Discurso durante a 127ª Sessão Especial, no Senado Federal

Sessão especial destinada a comemorar o cinquentenário das atividades da TV Globo.

Autor
Jorge Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Jorge Ney Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Sessão especial destinada a comemorar o cinquentenário das atividades da TV Globo.
Publicação
Publicação no DSF de 06/08/2015 - Página 25
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, EMISSORA, TELEVISÃO, ELOGIO, PARCERIA, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO ACRE (AC), OBJETIVO, CRIAÇÃO, PROJETO, ASSUNTO, FORMAÇÃO, UNIFORMIZAÇÃO, ALUNO REPETENTE, ENSINO FUNDAMENTAL, COMENTARIO, PROGRAMAÇÃO, REPRESENTAÇÃO, REALIDADE, POPULAÇÃO, DEFESA, NECESSIDADE, LIBERDADE DE EXPRESSÃO.

            O SR. JORGE VIANA (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Obrigado, Presidente. Eu queria, primeiro, fazer referência ao posicionamento do Senador Serra. Eu sei do esforço de V. Exª e do nosso de tentar baixar a temperatura política no Senado, mas acho que está havendo um exagero. Se um Senador de São Paulo está a reclamar desse tanto, imagine eu que venho do Acre. Lá no Acre, faz 41º a temperatura nestes tempos. Então, eu estou sentindo muito, Presidente, e somo-me às reclamações do nosso Senador Serra.

            Mas eu não poderia deixar de vir aqui, exatamente por ser do Acre, e dar meu testemunho nesta sessão em que fazemos homenagem aos 50 anos da Rede Globo de Televisão. Talvez seja um dos Estados mais distantes do centro-sul do País e com características bem próprias.

            Eu queria cumprimentar a todos: o Senador Caiado, autor do requerimento, e os demais colegas Senadores, o Ministro Edinho e, especialmente, João Roberto, a Srª Laura Cardoso, Francisco Cuoco e Malu Mader e todos os que estão nesta sessão.

            Para mim, é uma oportunidade, de alguma maneira, de dar o testemunho de um pedaço desses 50 anos de história da Rede Globo. E, como a Globo cresceu contando histórias - e penso que isso é a coisa mais fantástica que os autores e atores fazem, pois só tem sucesso quem conta boas histórias ou quem interpreta boas histórias -, ela ocupou esse espaço de destaque, fazendo uso de tecnologia, de gente competente e contando histórias.

            Eu só quero dar o testemunho porque fui governador do Acre por oito anos e conheci pessoas que trabalhavam e trabalham na Globo, conheci dirigentes da Globo. Através de um braço importante da Rede Globo, o braço cultural, eu pude me aproximar mais ainda, na pessoa de um amigo, que até hoje tenho, que é o Hugo Barreto, amigo da Malu, da Bete. São muito amigos. Ele ficou um amigo do Acre, vivia no Acre, andava pelo Acre junto com o seu irmão José Roberto. Andamos pelas aldeias indígenas, conhecemos a fundo.

            E, dali do Acre, implementamos, quando eu era governador - e isso talvez mostre o sucesso por estar enraizado em todas as partes do Brasil, nos lugares mais distantes -, o chamado Projeto Poronga. É a simbologia do farol do seringueiro, que, para cortar a seringa, no século passado, tinha uma lamparina na cabeça. Era a única luz que podia ter para trabalhar desde a madrugada e cortar seringa. Inspirados na luz que clareia o caminho, criamos o Projeto Poronga, com a Fundação Roberto Marinho.

            Na época do governo, tínhamos um problema seriíssimo: o número de jovens que abandonavam as escolas e que depois, mesmo querendo voltar, já não conseguiam voltar, porque tinham uma idade um pouco mais avançada e não se encaixavam mais com outros bem mais jovens. O Projeto Poronga veio para tentar equalizar essa idade/série. Começamos com o ensino fundamental, da 5ª à 8ª séries. Formamos dezenas de milhares de jovens que já não tinham mais a oportunidade de uma formação educacional. E o projeto avançou.

            Depois, com a Vilma, com o ex-governador Binho, que era o meu Secretário de Educação, o Hugo Barreto, conseguimos fazer uma adaptação. Não era o Telecurso, era uma adaptação regionalizada, localizada, levando em conta a realidade da população da floresta. Levamos o ensino médio aos lugares onde não era possível, pois levar um professor, levar uma escola, é muito difícil, mas, usando a tecnologia - primeiro o método, mas também a disposição -, conseguimos, então, formar milhares de jovens que já não tinham oportunidade mais de concluir os estudos, de ter um diploma, de ter uma formação adequada, que é o básico da cidadania.

            Conto isso para citar também alguns acrianos que têm uma história muito relacionada com a Rede Globo de Televisão. Ainda há pouco, o Senador Serra, ainda me referindo a ele, fez um comentário sobre a linguagem usada no Jornal Nacional. Eu falo “acrianês”, estou falando aqui o “acrianês”. Este é o sotaque do acriano. Não é nem o do nordestino, não é o do pessoal do norte do Pará, do Amazonas, com todo o respeito, mas é um misto. O Acre foi Território, tinha uma relação direta com o rio.

            E o Acre é a terra do Armando Nogueira. O Armando Nogueira, com 12 anos de idade, matava aula - ele foi um grande estudante, eu tive o privilégio da convivência com ele - para ficar apreciando um poeta embriagado, promotor de Justiça, que ficava declamando poesias vestido com um chambre e tomando vermute, de manhã. Armando Nogueira, apaixonado pela palavra, ficava ali apreciando, atrás de umas mangueiras. Nós dois juntos fizemos uma escultura do poeta sentado à mesa de um bar, parecida com aquelas que há no Rio, de bronze. A escultura foi a Christina Motta, a mesma que fez a Brigitte Bardot, em Búzios, que é amiga nossa. Fizemos lá, descrita pelo Armando Nogueira. Ali ele se inspirou e se apaixonou pela palavra.

            Depois, ele foi para o Rio. Ele era apaixonado por aviação e conheceu o seu pai. Era uma pessoa que tinha o maior carinho pelo Dr. Roberto. Ele dizia que o fato de ser acriano e de se orgulhar de ser acriano o fez se aproximar do Dr. Roberto, que dava oportunidade a um jovem estudante do Acre e conseguiu uma salinha, no final de um corredor, para o Armando Nogueira. O Armando disse que ficou mais próximo do Dr. Roberto porque, às vezes, chegava alguém, e o Dr. Roberto dizia: “Você já viu um acriano na sua vida?” “Não, eu nunca vi um acriano”. Ele dizia: “Então, venha cá”. Ele andava ao final do corredor, abria a porta e dizia: “Está ali. Aquilo ali é um acriano”.

            O Armando, com aquilo ali, foi chegando mais perto. E foi esse Armando Nogueira, com essa capacidade de escrever, de criar um texto que é uma das coisas mais brilhantes que já vi, tipo: “Se o Pelé não tivesse nascido gente, teria nascido bola”. Só o Armando Nogueira consegue fazer as coisas assim. Ele se aproximou muito do Dr. Roberto.

            Aqui eu posso falar isto, porque há livro já escrito: o Armando ajudou a criar essa linguagem televisiva do noticiário, essa linguagem que não tem sotaque, que usa algumas palavras e se comunica com todo mundo, de todas as classes. Isso é uma coisa fantástica que nós temos no noticiário da Rede Globo. É uma linguagem que fala com todos, com todas as regiões do País, e todos entendem perfeitamente. Então, foi corrigindo palavra por palavra, mudando, tirando algumas que se construiu essa história.

            E a outra grande acriana, por fim - vocês estão vendo que o Acre é parte da história da Rede Globo -, é a própria Glória Perez, que nos aproximou muito. Graças a essa disposição de ver o Brasil, de interpretar o Brasil - que nós vemos nos atores, nos autores e nos diretores da Globo -, foi feita a minissérie “De Galvez a Chico Mendes”, que narrou, com um primor extraordinário, a saga do Acre Estado, a história de Chico Mendes, a história de Galvez. E aí eu me aproximei um pouco do Projac e pude ver aquela indústria fantástica, moderna. Certamente, não há outra igual no mundo.

            Glória Perez, através das novelas, junto com outros autores, é uma das criadoras dessa história de fazer novela não só como ficção, mas entrando na realidade do povo brasileiro. Quando ela começou a apresentar nas novelas pessoas que viviam situações extremas, excluídas da própria sociedade ou das políticas públicas, pessoas com seus problemas, aquilo se transformou, em muitos casos, em políticas públicas, com leis votadas aqui no Congresso. Medidas e comportamentos começaram a ser diferentes a partir de uma novela, que trazia a ficção, o choro e o riso, mas trazia também um problema concreto vivido pelos excluídos, que não tinham para quem falar, nem eram reconhecidos na nossa sociedade.

            Então, são essas histórias. E eu estou contando a partir de autores e de componentes dessa história que saíram de um Estado muito pequeno do Brasil, que saíram lá dos rincões, pegando apenas esses dois.

(Soa a campainha.)

            O SR. JORGE VIANA (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Podia contar também, para concluir, sobre o João Donato, um acriano que criou uma sonoridade no Brasil e que a Globo, tantas vezes... Agora, com seus 80 anos, fiz uma viagem com ele para uma aldeia. Fiquei três dias com ele, no ano passado, porque ele queria gravar e filmar com os índios. Aos 80 anos de idade, parecia o Dr. Roberto, que começava as coisas depois dos 80, para nos animar a todos.

            Concluo, cumprimentando a Globo por essa história e passando um breve relato de parte dessa história vivida no Acre.

            Eu sou de uma outra época, não tive o privilégio da convivência com o Dr. Roberto, convivi já com os filhos. Tenho uma relação de muito respeito com o José Roberto e o João Roberto; com o Roberto Irineu, um pouco mais distante, mas também já tive com ele boas oportunidades de conversar.

            Queria contar um episódio que acho merece ser contado, antes de concluir, Sr. Presidente. No começo do nosso Governo, o Brasil viveu momentos de muita preocupação. Estou me referindo ao começo dos anos 2000, de 2002 para 2003, quando o quadro era difícil: estava saindo o Presidente Fernando Henrique e estava entrando o Presidente Lula. Naquele tempo, eu sei que essa empresa, que completa 50 anos, estava passando por desafios enormes. E, naquele tempo, eu tinha alguma proximidade com alguns que lá trabalhavam, como Armando e Glória. E todos faziam a pergunta: “O Brasil vai dar certo? Porque, se não der certo, nós podemos até ter problemas com a Globo, com a empresa”. Todos os grupos econômicos estavam vivendo isso, e eu fui perguntado várias vezes sobre isso. Eu, obviamente, falei que o Brasil daria certo.

            Eu acho que o Brasil deu certo. A Globo também superou as suas dificuldades. Nós, de alguma maneira, ajudamos a superar. Deu tão certo que agora se agravaram alguns outros problemas, que ficaram grandes também.

(Soa a campainha.)

            O SR. JORGE VIANA (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - E é dentro desse espírito de um Brasil que precisa seguir dando certo, de nós vivermos um ambiente do nosso tempo, que eu queria concluir não de maneira tão alegre, como eu comecei, mas eu acho que nós todos aqui, aproveitando os 50 anos da Globo... Eu estou muito preocupado. Não com as crises políticas, econômicas, porque nós vamos encontrar uma maneira de superá-las, mas com esse ambiente que, para mim, não me anima, de certa intolerância, de certo conservadorismo que começa a ganhar uma força além da conta. E acho que só há um jeito: através da cultura, dos meios de comunicação, dos que fazem arte, dos que interpretam é que a gente pode superar situações como essa e não cair numa armadilha de andar para trás.

            Uma sociedade que não permite liberdade absoluta, total, não é sociedade; em que as pessoas não tenham direito a sua religião ou a não ter religião; tenham direito a ter a sua opção sexual, seja ela qual for, ou não ter; uma sociedade em que as pessoas não criem nenhum problema por cor, pelo jeito de ser ou pela condição social. É a sociedade que nós devemos buscar. E às vezes eu vejo um País tão bonito, tão alegre, com um povo tão bom como o nosso, vivendo uma quadra não só de crise política, econômica, mas um caminho da intolerância, de não aceitar as diferenças, a não convivência - e isso me preocupa muito, mas acho que, trabalhando, todos nós vamos superar.

            Eu fui criado na Era do Rádio. Meu pai me ensinou a gostar do rádio. Eu gostava de notícia.

            Lá no Acre, para concluir mesmo, a gente começou a ver televisão. Eu fui ver, depois de ter vindo aqui, numa primeira para o Rio de Janeiro, preto e branco, mas a nossa televisão - sobre essa história da Rede Globo, o Dr. Phelippe Daou foi importante nisso, como já foi dito - a gente assistia ao jornal e à novela dois dias depois que tinham passado aqui no sul do País. Demorava dois dias para a fita sair de Manaus, sair do Rio, chegar a Manaus, de Manaus para Rio Branco, porque eram dois dias de avião daqui para lá, e a gente assistia a tudo com dois dias de atraso. Nem reclamávamos. Hoje está tudo em tempo real e os desafios são outros.

            Eu espero que a Rede Globo encontre a maneira de ajudar o Brasil a superar esses problemas, como um veículo de comunicação, e principalmente a enfrentar esse ambiente de absoluta intolerância, que é absolutamente inaceitável para um país nos tempos de hoje.

            Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/08/2015 - Página 25