Discurso durante a 140ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Lamento pela apresentação de PEC que estende a desvinculação de receitas da União aos fundos constitucionais de desenvolvimento regional.

Autor
Simone Tebet (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
Nome completo: Simone Nassar Tebet
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL:
  • Lamento pela apresentação de PEC que estende a desvinculação de receitas da União aos fundos constitucionais de desenvolvimento regional.
Publicação
Publicação no DSF de 21/08/2015 - Página 266
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL
Indexação
  • CRITICA, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, GOVERNO FEDERAL, ASSUNTO, INCLUSÃO, DESVINCULAÇÃO, RECEITA, UNIÃO, REDUÇÃO, FUNDO DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL, COMENTARIO, PREJUIZO, PAIS, ENFASE, CONTRIBUIÇÃO, AUMENTO, DESIGUALDADE REGIONAL.

            A SRª SIMONE TEBET (Bloco Maioria/PMDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão da oradora.) - Obrigada, Sr. Presidente Paim, Senadora Vanessa, demais Senadoras e Senadores, e todos aqueles que estão nos vendo neste momento pela TV Senado e nos ouvindo pela Rádio Senado.

            O assunto que me traz a esta tribuna hoje, Sr. Presidente, é, mais do que um assunto, uma grande preocupação.

            Ontem, nós fizemos uma audiência pública na Comissão de Desenvolvimento Regional. Uma audiência pública que tinha um objetivo: ouvirmos os Presidentes do Banco do Nordeste, da Amazônia e do Banco do Brasil, os três bancos responsáveis pelos Fundos Constitucionais - o do Centro-Oeste, o do Norte e o do Nordeste -, para vermos o impacto que essa crise econômica estaria - ou está - trazendo para a gestão desses fundos; o cronograma de desembolso; se realmente está faltando recurso, porque nós sabemos que os fundos são constitucionais, e, portanto, com um percentual fixo da Receita que deve ser investido em desenvolvimento nas regiões mais pobres do País.

            Para a nossa surpresa, a audiência tomou outro rumo quando foi confirmado, por um Senador, que tramita nesta Casa uma PEC, a PEC de nº 87, deste ano, de autoria do Poder Executivo, que, ao prorrogar a DRU, que é a Desvinculação das Receitas da União, para que o Governo possa aplicar com mais liberdade parte dos recursos de que dispõe. Fomos surpreendidos, porque essa PEC estabelece, pela primeira vez na história, desde a criação da DRU, a possibilidade, melhor, a certeza de desvincular também 30% dos recursos dos Fundos Constitucionais.

            E eu quero explicar para quem está nos vendo o que isso significa. Significa que os Fundos Constitucionais, garantia para o desenvolvimento deste País, ao promover a tão sonhada diminuição da desigualdade social e regional, agora vão ficar 30% mais pobres. Os Fundos Constitucionais, que do ano passado para este ano estão na ordem de R$10 bilhões, vão contar, a partir do ano que vem, com pelo menos de R$3 bilhões a R$ 3,5 bilhões a menos.

            E aí quero me dirigir à equipe econômica do Governo Federal, ao Ministro Levy, ao Ministro Nelson Barbosa. Eu acredito que eles já sabem, mas é importante reforçar.

            Este, Sr. Presidente, é um País diverso e desigual. E se a diversidade é a nossa maior riqueza, infelizmente a desigualdade é a nossa maior pobreza e vergonha. A diversidade é inerente a um País como o nosso, de dimensões continentais, essa diversidade é fruto da nossa história, da história cultural. Nós recebemos o afluxo, aqui, de todas as culturas, asiática, africana, que se misturaram à nossa, junto com a europeia, o que fez deste País um dos mais complexos do mundo.

            Mas a desigualdade leva à miséria e à pobreza. A desigualdade regional é muito séria neste país. Ela não só nos agride no aspecto material, mas também espiritual. A desigualdade faz com que falte para muitos casa e pão, para outros, também muitos, os direitos mais básicos à educação, à saúde, à segurança pública.

            Mas eu acredito que essa desigualdade traz para nós, para todos, um sentimento, um sentimento ruim de que falta neste País solidariedade, para fazermos todos juntos, termos todos juntos uma grande causa, ou melhor, uma única casa, dividirmos com todos a grande casa que é o Brasil, com todos, com todo o povo brasileiro.

            No Brasil legal, no Brasil constitucional, todos são iguais perante a lei. Mas, na prática, o que nós vemos é a desigualdade social, a desigualdade econômica, a desigualdade de gênero e a desigualdade regional. Não é à toa que os dados do IBGE... E eu já tive a oportunidade de dizer, nesta tribuna, no primeiro pronunciamento que fiz, que a cara mais pobre deste País é a cara de uma mulher negra e nordestina. Isso por quê? Porque as desigualdades se misturam e se retroalimentam. Para acabar com uma desigualdade, eu preciso atacar outra. O fim da desigualdade regional é condição e consequência para podermos, também, conseguir acabar com a desigualdade econômica e social. E atacar estas desigualdades é responsabilidade do Congresso. Nós estamos fazendo a nossa parte. Não é à toa que temos uma comissão especial nesta Casa para discutirmos e revermos esse tão esgarçado pacto federativo. Mas é preciso que o Governo Federal faça a sua parte.

            Neste momento, estamos dando um voto de confiança ao Governo Federal, no sentido de votarmos o projeto do repatriamento, que vai regularizar os ativos de brasileiros que têm contas no exterior, que têm bens no exterior, que têm dinheiro no exterior, para o Brasil, para que eles possam pagar impostos, para que eles possam pagar uma multa e esta multa ir para dois fundos, que não são constitucionais, mas fundos oriundos de uma medida provisória que também estaremos votando, para podermos, com isso, igualar e unificar as alíquotas do ICMS, o que - é importante dizer - vai causar prejuízos financeiros para a maioria dos Estados brasileiros. Estamos costurando um acordo nesse sentido, muitas vezes sem concordar com ele - porque eu não defendo a tese, que muitos sustentam, de que os incentivos fiscais são nocivos para o País.

            Quando falamos em fundos que não são constitucionais - que não gozam, portanto, das garantias da Carta Maior -, com base numa lei baseada numa hipótese de recurso que não sabemos se virá, na ordem de 17 bilhões, a serem divididos em pelo menos seis anos - três bilhões por ano, portanto, para esses fundos -, o Governo Federal, inesperadamente, vem com uma PEC para tirar os exatos três bilhões dos fundos constitucionais. É dar com uma mão e tirar com a outra. E isso me fez pensar se é realmente este o caminho.

            Tive um posicionamento muito firme na Comissão e vou repeti-lo aqui.

            Enquanto a PEC estiver tramitando com essas condições, sendo mantida a desvinculação de trinta por cento dos fundos constitucionais, o Governo Federal não contará com meu voto para a Lei do Repatriamento, a medida provisória não contará com meu voto, e, mais que isso, a unificação das alíquotas do ICMS não terá o meu voto. Aliás, é tanta engenharia, são tantas condicionantes e senões que essa matéria não tem como dar certo. Para unificar a alíquota do ICMS, nós dependemos de repatriamento recursos que não sabemos, são incertos, inseguros, para constar nos fundos de uma MP que não foi aprovada, para começar a valer a partir de 2017. Não seria mais simples votar a Lei de Regularização e colocar os 100% de tudo que for arrecadado nos cofres da União? Falo em R$35 bilhões, R$17,5 bilhões de Imposto de Renda e mais R$17,5 bilhões da multa. A União está precisando de recurso, precisamos gerar superávit primário. Por que deixar esse recurso, no ano que vem, parado, para um possível fundo a ser utilizado a partir de 2017?

            Volto a repetir: o problema é que nós não temos planejamento. Falo aqui o que disse na Comissão. Por isso, chamo a atenção da equipe econômica deste Governo. O que nós precisamos é de rumo, de diretrizes, de norte, de estratégia. Nós precisamos de um Plano Nacional de Desenvolvimento Regional. Esse é o primeiro passo. O primeiro passo para atacar as desigualdades sociais e regionais. Sem planejamento, não temos como avançar nesta questão.

            Aqui, nesta Casa, já tramita um projeto, de autoria do Senador Fernando Bezerra, que pode até conter alguns vícios de constitucionalidade, de iniciativa, no que se refere a algumas atribuições que são dadas para órgãos do Poder Executivo. Isso é o de menos, o importante é ressaltar a sua relevância. Como diz o próprio autor, o plano é fruto de reuniões não só regionais, mas macrorregionais; é fruto de discussões com técnicos, com especialistas, com a sociedade; foi feita uma conferência nacional para tratar deste assunto; mais importante que tudo: este plano, que tem como objetivo e meta erradicar as desigualdades sociais e regionais deste País, tem previsão de fonte permanente de recursos para os Estados menos desenvolvidos.

            Lembro-me, quando criança, estudando os livros de História, Sr. Presidente, de que diziam que o nosso País era um país subdesenvolvido.

            Depois - ou hoje -, chamam-no de país emergente. A grande realidade é que este País é um país desigualmente desenvolvido. E isso precisa mudar. E precisa mudar com políticas sérias, que tenham um rumo, que tenham um objetivo, como é o caso desse Plano Nacional, que estabelece, através de indicadores sociais, onde se colocar o recurso, de que forma e em que momento. E os indicadores comprovam que precisamos urgentemente de políticas regionalizadas.

            Peguemos o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) das escolas públicas, por exemplo, o Ideb das escolas públicas do Norte, do Nordeste, a evasão escolar, o analfabetismo e comparemos com os mesmos indicadores das escolas públicas do Sul e do Sudeste. Só esse exemplo mostra o quanto este País é diverso e injusto. E aí vem o Governo Federal, de forma inconsequente, querendo retirar R$3 bilhões por ano dos fundos constitucionais, que têm o objetivo principal de fomentar o desenvolvimento dessas regiões. Além disso, não podemos esquecer que esses fundos são decisivos para que o produtor rural possa buscar financiamento para colocar implementos agrícolas nas suas propriedades, para gerar os alimentos que o povo brasileiro come.

            Este Plano Nacional de Desenvolvimento Regional, do Senador Fernando Bezerra, trata com muita propriedade e de uma forma muito especial as regiões mais pobres do País. Especifica a situação particular e peculiar do Semi-Árido, no Nordeste, da Amazônia Legal, no Norte, do Cerrado, no Centro-Oeste. Fala de políticas específicas para as faixas de fronteira, que vão do Norte ao Sul, por onde passam todas as drogas que hoje contaminam e sequestram a mente dos nossos jovens. Fala do entorno do Distrito Federal.

            Enfim, é um projeto que tem eixos setoriais em relação aos vários segmentos produtivos, à infraestrutura de forma diferenciada, à educação, à ciência e tecnologia, à sustentabilidade e ao desenvolvimento social.

            Mas, Sras. Senadoras, Srs. Senadores, infelizmente, essa não é a visão e o posicionamento do Governo Federal. Sabendo que estamos em crise, nos faz votar medidas fiscais amargas - que temos de votar, porque temos que dar um voto de confiança para o Governo. Propõe-se uma pseudorreforma, que mexe com o ICMS dos Estados, mas não mexe com a principal fonte de tributos deste País, que são os tributos federais, porque a União fica com 60% de tudo o que se arrecada no Brasil.

            Fala-se, procura-se atropelar esta Casa com medidas que não vão resolver o problema da crise e que vão agravar a situação financeira de muitos Estados.

            Eu não vou, Sr. Presidente, porque não quero me alongar muito, não vou falar da lei do repatriamento, não vou entrar no detalhe das medidas provisórias e muito menos na unificação das alíquotas, mas não posso deixar de dizer que nada vem por acaso. Essa PEC serve de alerta a esta Casa, de alerta porque, no passado, tivemos uma experiência infeliz, a Lei Kandir, um voto de confiança no Governo que demos no passado e hoje faz com que os Estados produtores amarguem um rombo nas suas contas e precisem gerir dívidas impagáveis.

            A Lei Kandir, que é do final dos anos 80, início dos anos 90, veio justamente em um desses momentos de crise. Lembro-me que era o seguinte discurso: “Nós não podemos ter saldo negativo na balança comercial. Precisamos exportar mais do que importar. Então, vamos isentar o produtor de pagamento de ICMS se ele exportar os grãos, a carne, para o mundo, e, em compensação, a União vai indenizar mês a mês os Estados produtores que perdem ICMS”.

            Pois bem, a Lei Kandir tem quase 30 anos. De pelo menos 15 anos para cá, nós não recebemos, Estados produtores, 10% do que é devido em relação às nossas perdas. Isso, por quê? Porque não tivemos, no passado, a habilidade, a experiência, acreditamos no Governo e não vinculamos essas perdas a um fundo constitucional. Hoje, nós não podemos cometer o mesmo erro. Dizem que gato escaldado tem medo de água fria. Nós já passamos por essa experiência, não podemos passar mais.

            Por fim, quero dizer que no meu Estado existe um provérbio - que acho que é um provérbio brasileiro - que diz que os bois puxam muito mais facilmente os carros do que os empurram. Nós não podemos colocar o carro na frente dos bois, Sr. Presidente.

            A minha fala aqui, portanto é no seguinte sentido: vamos primeiro aprovar um Plano Nacional de Desenvolvimento Regional para seguir adiante nessa hipótese de unificação das alíquotas do ICMS.

            Mas, mais importante do que tudo isso, fica aqui o meu posicionamento de não votar lei alguma nesse sentido - e tem pelo menos quatro tramitando, umas até em regime de urgência - enquanto a PEC 87 não for alterada, e o Governo Federal não garantir que teremos fundos constitucionais para compensar os Estados que venham a perder recursos com a unificação das alíquotas.

            O combate à desigualdade regional e o aprimoramento do Pacto Federativo - esses são os nossos compromissos e a única fórmula de sucesso para este País.

            Se não garantimos recursos suficientes para superar as desigualdades atuais, não vai ser a medida provisória, não vai ser a Lei do Repatriamento, não vai ser o PLS nº 1, que unifica as alíquotas, elaborados como estão, que vão resolver os problemas do País.

            Finalizo, agradecendo imensamente o tempo que me foi concedido, Senador Paim, mas conclamando os meus Pares, meus colegas Senadores, para que não aceitemos as pressões que vão ser impostas, e para que não tomemos decisões apressadas e, mais do que isso, injustas.

            Porque, antes de tudo, nós não temos compromisso com este Governo nem com os governos que virão, porque são todos temporários. O nosso compromisso é com este País. Um País que queremos cada vez mais diverso, porque essa é a nossa grande riqueza, mas cada vez menos desigual, porque essa é a nossa maior vergonha.

            Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/08/2015 - Página 266