Discurso durante a 123ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações acerca das alterações propostas pelo Parlamento brasileiro ao Estatuto da Criança e do Adolescente; e outro assunto.

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Autor
Rose de Freitas (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Rosilda de Freitas
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA:
  • Considerações acerca das alterações propostas pelo Parlamento brasileiro ao Estatuto da Criança e do Adolescente; e outro assunto.
LEGISLAÇÃO PENAL:
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Publicação
Publicação no DSF de 17/07/2015 - Página 369
Assuntos
Outros > ECONOMIA
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL
Indexação
  • COMENTARIO, ADIAMENTO, VOTAÇÃO, PROJETO DE LEI, LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTARIAS (LDO).
  • ANALISE, DECISÃO, SENADO, ASSUNTO, ALTERAÇÃO, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, ENFASE, REDUÇÃO, MAIORIDADE, IMPUTABILIDADE PENAL, COMENTARIO, AUMENTO, PENALIDADE, CORRUPÇÃO DE MENORES, DETENÇÃO, CRIME HEDIONDO, DEFESA, OBRIGATORIEDADE, EDUCAÇÃO.

            A SRª ROSE DE FREITAS (Bloco Maioria/PMDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, inicialmente, gostaria de agradecer a gentileza de permutar esse horário, para que eu pudesse usar da tribuna. Agradeço carinhosamente.

            Gostaria, antes de mais nada, Sr. Presidente, de informar, de uma forma frustrante pelo dia de hoje, em que nós trabalhamos arduamente para que pudéssemos votar a Lei de Diretrizes Orçamentárias entregue ao relator, que o relatório foi concluído apenas na noite de ontem e continha alguns dados sobre os quais havia muita contrariedade por parte dos membros da Comissão de Orçamento. Por bem, resolvemos esticar o prazo para que as pessoas pudessem discutir melhor o relatório que estava ali apresentado. Então, faremos isso na primeira semana de agosto. Em seguida nós faremos a votação, votando os destaques em relação a esse projeto.

            Eu tenho sido, Sr. Presidente, provocada por uma discussão que envolve a questão do adolescente, que começa com a reflexão sobre a diminuição da idade dos menores, a idade penal, vamos dizer assim, para que os menores pudessem responder pelos crimes praticados.

            É uma situação de conflito, por isso eu gostaria de fazer aqui uma reflexão sobre a decisão do Senado de alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, aumentando o tempo de internação de menores infratores que cometem crimes hediondos e homicídio doloso, aquele em que há intenção de matar. Esse substitutivo que aprovamos estabelece que o período de internação poderá durar até dez anos e será cumprido em estabelecimento específico ou em ala especial.

            Tudo que foi discutido aqui durante aquela sessão objetivava, evidentemente, criar e resguardar também a criança e a sociedade e corrigir algumas coisas em relação ao Estatuto. E assim fizeram. Colocaram o prazo máximo de internação de três anos, que geralmente é interrompido antes, já que a sentença do juiz não define prazo para a internação socioeducativa dos menores.

            O projeto ainda estabelece que o defensor público do adolescente estará presente em todas as fases do procedimento de apuração do ato infracional e será assegurado ao adolescente o acesso, que considero muito importante, à aprendizagem e ao trabalho.

            Também está prevista punição mais rigorosa para aqueles que corromperem ou facilitarem a corrupção de menores de 18 anos. Antes a lei não alcançava aqueles que ficavam mediando a corrupção de menores, sem que a família pudesse até interpelar uma ação marginal como esta da adoção de mão de obra de menor para o crime organizado.

            Para esses casos da corrupção de menores de 18 anos, a pena vai variar, Sr. Presidente, de 3 a 8 anos de reclusão e poderá dobrar em caso de crime hediondo. É interessante pensar sobre isso e notar que as mudanças promovidas foram possíveis após muita discussão e foram aprovadas na semana em que marcamos os 25 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente.

            E o debate sobre as mudanças necessárias foi feito para dar mais tempo à sociedade e ao mesmo tempo dar mais segurança, preservar também a proteção às crianças e aos adolescentes. Então, há 25 anos, quando nós nos debruçamos para debater o ECA, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que hoje ainda é o principal instrumento de proteção aos direitos das crianças, nós nos permitimos aprofundar nessa discussão.

            É lógico que tivemos avanços que o Estatuto permitiu. Permitiu nos últimos anos, e hoje permanece na pauta de debates acalorados neste Congresso e na sociedade brasileira, exatamente pela busca do seu aperfeiçoamento. Há 25 anos, não tínhamos essa quantidade de menores que foram contratados pela sociedade do crime marginal para que fizesse parte dela.

            O Estatuto da Criança e do Adolescente, Sr. Presidente, é uma lei que nós consideramos avançada, e é vista com bons olhos inclusive por vários outros países, que até tentaram levar essa iniciativa para discutir em outras comunidades. Na prática, o Estatuto ainda não é integralmente aplicado na medida justa para provocar uma mudança significativa na proteção dos menores e na redução da violência no País.

            Eu diria até que, nesses 25 anos, mais de duas dezenas de leis modificaram esse Estatuto, e ainda há centenas de outras iniciativas, de propostas em análise na Câmara dos Deputados e outras sugestões que também vieram do Senado.

            Uma das mais polêmicas propostas, que foi apresentada nesse período, foi a discussão sobre a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. A sociedade entrou em conflito. Essa matéria está em análise, na Câmara dos Deputados, para votação em segundo turno, e também será enfrentada por esta Casa.

            É fato, Sr. Presidente, que a sociedade convive hoje com o sentimento de insegurança, de impunidade, mas precisamos todos nós fazer um debate ponderado, com discernimento e apartado de rancores ou paixões.

            A infância e a adolescência são fases de desenvolvimento que nós não podemos perder de vista. E esse público não pode prescindir de educação de qualidade, para evitar, inclusive, a porta aberta a que nós estamos assistindo de envolvimento com a criminalidade.

            O ECA é uma conquista que também não podemos perder. Foi uma conquista que trouxemos aqui, através do Parlamento, para oferecer à sociedade. Nós avaliamos que, com a aprovação que fizemos aqui nesta Casa, com as recentes discussões e as mudanças no Estatuto, nós também estamos construindo um novo e importante caminho para o enfrentamento da violência, se bem que fazemos isso num momento de muita opressão e muito desgaste, pela falta de políticas educacionais que pudessem, inclusive, amparar essas crianças, para que não houvesse tanta adesão a esse caminho da criminalidade.

            Cabe-nos, inclusive, cobrar mais do Estado brasileiro o cumprimento do dever de suas atribuições e responsabilidades, cobrar mais a criação de instrumentos mais eficientes que mantenham os jovens na escola, em atividades culturais ou práticas esportivas, por exemplo, e o compromisso de punições mais severas aos adultos que cooptam menores para o crime.

            Hoje um lado da sociedade defende que a redução da maioridade é o remédio amargo ideal para punir menores criminosos. O outro lado, Sr. Presidente - e é esse conflito em que me baseio -, no entanto, destaca que a má educação ou a ausência absoluta da educação, aliada à falta de oportunidade, superlota nosso arcaico sistema prisional brasileiro, sem oferecer condições de ressocialização de jovens infratores. São dois lados muito diferentes, mas com uma base comum, que é o envolvimento de menores com o crime, especialmente aqueles de comunidades carentes.

            Isso é muito preocupante. Os envolvidos Sr. Presidente, são cada vez mais jovens. E nós sabemos que o perfil desses menores está diretamente ligado a fatores que incluem miséria, falta de estrutura familiar, drogas, desigualdade da vida e vida nas ruas. Eles são presas fáceis, nós reconhecemos, e peças de valor para as facções criminosas e sem o amparo da educação, mas, amparados pelas proteções legais, acabam agindo fora do controle institucional familiar.

            O que, então, é possível fazer? Fortalecer e atualizar os instrumentos que temos, como o ECA, por exemplo - que, apesar da necessidade de aperfeiçoamento, é um instrumento real -, e lutar pela real implementação de suas diretrizes, o que na verdade o Estado não fez.

            O relatório divulgado esta semana pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância, o Unicef, mostrou justamente a importância do Estatuto para a educação e o enfrentamento da desigualdade no País.

            Segundo a pesquisa, desde a aprovação do Estatuto no Brasil, conseguimos reduzir em 64% a evasão escolar de crianças e também de adolescentes no ensino fundamental. O índice de evasão escolar passou de 19,6% dos alunos matriculados em 1990 para 7% em 2013. É uma mudança significativa.

            O ECA contribuiu ainda, segundo o Unicef, para reduzir a mortalidade infantil: de 47 mortes de menores em um ano por mil nascidos vivos em 1990, para 15 mortes em 2001.

            Nós concordamos que o ECA alinhou-se aos princípios da Convenção Internacional dos Direitos da Criança das Nações Unidas, segundo bem destacou a representante do Unicef no Brasil. E que teve efeito positivo na redução da mortalidade infantil, atingindo resultados mais expressivos, inclusive mais expressivos do que os de outros países da América do Sul ou países mais desenvolvidos.

            Após o Estatuto, por exemplo, Sr. Presidente, o Brasil reduziu a mortalidade infantil em 24%, especialmente por conta do aumento das consultas de pré-natal. Foi uma atenção que se deu às mulheres na fase da maternidade. Em 1995, segundo a ONU, 10,9% das gestantes do Brasil não faziam consulta de pré-natal. Em 2011, esse percentual caiu para 2,7%.

            A redução do trabalho infantil também é outra realidade, é outra conquista. De 1992 a 2013, o número de crianças entre 5 anos e 15 anos que trabalham caiu de 5,4 milhões para 1,3 milhão. Ou seja, essa é uma queda que nunca destacamos nesta Casa, de 73,6%, na taxa de trabalho infantil para essa faixa etária, que não deveria estar trabalhando e, sim, estudando.

            São boas notícias, não tenho dúvida nenhuma, mas que não deixam de lado os muitos desafios que ainda precisamos superar, Sr. Presidente - os homicídios de adolescentes, por exemplo, uma barbaridade com a qual nós convivemos todos os dias através dos veículos de comunicação. Os homicídios cresceram, inclusive, de maneira muito impressionante. Houve um aumento de 110% no período de 1990 a 2013. Um crescimento de 110% nos homicídios de adolescentes! O número pulou de 5.000 para 10.500 casos por ano. E, segundo dados do Unicef e do Ministério da Saúde, 28 crianças e adolescentes foram assassinados por dia em 2013.

            Que país pode dizer que aplica justiça e cuida socialmente das suas crianças com essas estatísticas horrorosas e cruéis?

            Ao lado desse quadro, temos o drama social da mortalidade de crianças indígenas, que estão sujeitas duas vezes mais ao risco de morrer, antes do primeiro ano de vida, do que as demais crianças do nosso País, e um alto índice de mortalidade materna. Hoje, há 61% de mortes por 100 mil nascidos vivos.

            E o País ainda precisa avançar na inclusão de adolescentes, pobres, negros e indígenas na escola. A educação, como nós dizemos, é a linha divisória entre a vida saudável e a exclusão. Muitas vezes, essa linha é ignorada pelos governos estaduais, municipais e pelo Governo Federal, que têm a maior responsabilidade de comprometimento. Então, nesses 25 anos, o ECA foi uma conquista e uma direção correta para nortear políticas públicas.

            Sr. Presidente, estamos aqui ressaltando os ganhos e as conquistas, mas, diante de uma realidade muito cruel, é evidente que os atuais aperfeiçoamentos são necessários para acompanhar essa escalada de pobreza e violência.

            Resta saber se, daqui em diante, além do olhar e do sentimento de insegurança que todos têm, e da indignação das famílias pelas perdas irreparáveis, teremos a justa sensibilidade para darmos respostas eficazes à sociedade. Ficarmos perplexos, ficarmos revoltados, indignados não irá resolver o problema.

            Reduzir o limite da maioridade penal e arcar com todas as consequências ou tornar as penas mais duras e mais longas? Encarcerar por mais tempo ou ampliar investimentos do ensino?

            Sr. Presidente, o caminho que seguiremos daqui em diante na formulação dessas políticas será, sem dúvida alguma, determinante para décadas de desenvolvimento e para o futuro de muitas gerações, gerações que hoje estão inteiramente comprometidas. Neste momento, nós temos que valorizar e aperfeiçoar corretamente o que já conseguimos e, principalmente, ter a certeza de que não podemos errar mais.

            O Estado tem a sua responsabilidade e precisa cumpri-la, mas precisa ser sensível também para ter um olhar específico sobre a realidade que assola o País, de crimes, mortes, abandono das famílias. A linha de pobreza superada com projetos sociais ainda não foi capaz de tirar as nossas crianças das garras dos marginais.

            Eu venho fazer esta reflexão porque, em todos os debates que fiz, em todas as aulas inaugurais que dei em vários locais, Sr. Presidente, o assunto que mais me trouxeram depois do debate, até fora do tema tratado, foi a pergunta sobre a questão da maioridade penal.

            Eu faço esta reflexão porque eu, V. Exª e muitos outros estamos à procura de um caminho, mas precisamos ter a coragem também de cobrar do Governo que assuma a responsabilidade com o futuro deste País, a responsabilidade de cuidar dessas crianças para que elas possam ser a geração do futuro e para que possam comandar o nosso País.

            Muito obrigada, Sr. Presidente.

            O SR. PRESIDENTE (Elmano Ferrer. Bloco União e Força/PTB - PI) - Senadora Rose de Freitas, V. Exª, como sempre, engrandece esta Casa, mas hoje sobretudo, quando nós nos despedimos para um recesso parlamentar, o pronunciamento de V. Exª traz a nós, Senadores, reflexões profundas que assinalam os 25 anos de sanção do ECA, o Estatuto da Criança e do Adolescente. E também seu discurso, muito profundo, leva sobretudo a sociedade brasileira a um aprofundamento maior sobre o que representou o nosso Estatuto da Criança e do Adolescente ao longo desses 25 anos.

            Onde erramos? V. Exª trouxe muito bem aqui os avanços registrados durante esses 25 anos, mas uma coisa, minha Senadora, me chama atenção. É que houve inegavelmente grandes avanços, mas os problemas relacionados à infância e à adolescência, também, sobretudo a questão do crime, de jovens ainda dentro da sua menoridade penal, trouxeram-nos uma preocupação.

            Então, creio que esta Casa, como muitas instituições, debruça-se sobre as questões sociais do nosso País, à luz da Lei Orgânica da Assistência Social, do Sistema Único da Assistência Social. Nós temos que nos aprofundar mais, e não pensar nessas questões hoje tão somente voltados para o aspecto da redução da maioridade penal.

            Eu fui prefeito de uma cidade, como V. Exª sabe. E eu sei que muitas responsabilidades são delegadas aos Municípios, consequentemente, responsabilidade dos prefeitos aos Estados federados. Entretanto, aqui estamos diante de dois ex-governadores, ministros, e sabemos o quanto pesou a responsabilidade sobre eles, sobre nós outros, de enfrentamento da questão da infância, da adolescência, em seus vários aspectos, educação, saúde, etc.

            Mas eu creio que nós temos que fazer uma reflexão, um estudo profundo desses 25 anos, porque o Estatuto da Criança e do Adolescente é uma peça jurídica inigualável, que é exemplo, como a senhora disse muito bem, para o mundo. Mas por que não foi cumprido? Por que nós não cumprimos esse estatuto na sua totalidade, ou pelo menos num percentual bem significativo? Eu creio que, antes de reformá-lo, ou paralelamente, nós temos que pensar sobre por que não foram implementadas as políticas determinadas por esse estatuto legal.

            Então, é nisso que nós temos que nos aprofundar. E o pronunciamento de V. Exª foi pertinente, oportuno. Nós temos que nos debruçar sobre esse pronunciamento de V. Exª no sentido de que nós possamos, de fato, o Estado brasileiro, o Estado federado e os Municípios, enfrentar realmente essa questão, sendo que o aspecto fundamental está na educação, mas sobretudo a educação em tempo integral.

            A criança tem que estar na escola, e o adolescente o dia todo. Creio que é por aí que nós vamos atacar a raiz do problema da nossa juventude e da nossa infância.

            Parabéns a V. Exª. 

            A SRª ROSE DE FREITAS (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Muito obrigada, Sr. Presidente. O senhor, como eu, traz a inquietação e certa insatisfação de ver que dados e parâmetros necessários, metas objetivas que têm uma palavra que cabe dentro da pátria educadora, precisam colocar a educação onde ela deve estar, para que essas pessoas das quais falamos há pouco possam ter oportunidade de ter outro mundo, outra criação e outro futuro.

            Muito obrigada, Sr. Presidente.

 

            


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/07/2015 - Página 369