Discurso durante a 149ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Elogios à decisão do Ministro do STF Marco Aurélio que reconhece a violação massiva de direitos fundamentais nos presídios brasileiros.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PODER JUDICIARIO:
  • Elogios à decisão do Ministro do STF Marco Aurélio que reconhece a violação massiva de direitos fundamentais nos presídios brasileiros.
Aparteantes
Donizeti Nogueira, Marta Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 02/09/2015 - Página 95
Assunto
Outros > PODER JUDICIARIO
Indexação
  • ELOGIO, VOTO, MARCO AURELIO DE MELLO, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), JULGAMENTO, AÇÃO JUDICIAL, MEDIDA CAUTELAR, ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF), AUTORIA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE (PSOL), ASSUNTO, LOTAÇÃO, INSALUBRIDADE, VIOLENCIA, SISTEMA PENITENCIARIO, BRASIL, ENFASE, NECESSIDADE, JUSTIFICAÇÃO, PRISÃO PROVISORIA, REALIZAÇÃO, AUDIENCIA, CUSTODIA, PRIORIDADE, PENA, ALTERNATIVA, LIBERAÇÃO, UNIÃO FEDERAL, VERBA, FUNDO PENITENCIARIO NACIONAL (FUNPEN).

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Agradeço, Sr. Presidente, e também ao Senador Capiberibe, por ter cedido seu lugar para que eu ocupasse a tribuna.

            Srs. Senadores, subo hoje à tribuna para enaltecer o voto proferido, na última quinta-feira, pelo Ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento de medidas cautelares pleiteadas no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n° 347, proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), sobre o sistema penitenciário brasileiro.

            Trata-se de uma decisão equilibrada, bem fundamentada e lúcida, além de muito bem escrita, no melhor estilo do Ministro Marco Aurélio. No voto, S. Exª, que é o relator do processo, reconhece o estado de coisas inconstitucionais dos presídios brasileiros, o que legitima o juiz constitucional a impor aos Poderes Públicos a tomada de ações urgentes e necessárias ao afastamento das violações massivas de direitos fundamentais que vêm ocorrendo.

            Além disso, o Ministro concede algumas medidas cautelares. Entre as medidas cautelares concedidas, consideradas intervenções judiciais legítimas, estão: primeiro, a justificação expressa pelo Judiciário da prisão provisória quando há alternativas menos rígidas à disposição do juiz; segundo, a realização de audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária, no prazo máximo de 24 horas; terceiro, a priorização de penas alternativas à prisão pelos juízes; e, quarto, a liberação pela União de verbas contingenciadas do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen).

            Sem dúvida, a ADPF nº 347 e o voto do Ministro Relator são extremamente oportunos, visam a restaurar padrões mínimos de dignidade a um sistema que foi comparado recentemente, pelo próprio Ministro da Justiça, às masmorras medievais.

            Os problemas, em sua maioria, são sobejamente conhecidos. Os presídios brasileiros estão superlotados. São 376 mil vagas para uma população carcerária de 711 mil pessoas, ou 711 mil presos, a terceira maior população carcerária do mundo, segundo os dados mais recentes do Ministério da Justiça.

            É comum que os presos vivam espremidos, amontoados feito lixo, ou que tenham que se revezar para dormir. Os presídios brasileiros são insalubres. As celas são imundas, escuras, fétidas. Nelas há ratos, baratas, vazamentos de esgoto. Em muitos casos, os presos comem comida de péssima qualidade ou mesmo estragada. Nesse contexto, sem água para banho e sem material básico de higiene, os presos contraem doenças de pele, respiratórias, intestinais.

            Os presídios brasileiros são brutais. Os presos têm de se submeter ao julgo implacável das facções ou terminam sendo escravizados pelos chefes. A tortura é fato corriqueiro, inclusive quando perpetrada por funcionários. As minorias, sobretudo as sexuais, são especialmente abusadas. É comum que se contraiam doenças sexualmente transmissíveis durante a estada na prisão. Alguns enlouquecem, alguns cometem suicídio, para muitos outros, a única maneira de sobreviver é usando drogas o dia inteiro, todos os dias.

            Os presídios brasileiros são escolas do crime. A realidade desumana, o convívio com criminosos experientes, o trauma da experiência prisional fazem do pequeno trombadinha um grande delinquente. O sistema de reabilitação é completamente deturpado. Na verdade, caminha-se no sentido oposto: a degradação moral permanente do indivíduo, da pessoa humana.

            Esses são apenas alguns dos problemas do sistema penitenciário brasileiro. Logo se vê que ele viola frontalmente a nossa Constituição, ofendendo o nosso senso de dignidade humana. O mérito do Ministro Marco Aurélio foi o de reconhecer esse fato em todas as suas dimensões, problematizando-o para que, enfim, se faça algo a respeito.

            Concedo um aparte à Senadora Marta Suplicy, com muito prazer.

            A Srª Marta Suplicy (S/Partido - SP) - Primeiro, eu gostaria de parabenizá-lo por esse projeto, que me pareceu vai dar uma resposta ao que vemos hoje no Brasil em relação aos presos nessa área. Depois, na Comissão de Justiça, onde esse projeto foi debatido, foi levantado...

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - É à audiência de custódia que V. Exª está referindo.

            A Srª Marta Suplicy (S/Partido - SP) - Sim, esse primeiro. E foi muito debatido como seria executado esse projeto, no sentido de que o Brasil é um continente, e o que nós percebemos em uma cidade, por exemplo, no Estado de São Paulo é diferente do interior do Amazonas ou do Piauí. O Brasil tem suas idiossincrasias e regiões muito diferenciadas. Eu estou apresentando duas emendas e, então, já vou levar para V. Exª poder, talvez, até comentar agora, ou comentar quando nós formos votar o projeto. Quanto a uma, V. Exª, se eu não me engano, apresentou 24 horas para que o preso fosse levado...

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - E o Relator foi o Senador Humberto Costa, que ratificou a iniciativa original.

            A Srª Marta Suplicy (S/Partido - SP) - Eu estaria propondo, na minha emenda, que fosse aumentado para 48 horas, como regra geral. Exatamente por essa execução de difícil acesso. Há cidades a que se tem que ir de barco, demora-se seis dias, é muito complexo isso.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - Mas, na prática, Senadora, o relatório do Senador Humberto abre essa possibilidade de ser em 48 horas. Porque, não podendo ser naquele dia, o oficial de justiça certifica que o juiz não pôde atender naquele dia ao preso, mas que o fará no dia seguinte. Na prática, fica mesmo 48 horas.

            A Srª Marta Suplicy (S/Partido - SP) - Sim, é verdade, mas o que eu também acrescentaria é que, para as cidades que não têm acesso ao Poder Judiciário, fosse ampliado para quatro dias isso, também. E a outra questão, no mesmo projeto, que achei que poderia talvez ajudar a que ele fosse executado, é um esclarecimento para deixar mais clara a lei e não permitir que o habeas corpus seja interpelado em uma situação dessa. A cidade que não cumprir, o juiz que não cumprir o prazo, isso não significa um relaxamento da prisão, a pessoa teria que continuar presa. Seria um adendo para tornar mais preciso. Mas o projeto é excelente, acredito que foi muito bem pensado. E parabéns. Vamos discutir, então, na Comissão.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - As sua emendas serão bem-vindas, certamente o Senador Humberto Costa fará o devido estudo e terá a boa vontade do Senador Valadares, que é o autor da matéria.

            Muito obrigado pelo aperfeiçoamento que V. Exª está procurando fazer na nossa proposta.

            Mas eu estava falando, Sr. Presidente, sobre a decisão do Ministro Marco Aurélio, no Supremo Tribunal Federal. E um dos pontos mais relevantes do voto é o que diz respeito à responsabilidade estatal. Porque é óbvio que ela existe; afinal, os presidiários estão, em última análise, sob custódia do Estado. A profícua análise do Ministro Marco Aurélio esclarece como essas responsabilidades se desenvolvem, se desdobram, e como o Poder Público muitas vezes a elude.

            Segundo o Ministro, a questão prisional é uma questão estrutural, sistêmica. Decorre, em grande parte, do fato de que os presidiários são uma minoria impopular.

            Há um setor relevante da opinião pública que entende que os maus-tratos, o tratamento desumano e a tortura são medidas adequadas de punição e que o Estado não deve empregar seus escassos recursos para retificar essa situação. Vê-se então que os agentes políticos terminam negligenciando o problema, muito embora isso contradiga, de maneira dramática, os princípios fundadores da nossa Carta Magna.

            A responsabilidade do Poder Público incide sobre os três Poderes. O Executivo administra mal e paga pouco. Não que não tenha dinheiro para isso.

            Diz o Ministro Marco Aurélio, citando dados da organização Contas Abertas, que o Fundo Penitenciário Nacional tinha, ao final de 2013, um saldo de R$1,8 bilhão. Mas esses recursos são contingenciados recorrentemente, o que demonstra a absoluta falta de prioridade...

(Soa a campainha.)

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - ... de que o Governo Federal reduza a questão penitenciária, não obstante sua evidente premência.

            O Judiciário prende muito, e muitas vezes prende mal. Como disse, o Brasil tem a terceira população carcerária do mundo, são mais de 700 mil presos. Muitos deles, 41%, segundo o Conselho Nacional de Justiça, são presos provisórios, isto é, sequer foram condenados ainda. Essa cultura do encarceramento consome muitas vidas, sem que haja melhora sensível na segurança da sociedade. E o Legislativo pouco avança na legiferação sobre a matéria. O motivo, como já falei, é bastante óbvio: os direitos dos presidiários não têm apelo ante a opinião pública. É antipático defender preso. Em consequência, o tema ficou historicamente à míngua da agenda parlamentar.

(Soa a campainha.)

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - É um "ponto cego legislativo", nas palavras do Ministro Marco Aurélio de Mello.

            Sr. Presidente, V. Exª me concederia mais dois minutos, porque já estou encerrando, em se tratando de um tema importante para o Legislativo, para a sociedade? Gostaria de obter a tolerância de V. Exª.

            O Sr. Donizeti Nogueira (Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Senador Valadares.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) -Senador Donizeti.

            O Sr. Donizeti Nogueira (Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Eu vou pedir para o Presidente mais um minuto, só para fazer um comentário, um aparte ao seu discurso.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - Eu darei, com muito prazer, logo após. Já estou encerrando. V. Exª encerrará o meu pronunciamento, o que será uma grande honra para mim.

            Em 2011, o Congresso Nacional concluiu uma reforma do Código de Processo Penal que teve como objetivo ampliar a aplicação de medidas cautelares alternativas à prisão.

            A Lei nº 12.403, de 2011, resultante desse processo, criou nove medidas cautelares e afirmou que a prisão preventiva só seria cabível na impossibilidade de sua substituição por outra medida cautelar. No entanto, a cultura do encarceramento, que permeia também o Judiciário, impede a máxima efetividade dessa norma e a prisão provisória, que deveria ser exceção, continuou sendo a regra. Estou falando de uma lei que nós aprovamos aqui, em 2011, que estabelece nove medidas cautelares antes da prisão. O resultado disso todos nós sabemos: são presídios infames, como o de Pedrinhas, no Maranhão, como o Central, no Rio Grande do Sul, como o Aníbal Bruno, no Recife, de que todos temos terríveis notícias através da imprensa. É preciso que nos afastemos desse padrão. E preciso que ajamos imediatamente.

            O voto do Ministro Marco Aurélio define a concertação institucional como imprescindível para que abordemos adequadamente o problema. As medidas cautelares concedidas no voto, que incluem determinações aos Poderes Executivo e Judiciário, demonstram como é necessária uma ação concreta por parte de todos os poderes. Claro que isso acaba sendo uma exortação indireta ao Poder Legislativo, que precisa avançar proposições abordando o assunto.

            Sr. Presidente, eu vou abreviar o meu discurso, pedindo a V. Exª que o inclua nos anais desta Casa na sua integralidade e termino dizendo o seguinte: a questão mostra-se especialmente importante à luz dos dados do Conselho Nacional de Justiça que mencionei anteriormente. Quarenta e um por cento dos presos são provisórios, isto é, aguardam julgamento. São mais de 200 mil presos que ainda não têm uma condenação definitiva.

(Soa a campainha.)

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - A realização de audiência de custódia pode reduzir dramaticamente esse número, mantendo-se a prisão apenas nos casos realmente necessários. A medida ensejará uma economia de mais de R$4 bilhões, segundo o Ministro Ricardo Lewandowski, Presidente do Supremo e do CNJ. Em tempos de ajuste fiscal, é um projeto que pode ajudar a aliviar as contas da União e principalmente dos Estados. O voto do Ministro Marco Aurélio foi um ato de estadista, de alguém que pensa grande. É o exemplo primoroso de que o Supremo Tribunal Federal pode desempenhar duas de suas funções precípuas: a de guardião da Constituição Federal e a de árbitro das relações entre os Poderes Executivo e Legislativo. Nesse sentido, a atuação do Supremo tem tudo para ser um divisor de águas na questão prisional brasileira.

            Se V. Exª me permitir, para terminar o meu discurso, concedo um aparte ao nobre Senador Donizeti, que é um homem interessado neste assunto e o fez com muita propriedade na Comissão de Justiça.

            O Sr. Donizeti Nogueira (Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Senador Valadares, Presidente Dário Berger, só para relatar um debate em uma audiência pública que fizemos na Comissão de Direitos Humanos, em que a Pastoral Carcerária Católica apresentou os seguintes dados, Senador Valadares: cerca de 41% dos presos são provisórios. Desses, quando julgados, 36% são inocentados ou cumprem penas alternativas e 40% são condenados a regime semiaberto. Ou seja, nós estamos falando de 76% de homens, jovens e mulheres encarcerados que não precisariam estar encarcerados se houvesse a audiência de custódia, que agora está sendo colocada em prática. O Ministro Lewandowski esteve lá em Palmas para instalar a audiência de custódia. Assim a gente estaria desonerando o sistema e impedindo que eles ficassem lá até dois, três anos esperando julgamento naquilo que pode ser considerado a universidade do crime. Então, essa sua fala traz para nós a relevância de um tratamento urgente para essa questão dos presos provisórios antes mesmo de ser presos, na audiência de custódia, porque nós resolveríamos cerca de 76% dos casos de homens e mulheres que estão hoje aprisionados, e não deveriam estar. Parabéns pela sua iniciativa e pelo seu trabalho. Obrigado.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - Agradeço a V. Exª, Senador Donizeti.

 

SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR ANTÔNIO CARLOS VALADARES

            O SR. ANTÔNIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, subo hoje à tribuna para enaltecer o voto proferido, na última quinta-feira, pelo Ministro Marco Aurélio de Mello, do STF, por ocasião do julgamento de medidas cautelares pleiteadas no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n° 347, proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), sobre o sistema penitenciário brasileiro. Trata-se de uma decisão equilibrada, bem fundamentada e lúcida, além de muito bem escrita, no melhor estilo do Ministro Marco Aurélio.

            No voto, Sua Excelência, que é o relator do processo, reconhece o "estado de coisas inconstitucional" dos presídios brasileiros, o que legitima o juiz constitucional a impor aos Poderes Públicos a tomada de ações urgentes e necessárias ao afastamento das violações massivas de direitos fundamentais que vêm ocorrendo. Além disso, o Ministro concede algumas medidas cautelares.

            Entre as medidas cautelares concedidas, consideradas "intervenções judiciais legítimas", estão: (i) a justificação expressa, pelo Judiciário, da prisão provisória, quando há alternativas menos rígidas à disposição do juiz; (ii) a realização de audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas; (iii) a priorização de penas alternativas à prisão, pelos juízes; (iv) a liberação, pela União, de verbas contingenciadas do Fundo Penitenciário Nacional, o FUNPEN.

            Srªs Senadoras, Srs. Senadores, sem dúvida, a ADPF 347 e o voto do Ministro Relator são extremamente oportunos. Visam a restaurar padrões mínimos de dignidade a um sistema que foi comparado recentemente, pelo próprio Ministro da Justiça, às masmorras medievais.

            Os problemas, em sua maioria, são sobejamente conhecidos.

            Os presídios brasileiros estão superlotados. São 376 mil vagas para uma população carcerária de 711 mil presos, a terceira maior do mundo, segundo os dados mais recentes do Ministério da Justiça. É comum que os presos vivam espremidos, amontoados feito lixo, ou que tenham que se revezar para dormir.

            Os presídios brasileiros são insalubres. As celas são imundas, escuras, fétidas. Nelas, há ratos, baratas, vazamentos de esgoto. Em muitos casos, os presos comem comida de péssima qualidade, ou mesmo estragada. Nesse contexto, sem água para banho e sem material básico de higiene, os presos contraem doenças de pele, respiratórias, intestinais.

            Os presídios brasileiros são brutais. Os presos têm de se submeter ao jugo implacável das facções, ou terminam sendo escravizados pelos chefes. A tortura é fato corriqueiro, inclusive quando perpetrada por funcionários. As minorias, sobretudo as sexuais, são especialmente abusadas; é comum que se contraiam doenças sexualmente transmissíveis durante a estada na prisão. Alguns enlouquecem; alguns cometem suicídio. Para muitos outros, a única maneira de sobreviver é usando drogas o dia inteiro, todos os dias.

            Os presídios brasileiros são escolas do crime. A realidade desumana, o convívio com criminosos experientes, o trauma da experiência prisional fazem do pequeno trombadinha um grande delinquente. O sistema de reabilitação é completamente deturpado. Na verdade, caminha-se no sentido oposto: a degradação moral permanente do indivíduo.

            Srªs e Srs. Senadores, esses são apenas alguns dos problemas do sistema penitenciário brasileiro. Logo se vê que ele viola frontalmente a nossa Constituição, ofendendo nosso senso de dignidade humana. O mérito do Ministro Marco Aurélio foi o de reconhecer esse fato em todas as suas dimensões, problematizando-o, para que enfim se faça algo a respeito.

            Um dos pontos mais relevantes do voto é o que diz respeito à responsabilidade estatal. Porque é óbvio que ela existe; afinal, os presidiários estão, em última análise, sob custódia do Estado. A profícua análise do Ministro Marco Aurélio esclarece como essa responsabilidade se desenvolve, se desdobra, e como o Poder Público muitas vezes a elude.

            Segundo o Ministro, a questão prisional é uma questão estrutural, sistêmica. Decorre, em grande parte, do fato de que os presidiários são uma minoria impopular. Há um setor relevante da opinião pública que entende que os maus-tratos, o tratamento desumano e a tortura são medidas adequadas de punição, e que o Estado não deve empregar seus escassos recursos para retificar essa situação. Vê-se então que os agentes políticos terminam negligenciando o problema, muito embora isso contradiga, de maneira dramática, os princípios fundadores da nossa Carta Magna.

            A responsabilidade do Poder Público incide sobre os três Poderes.

            O Executivo administra mal e paga pouco. Não que não tenha dinheiro para isso: diz o Ministro Marco Aurélio, citando dados da organização Contas Abertas, que o Fundo Penitenciário Nacional tinha, ao final de 2013, um saldo de R$ 1,8 bilhão de reais. Mas esses recursos são contingenciados recorrentemente, o que demonstra a absoluta falta de prioridade a que o Governo Federal reduz a questão penitenciária, não obstante sua evidente premência.

            O Judiciário prende muito, e muitas vezes prende mal. Como disse, o Brasil tem a terceira população carcerária do mundo: são mais de 700 mil presos. Muitos deles - 41%, segundo o Conselho Nacional de Justiça - são presos provisórios; isto é, sequer foram condenados ainda. Essa cultura do encarceramento consome muitas vidas, sem que haja melhora sensível na segurança da sociedade.

            E o Legislativo pouco avança na legiferação sobre a matéria. O motivo, como já falei, é bastante óbvio: os direitos dos presidiários não têm apelo ante a opinião pública. Em consequência, o tema ficou historicamente à míngua da agenda parlamentar. É um "ponto cego legislativo", nas palavras do Ministro Marco Aurélio de Mello.

            Em 2011, o Congresso Nacional concluiu uma reforma do Código de Processo Penal, que teve como objetivo ampliar a aplicação de medidas cautelares alternativas à prisão. A Lei n° 12.403/2011, resultante desse processo, criou nove medidas cautelares e afirmou que a prisão preventiva só seria cabível na impossibilidade de sua substituição por outra medida cautelar. No entanto, a cultura do encarceramento que permeia, também, o Judiciário, impede a máxima efetividade dessa norma, e a prisão provisória, que deveria ser a exceção, continuou sendo a regra.

            O resultado disso todos nós sabemos. São presídios infames como os de Pedrinhas, no Maranhão; como o Central, no Rio Grande do Sul; como o Aníbal Bruno, no Recife, de que todos temos terríveis notícias. E preciso que nos afastemos desse padrão; é preciso que ajamos imediatamente.

            Srªs e Srs. Senadores, o voto do Ministro Marco Aurélio define a consertação institucional como imprescindível para que abordemos adequadamente o problema. As medidas cautelares concedidas no voto - que incluem determinações aos Poderes Executivo e Judiciário - demonstram como é necessária uma ação concreta por parte de todos os Poderes.

            Claro que isso acaba sendo uma exortação indireta ao Poder Legislativo, que precisa avançar proposições abordando o assunto.

            Recentemente, a Câmara dos Deputados voltou sua atenção ao problema, com a Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário.

            No Senado Federal, temos alguns projetos. Um deles é o Projeto de Lei do Senado 25/2014, complementar, de autoria da Senadora Ana Amélia. O projeto proíbe o contingenciamento dos recursos do FUNPEN, na modalidade de limitação de empenho prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal. Trata-se de iniciativa fundamental para melhorarmos o estado das nossas penitenciárias, Srªs e Srs. Senadores.

            Outro é o Projeto de Lei do Senado 554/2011, de minha autoria, que estabelece as audiências de custódia. Esse projeto recebeu a contribuição de inúmeras associações de direitos humanos, como a Rede Justiça Criminal, e o apoio de entidades especializadas e de classe, como o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e a Associação Nacional dos Defensores Públicos. Gostaria de comentá-lo brevemente, Srªs e Srs. Senadores.

            Ao estabelecer que se faça audiência de custódia em no máximo 24 horas após a prisão, o projeto alinha a legislação brasileira com o conteúdo de dois relevantes tratados internacionais que o Brasil subscreveu: o Pacto de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (o Pacto de San José da Costa Rica). Ambos os textos dizem o seguinte:

            "Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz."

            Além de conformar a lei brasileira a esses textos legais, o projeto se justifica porque as audiências de custódia são capazes de: (1) garantir que a prisão cautelar só seja aplicada em casos absolutamente necessários, privilegiando medidas cautelares menos gravosas; (2) reduzir o superencarceramento dos presídios brasileiros; (3) prevenir a tortura e o desaparecimento forçado de presos.

            A questão mostra-se especialmente importante à luz dos dados do Conselho Nacional de Justiça, que mencionei anteriormente: 41% dos presos são provisórios, isto é, aguardam julgamento. São mais de 200 mil pessoas presas sem que ainda tenham uma condenação definitiva. A realização de audiências de custódia pode reduzir dramaticamente esse número, mantendo na prisão apenas os casos realmente necessários. A medida ensejará uma economia de mais de R$ 4 bilhões, segundo o Ministro Ricardo Lewandowski, presidente do STF e do CNJ. Em tempos de ajuste fiscal, é um projeto que pode ajudar a aliviar as contas da União e, principalmente, dos Estados.

            Srªs e Srs. Senadores, o voto do Ministro Marco Aurélio foi um ato de estadista, de alguém que pensa grande. E um exemplo primoroso de como o STF pode desempenhar duas de suas funções precípuas: a de guardião da Constituição Federal e a de árbitro das relações entre os Poderes Executivo e Legislativo, relações estas que têm sofrido cada vez mais com abalos inerentes ao sistema democrático.

            Nesse sentido, a atuação do STF na ADPF 347 tem tudo para ser um divisor de águas na questão prisional brasileira. A legitimidade do Judiciário é essencial para mobilizar os demais Poderes, conclamá-los à ação. Dá impulso a iniciativas transformadoras, para que abordemos com propriedade o tema dos direitos fundamentais no sistema penitenciário.

            Gostaria então de concluir o meu pronunciamento com meus parabéns ao PSOL, pela iniciativa da ação judicial, ao Ministro Marco Aurélio, por manter a serenidade no julgamento de uma questão tão intrincada, que tantas paixões desperta na sociedade brasileira. Oxalá os demais Ministros acompanhem o relator no julgamento da questão.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/09/2015 - Página 95