Discurso durante a 100ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre a decisão do STF a respeito da publicação de biografias não autorizadas.

Autor
Ricardo Ferraço (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Ricardo de Rezende Ferraço
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PODER JUDICIARIO:
  • Comentários sobre a decisão do STF a respeito da publicação de biografias não autorizadas.
Aparteantes
Ronaldo Caiado.
Publicação
Publicação no DSF de 18/06/2015 - Página 194
Assunto
Outros > PODER JUDICIARIO
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), ASSUNTO, LIBERAÇÃO, PUBLICAÇÃO, BIOGRAFIA, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo a tribuna para registrar um fato que, pelo menos a meu juízo, Senadora Lúcia Vânia, merece destaque, relevo. Está relacionado à importante decisão - a meu juízo também, de novo -á histórica decisão do Supremo Tribunal Federal, que, na última semana, à unanimidade, derrubou o impedimento de publicação de biografias sem autorização prévia do biografado ou de seus herdeiros.

            Ao considerar, Sr. Presidente, o Supremo Tribunal Federal como inconstitucional os arts. 20 e 21 do Código Civil, os ministros do Supremo Tribunal Federal reafirmaram, numa tarde histórica, o valor que deve predominar da liberdade de expressão nas sociedades democráticas, sem prejuízo de qualquer outro direito inviolável, como o direito à privacidade.

            “O peso da censura é insuportável e intolerável”, ressaltou o decano da Corte, Ministro Celso de Mello, durante o julgamento. Ou mesmo como bem sintetizou o Ministro Luís Roberto Barroso: “A liberdade de expressão não é a garantia de verdade ou de justiça. Ela é uma garantia da democracia”.

            Para a Ministra Cármem Lúcia, relatora do julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pela Associação Nacional de Editores de Livros, a ANEL, o que estava, na verdade, sendo julgado era o direito à palavra e à expressão. Disse a Ministra Carmem Lúcia: “Cala a boca já morreu”, afirmou ela durante o seu voto, numa frase que se tornou logo emblema dessa importante sessão do Supremo Tribunal Federal.

            É lamentável, entretanto, que, se por um lado nós estamos aqui a comemorar uma decisão unânime do Supremo Tribunal Federal, Senador Jorge Viana, a nossa alegria em ver o Supremo Tribunal exercendo esse importante protagonismo, há que se lamentar que esse protagonismo poderia e deveria ter sido exercido pelo Senado da República. E poderia ter sido exercido pelo Senado da República porque, em bom tempo, o ex-Deputado Newton Lima apresentou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 42, lá aprovado. O texto altera o art. 20 do Código Civil, para garantir a liberdade de expressão e informação e o acesso à cultura, na hipótese de divulgação de informações biográficas de pessoas de notoriedade pública, ou cujos atos sejam de interesse da coletividade.

            A proposição, amplamente discutida na Câmara pelos Deputados Federais, chegou ao Senado em maio de 2014. De lá para cá, na prática, houve tempo suficiente para que o Senado da República decidisse sobre essa questão relevante, essa conquista civilizatória que está vinculada à liberdade de expressão como princípio fundamental intocável.

            Inicialmente chegando ao Senado, a proposta foi distribuída à Comissão de Constituição e Justiça, para a qual fui designado Relator ainda pelo nosso ex-Senador Vital do Rêgo, hoje Ministro do Tribunal de Contas da União. Nós apresentamos o nosso relatório, que estava em linha com o que, posteriormente, decidiu o Supremo Tribunal Federal. Ou seja, as biografias de grandes personalidades e de figuras de interesse público sempre serviram de instrumento para a compreensão da história de um país e de seu povo.

            A narrativa sobre a trajetória de homens e de mulheres de vulto contribui para a construção da memória de uma nação, com suas virtudes e suas contradições.

            Os textos biográficos, Senador Otto, dão face humana aos fatos e à cultura, assim como aos períodos históricos dessas personalidades que contribuíram com a nossa formação.

            Enfim, esse era e é o nosso entendimento, era e é a nossa convicção, mas, regimentalmente, o requerimento solicitou que esse projeto pudesse tramitar, também, pela Comissão de Educação, o que é absolutamente legítimo, mas trazendo, a meu juízo, prejuízo a que o Senado pudesse exercer essa prorrogação, esse protagonismo. Até porque a Câmara já tinha votado, e se nós deliberássemos sobre esse fato, não o Supremo Tribunal Federal estaria legislando, como fez e fez bem, mas o Senado da República.

            O Senador Romário avocou a matéria na Comissão de Educação e, nos últimos dias, solicitou que a matéria voltasse para reexame e, a meu juízo, acertadamente, o fez à luz dos novos fatos que estão relacionados com essa decisão unânime do Supremo Tribunal Federal, colocando uma pedra e assentando, em definitivo, a prioridade e a preferência pelo exercício da liberdade de expressão.

            Como bem resumiu a Ministra Cármen Lúcia, é a Constituição do Brasil que garante a liberdade de expressão acima de qualquer outro dispositivo. Censura é forma de calar a boca, pior que calar a Constituição.

            A decisão do Supremo Tribunal Federal, portanto, fortalece a democracia brasileira nos colocando no rol dos países desenvolvidos nesta questão fundamental, que é a liberdade de expressão, ameaçada pelos arts. 20 e 21 do Código Civil, que foram a tempo, a meu juízo, tempestivamente corrigidos pelo Supremo Tribunal Federal.

            O Sr. Ronaldo Caiado (Bloco Oposição/DEM - GO) - Senador Ferraço...

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - O Brasil, pasmem, era o único país democrático do mundo civilizado, por assim dizer, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, onde se exigia autorização prévia pelas pessoas cuja trajetória é retratada em obra biográfica, ainda que como coadjuvante. Essa exigência configurava, sim, a meu juízo e a juízo agora também, por unanimidade, do Supremo Tribunal Federal, uma censura prévia inaceitável em qualquer sociedade democrática. A liberdade de expressão é uma conquista histórica.

(Soa a campainha.)

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - No Brasil, a Constituição de 1988, que coroou a redemocratização do País, trouxe direitos e garantias fundamentais aos cidadãos, com o objetivo de repudiar as práticas autoritárias dos períodos de exceção. Portanto, é com expectativa...

            O Sr. Ronaldo Caiado (Bloco Oposição/DEM - GO) - V. Exª me concede um aparte, por favor, Senador?

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Ouço V. Exª, claro, com muito prazer.

            É com expectativa e ansiedade que nós aguardamos o parecer do eminente Senador Romário, que retirou a matéria para reexame, após a decisão do Supremo Tribunal Federal. Quero crer na expectativa de que nós possamos agora identificar aquele que me parece o melhor caminho, que é o caminho da prejudicialidade desse projeto, levando ao seu arquivamento, Sr. Presidente, para que, de maneira centrada e definitiva, o Senado não possa colaborar com qualquer tipo de retrocesso em relação à liberdade de expressão, seja ela prévia, seja posterior.

            Ouço, com prazer, o meu querido e estimado amigo, Líder, Senador Ronaldo Caiado.

            O Sr. Ronaldo Caiado (Bloco Oposição/DEM - GO) - Muito obrigado, Senador Ferraço. É uma oportunidade ímpar que V. Exª traz ao debate desta matéria. Aquilo que, realmente, o Supremo Tribunal Federal deliberou foi matéria que já havia sido deliberada pela Câmara dos Deputados. O projeto, na Câmara dos Deputados, fez exatamente com que essa iniciativa dos biógrafos fosse respeitada e todas as obras fossem publicadas. Esse texto, relatado pelo Deputado Newton Lima e com a articulação de todos os Líderes da Casa, foi uma votação de consenso. Além do texto liberando totalmente daquelas exigências do Código Civil, nós avançamos, sim, em uma emenda que o nobre Relator, Senador Romário, vai exatamente apresentar na Comissão de Educação, onde o que é pedido é que seja mantida toda liberdade de expressão a toda condição das editoras em publicarem aqui os livros, mas que seja resguardado também, nobre colega, a condição daquele biografado que foi atentado contra a sua honra ou a sua história de vida...

(Interrupção do som.)

            O Sr. Ronaldo Caiado (Bloco Oposição/DEM - GO) - ... de, em novas publicações, não continuarem com aquelas injúrias ou calúnias. Essa é a única alteração, que também foi aprovada por unanimidade. Sei muito bem que ela não é muito simpática ao setor, principalmente das editoras, mas acho que agora nós estamos tratando aqui da honra como também da história de vida de milhares de brasileiros que serão biografados e, como tal, simplesmente dizer que não existe censura posterior, existe um rito mais célere, ou seja, o juizado especial e termina no Supremo Tribunal Federal. Em qualquer das condições, o texto final encerra no julgamento do Supremo Tribunal Federal. O que estamos colocando é apenas diminuir esse prazo de chicana, para que, ao invés de termos um julgamento que dure trinta anos, ele possa durar seis anos, cinco anos, mas a parte criminal e de indenização seguirá o mesmo rito como é hoje. Ninguém está falando em censura. O que se está falando é que apenas, de um fato que não possa ser comprovado pelo biógrafo, exista a oportunidade de, numa audiência, poderem chegar a um acordo. Se não for possível, que chegue ao Supremo Tribunal Federal em um prazo menor - e aí eu tive a ousadia de dizer em torno de cinco a seis anos -, para que aquele biografado possa ter, nas próximas publicações, não mais matérias caluniosas ou injuriosas da sua história de vida. Esta emenda tem tudo a ver com o respeito a todos os biógrafos, às editoras sérias...

(Soa a campainha.)

            O Sr. Ronaldo Caiado (Bloco Oposição/DEM - GO) - ... como também a todos os biografados. É com essa posição que o Senador José Agripino recorreu à Comissão de Educação, onde temos a honra de ter o Senador Romário para relatar esse texto que foi votado, por unanimidade, na Câmara dos Deputados. Muito obrigado. Agradeço o aparte que V. Exª me concedeu.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Eu que agradeço a contribuição de V. Exa.

            Eu aguardo com expectativa o pronunciamento do Senador Romário, porque ele apresentou seu parecer anteriormente à decisão do Supremo Tribunal Federal. Cuidadoso como é, retirou o parecer para reexame. Portanto, nós não conhecemos com que fundamentos ele trará seu parecer, considerando agora a decisão do Supremo Tribunal Federal.

            Em que pese a legitimidade da manifestação...

(Interrupção do som.)

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Sr. Presidente. Liberdade de expressão versus privacidade. Violação da privacidade alheia, ofensa, mentira. É plenamente possível a compatibilização e a preservação desses valores e desses princípios.

            O que não me parece adequado é que nós possamos submeter à lei das causas especiais em função dos seus critérios, dos seus procedimentos. É um tipo de justiça que é até mesmo exercida por juiz que está ainda em período probatório, em que não cabem recursos entre as partes.

            Portanto, há uma fragilidade muito grande em submeter uma decisão como essa, um debate como esse...

(Soa a campainha.)

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - ... de direitos que são fundamentais aos juizados de causas especiais. Eu acho que isso é extremamente frágil. Eu acho que isso, na prática, pode representar, Senador Ronaldo Caiado, uma espécie de censura posterior, pela fragilidade com que esse tipo de justiça foi criada. Ou seja, é uma justiça que foi criada para dirimir questões relacionadas ao direito do consumidor. É uma questão em que não cabe recurso sequer para tribunais superiores.

            Então, há toda uma temática técnica em relação a isso que nós teremos que discutir ou na Comissão de Educação ou mesmo na Comissão de Constituição e Justiça, de modo a encontrar uma redação equilibrada, que possa preservar a liberdade de expressão e a privacidade das pessoas.

            Eu quero crer que o Senado terá maturidade e encontrará caminho para não perseverar, em hipótese alguma, na contramão ou no retrocesso, que seria nós cercearmos a liberdade de expressão e caminharmos para um ambiente, que eventualmente pode ser assim compreendido, entre a primeira e a segunda ou terceira edição de uma biografia em que, em uma primeira edição, você tenha determinados fatos e, em uma segunda e em uma terceira, você não os tenha, desfigurando e deformando a construção da biografia de personalidades, que é de fundamental compreensão para a manutenção e a preservação da memória do nosso povo.

            Mas esse é um debate técnico que nós haveremos de fazer ou na Comissão de Educação ou na Comissão de Constituição e Justiça.

            O Sr. Ronaldo Caiado (Bloco Oposição/DEM - GO) - Eu só gostaria, Sr. Presidente, para concluir, se V. Exa me concede...

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Ouço mais uma vez V. Exa, com muito prazer.

            O Sr. Ronaldo Caiado (Bloco Oposição/DEM - GO) - Obrigado. Em relação à parte de censura prévia, isso é matéria vencida. V. Exa concorda?

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Matéria assentada, resolvida.

            O Sr. Ronaldo Caiado (Bloco Oposição/DEM - GO) - Então, isso não tem mais que ser discutido. A Câmara dos Deputados assim aprovou. Infelizmente, não aprovamos aqui no Senado. O Supremo Tribunal Federal já deliberou. O outro assunto do qual nós estamos tratando é única e exclusivamente um rito que fosse mais célere em relação a uma injustiça que fosse praticada. Só isso. Nós não estamos aqui retirando nenhum livro. Nós não estamos aqui punindo quem quer que seja, até porque o processo criminal e o processo indenizatório vêm pelos mesmos trâmites atuais. O que nós estamos falando é que, em qualquer circunstância, o ponto final é o Supremo Tribunal Federal. Em vez de o cidadão ficar submetido às chicanas, hoje em dia, dos advogados que trabalham principalmente para essas editoras que têm uma estrutura maior, que duram em torno de trinta anos, a área jurídica que nos assessorou mostrou que pelo menos esse rito, especificamente naquilo que atinge a honra e a história de vida da pessoa, pode ter uma tramitação mais célere, cinco ou seis anos. Isso não é pouco. Isso é exatamente o tempo em que, em qualquer das circunstâncias, vai ser julgado finalmente pelo Supremo Tribunal Federal. Ninguém vai cercear a chegada àquela que é a Corte qualificada para poder dar a palavra final. É exatamente isso, nobre colega.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - O que eu estou querendo dizer a V. Exa é que, a meu juízo, neste momento, o texto aprovado pela Câmara, em que pesem as manifestações de V. Exa...

(Soa a campainha.)

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - ... não me dá a segurança e a certeza de que, com celeridade, que é uma necessidade na reparação das pessoas que têm o seu direito e a sua privacidade invadida e ofendida, que esse rito seja o melhor. Não estou seguro a esse juízo. Mas, na Comissão de Educação, no momento em que o Senador Romário apresentar seu parecer, poderemos aprofundar o debate relacionado a essa questão. E precisamos, inclusive, considerar a decisão do Supremo, que não trata apenas da censura prévia. O Supremo Também, em votos muito consistentes, pôde reconhecer que existe legislação adequada para tratar de temas como esse. Mas esse é um debate: o Código Civil, o Código Penal e assim por diante.

            Nós precisamos, sim, encontrar um rito. Mas esse rito não pode...

(Interrupção do som.)

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - ... na Comissão de Educação, na Comissão de Justiça e no Plenário. Eu acho que o Senado precisa enfrentar esse tema e deliberar, porque é um tema importante, civilizatório, em que o nosso País estava caminhando pela porta dos fundos, porque éramos ainda um dos poucos países que exigiam autorização para biografia de pessoas que fizeram a opção em qualquer atividade humana, política, cultural, social, esportiva, pela atividade pública.

            Muito obrigado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/06/2015 - Página 194