econômico que representa cada quilowatt que sai de uma central nuclear, para não falar do custo ecológico, dos riscos.

Sabe também, certamente [Sr. Ministro Levy], que um pedido de financiamento a bancos europeus, para terminar a obra, ficou muitos meses pendente, por falta de resposta brasileira a questões da companhia de seguros alemã Hermes, relativas à segurança da usina, e que esse pedido de financiamento foi, então, repassado à nossa Caixa Econômica Federal, que não pediu nenhuma informação desse tipo e o atendeu [atendeu imediatamente à determinação, sem os cuidados devidos, como tomaram as empresas, as agências de segurança e de seguros alemães].

Parar essa obra também economizará muitos recursos futuros - sempre na ordem de bilhões - para o atual e para os futuros governos, se a obra for realizada e tivermos que desativar o programa nuclear posteriormente, como está fazendo a Alemanha [como está fazendo o Japão, como está fazendo a Itália]. O simples desmonte de uma usina e sua descontaminação (“descomissionamento”) pode durar de 20 a 60 anos, com custos em geral maiores do que o próprio custo de sua construção. Ao tomar a decisão de descontinuar seu programa nuclear, a Alemanha passou a investir em fontes renováveis de energia, mais seguras e mais limpas, como a solar, por exemplo, que no Brasil temos de sobra, para atender a boa parte de nossa demanda energética.

            Não fazemos o esforço devido nas pesquisas científicas e tecnológicas nem nos investimentos para nos beneficiarmos da energia solar. Hoje, se quisermos, de fato, implantar a energia solar no Brasil, vamos ter de comprar equipamentos estrangeiros, porque não estamos investindo no Brasil para isso. Investimos em uma central nuclear, quando os outros países estão abandonando, Senador Jader, a alternativa nuclear.

É bom lembrar que esses descomissionamentos nunca poderão ser deixados para depois, uma vez que centrais nucleares compõem-se de diversos edifícios, com equipamentos que não podem ser abandonados na natureza, com grandes quantidades de rejeitos radioativos (lembremo-nos de Goiânia, onde somente 19 gramas de Cloreto de Césio 137, deixadas num equipamento de radioterapia desativado, causaram logo a morte de 11 pessoas e contaminaram 600 outras) [e exigiram gastos altíssimos para colocar os lixos nucleares].

Muitos desses rejeitos têm "meias-vidas" [maneira técnica de dizer] de milhares de anos e devem ser, por isso, "escondidos" em túneis profundíssimos, isolados da biosfera, até que suas emissões radioativas [milhares de anos depois] caiam a níveis que não provoquem danos aos organismos vivos.

            Sr. Presidente, Srs. Senadores, é uma longa carta que merece ser lida e que vou distribuir para cada Senador. Não vou aqui tomar o tempo para ler tudo. Vou ao final:

Terminando, podemos lhe dizer [Sr. Ministro Levy, assim dizem os que assinam esta carta, e sou um deles] que suas previsões de despesas poderão explodir com a elevação contínua de custos exigida pela segurança das usinas: o senhor Ministro deve estar informado de que a AREVA, empresa francesa detentora de um dos contratos para terminar Angra III, está entrando em falência por causa desses custos e não está conseguindo terminar, nem sua moderníssima usina de Flamanville na França, nem outra igual que vendeu para a Finlândia [e a gente está comprando uma usina dessa empresa].

É certo [é o último parágrafo, Presidente] que vai ser difícil convencer a Presidenta Dilma de parar Angra III: ela era Ministra do Presidente Lula quando este decidiu retomar essas obras. Mas essa não é uma economia a desprezar, mesmo pagando alguma multa às empreiteiras.

            Isso será muito mais barato para este momento em que se busca ajuste e em que falta dinheiro e para o futuro, onde sobrará radioatividade, se acontecer alguma tragédia. Será muito mais barato parar, pagando algumas multas às empreiteiras, do que continuar.

            Conclui: “Talvez, a gravidade da atual crise faça prevalecer o bom senso no Planalto.”

            Essa é a carta, Sr. Presidente, assinada por, naquela época, 35 organizações, por 193 cidadãos e cidadãs, entre os quais me incluo com muito orgulho.

            Sr. Presidente, vou distribuir esta carta a todos os Senadores. Eu gostaria de pedir uma reflexão de nossa parte, para tentarmos influir no estancamento, na parada, na suspensão disso que pode ser um grande, um imenso erro, que, se acontecer, não vai mais dar tempo de corrigir.

            É isso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/06/2015 - Página 512