Discurso durante a 133ª Sessão Especial, no Senado Federal

Sessão especial destinada a reverenciar a memória de Eduardo Campos, em razão do transcurso de um ano de seu falecimento, nos termos do Requerimento nº 841, de 2015, do Senador Roberto Rocha e outros Senadores.

Autor
Lídice da Mata (PSB - Partido Socialista Brasileiro/BA)
Nome completo: Lídice da Mata e Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Sessão especial destinada a reverenciar a memória de Eduardo Campos, em razão do transcurso de um ano de seu falecimento, nos termos do Requerimento nº 841, de 2015, do Senador Roberto Rocha e outros Senadores.
Publicação
Publicação no DSF de 14/08/2015 - Página 30
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, EDUARDO CAMPOS, EX GOVERNADOR, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), ELOGIO, VIDA PUBLICA, ATUAÇÃO, POLITICA.

            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do oradora.) - Do Bloco Socialismo e Liberdade, Sr. Presidente.

            Sr. Presidente; Srªs e Srs. Senadores; convidados; militantes do PSB; Presidente de nosso Partido, Carlos Siqueira; Presidente da nossa fundação, Senador, sempre, e Governador do Espírito Santo, Casagrande; nossa querida amiga Márcia Rollemberg, que não é apenas a esposa do Governador Rodrigo Rollemberg, mas também dirigente da nossa fundação, militante da cultura brasileira e que grande contribuição, como servidora, já pôde dar à luta de afirmação e de valorização da cultura nacional; nossa querida amiga e representante do Ministro Aldo Rebelo, também um grande amigo de Eduardo Campos, que agora ocupa um Ministério, uma função que já foi antes ocupada por Eduardo, o Ministério de Ciência e Tecnologia; meu querido companheiro de trabalho, Senador Roberto Rocha, que é autor desta sessão de hoje, confesso, Sr. Presidente, que trouxe aqui um discurso escrito, mas longo. Porém, caro Deputado Tadeu, após as inúmeras falas de brilhantes oradores, como, por exemplo, a do Senador Pedro Simon, que, além de nos emocionar, fez-nos refletir e pensar sobre o momento político que nós passamos e fez também com que tivéssemos, mais uma vez, a saudade permanente entre nós da sua presença neste Senado, Senador Pedro Simon, fica para mim difícil ler este discurso. Resolvi, então, fazer um discurso de improviso, que, espero, sinceramente, seja muito menor do que o que eu faria lendo.

            Um improviso para destacar, primeiro, uma questão: eu não quero falar como Senadora apenas, mas quero falar como representante das mulheres socialistas, da militância das mulheres do nosso Partido e enfatizar, neste nosso pronunciamento também, a sensibilidade que dizem que é das mulheres, que se origina nas mulheres, mas que Eduardo tinha muito.

            Como diria Machado de Assis, “os mortos não vão tão depressa, como quer o adágio, mas que eles governam os vivos é coisa dita, sabida e certa”. E é por isso que o Partido Socialista, desde a última segunda-feira, em que Eduardo comemoraria os seus 50 anos, junto com outras organizações partidárias, com organizações do povo brasileiro, com a política, com os líderes da política nacional, vem rememorando sua vida, desde aquela data até o dia de hoje, que marca o trágico afastamento de Eduardo deste mundo.

            O lado feminino de Eduardo diz que Eduardo nasceu de uma família de políticos e revolucionários. Era descendente, como conta a lenda e a história, direto de Bárbara de Alencar, a primeira prisioneira política do País, que comandou a Revolução Pernambucana de 1817 - os pernambucanos são orgulhosos disso - e participou da Confederação do Equador, dois movimentos em favor da Independência e da República do Brasil. Era também neto do Governador Miguel Arraes, que foi um mito da política nacional e um homem que se vinculou a todas as grandes causas do povo brasileiro, das lutas nacionalistas aos pilares da organização democrática em nosso País.

            Por que eu insisti em falar das mulheres? Porque Eduardo não apenas foi o neto de Arraes, mas é o filho de Ana Arraes. Ana é uma mulher que perdeu a mãe muito cedo, e, quando o seu pai se casou novamente e teve novos filhos, Ana praticamente dividiu as tarefas da maternidade com sua madrasta. Foi praticamente mãe também de seus irmãos. Digo isso porque teve dois filhos homens e perdeu também o seu marido cedo. Eduardo dizia sempre, nas nossas discussões com a pauta das mulheres: “Calma, Lídice da Mata. Você acha que eu, filho de D. Ana Arraes, não vou respeitar os direitos das mulheres? D. Ana nos criou para sermos respeitadores das mulheres e para sermos delicados com as mulheres.”

            Eduardo, ao seu jeito, à sua forma, compreendeu de maneira muito especial essa luta a que me refiro, essa luta das mulheres. Quando Governador, quando Eduardo tomou posse e organizou o seu governo, organizou uma Secretaria da Mulher, quando nenhum outro governo de Estado no País a havia organizado. Mas não apenas organizou uma Secretaria da Mulher, ele lhe deu uma nova configuração, uma configuração que saiu da afirmação retórica de que a causa da mulher deve permear todas as políticas públicas. Ele o fez na prática. Ele colocou na Secretaria da Mulher uma mulher política, uma ex-exilada, com uma história de luta libertária, e uma feminista, que fez um programa avançado de inclusão das mulheres pernambucanas, uma política em que escolheu dois centros de sua atuação no governo: a educação e a segurança pública. Esses dois vetores essenciais, estratégicos, da administração de Eduardo, tiveram uma participação singular da política das mulheres.

            No Pacto pela Vida, Márcia, participava a Secretária Cristina Buarque, ex-cunhada do nosso Senador Cristovam Buarque, para definir metas a serem alcançadas no Pacto pela Vida, pela diminuição da violência no Estado de Pernambuco, dos índices de violência contra a mulher.

            Também na educação, que foi o principal ponto estratégico, a principal paixão de Eduardo no seu governo, a ideia de que era indispensável implantar colégios de tempo integral no ensino médio, que fez com que ele construísse a maior rede de colégios de tempo integral no ensino médio do Brasil, com mais de 300 colégios de tempo integral.

            Ainda assim, Eduardo criou, na Secretaria da Mulher, um programa de alfabetização de mulheres rurais, que ganhou o nome de Chapéu de Couro, também numa referência clara à sua vinculação com a luta de Miguel Arraes. Ele ganhou seu primeiro destaque e prêmio internacional de gestão em direitos humanos com esse projeto, recebendo esse prêmio na ONU.

            Portanto, essa referência de um mundo, de uma administração, de uma sociedade em que a democracia exigia uma política também de inclusão da outra metade da humanidade, que são as mulheres, Eduardo fez com devoção, com dedicação, com respeito à luta das mulheres, com respeito à sua Secretária, Cristina Buarque, dando-lhe poder para implantar uma política pública realmente de inclusão social, que marcasse a postura de um governante socialista no governo de um Estado. Isso fez com que Eduardo tivesse, sem dúvida nenhuma, a admiração das mulheres feministas deste Brasil e da militância de mulheres socialistas.

            Eduardo era respeitado pela militância da Juventude Socialista Brasileira, que aqui está presente. Eduardo era respeitado pelo movimento negro do Partido, pela sua capacidade de ouvir. Ele me dizia: “Lídice, eu preciso - na campanha, ele dizia isto muito - ouvir esse movimento negro da Bahia. Quero estar com suas principais lideranças. Quero entender essa questão de forma mais profunda, porque nós precisamos ter um programa que seja capaz de responder ao desafio de fazer a inclusão verdadeira do nosso povo.”

            Eduardo também deu voz, no nosso Partido, ao movimento LGBT, que passou a ter uma participação destacada na sua Presidência. Ouviu, portanto, todos os segmentos organizados, que queriam ter voz internamente e na sociedade brasileira, o movimento sindical, como aqui falei também.

            Eu queria destacar aquilo que não foi dito aqui: o Eduardo Presidente do PSB; o Eduardo respeitador da luta política das minorias e dos nossos movimentos sociais dentro do Partido e fora dele; o Eduardo, cuja sensibilidade de homem ainda muito jovem, ainda saindo da adolescência, escolheu uma companheira que foi a sua companheira de vida. Por ela, ele teve um amor profundo, muito profundo. Tiveram cinco filhos, numa idade como a dele, que faria 50 anos agora. Dificilmente pessoas dessa geração têm tantos filhos. Ele dizia: “Nós queremos botar gente no mundo.”

            Tinha em Renata uma parceria que pensava justamente como ele a vida. Renata, com ele, compartilhava da mesma fervorosa fé cristã. Renata foi sua companheira em toda a sua caminhada à Presidência da República. Ele dizia para mim: “Lídice, Renata, agora com o Miguelzinho, não deixa nem as babás darem banho nele. Ela está transformando Miguel numa parte do seu corpo. Ela leva Miguel para toda essa campanha.” E, da última vez em que ele foi a Salvador para fazer conosco a última atividade, uma semana antes de sua morte, ela desceu do avião com ele em Salvador, amamentou Miguel. Ia ficar em Salvador, mas decidiu: “Eu quero que o avião me leve para Pernambuco. Estou sentindo falta do José e dos meninos.”

            A relação de Eduardo com a sua mãe também era uma relação que não se limitava ao amor materno. Ana também era sua companheira de batalha, sua conselheira política, sua parceira de ideias. Essa relação de Eduardo com as mulheres certamente teve uma grande influência na sua formação, foi tão grande que fez com que desenvolvesse a sua sensibilidade para as questões sociais.

            É claro que Eduardo foi um herdeiro legítimo de Miguel Arraes, um herdeiro político. Ele herdou do Arraes nacionalista o seu profundo amor pelo Brasil. Ele herdou do líder político nordestino Miguel Arraes a sua profunda compreensão sobre o Nordeste. Eduardo foi um líder nordestino que pensava o Brasil como os nordestinos Celso Furtado e Rômulo Almeida pensaram o Brasil - e deram sua enorme contribuição para o planejamento econômico deste País.

            Eduardo sabia das dificuldades de um líder político nordestino se impor ao Brasil, mas não se paralisou, não se deteve no medo: ele se jogou de forma corajosa para esse desafio de ser um líder nacional. Eduardo herdou do governo de Arraes sua compreensão sobre a valorização da cultura - da cultura pernambucana, da cultura nacional - como identidade do povo; a identidade do povo pernambucano, a quem ele dava voz através do pensamento de Ariano Suassuna, que foi Secretário de Cultura dele e Secretário de Cultura também de seu avô. Ele, também como Arraes, compreendeu o valor de apostar na ciência e na tecnologia para construir o futuro do Brasil.

            Então, como todos nós somos herdeiros, somos formados das heranças que recebemos dos nossos pais e dessa convivência da luta política e da relação com o povo, Eduardo se tornou esse grande político que encantou o Brasil e que faz uma enorme falta ao Partido Socialista Brasileiro e uma enorme falta à nossa Nação neste momento especialmente.

            Ele, como construtor de pontes, como grande negociador - era sua característica central -, veio ao Congresso Nacional, foi ser Ministro e voltou para o Congresso Nacional por sua característica de grande negociador. Sempre o foi, e foi por isso e é por isso que temos uma sessão neste Senado Federal, como tivemos na Câmara, como tivemos na segunda-feira, com a participação de tantos líderes políticos, com diversidade de pensamento tão larga, para homenagear Eduardo. Não o homenagearam apenas na referência à sua atuação política, mas o homenagearam como homem público, como amigo que foi de tantos deles. E é nessa circunstância que eu aqui deixo também a minha palavra de registro sobre Eduardo.

            Para finalizar, vou contar também sobre o seu lado humorístico, já muito referenciado aqui, Presidente Renan.

            Na última vez em que ele esteve em Salvador, na quarta-feira antes daquela tragédia, Eduardo foi fazer um ato com a juventude. Lá filmamos um ato muito bonito, fizemos um programa muito bonito e, quando saímos, na van em que íamos, eu disse: “Eduardo, preciso falar com você”. Ele me disse: “Eu já sei, já sei”. Ele - claro, candidato - ia saindo dos pleitos, enrolando aqui e ali - ia saindo dos pleitos nossos, dos políticos. Virando-se para mim, eu disse a ele: “Olha, é indispensável o que eu quero lhe falar!” Ele, claro, quando ouviu aquela conversa, já sabia do que se tratava. Aí ele disse: “Tá, Lídice da Mata, fale”. Eu disse: “Se não houver recurso, a campanha vai acabar, eu vou me matar... É uma tragédia isso aqui, não vamos a lugar nenhum”. Ele disse: “Sim, e o que mais?” “Mas você não respondeu a primeira pergunta!” “Porque está resolvido: dinheiro para campanha, Lídice, não é problema, é solução! Então, certamente, vai aparecer, para que a gente continue”. E aí eu já estava ali... “Está bem, Eduardo, está bem”.

            “E a segunda pergunta? O que é?” “É uma coisa simples, você pode decidir agora, é muito rápido. Eu preciso que você libere Bruno para ele vir para a minha campanha”. Bruno era Presidente da JSB (Juventude Socialista Brasileira) e é meu filho. Eu disse: “Nós estamos precisando, eu preciso de gente aqui. Você precisa liberar Bruno”. Já na entrada do aeroporto, ele disse assim: “Não. Isso eu vou atender. Olha Bruno, você precisa ir, imediatamente, para o Paraná, porque nós estamos precisando muito de você no Paraná, para organizar a juventude do Paraná. Depois, de lá, você vai para o Pará, porque é indispensável organizar a juventude na campanha do Pará. Depois você desce para o Maranhão, para participar da campanha de Flávio Dino e Roberto Rocha e, depois, você vai até o Piauí. Feito esse trajeto, em 30 de setembro você chega aqui na campanha de sua mãe e a ajuda, tem condição de ajudá-la a fazer a campanha!” E caiu na gargalhada!

            Era um pouco esse o Eduardo, que transformava as nossas dificuldades, enfrentava as imensas dificuldades que todos nós tínhamos com muito bom humor, com muita alegria, e que, portanto, nos jogava para frente, para acreditarmos naquilo que ele disse, finalmente, para todo o Brasil: “Não vamos desistir do Brasil!”

            Muito obrigada. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/08/2015 - Página 30