Discurso durante a 158ª Sessão Especial, no Senado Federal

Sessão destinada a celebrar os 72 anos de criação do Território Federal do Amapá.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Sessão destinada a celebrar os 72 anos de criação do Território Federal do Amapá.
Publicação
Publicação no DSF de 15/09/2015 - Página 8
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, AMAPA (AP), COMENTARIO, HISTORIA, ENTE FEDERADO, REGISTRO, ATUAÇÃO, ORADOR, PERIODO, GOVERNADOR, ENFASE, IMPORTANCIA, PRESERVAÇÃO, BIODIVERSIDADE, REGIÃO AMAZONICA.

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Randolfe Rodrigues, que preside esta sessão solene em homenagem à data de criação do Território Federal do Amapá, uma região insular distante do resto do nosso País e ainda não conectada por rodovias.

            Sr. Presidente Randolfe, que preside esta sessão e que tomou a feliz iniciativa de promover este encontro histórico com os filhos daquele que foi o primeiro Governador do Estado, Guairacá Nunes e Janary, que leva o nome do pai, era uma odisseia, porque imaginem atravessar para a margem esquerda do Rio Amazonas em 1944, quando por lá chegou um oficial do Exército Brasileiro, com uma enorme disposição de integrar aquela região do País ao espaço nacional. Realmente, era uma enorme aventura, e ainda hoje é.

            Atravessar para a margem esquerda do Rio Amazonas continua sendo uma bela aventura humana, principalmente transformar aquele pedaço de chão num lugar bom de viver e que possa nos trazer sons harmoniosos como nós acabamos de ouvir, que é resultado do encontro de povos africanos, portugueses e indígenas. Ali é a síntese. O Amapá é a síntese deste País, uma integração entre povos tão distintos, que produzem coisas tão belas quanto a música, a dança, as artes plásticas. O Amapá tem este privilégio, é um ponto de encontro de gente vinda da África, dos que ali viviam havia milênios e dos aventureiros portugueses que atravessaram o Atlântico.

            Eu queria cumprimentar também o Sr. Procurador de Justiça Roberto da Silva Álvares, que, junto com a sua equipe, depois de alguns anos, revelou ao povo do Amapá a existência do Ministério Público. Muito obrigado pelo desempenho, porque antes ainda não se conhecia aquilo que a Constituição de 88 havia definido como função para o Ministério Público, de fiscal das leis. Então, com a presença do Procurador Roberto Álvares e da Procuradora Ivana Cei, revelou-se ao povo do Amapá, de fato, o significado e a função do Ministério Público Estadual.

            Eu queria cumprimentar os Srs. Prefeitos de Serra do Navio. Foi ali onde se encontrou uma pedra negra que não se sabia o que era. O pai desses dois presentes aqui, Janary e Guairacá, ofereceu um prêmio a quem trouxesse informações sobre a existência de minério de ferro. Mário Cruz era um mascate, o que na Amazônia nós chamávamos de regatão, que andava com as suas embarcações comercializando com os ribeirinhos, principalmente com os produtores de látex. Ele então encontrou uma pedra e levou-a ao governador, que mandou analisar essa pedra e resultou que era minério de manganês de altíssimo teor. Daí começa a exploração, que foi concluída antes do tempo. O contrato do manganês no Amapá iria até 2003, mas a fúria exploratória fez com que se esgotassem as minas em 1997.

            Imagina o impacto que isso produziu, porque a mineração provoca esses impactos: quando entra, atrai milhares de pessoas e investimentos, mas, quando se esgota, o local vira uma vila fantasma. Esse é um pouco o caso da Serra do Navio.

            Queria cumprimentar também aqui o Prefeito de Vitória do Jari, Município que está localizado em Vitória; Jari é o rio, localizado em frente à fábrica que atravessou o mar, imortalizada por Chico Buarque. Não sei se vocês se lembram de uma estrofe, em uma música dele, Bye, Bye, Brasil, em que ele fala: “puseram uma usina no mar, talvez fique ruim pra pescar”. Então, ele mora em frente a essa usina, que foi construída no Japão e atravessou o mar, em uma das aventuras mais mirabolantes da história da Amazônia, que é a implantação do Projeto Jari, concebido pelo americano Daniel Ludwig, no tempo da ditadura militar civil, que infelicitou o País durante muitos anos.

            Esse projeto foi enfiado goela abaixo daquelas comunidades locais e arrastou, para o coração da floresta, 100 mil pessoas. Ele é o Prefeito da cidade vizinha. Hoje, o projeto do Daniel Ludwig está em crise e está desempregando milhares de pessoas, que pressionam o Prefeito, em busca de alternativas. Então, a mineração tem esse aspecto: pode promover um surto de crescimento econômico, de investimentos, e, rapidamente, também pode desaparecer a fábrica para a produção de pasta de celulose.

            Gostaria de cumprimentar também o Assessor de Relações Institucionais da Aeronáutica do nosso País, o Brigadeiro Mesquita, com o qual trabalhamos, ombro a ombro, buscando atender às demandas da nossa aviação, da nossa Aeronáutica, que muito nos orgulha, pelo fato de ser um santanense do nosso Estado, que se destacou na profissão que abraçou.

            Eu queria também cumprimentar o Promotor de Justiça João Paulo Furlan, enfim, todos os presentes, a minha assessoria, que está prestigiando também esta solenidade.

            Eu gostaria de dizer que a história do Amapá começa lá pelos idos do século XVI. Em 1758, foi criada a vila de São José de Macapá, antiga Província dos Tucujus, na margem esquerda do Rio Amazonas, com fins militares, para defender o que seriam as terras do Cabo Norte. Em 1764, é lançada a pedra fundamental da Fortaleza de São José de Macapá, parte do projeto de defesa da Amazônia desenvolvido pelo Marquês de Pombal, que era um gênio da defesa militar. Para conceber, naquele momento, um forte na foz do Rio Amazonas, tinha que ter um conhecimento profundo da região, e a verdade é que ele tinha, porque o irmão dele foi Governador do Pará, e o Pará ameaçou ser a Capital do País - quase que invertemos o processo de desenvolvimento, colocando a Amazônia como o centro do desenvolvimento do nosso País.

            Pombal tinha essa visão estratégica fantástica e decidiu construir um forte, porque sabia que, para subir o Rio Amazonas, necessariamente, teria que se passar em frente aos canhões que ele instalou ali, criando, claro, uma dificuldade enorme, porque era um momento de partilha do mundo entre os países europeus. Os países europeus dividiram o mundo para si. O Tratado de Tordesilhas dividiu entre portugueses e espanhóis a América. A África e a Ásia foram divididas entre franceses e ingleses, e os alemães terminaram chegando por último e promoveram duas guerras em função disso. A Primeira e a Segunda Guerra são guerras intercapitalistas, em função de que o mundo já estava dividido, e os alemães não tinham como expandir os seus domínios e a sua economia e, então, terminaram promovendo uma guerra entre eles.

            A região do Amapá, durante todo o período colonial e, depois, no Império e também na República, foi contestada em função desses tratados e de uma confusão ocorrida entre o Rio Araguari e o Rio Oiapoque. Terminou havendo um conflito com a França que durou séculos, que só foi resolvido em 1900, por um acordo, intermediado pelo governo suíço, entre o governo brasileiro e o governo francês. Porém, esse acordo terminou acontecendo, sobretudo, em função de um massacre ocorrido em 1895 na Vila de Amapá, por um desentendimento. Lá pelas tantas, autoridades brasileiras detiveram uma autoridade francesa. Com isso, a França mandou uma fragata resgatar esse representante do Estado francês na região contestada, que não tinha nacionalidade - onde conviviam brasileiros e franceses de uma forma muito harmoniosa, não havia litígio nessa convivência, pelo menos a história não registra grandes conflitos entre franceses e brasileiros. O comandante do lado brasileiro se desentendeu com o comandante francês e o matou. Aí a tropa, sem comando, massacrou a população civil, matando de 55 e 60 pessoas.

            Lembro-me de que, quando fui Governador, Sr. Presidente, Senador Randolfe, mandei fazer uma pesquisa para localizar os restos mortais desse massacre para registrar na história, mas, infelizmente, não os encontramos. A partir desse massacre, que virou um escândalo internacional, as autoridades dos dois países assumiram um entendimento. Ficou resolvido que, da margem esquerda do Rio Araguari à margem direita do Rio Oiapoque, era, de fato, território brasileiro. A partir de 1º de dezembro de 1900, esse litígio ficou resolvido.

            É verdade que nós passamos quase um século sem um entendimento maior. Retomamos a cooperação com a Guiana, até porque nós dividimos ali uma fronteira enorme - é a maior fronteira que a França e a União Europeia têm, pois são 670km de fronteira com o Brasil, no Amapá. Quando falo em fronteira com a União Europeia, as pessoas até se assustam: “Mas como?” É uma fronteira ainda promovida pelo expansionismo europeu. A Guiana Francesa é, de fato e de direito, uma região francesa, hoje reconhecida, que é fronteira com o nosso País. Foi a partir de 1995 que nós estabelecemos a cooperação.

            Está ali a ponte sobre o Rio Oiapoque, que aguardamos há quatro anos ser inaugurada. Renovo aqui o apelo à Presidente Dilma para que possamos inaugurar essa ponte antes do final do ano. Eu acho que, pelo lado francês, já não há nenhuma dificuldade. Eu sei que toda a estrutura do lado francês está montada, nós somos os retardatários nesse processo. Eu faço um apelo à Presidente para que possamos concluir a ponte, que é para unir os povos.

            A cooperação se seu em função de termos descoberto que os problemas que vivem os franceses, do lado da Guiana, vivemos nós. Então, se temos problemas comuns, as soluções precisam ser comuns.

            Em 1943, Janary Nunes chegou ao Amapá e herdou todos esses conflitos que vinham do período colonial e também os conflitos internos. Ele instalou a capital em Macapá. Quando ele chegou à Fortaleza de São José de Macapá, que era o bastião da defesa do espaço amazônico, instalado por Pombal, esse forte estava há um século mergulhado na floresta, tinha desaparecido e já não era visto. Imaginem que o forte - existem fotografias do forte, que é uma coisa gigantesca, na margem do rio - tinha sido reabsorvido pela floresta. A floresta cresce, na nossa região de várzea, metros por ano. As pessoas vão dizer que não é possível que uma árvore cresça metros por ano. É verdade! A várzea úmida promove um grande crescimento, com a insolação fantástica dos trópicos. Então, aquela fortaleza foi engolida, e a floresta recuperou o seu espaço de antes. Quando Janary chega, então, ele redescobre a fortaleza e a retoma, implantando infraestrutura - parte dela ainda está viva até hoje.

            Eu tive a felicidade de estudar na primeira escola construída, uma belíssima escola. Imaginem vocês: uma escola construída em 1944. Acho que, se não me engano, ela foi inaugurada em 1945. E teve grande velocidade o processo de construção para a época - para hoje, também continua sendo grande. Essa escola - o Grupo Escolar Barão do Rio Branco - era uma escola que tinha ensino infantil e ensino fundamental, mas também tinha um teatro e, além do teatro, uma piscina. Imaginem se fizéssemos escola como... Então, o pensamento político, estratégico e de desenvolvimento do primeiro Governador, Coronel Janary Nunes, era algo que atravessou o tempo. Eu estudei no Grupo Escolar Barão do Rio Branco. Graças a uma escola pública, hoje eu posso fazer discurso aqui no plenário do Senado Federal, porque, sem essa escola pública, eu não estaria aqui, certamente. (Palmas.)

            Na passagem do Marechal Rondon por Macapá, por terras tucuju, em 1927, ele descreve um quadro desolador, de abandono completo, exatamente em 1927, no auge da crise da borracha. A Amazônia teve alguns momentos de crescimento econômico com a exploração, a extração do látex. Houve uma explosão econômica, mas de uma economia voltada para fora. Então, na hora em que se sintetiza a borracha do petróleo, a seringa desaparece. A verdade é que a Macapá, a capital - e o Amapá, como um todo -, era realmente um espaço isolado e abandonado. Com a criação do Território, então, a União passou a olhar de uma forma diferenciada a região e instalou uma infraestrutura que atravessou o tempo.

            O Presidente Vargas tinha uma visão estratégica, uma visão geopolítica, a qual eu tenho certeza e convicção de que ele aprendeu com os militares brasileiros, das instituições brasileiras. Os militares têm essa visão geopolítica.

            Eu lembro que eu fiz uma visita à República da Guiana, onde estava um adido militar. Nós estávamos numa discussão, e eu estava criticando duramente a construção da Perimetral Norte, uma estrada projetada no período da ditadura civil-militar, que ia de Macapá até o Acre. E essa estrada enterrou alguns bilhões de dólares. Quando ela começou, havia vários acampamentos nessa estrada. Havia um no Amapá que avançou em torno de 260 km. E ia se encontrar, pela margem da Amazônia, até o Acre. Se essa estrada tivesse se concretizado, nós teríamos destruído a Amazônia, nós teríamos destruído a floresta, nós não teríamos hoje 18% de deflorestação da Amazônia, nós teríamos já os 50%, e já seria irreversível. E nós estávamos discutindo exatamente a Transguianense, que era a articulação que nós fazíamos na época para integrar o Amapá aos países do Platô da Guiana, em função de suas densidades populacionais compatíveis. A Guiana Francesa não deve ter hoje mais do que 250 mil habitantes; o total da Guiana Francesa, do Suriname, da República da Guiana e de Roraima, juntos, não ultrapassa 3 milhões. Então, era um bloco ali compatível, que poderia ser integrado por uma rodovia. E nós estávamos discutindo o financiamento pelos bancos, pelo BID e pelo Banco Mundial, para financiar a parte da rodovia, interligando Macapá até Roraima. Um militar falou: "Do ponto de vista geopolítico, essa é a que nos interessa. Está fora do nosso território, e nós podemos defender o nosso". Ainda se falava em defesa de território, hoje não existe mais.

            Hoje, há uma mudança tão fantástica na política, na cultura, nas relações humanas, nos costumes, nos hábitos. Está-se mudando tudo. Os espaços territoriais tendem rapidamente a desaparecer. Eu imaginava que essas fronteiras traçadas pela aventura europeia na América ainda levariam cem ou duzentos anos para se dissolverem, para desaparecerem, mas, com o ciberespaço, com as redes sociais, com a internet, com a comunicação, com a telecomunicação e com a informática, está-se mudando completamente. Hoje, nós nos relacionamos mais pelas redes do que na realidade, no contato pessoal. Isso está mudando completamente.

            Nós vamos ter de repensar nossas estratégias de defesa, porque não são mais territoriais. Os territórios desaparecem nessa relação global, as pessoas estão se comunicando das suas mesas, da sua cama: de Macapá com quem está na China; com quem está na Europa. Então, é um mundo que está se aproximando. Dessa forma, certamente, em poucos anos, haverá uma diluição das fronteiras, porque as fronteiras são feitas pelos seres humanos, pelas instituições humanas. E, quando os seres humanos resolvem conversar diretamente, sem passar por essas instituições, as fronteiras desaparecem.

            Da mesma forma que construímos culturas locais - e acabamos de ouvir a música local -, construímos culturas nacionais. Nós brasileiros temos algumas identidades nacionais: temos o samba, a feijoada, um comportamento do jeitinho brasileiro. Isso é uma cultura construída através das relações diretas, reais, do povo brasileiro.

            Agora estamos construindo outro tipo de cultura, que é essa cultura das redes, cultura do ciberespaço, a que você pode levar sua influência local. Mas ela está se generalizando, e teremos uma cultura global.

            Então, teremos de rever todo esse conceito de fronteira nos próximos anos. Inclusive rever o papel do Estado e sua relação com a sociedade, porque temos de entender que essas mudanças vão acontecer.

            Um dia desses, vi aqui um Senador discursando, falando sobre a entrada dos carros em São Paulo, no início do século XX. Ele dizia que, na ocasião, houve uma grande manifestação dos cocheiros, repudiando a entrada dos carros, porque iria tirar o mercado deles - imaginem, era uma luta inglória! -, e terminou desaparecendo a carroça. Mas vocês sabiam que ainda há leis vigentes que regulamentam as charretes, andando nas cidades brasileiras.

            Queria finalizar, Sr. Presidente, meu discurso, minha fala, neste dia importante, porque é o dia em que tudo começou no Amapá, dizendo que essa decisão do Presidente Vargas de criar os territórios, e em particular o Amapá, também tinha, como objetivo, além da integração, do espaço físico - até porque, na verdade, quem integrou o Brasil e este espaço enorme, continental foi o povo brasileiro, que avançou por todos os espaços, de Norte a Sul -, um aspecto muito especial: já havia indícios e notícias da riqueza mineral que o subsolo do Estado guardava e continua guardando. O Amapá é um Estado mineralizado, um Estado fantástico, em que há uma diversidade de minerais que só, talvez, Minas Gerais tenha.

            Então, houve uma pressa no sentido de estabelecer um tentáculo da União na região para poder promover a exploração da mineração e houve essa lucidez do primeiro Governador, Janary Nunes, de promover um contrato. O contrato, à época, que parecia contrário aos interesses do Brasil, hoje nos proporciona uma leitura diferente. O contrato foi bem feito e permitiu a exploração. O problema é que nós nos acomodamos com aquele contrato e não houve um desdobramento da cadeia produtiva do manganês. Na hora em que se exauriram as minas, virou cidade fantasma e acabou a atividade econômica.

            Eu diria que, hoje, o Amapá é definitivamente um Estado da Federação com algumas experiências de tentativas de desenvolvimento, buscando melhorar a vida social, melhorar a vida cultural, desenvolver a economia, mas, sobretudo, preservar a natureza, preservar a floresta. Nós somos um povo, hoje, muito preocupado com a preservação do meio ambiente, e isso é muito importante porque sabemos do processo de mudança que o mundo está vivendo, em que anunciam o desaparecimento das fronteiras nacionais, fronteiras que são uma ficção. Vocês imaginem que são tão fictícias as nossas fronteiras que, na fronteira com a Guiana Francesa, vive o povo palikur, que é um povo que tem uma fala que vem da América Central. Metade deles vive no lado brasileiro, e a outra metade vive no lado francês.

            Minha filha, que é antropóloga, fez sua tese sobre religião entre os palikur. E ela me contou que, um dia, estava lá e havia uma partida de futebol entre os palikur da França e os palikur do Brasil. E, aí, lá vinham os meninos espavoridos, cansados, suados, e ela perguntou: “E, aí, quem ganhou a partida?”. E eles disseram: “Ganhou o Brasil, ganhou o Brasil.” São todos parentes, mas a fronteira os separa.

            Eu tenho certeza de que a cultura é igual, tanto de um lado, quanto de outro, as relações são absolutamente de parentesco e não de nacionalidade. É claro que, na África, é a mesma coisa; na África foram divididas famílias, quando passaram as linhas dividindo a África do Sul, Botsuana, Moçambique. Os portugueses passavam a linha e separavam as famílias inteiras. Então, de repente, você tinha uma família cujo pai pertencia a um Estado nacional, a mãe pertencia a outro, e os parentes todos divididos. Então, é claro que vai chegar o momento em que isso vai ter fim.

            Portanto, para nós, no Amapá, é importante continuarmos nessa linha de busca, de cooperação com os nossos vizinhos e chamar a atenção, cada vez mais, para a União para que nos integremos definitivamente.

            Nos últimos tempos, chegou o Linhão de Tucuruí para buscar a energia que nós produzimos. Antigamente, as pessoas imaginavam, Senador Randolfe, que esse Linhão iria gerar energia para o Amapá. E havia uma propaganda intensa nesse sentido, inclusive, aqui, da tribuna desta Casa, dizendo que o Linhão de Tucuruí iria da hidrelétrica de Tucuruí até o Amapá para iluminar o Amapá porque nós tínhamos uma produção pequena de energia.

            Aí, hoje, o Linhão está lá, mas as 13 hidrelétricas que produzem energia, toda energia produzida por elas, é vendida fora do Amapá. Então, o Linhão foi para integrar essas coisas da economia. Quando há interesse, os fatos acontecem.

            Quando houve mudança no marco regulatório da produção de energia, o Estado brasileiro garantiu transportar, como garante a abertura das estradas. O Estado brasileiro, ao longo de toda a história, abriu estradas para a indústria automobilística avançar. E a mesma coisa foi feita com energia. Abriu a linha para transportar energia para o centro-sul brasileiro.

            A visão do desenvolvimento do nosso País é a da dependência externa. O tripé do desenvolvimento do Brasil é a destruição ambiental, dependência externa e exclusão social. Foi isso que criou este País descompensado, este País que é o paraíso da discriminação, da exclusão.

            Então, o Brasil, apesar dessas riquezas fantásticas, não consegue ter uma sociedade equilibrada, como outros países conseguiram, usando bem os seus recursos, sobretudo, aplicando sobre esses recursos mão de obra, tecnologia e desenvolvendo a Nação.

            Eu queria finalizar, parabenizando o Senador Randolfe pela iniciativa de relembrar este momento. Eu acho que é muito importante para a nossa história - e nós somos um País que, infelizmente, tem memória curta - relembrar esses fatos marcantes de uma região muito isolada, que continua ainda muito excluída. Não imaginem que a União tenha grandes preocupações com o Amapá. Não tem! Tanto não tem que está lá a ponte há quatro anos à espera. Vejam só, há quatro anos, uma ponte pronta. Em tese, uma ponte que une dois pontos, em curta distância, promove encontros.

            Nós, do Senado e da Câmara, fizemos a nossa parte. Já aprovamos todos os acordos que estavam pendentes, porque aquilo cria uma relação muito próxima entre os dois países. A ponte facilita o ir e vir das pessoas. Então, há um acordo sobre transporte de cargas e de pessoas e outro acordo sobre comércio na fronteira, que é muito interessante para quem mora no Oiapoque, até porque hoje, com a desvalorização do real, quem mora na Guiana tem o maior interesse de comprar sua cervejinha no Oiapoque, porque ninguém é de ferro. E não só a cervejinha, mas comprar os seus alimentos. Porque é muito mais barato, infinitamente mais barato para um morador da Guiana atravessar o rio Oiapoque e comprar tudo pela metade do preço, em função da alta valorização do euro.

            Então, esses acordos vão promover uma integração maior nas duas regiões, e é preciso que a ponte funcione. Agora não há mais razão para a ponte não permitir que andemos para um lado e para o outro.

            É fundamental que o Governo do Brasil corresponda àquilo que acertou com o governo francês e conclua lá o que falta para a ponte. Falta pouco - falta pessoal, faltam alguns equipamentos - para podermos promover essa inauguração e essa integração.

            Eu vejo que o Amapá, de 1943 - eu cheguei quatro anos depois - aos dias de hoje, deu um salto importante e produziu coisas fantásticas para o seu povo. Agora precisa avançar muito mais, precisa desse olhar diferenciado e que tenha continuidade.

            Nós somos responsáveis hoje pela preservação de uma das maiores riquezas da biodiversidade do Planeta. Então, é uma responsabilidade grande, que não pode ser somente local: é uma responsabilidade global e, sobretudo, uma responsabilidade nacional.

            A União precisa entender que, para preservar e para desenvolver, nós precisamos de conhecimento, nós precisamos de investimento na área do conhecimento. Você destruir uma floresta como a Amazônia sem saber o que há dentro é como rasgar um livro sem ter lido.

            Então, fica aqui   a nossa lembrança para o dia de hoje, depois de contar essa longa história.

            Perdoem-me se eu me alonguei!

            Muito obrigado, Presidente. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/09/2015 - Página 8