Discurso durante a 119ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Incredulidade na eficácia da redução da maioridade penal como forma de diminuição da criminalidade infanto-juvenil no País; e outro assunto.

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Autor
Fernando Collor (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/AL)
Nome completo: Fernando Affonso Collor de Mello
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA:
  • Incredulidade na eficácia da redução da maioridade penal como forma de diminuição da criminalidade infanto-juvenil no País; e outro assunto.
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
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Publicação
Publicação no DSF de 14/07/2015 - Página 108
Assuntos
Outros > SEGURANÇA PUBLICA
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • CRITICA, REDUÇÃO, MAIORIDADE, IMPUTABILIDADE PENAL, MOTIVO, AUSENCIA, EFICACIA, PENALIDADE, ADOLESCENTE, ENTENDIMENTO, ELIMINAÇÃO, CRIME, SOCIEDADE, NECESSIDADE, INTEGRALIDADE, IMPLANTAÇÃO, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.
  • REGISTRO, APRESENTAÇÃO, PROJETO DE RESOLUÇÃO, CRIAÇÃO, COMENDA, ZILDA ARNS, OBJETIVO, CONDECORAÇÃO, PESSOAS, INSTITUTO, AUTORIA, ATIVIDADE, PROTEÇÃO, CRIANÇA, ADOLESCENTE.

            O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco União e Força/PTB - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente Jorge Viana.

            Srªs e Srs. Senadores, há exatos 25 anos, no dia 13 de julho de 1990, eu tive o privilégio e a honra de sancionar a Lei nº 8.069, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente e que se encontra hoje sob o questionamento dos que o acusam de complacência, condescendência e permissividade para com menores infratores.

            Foi também em 1990, logo no primeiro ano de governo, que instituí o programa Minha Gente, do qual fazia parte a implantação em todo o País de cinco mil Centros Integrados de Atenção à Criança e ao Adolescente, os conhecidos CIACs. A concepção era a de escolas de tempo integral, com a oferta não só do ensino tradicional, mas também de atividades diversas no campo artístico, cultural, esportivo e também de formação profissional. No âmbito do programa, os CIACs eram apenas o lócus para alcançar os objetivos sociais mais amplos do programa Minha Gente.

            Além disso, criei o projeto Ministério da Criança, instituído pelo Decreto nº 99.683, de 1990, que tinha força simbólica da prioridade do governo na coordenação e integração das políticas públicas voltadas às crianças brasileiras.

            Lembro que naquele mesmo ano, em 30 de setembro, durante a sessão de trabalho na Cúpula Mundial pela Criança, promovido pela ONU, em Nova York, dissertei sobre a disposição de meu governo na implementação de medidas para solucionar os graves problemas sociais de nossa população infantil. Disse eu à época:

Situo em três planos essenciais nossas responsabilidades nessa questão. As crianças precisam, em primeiro lugar, ter respeitados os seus direitos humanos fundamentais. Precisam elas igualmente ter o direito de viverem em sociedades que incorporem os frutos do progresso e que lhes assegurem um padrão de vida material condizente com os requisitos da dignidade humana. As crianças precisam, por fim, ter garantido o direito a um meio ambiente preservado e limpo.

            Acrescentei mais: “O novo Estatuto da Criança e do Adolescente, que sancionei em julho passado, incorporou o conceito de proteção integral consagrado na Convenção sobre os Direitos da Criança.”

            Criamos o programa Ministério da Criança, que tem por objetivo somar de maneira mais eficiente e racional as ações das diferentes áreas do governo na assistência ás crianças pobres.

            Lançamos também a Campanha Nacional de Alfabetização, talvez a maior já tentada em qualquer país do mundo.

            Contudo, Sr. Presidente e Srªs e Srs. Senadores, nenhuma daquelas iniciativas teve continuidade nos governos que me sucederam.

            Tenho certeza de que, se aqueles programas, se aquelas campanhas, se aquela política pública por mim implantada tivesse prosseguido - e com absoluta prioridade -, hoje, 25 anos depois, não estaríamos discutindo aqui, no Congresso Nacional, e no seio da sociedade como um todo, a redução da maioridade penal.

            Há mesmo quem acredite que a violência endêmica que assola este País tem alguma vinculação com o Estatuto da Criança e do Adolescente e que se verá exterminada a violência por decreto, como em um passe de mágica, no dia seguinte àquele em que submetermos os adolescentes às mesmas masmorras em que padecem outros seiscentos mil brasileiros.

            Afinal, Sr. Presidente, Jorge Viana, por que para diminuir a criminalidade é preciso reduzir a maioridade penal? Por quê? Esta é uma equação simplória, mas que jamais fechará, jamais dará resultado positivo. Prefiro o raciocínio direto e realista de que, se não garantimos a escola, como podemos querer responsabilizar penalmente os menores de 18 anos?

            Nessas horas em que a paciência, a tolerância e a generosidade da população brasileira parecem ter sido sequestradas pelo medo, que sempre foi um péssimo conselheiro, eu gostaria de exaltar aqui a importância do ECA e da política por ele instituída, e, na verdade, nunca plenamente implantada, de proteção integral à infância e à juventude.

            E começo por observar que o ECA não foi produto do improviso, mas o coroamento de um movimento que, ao longo dos anos oitenta, reconhecia a necessidade e a urgência de uma mudança de enfoque sobre a infância e a juventude, com a superação do modelo assistencialista e correcional repressivo do Código de Menores, que vigorava até então.

            Inspirado pela Convenção Internacional sobre Direitos da Criança, das Nações Unidas, de que o Brasil é signatário, e destinado a regulamentar o art. 227, da Constituição então recém promulgada, o ECA foi resultado de intensa discussão e ativa participação popular com a articulação de inúmeras forças políticas, entre as quais a Frente Parlamentar pelos Direitos da Infância e Juventude, o Fórum de DCA, a Pastoral do Menor, o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, o Fórum Nacional de Dirigentes de Políticas Estaduais para Criança e Adolescente, na Sociedade Brasileira de Pediatria, a OAB, a Abrinq, dentre outros.

            Consolidavam-se, então, duas certezas: a certeza de que o Brasil precisava fazer da criança uma prioridade nacional absoluta e a certeza de que as ações nesse sentido deveriam articular necessariamente o Estado, a família e à sociedade por meio da descentralização político-administrativa e participação popular, consubstanciada nos Conselhos Tutelares, responsáveis pela garantia dos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes.

            Contra a abordagem puramente repressiva que caracterizava o Código de Menores e que conduzia invariavelmente a reincidência o novo Estatuto propunha, de forma inovadora, a doutrina da proteção integral com adoção de medidas socioeducativas que perseguissem efetivamente a recuperação e a reinclusão social do adolescente infrator.

            Elogiado e imitado em inúmeras outras partes do mundo, o ECA nunca chegou, porém, a ser completamente implantado entre nós - nunca chegou a ser completamente implantado entre nós!

            Com efeito, tivéssemos sido capazes, nos últimos 25 anos, de instalar as políticas de proteção integral à infância prescritas pelo Estatuto, o problema que enfrentamos hoje simplesmente não se colocaria. Os adolescentes de hoje teriam recebido, quando crianças, educação e saúde de qualidade, teriam tido direito à habitação digna e à assistência social e compartilhariam, como sujeitos de direitos e cidadãos plenamente inseridos em nosso meio social, nossos valores e nossas práticas. Mas não.

            Não fomos capazes, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de levar plenamente a cabo a proteção integral à criança e pagamos agora o altíssimo preço da omissão e da ausência do Estado, que sempre pesará mais sobre aqueles que não têm fora do Estado nenhuma opção. Porque os jovens que nos inquietam hoje são exatamente as crianças que abandonamos ontem, são o produto da gravidez precoce e indesejada, de famílias desestruturadas, a quem não soubemos dar assistência. São, em sua grande maioria, seres humanos que conviveram mal com seus pais e pouco frequentaram a escola. Elas são, enfim, produto da negligência, da exploração, da violência, da crueldade e da opressão. Foram crianças que nunca receberam afeto, expostas desde muito cedo às regras selvagens das ruas. São filhos da indiferença, da discriminação, do desprezo. Nunca tiveram quem os acolhesse. Nunca tiveram a quem apelar. Aprenderam, no mais absoluto abandono, na solidão severa e fria das ruas, a engolir o choro e a ignorar a dor. Não sabem e nunca souberam o que é o amor. E, no entanto, aqui estamos nós a exigir que esses jovens que foram de tudo excluídos, que nunca foram verdadeiramente sujeitos de direitos, que sempre foram marginalizados se comportem como nós. E exigimos que aceitem nossas leis, e exigimos que respeitem nossas regras. Mas como, se eles sabem que suas vidas foram ceifadas com a frieza, com a malícia, com o ódio? Mas como, se nunca foram submetidos a nossos parâmetros civilizatórios e a nossos contratos sociais?

            Hoje, Sr. Presidente Jorge Viana, reduzir a maioridade penal e enrijecer as penas, nas atuais situações ou condições sociais do Brasil, beira à deslealdade, uma deslealdade maior do que os próprios crimes cometidos pelos jovens infratores.

            Convenhamos, o jovem que nos atemoriza não é um de nós. Não estamos aqui falando de jovens da classe trabalhadora, que frequentam a escola e sonham com um futuro melhor. Não estamos aqui falando dos nossos filhos e dos nossos netos. Estamos falando de jovens que agridem por uma bicicleta, um celular, um troco qualquer e que não sentem remorso, não sentem culpa, porque vivem em outro mundo que não é o nosso, têm outra lógica que não é a nossa, pautam-se por outros valores que não são os nossos. Estamos falando de jovens que aprenderam, pela nossa indiferença, a fazer da violência um modo de vida.

            Quem são eles? São muitos, Sr. Presidente.

(Soa a campainha.)

            O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco União e Força/PTB - AL) -Agradeço a V. Exª a condescendência.

            Apenas em 2014, 32 mil adolescentes de 16 e 17 anos deram entrada nas unidades de cumprimento de medidas socioeducativas do País. Segundo dados da Fundação Casa, 51% deles não frequentavam a escola e 66% provinham de famílias em situação de extrema pobreza. Esses jovens sabem que, quando morrem, nas comunidades, nos morros, nos viadutos, são apenas cifras, são apenas autos de resistência, não são ninguém. E eles sabem que são mortos às dezenas, às centenas, aos milhares, nas comunidades, nos morros, nos viadutos.

            Segundo o Mapa da Violência, 3.749 adolescentes de 16 e 17 anos foram mortos por homicídio no Brasil, apenas em 2013. Os sobreviventes desse massacre sabem que, para serem alguém, para tornarem-se visíveis, para tornarem-se temidos e respeitados, para merecerem nossa atenção, têm de se armar com revólveres e facas e virem se mostrar aqui no asfalto.

            A vida, para eles, incluída a própria vida deles, não vale muito, não vale nada. Não vale absolutamente nada. Foram acostumados, desde sempre, a não terem nada, a não serem nada. Não têm, Srªs e Srs. Senadores, nenhum ilusão, nenhuma esperança, nenhum futuro.

            O dilema que se nos apresenta é, pois, como lidar com esse jovem, que é um estranho, que não fala a nossa língua, que não compartilha os nossos sentimentos, que não tem nenhuma empatia por nós.

            Assim como os criminosos não se deixam intimidar pela ameaça de penas mais severas, também nossos menores infratores responderão com a indiferença e ainda mais violência à tentativa inócua de reduzirmos a maioridade penal e agravarmos sua punição. Eles não têm alternativa, pois é uma questão de sobrevivência, qualquer que seja a idade penal mínima, qualquer que seja a punição. De muito pouco, pois, valerá intimidá-los. Eles não se importam. Criados nas ruas e anestesiados pelas drogas, eles simplesmente não se importam.

            Será que há quem realmente acredite que esses jovens, que já agem por motivo torpe, se deixarão deter pela perspectiva de punição mais severa? Será que há quem acredite que, pela ameaça do chicote, esses jovens de costas já crispadas pelo açoite voltarão à razão?

            De muito pouco valerá encarcerá-los. Se misturá-los aos demais, os criminosos se organizarão, se evadirão e atacarão mais uma vez com renovado ódio, com redobrada violência e, sobretudo, com aperfeiçoada experiência. Segundo dados do CNJ, a taxa de reincidência ente os presidiários brasileiros é de 70%. Ou seja, 7 em cada 10 presos voltam à cadeia no Brasil. Por que seria diferente com os adolescentes simplesmente encarcerados? É o que esperamos de nossos jovens, que se formem e que se aperfeiçoem na escola do crime?

            Como bem asseverou Evandro Lins e Silva, se a severidade das penas fosse algo eficaz no combate à criminalidade, bastava estabelecer a pena de morte que os crimes desapareceriam só com a ameaça de sua aplicação, a aplicação da pena de morte. Por isso, de muito pouco valerão medidas agressivas.

            Para cada jovem que tomba - e já são milhares os que tombam -, muitos outros surgirão. E já são milhares, segundo o IBGE.

            O Brasil hoje tem 21 milhões de adolescentes entre 12 e 18 anos. Ainda que apenas uma parcela ínfima, da ordem de 0,5%, se envolva em atos infracionais, quantos mais caberão em nossas jaulas, que já concentram a terceira maior população carcerária do Planeta? Aliás, aqui vale citar o preciso diagnóstico de Douglas Hurd. Segundo o político inglês, “a prisão é uma maneira muito cara de tornar as pessoas piores”.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, enquanto insistimos nessa criminologia, enquanto insistimos nessa política vingativa de encarceramento massivo, enquanto fazemos de conta que o problema da violência se resolve por decreto, por meio da exclusão social, esses meninos, que são sintoma, e não causa do esgarçamento do nosso tecido social, continuarão a infringir por aí. E assim, de infração em infração, de delito em delito, apenas aprofundaremos esse caos nosso de cada dia.

            O que fazer, então? Lamentarmos-nos apenas? Rendermo-nos à delinquência? Não! Jamais! A solução, precisamos reconhecer, não é simples, não é barata, não é rápida e também não é mágica, mas está aí diante dos nossos olhos. A solução é mais, e não menos, proteção integral à infância e à adolescência. A solução é mais escola, e não mais prisão. A solução é fazer valer o Estatuto da Criança e do Adolescente. Não se trata, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de condescendência, de complacência, de leniência: trata-se de eficácia. Antes de reduzi-lo ao desmonte, é preciso transformar o ECA em verdadeira construção, um pacto nacional para a infância e a juventude, e evitar que, daqui a vinte e cinco anos, aqueles que sobreviverem à escalada da violência nos dias de hoje estejam ainda na mesma situação.

            Já aprendemos, acredito que todos, que a inação, a negligência e a desídia para com a infância e a juventude nos cobram um preço elevado demais! A hora é de agir, a hora é agora, pois!

            Para os jovens que já estão nas ruas ou em situação de vulnerabilidade social, não nos resta alternativa senão a educação. Para evitar que se envolvam com o crime, é preciso inseri-los na sociedade, socializá-los. É preciso aproveitar a pouca idade que têm e oferecer-lhes perspectivas, uma razão de viver. É preciso acenar-lhes com um futuro. É preciso mostrar-lhes, pela primeira vez em suas vidas, a face acolhedora do Estado. É preciso, Srªs e Srs. Senadores, conquistá-los.

            Quanto aos que já se voltaram para o crime, é preciso refrear, em primeiro lugar, o desejo de vingança que se verifica em alguns. É preciso substituí-lo pela figura da justiça. São atos reprováveis os que cometeram. É verdade. Mas é preciso julgá-los à luz de uma história de abandono e de privação, e entender que mais punição apenas pela punição redundará apenas em mais criminalidade.

            Para evitar que se multipliquem e reincidam, é preciso interromper a espiral da violência e do ódio. É preciso reconhecer que esses jovens infratores são, sobretudo e antes de tudo, jovens. São jovens, Srªs e Srs. Senadores. Têm 15, 16, 17 anos. Têm uma história diante de si. Ainda que tenham já consciência da ilicitude de seus atos, estão ainda confusos, perdidos, magoados, revoltados, em processo de formação. E, sendo jovens, muito jovens ainda, estão mais sujeitos à recuperação. Não podemos simplesmente descartá-los. Não! O caminho não pode ser, pois, um simples encarceramento, mas, sim, a ressocialização.

            Podemos, sim, e devemos rediscutir o conjunto de medidas socioeducativas propostos pelo ECA, seu alcance e sua duração. Podemos, sim, e devemos adaptar o Estatuto da Criança e do Adolescente. Podemos, sim, e devemos perseguir e punir o adulto que se utiliza de adolescentes e os induz ao crime. Já há nesta Casa várias iniciativas nessa direção. Mas o que não podemos é modificar, ao sabor das emoções, uma lei da importância do ECA.

            Ao contrário, alterações devem resultar da reflexão ponderada e, acima de tudo, devem ser desprovidas de critérios passionais. Mas essas são medidas complexas e articuladas, de âmbito infraconstitucional, que devem ser acompanhadas de políticas de atenção e acompanhamento e que não se resolvem por obra e graça de apenas uma emenda taumatúrgica à Constituição.

            Não tenhamos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, essa ilusão, até porque, como avalia o criminalista Nelio Seidl Machado, a redução da maioridade para fins de responsabilização criminal tem estatura constitucional, sendo discutível para alguns se estamos diante de uma cláusula pétrea ou não. Para ele, a manutenção do critério legal em vigor é imperiosa, não podendo ser modificado por emenda à Constituição, resguardada a vontade do Legislador Constituinte.

            E tenhamos a honestidade intelectual de reconhecer que é mais do que passada a hora de reformar a política de segurança neste País; que não vamos chegar a lugar nenhum insistindo no modelo atual.

            Desde o ano 2000, o número de presos no Brasil já cresceu 161%. E nossa população carcerária é hoje de 711.463 pessoas, incluídas 147.937 em prisão domiciliar. Apenas no ano passado, o crescimento foi de 7%.

            E pergunto às Srªs e aos Srs. Senadores: de que nos adiantou prender tanta gente? Onde há paz social? Onde há segurança? O encarceramento massivo não só não está diminuindo a criminalidade no Brasil como a está agravando, principalmente em razão da alta taxa de reincidência. Mesmo os centros de atendimentos socioeducativos para menores se mostraram ineficazes.

(Soa a campainha).

            O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco União e Força/PTB - AL) - Já concluo, Sr. Presidente.

            De um modelo concebido para reintegração à sociedade, por meio da internação e execução de medidas socioeducativas, esses centros se transformaram em autênticas prisões, em verdadeiras masmorras. Isso porque o sistema não avançou, não buscou introjetar valores, não adotou, na íntegra, a política de proteção integral preceituada no ECA. Pelo contrário, restringiu-se ao simplismo do mero e mau acondicionamento e da obediência rígida e, por vezes, desumana às regras.

            O fato, Sr. Presidente, é que somos hoje um dos países mais violentos do mundo.

            Quanto tempo levaremos ainda para perceber que o problema da violência neste País não se resolve com o Estado policialesco, de enfoque puramente repressivo?

            Quanto tempo levaremos ainda para perceber que a emotividade e a passionalidade que acompanham a reação social a certos episódios criminosos não nos devem conduzir a generalizações espúrias, e a inspirar excessos punitivos?

            Quanto tempo levaremos ainda para perceber que o aumento da criminalidade, que não é de hoje, que não é de agora, não tem absolutamente nada a ver com a maioridade penal, mas tem, sim, tudo a ver com a desatenção à infância e merece ser tratado com o elemento de educação e de saúde pública adequadas, mais do que segurança nacional?

            Enfim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, faço aqui um apelo à razão: celebremos o Estatuto da Criança e do Adolescente; reconheçamos nele um poderoso instrumento da mudança que está aí ao alcance de nossas mãos; adaptemos e aprimoremos esse marco legal, se necessário, mas paremos, por favor, de semear tempestades para que não continuemos a colher, amanhã como agora, mais violência, mais criminalidade.

            Finalizando, Sr. Presidente, gostaria de comunicar que dei entrada nesta Casa, hoje mesmo, a um projeto de resolução instituindo a Comenda Zilda Arns, de modo a agraciar pessoas ou instituições que desenvolvam, no Brasil, ações e atividades destinadas à proteção da criança e do adolescente.

            Creio que essa medida, além das justas homenagens a Zilda Arns, à Pastoral da Criança e aos futuros agraciados, terá, como mérito, manter acesa a chama de luta por melhores condições de vida às nossas crianças e adolescentes, a começar pela permanente aplicação - permanente aplicação! - e aprimoramento do ECA.

            É nesse sentido também, Sr. Presidente Jorge Viana, que, nos próximos dias, pretendemos apresentar a um conjunto de Senadores projeto de lei de aprimoramento do Estatuto da Criança e do Adolescente, não só adaptando-o, mas também consolidando as principais leis já existentes sobre o tema.

            Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente Jorge Viana, agradecendo penhoradamente a V. Exª pelo tempo extra que me foi concedido.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/07/2015 - Página 108