Discurso durante a 119ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o discurso do Papa Francisco no Encontro Mundial dos Movimentos Populares, realizado em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, na semana passada.

Autor
Lindbergh Farias (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Luiz Lindbergh Farias Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
RELIGIÃO:
  • Considerações sobre o discurso do Papa Francisco no Encontro Mundial dos Movimentos Populares, realizado em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, na semana passada.
Aparteantes
Raimundo Lira, Vanessa Grazziotin.
Publicação
Publicação no DSF de 14/07/2015 - Página 216
Assunto
Outros > RELIGIÃO
Indexação
  • REGISTRO, LEITURA, DISCURSO, AUTORIA, PAPA, ENCONTRO, MOVIMENTAÇÃO, POPULAÇÃO, LOCAL, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, senhoras e senhores que nos assistem pela TV Senado e que nos acompanham pela Rádio Senado, eu subo a esta tribuna para ler trechos do discurso do Papa Francisco no Encontro Mundial dos Movimentos Populares, realizado em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, na semana passada. Esse discurso merece ser lido, porque tem uma dimensão histórica. Depois da queda do Muro de Berlim e das teorias dos profetas neoliberais sobre o fim da história, eis que temos um Papa com cristalino discurso anticapitalista. O pronunciamento do Papa Francisco tem uma dimensão histórica por três motivos.

            Em primeiro lugar, o contexto. O Papa fez uma visita à América Latina que durou sete dias, que foi uma verdadeira maratona por Equador, Bolívia e Paraguai. Jorge Mario Bergoglio é um cidadão latino-americano, nascido na Argentina, torcedor do San Lorenzo e profundo conhecedor das lutas dos povos do continente. Nessa viagem, levou uma palavra de indignação com as injustiças sociais e de esperança na organização e criatividade dos mais pobres. Francisco reencontrou a cultura rica e diversa dos latino-americanos, que é marcada por uma história de opressão dos poderosos e resistência dos povos. Nesse processo, forjaram-se sociedades extremamente desiguais que se ergueram sobre o genocídio dos indígenas, o trabalho escravo dos negros, a superexploração dos trabalhadores e a extrema pobreza. Com estilo diferente e bastante inovador, o Papa tem um jeito latino-americano de pensar, de agir e de tratar as pessoas, especialmente os excluídos. Definitivamente, a escolha de um arcebispo latino-americano, como o Papa, faz uma diferença enorme para a Igreja Católica e para os povos de todo o mundo.

            Sr. Presidente, senhoras e senhores, Senadores e Senadoras, o discurso do Papa tem uma dimensão histórica por ter sido proferido no Encontro Mundial de Movimentos Populares, que reuniu 1.500 militantes do continente e representantes de 40 países. A participação do Papa nesse encontro demonstra a disposição de ouvir os clamores daqueles que lutam e cristaliza o compromisso dele com os trabalhadores, os sem-terra, os sem-teto e os povos tradicionais. Uma delegação de 250 brasileiros foi até a Bolívia para participar da atividade, sob coordenação do dirigente do MST João Pedro Stédile, que foi um dos organizadores do encontro. Foi nesse contexto que Francisco fez esse duro discurso contra as injustiças sociais e apontou com clareza que o sofrimento dos povos é responsabilidade de um sistema que se tornou global e que se sustenta na lógica do lucro a todo custo: o capitalismo. Stédile afirmou que o discurso foi irretocável por apontar os problemas que a humanidade enfrenta, identificar as causas e fazer uma contundente denúncia do poder do capital financeiro e das grandes multinacionais. O biógrafo do Papa, o jornalista Sergio Rubín, afirmou que o discurso proferido em Santa Cruz de la Sierra atesta que a linha de pensamento de Bergoglio não mudou em relação à época em que era Arcebispo de Buenos Aires.

            Sr. Presidente, Sras Senadoras e Srs. Senadores, o pronunciamento do Papa tem uma dimensão histórica por ser um verdadeiro manifesto contra as bases do capitalismo e em defesa da luta dos povos, dos trabalhadores e dos jovens.

            A seguir, vou fazer a leitura dos principais trechos do discurso do Papa Francisco. Vou começar a ler os trechos que eu selecionei do Papa Francisco:

Comecemos por reconhecer que precisamos de uma mudança. Quero esclarecer, para que não haja mal-entendidos, que falo dos problemas comuns de todos os latino-americanos e, em geral, de toda a humanidade. Problemas que têm uma matriz global e que atualmente nenhum Estado pode resolver por si mesmo. Feito este esclarecimento, proponho que nos coloquemos estas perguntas:

Reconhecemos que as coisas não andam bem num mundo onde há tantos camponeses sem terra, tantas famílias sem teto, tantos trabalhadores sem direitos, tantas pessoas feridas na sua dignidade?

Reconhecemos que as coisas não andam bem, quando explodem tantas guerras sem sentido e a violência fratricida se apodera até dos nossos bairros?

Reconhecemos que as coisas não andam bem, quando o solo, a água, o ar e todos os seres da criação estão sob ameaça constante?

Então, digamos sem medo: precisamos e queremos uma mudança.

Nas vossas cartas e nos nossos encontros, relataram-me as múltiplas exclusões e injustiças que sofrem em cada atividade laboral, em cada bairro, em cada território. São tantas e tão variadas como muitas e diferentes são as formas de enfrentá-las. Mas há um elo invisível que une cada uma destas exclusões: conseguiremos reconhecê-lo? É que não se trata de questões isoladas. Pergunto-me se somos capazes de reconhecer que estas realidades destrutivas correspondem a um sistema que se tornou global. Reconhecemos que este sistema impôs a lógica do lucro a todo o custo, sem pensar na exclusão social nem na destruição da natureza?

Se é assim - insisto - digamos sem medo: queremos uma mudança, uma mudança real, uma mudança de estruturas. Este sistema é insuportável: não o suportam os camponeses, não o suportam os trabalhadores, não o suportam as comunidades, não o suportam os povos. E nem sequer o suporta a Terra, a irmã Mãe Terra, como dizia São Francisco.

Queremos uma mudança nas nossas vidas, nos nossos bairros, no vilarejo, na nossa realidade mais próxima; mas uma mudança que toque também o mundo inteiro, porque hoje a interdependência global requer respostas globais para os problemas locais. A globalização da esperança, que nasce dos povos e cresce entre os pobres, deve substituir esta globalização da exclusão e da indiferença.

Hoje quero refletir convosco sobre a mudança que queremos e precisamos. Como sabem, recentemente escrevi sobre os problemas da mudança climática. Mas, desta vez, quero falar de uma mudança em outro sentido. Uma mudança positiva, uma mudança que nos faça bem, uma mudança - pode-se dizer - redentora. Porque é dela que precisamos. Sei que buscais uma mudança e não apenas vós: nos diferentes encontros, nas várias viagens, verifiquei que há uma expectativa, uma busca forte, um anseio de mudança em todos os povos do mundo. Mesmo dentro da minoria cada vez mais reduzida que pensa sair beneficiada deste sistema, reina a insatisfação e, sobretudo, a tristeza. Muitos esperam uma mudança que os liberte desta tristeza individualista que escraviza.

O tempo, irmãos e irmãs, o tempo parece exaurir-se; já não nos contentamos com lutar entre nós, mas chegamos até a assanhar-nos contra a nossa casa. Hoje, a comunidade científica aceita aquilo que os pobres já há muito denunciam: estão a produzir-se danos talvez irreversíveis no ecossistema.

Está-se a castigar a terra, os povos e as pessoas de forma quase selvagem. E por trás de tanto sofrimento, tanta morte e destruição, sente-se o cheiro daquilo que Basílio de Cesareia chamava “o esterco do diabo”: reina a ambição desenfreada de dinheiro. A atenção ao bem comum fica em segundo plano. Quando o capital [Senadora Vanessa] se torna um ídolo e dirige as opções dos seres humanos, quando a avidez do dinheiro domina todo o sistema econômico, arruína a sociedade, condena o homem, transforma-o em escravo, destrói a fraternidade entre os homens, faz lutar povo contra povo e até, como vemos, põe em risco esta nossa casa comum.

            A Srª Vanessa Grazziotin (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) - Senador Lindbergh.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Senadora Vanessa.

            A Srª Vanessa Grazziotin (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) - V. Exª me permite?

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Claro.

            A Srª Vanessa Grazziotin (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) - Eu sei que V. Exª já havia comunicado a vários Senadores e Senadoras que faria isso no dia de hoje, viria à tribuna não só para relatar a viagem do Papa em nosso continente, mas para ler o discurso do Papa, que tanto mexeu com V. Exª, e tenho certeza de que não só com V. Exª, mas com todos nós. O Papa, que veio lá da Europa e que já visitou o nosso País, agora visita Equador, Bolívia e Paraguai. E quando passava sobre o território - eu li pela imprensa e fiquei muito tocada, emocionada com o que li -, quando voava sobre o céu da sua Argentina, ele escreveu uma carta a Cristina Kirchner. O Papa não fala das pessoas, ele fala do sentimento das pessoas. Ele teve a coragem de falar das mudanças climáticas. Ele teve a coragem de falar da Amazônia. Ele tem a coragem de falar pelos pobres. Ele tem a coragem de falar das mulheres. Ele chegou ao Paraguai, visitou as áreas mais pobres daquele país e falou do papel das mulheres, como é importante o respeito a elas, ao seu posicionamento, como foi importante a sua participação numa guerra extremamente injusta, que todos nós assim consideramos, que foi a Guerra do Paraguai. Então, eu quero saudar V. Exª, Senador Lindbergh, que traz esse tema tão importante aqui para o Senado Federal. Parabéns. A sua admiração em relação ao Papa é a mesma admiração que eu tenho e que, tenho certeza, a maioria dos povos do mundo inteiro tem também. Parabéns, Senador.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito obrigado, Senadora Vanessa.

            Eu fiz questão de ler. Para as pessoas que ligaram agora a televisão, que estão acompanhando o debate pela TV Senado, eu estou lendo o pronunciamento do Papa.

            Eu volto a dizer que é um pronunciamento histórico, fez uma crítica contundente ao capitalismo, falou sobre terra, a luta pela terra, pelo trabalho e pelo teto. De forma que há uma grande mudança com a chegada do Papa e, principalmente, a influência, Senadora Vanessa, aqui, a disponibilidade do Papa de conversar com os movimentos populares da América Latina. Foi isso que ele foi fazer. Isso é extraordinário. Eu estou encantado.

            Depois de ler todo o pronunciamento do Papa, no final de semana, fiz questão de selecionar alguns trechos. São todos muito fortes, mas eu vou continuar agora, depois do aparte da Senadora Vanessa, a ler o discurso do Papa, feito na Bolívia:

Não quero alongar-me na descrição dos efeitos malignos desta ditadura sutil: vocês os conhecem! Mas também não basta assinalar as causas estruturais do drama social e ambiental contemporâneo. Sofremos de um certo excesso de diagnóstico, que às vezes nos leva a um pessimismo charlatão ou a rejubilar com o negativo.

Ao ver a crônica negra de cada dia, pensamos que não haja nada que se possa fazer para além de cuidar de nós mesmos e do pequeno círculo da família e dos amigos.

Que posso fazer eu, recolhedor de papelão, catador de lixo, limpador, reciclador, frente a tantos problemas, se mal ganho para comer? Que posso fazer eu, artesão, vendedor ambulante, carregador, trabalhador irregular, se não tenho sequer direitos laborais? Que posso fazer eu, camponesa, indígena, pescador que dificilmente consigo resistir à propagação das grandes corporações? Que posso fazer eu, a partir da minha comunidade, do meu barraco, da minha povoação, da minha favela, quando sou diariamente discriminado e marginalizado?

Que pode fazer aquele estudante, aquele jovem, aquele militante, aquele missionário que atravessa as favelas e os paradeiros com o coração cheio de sonhos, mas quase sem nenhuma solução para os meus problemas? Muito! Podem fazer muito. Vós, os mais humildes, os explorados, os pobres e excluídos, podeis e fazeis muito.

Atrevo-me a dizer que o futuro da humanidade está, em grande medida, nas vossas mãos, na vossa capacidade de vos organizar e promover alternativas criativas, na busca diária dos três “Ts”: trabalho, teto, e terra. E também na vossa participação como protagonistas nos grandes processos de mudanças nacionais, regionais e mundiais. Não se apequenem. Esse apego ao bairro, à terra, ao território, à profissão, à corporação, esse reconhecer-se no rosto do outro, essa proximidade no dia a dia, com as suas misérias e os seus heroísmos cotidianos é o que permite realizar o mandamento do amor, não a partir de ideias ou conceitos, mas a partir do genuíno encontro entre as pessoas, porque não se amam os conceitos nem as ideias; amam-se as pessoas.

A entrega, a verdadeira entrega nasce do amor pelos homens e mulheres, crianças e idosos, vilarejos e comunidades, rostos e nomes que enchem o coração.

A partir destas sementes de esperança semeadas pacientemente nas periferias esquecidas do Planeta, destes rebentos de ternura que lutam para subsistir na escuridão da exclusão, crescerão grandes árvores, surgirão bosques densos de esperança para oxigenar este mundo.

Vejo, com alegria, que trabalhais no que aparece ao vosso alcance, cuidando dos rebentos; mas, ao mesmo tempo, com uma perspectiva mais ampla, protegendo o arvoredo. Trabalhais numa perspectiva que não só aborda a realidade sectorial que cada um de vós representa e na qual felizmente está enraizada, mas procurais também resolver, na sua raiz, os problemas gerais de pobreza, desigualdade e exclusão.

Felicito-vos por isso. É imprescindível que, a par da reivindicação dos seus legítimos direitos, os povos e as suas organizações sociais construam uma alternativa humana à globalização exclusiva. Vós sois semeadores de mudança. Que Deus vos dê coragem, alegria, perseverança e paixão para continuar a semear. Podeis ter a certeza de que, mais cedo ou mais tarde, vamos ver os frutos. Peço aos dirigentes: [isso, volto a dizer, foi na reunião com os movimentos populares da América Latina] sede criativos e nunca percais o apego às coisas próximas, porque o pai da mentira sabe usurpar palavras nobres, promover modas intelectuais e adoptar posições ideológicas, mas se construirdes sobre bases sólidas, sobre as necessidades reais e a experiência viva dos vossos irmãos, dos camponeses e indígenas, dos trabalhadores excluídos e famílias marginalizadas, de certeza não vos equivocareis. [...]

No coração, tenhamos sempre a Virgem Maria, uma jovem humilde duma pequena aldeia perdida na periferia dum grande império, uma mãe sem tecto que soube transformar um curral de animais na casa de Jesus com uns pobres paninhos e uma montanha de ternura. Maria é sinal de esperança para os povos que sofrem dores de parto até que brote a justiça. [...]

Os seres humanos e a natureza não devem estar ao serviço do dinheiro.

Digamos não a uma economia de exclusão e desigualdade, Onde o dinheiro reina ao invés de servir. Essa economia mata. Essa economia exclui. Essa economia destrói a mãe terra.

A economia não deveria ser um mecanismo de acumulação, mas a condigna administração da casa comum. Isto implica cuidar zelosamente da casa e distribuir adequadamente os bens entre todos.

A sua finalidade não é unicamente garantir o alimento ou um decoroso sustento. Não é sequer, embora fosse já um grande passo, garantir o acesso aos 3Ts pelos quais combateis.

Uma economia verdadeiramente comunitária, poder-se-ia dizer uma economia de inspiração cristã, deve garantir aos povos dignidade, prosperidade, civilização em seus múltiplos aspectos. Isto envolve os 3Ts, mas também o acesso à educação, à saúde, à inovação, às manifestações artísticas e culturais, à comunicação, ao desporto e à recreação.

Uma economia justa deve criar as condições para que cada pessoa possa gozar de uma infância sem privações, desenvolver os seus talentos durante a juventude, trabalhar com plenos direitos durante os anos de atividade e ter acesso a uma digna aposentadoria na velhice.

É uma economia onde o ser humano, em harmonia com a natureza, estrutura todo o sistema de produção e distribuição de tal modo que as capacidades e necessidades de cada um encontrem um apoio adequado no ser social. Vós, e outros povos também, resumis este anseio duma maneira simples e bela: ‘Viver bem'.

Essa economia não é apenas desejável e necessária, mas também possível. Não é uma utopia nem uma fantasia, é uma perspectiva extremamente realista. Podemos consegui-la.

Os recursos disponíveis no mundo, fruto do trabalho intergeracional dos povos e dos dons da criação, são mais que suficientes para o desenvolvimento integral de todos os homens e do homem todo. Mas o problema é outro.

Existe um sistema com outros objetivos, um sistema que, apesar de acelerar irresponsavelmente os ritmos de produção, apesar de implementar métodos na indústria e na agricultura que sacrificam a mãe terra na área da produtividade, continua a negar a milhares de irmãos os mais elementares direitos econômicos, sociais e culturais.Esse sistema atenta contra o projeto de Jesus.

A justa distribuição dos frutos da terra e do trabalho humano não é mera filantropia. É um dever moral. Para os cristãos, o encargo é ainda mais forte, é um mandamento. Trata-se de devolver aos pobres e às pessoas o que lhes pertence. O destino universal dos bens não é um adorno retórico da doutrina social da Igreja. É uma realidade anterior à propriedade privada.

Nos últimos anos, depois de tantos mal-entendidos, muitos países latino-americanos viram crescer a fraternidade entre os seus povos. Os governos da região juntaram seus esforços para fazer respeitar a sua soberania, a de cada país e a da região como um todo que, de forma muito bela, como faziam os nossos antepassados, chamam a Pátria Grande.

Peço-vos, irmãos e irmãs dos movimentos populares, que cuidem e façam crescer essa unidade. É necessário manter a unidade contra toda a tentativa de divisão, para que a região cresça em paz e justiça.

Apesar desses avanços, ainda subsistem fatores que atentam contra o desenvolvimento humano equitativo e restringem a soberania dos países da Pátria Grande e doutras latitudes do Planeta.

O novo colonialismo assume variadas fisionomias, às vezes, é o poder anônimo do ídolo dinheiro, corporações, credores, alguns tratados denominados de livre comércio e a imposição de medidas de austeridade que sempre apertam o cinto dos trabalhadores e dos pobres.

Os bispos latino-americanos denunciam-no muito claramente, no documento de Aparecida, quando afirmam que as instituições financeiras e as empresas transnacionais se fortalecem ao ponto de subordinar as economias locais, sobretudo debilitando os Estados, que aparecem cada vez mais impotentes para levar adiante projetos de desenvolvimento a serviço de suas populações.

Noutras ocasiões, sob o nobre disfarce da luta contra a corrupção, o narcotráfico ou o terrorismo, graves males dos nossos tempos que requerem uma ação internacional coordenada, vemos que se impõem aos Estados medidas que pouco têm a ver com a resolução de tais problemáticas e muitas vezes tornam as coisas piores.

Da mesma forma, a concentração monopolista dos meios de comunicação social, que pretendem impor padrões alienantes de consumo e certa uniformidade cultural, é outra das formas que adota o novo colonialismo. É o colonialismo ideológico, como dizem os bispos da África. Muitas vezes, pretendem-se converter os países pobres em peças de um mecanismo, partes de uma engrenagem gigante.

Temos que reconhecer que nenhum dos graves problemas da humanidade pode ser resolvido sem interação dos Estados e dos povos a nível internacional.

(Soa a campainha.)

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - E eu vou, para concluir... Peço até desculpas aos Srs. Senadores pela duração do discurso, mas é que, de fato, são trechos muito importantes. Eu fiz um esforço para cortar, mas é difícil cortar um discurso como esse...

            O SR. RAIMUNDO LIRA (Bloco Maioria/PMDB - PB) - Senador Lindbergh, antes de V. Exª encerrar o discurso, eu gostaria de um aparte.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Está certo.

            Senador Hélio José, depois Senador Raimundo Lira.

            O SR. PRESIDENTE (Hélio José. Bloco Maioria/PSD - DF) - V. Exª hoje está muito poético, faz um discurso lindo e maravilhoso.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Não sou eu. É o Papa. Eu estou lendo o discurso do Papa.

            O SR. PRESIDENTE (Hélio José. Bloco Maioria/PSD - DF) - Pois é. Está lendo o discurso do Papa, que é lindo e maravilhoso. Eu sou um admirador do Papa Francisco. Acho que as pessoas que amam a família são admiradoras do Papa Francisco. Eu quero parabenizar V. Exª pelas lindas palavras.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Eu agradeço muito, Senador Hélio José, mas V. Exª resumiu bem, é um discurso muito poético...

(Soa a campainha.)

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - ... mas também muito claro, muito objetivo, dirigido aos movimentos populares.

            Senador Raimundo Lira, com prazer eu escuto meu conterrâneo, Senador Raimundo Lira.

            O Sr. Raimundo Lira (Bloco Maioria/PMDB - PB) - Senador Lindbergh, paraibano ilustre, Senador pelo Rio de janeiro, V. Exª sabe que eu gosto de ouvir os seus pronunciamentos.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito obrigado, Senador.

            O Sr. Raimundo Lira (Bloco Maioria/PMDB - PB) - Mas hoje, especialmente quando V. Exª disse que ia ler na íntegra o discurso do Papa Francisco na Bolívia, eu fiz questão de ficar e ouvi-lo na sua integridade, porque o Papa Francisco, quando foi escolhido Papa e escolheu o nome de Francisco, disse claramente ao mundo para que veio. E ele está desempenhando um papel histórico no mundo, levando a sua mensagem de defesa de todos aqueles que mais precisam. Esse discurso dele, que V. Exª leu, não precisa de nenhum complemento, porque, do ponto de vista social, do ponto de vista político, do ponto de vista econômico, é uma análise perfeita do que acontece no continente latino-americano. Foi muito bom V. Exª ler esse discurso, porque, além de defender os interesses do Brasil, V. Exª caracterizou-se também por defender o continente latino-americano. Então, é maravilhoso ouvirmos esse discurso do Papa Francisco, sobretudo pela tribuna de V. Exª, porque V. Exª lê com o coração, com a alma, com sensibilidade...

(Interrupção do som.)

            O Sr. Raimundo Lira (Bloco Maioria/PMDB - PB) - A forma como V. Exª leu, repito, com sensibilidade, com a alma, com o coração sem dúvida nenhuma reflete o papel que o Papa Francisco está desempenhando, nesse momento, na história mundial. Muito obrigado, Senador.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Eu que agradeço a V. Exª, Senador Raimundo Lira, de quem eu sou um admirador, um amigo. Tenho acompanhado o seu trabalho nas comissões, em especial na Comissão de Assuntos Econômicos e muito me honra esse aparte.

            Eu vou correr agora, porque sei que há outros oradores inscritos, mas eu parto para as minhas conclusões.

            Continua o Papa, dirigindo-se aos movimentos populares da Bolívia:

O colonialismo, novo e velho, que reduz os países pobres a meros fornecedores de matérias-primas e de mão de obra barata, gera violência, miséria, emigrações forçadas e todos os males que vêm juntos, precisamente porque, ao pôr a periferia em função do centro, nega-lhes o direito a um desenvolvimento integral. Isso é desigualdade, e a desigualdade gera violência, que nenhum recurso policial, militar ou dos serviços secretos será capaz de deter.

Digamos não às velhas e novas formas de colonialismo. Digamos sim ao encontro entre povos e culturas. Bem-aventurados os que trabalham pela paz.

Alguém poderá, com direito, dizer: quando o Papa fala de colonialismo, esquece-se de certas ações da Igreja. Com pesar, digo: cometeram-se muitos e graves pecados contra os povos nativos da América em nome de Deus. Olhe que coragem. Reconheceram-no os meus antecessores, afirmou-o o CELAM, e quero reafirmá-lo eu também.

Como São João Paulo II, peço que a Igreja se ajoelhe diante de Deus e implore o perdão para os pecados passados e presentes dos seus filhos.

E eu quero dizer-vos, quero ser muito claro, como foi João Paulo II: “Peço humildemente perdão, não só para as ofensas da própria Igreja, mas também para os crimes contra os povos nativos durante a chamada conquista da América”.

(Soa a campainha.)

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) -

Junto a esse pedido de perdão, para ser justo, também quero que recordemos os milhares de sacerdotes, bispos que se opuseram fortemente à lógica da espada com a força da cruz.

Houve pecado, houve pecado, e abundante, e por isso pedimos perdão; e peço perdão, porém, também ali, onde houve pecado. Onde abundou o pecado superabundou a graça através desses homens que defenderam a justiça dos povos originários.

A casa comum de todos nós está a ser saqueada, devastada, vexada impunemente. A covardia em defendê-la é um pecado grave. Vemos, com crescente decepção, sucederem-se uma após outras cúpulas internacionais sem qualquer resultado importante. Existe...

            Sr. Presidente, já estou no final:

... um claro, definitivo e inadiável imperativo ético de atuar que não está a ser cumprido. Não se pode permitir que certos interesses que são globais, mas não universais se imponham, submetendo os Estados e os organismos internacionais e continuem a destruir a criação. Os povos e os seus movimentos são chamados a clamar, mobilizar-se, exigir, pacífica, mas tenazmente, a adoção urgente de medidas apropriadas.

Peço-vos, em nome de Deus, que defendais a Mãe Terra.

O futuro da humanidade não está unicamente nas mãos dos grandes dirigentes, das grandes potências e das elites. Está fundamentalmente nas mãos dos povos, na sua capacidade de se organizarem e também nas suas mãos que regem, com humildade e convicção, esse processo de mudança.

            Disse o Papa aos movimentos populares:

Estou convosco.

            E encerra dizendo o seguinte:

Digamos juntos, do fundo do coração, nenhuma família sem teto, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhum povo sem soberania, nenhuma pessoa sem dignidade, nenhuma criança sem infância, nenhum jovem sem possibilidades, nenhum idoso sem uma veneranda velhice. Continuai com a vossa luta e, por favor, cuidai bem da Mãe Terra.

            Muito obrigado, Srs. Senadores.

            É um discurso histórico do Papa. Creio que este vai ser lido muitas e muitas vezes, neste Senado Federal, na Câmara dos Deputados, em sindicatos, em associações, mas é um discurso histórico, por isso eu fiz questão, Senador Raimundo Lira...

            O Sr. Raimundo Lira (Bloco Maioria/PMDB - PB) - Senador Lindbergh.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Com a palavra V. Exª.

             O Sr. Raimundo Lira (Bloco Maioria/PMDB - PB) - V. Exª sabe que o Papa Francisco é jesuíta.

(Soa a campainha.)

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Claro.

            O Sr. Raimundo Lira (Bloco Maioria/PMDB - PB) - Ele não estava naquele momento, mas, na sua origem, ele sentiu na pele em outra época quando os Sete Povos das Missões foram massacrados por um poder econômico contrariado. Um trabalho belíssimo, maravilhoso que os jesuítas estavam fazendo no sul do País e que o poder econômico contrariado, daquela época, não deixou que esse trabalho fosse continuado. É isso que o Papa Francisco está querendo dizer a todos nós.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Eu encerro o meu discurso com o aparte do Senador Raimundo Lira.

            Muito obrigado, Senador.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/07/2015 - Página 216