Discurso durante a 18ª Sessão Solene, no Congresso Nacional

Sessão solene destinada a reverenciar o transcurso dos 61 anos da morte de Getúlio Vargas.

Autor
Fernando Collor (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/AL)
Nome completo: Fernando Affonso Collor de Mello
Casa
Congresso Nacional
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Sessão solene destinada a reverenciar o transcurso dos 61 anos da morte de Getúlio Vargas.
Publicação
Publicação no DCN de 26/08/2015 - Página 11
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, GETULIO VARGAS, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, ENFASE, DEFESA, TRABALHADOR, DIREITOS E GARANTIAS TRABALHISTAS.

    O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco União e Força/PTB-AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmo. Sr. Senador Telmário Mota, Presidente desta sessão em homenagem ao eterno Presidente Getúlio Vargas, no transcurso dos 61 de seu passamento; Exmo. Sr. Senador Elmano Férrer, um dos signatários, juntamente com o Senador Telmário Mota, do requerimento de realização desta sessão; Exmo. Sr. Deputado Paes Landim, terceiro signatário do requerimento que nos proporcionou esta sessão solene; Exma. Sra. Presidente do Partido Trabalhista Brasileiro, Deputada Federal Cristiane Brasil; Exmo. Sr. Ministro do Trabalho e Emprego Manoel Dias; Exmo. Sr. Presidente do Instituto João Goulart, João Vicente Goulart; senhores representantes de delegações estrangeiras que nos honram com suas presenças neste ato; Sr. Rodrigo Costa e Lima, representante da Central Única dos Trabalhadores e Secretário-Geral da CUT/Brasília; prezado autor da trilogia A Era Vargas, José Augusto Ribeiro; prezado autor do livro João Goulart, o Tabu da Ditadura, Chico Castro; Sras. e Srs. Senadores, senhoras e senhores convidados, gostaria inicialmente de parabenizar os Senadores Elmano Férrer e Telmário Mota e o Deputado Paes Landim pela iniciativa desta Sessão Solene, e também agradecer ao Presidente do Congresso Nacional, Senador Renan Calheiros, a acolhida do requerimento.

    Eu já havia apresentado no ano passado requerimento no mesmo sentido, na oportunidade da passagem dos 60 anos da morte de Getúlio Vargas. Porém, dado o recesso parlamentar, estendido em função das eleições de 2014, ficamos sem data oportuna para marcar a sessão. Assim, congratulo-me mais uma vez com S.Exas. por viabilizarem na data de hoje esta importantíssima homenagem.

    Getúlio Dornelles Vargas ofereceu-nos sua morte há 61 anos, registro de ontem, dia 24 de agosto de 2015. Não chamo aqui a atenção para o quanto puderam, e o quanto ainda podem, infelizmente, as forças e os interesses coordenados contra o povo. Deixemos de lado o poder do ódio, da infâmia e das calúnias que se desencadearam sobre Getúlio. E desprezemos as aves de rapina que encontraram eco em meios de comuni- cação comprometidos com a contrafação e a soldo de golpistas. A verdade e a justiça, Sr. Presidente Telmário Mota, senhoras e senhores, terminam por se impor, ontem como hoje. A melhor forma de celebrar a vitória de Getúlio Vargas, de homenagear sua luta contra a espoliação do Brasil e contra a espoliação do povo, de relembrar sua dedicação e seu sacrifício, será recordar o seu legado, e no caso de Getúlio o legado é toda uma Nação.

    Mas não falemos aqui, Sr. Presidente, das conquistas no campo econômico. Não citemos o investimento em infraestrutura. Não mencionemos a criação da coluna vertebral que orientará o desenvolvimento e o fortalecimento da indústria brasileira. Esqueçamos por um momento a Companhia Vale do Rio Doce, a Companhia Nacional de Álcalis, a Fábrica Nacional de Motores, a Companhia Hidroelétrica do São Francisco, a Companhia Siderúrgica Nacional, a ELETROBRAS, a PETROBRAS. Também não falemos da defesa da soberania nacional e da modernização do Estado brasileiro. Não celebremos a OAB, a reforma educacional, o Departamento dos Correios e Telégrafos, o IBGE, o BNDES.

    Permita-me concentrar-me, Sr. Presidente, nesta homenagem que aqui presto a um dos maiores Presidentes da História do Brasil, se não o maior deles, no herói inscrito no panteão da Pátria e da liberdade, no lí- der político e fundador do Partido Trabalhista Brasileiro, cujos quadros tenho a honra de compor. Permita-me, Sr. Presidente, concentrar-me na conquista dos direitos sociais dos trabalhadores. Trata-se do bem maior que Getúlio nos legou. Falo da jornada diária, aqui já citada pelos oradores que me antecederam, de 8 horas. Falo do salário mínimo e da carteira de trabalho, do direito a férias anuais e ao descanso semanal remunerado, do direito à previdência social, da proteção ao menor, à maternidade e ao trabalho da mulher.

    Falo da regulamentação da higiene e da segurança no ambiente do trabalho, do aviso prévio e das indenizações devidas ao trabalhador dispensado sem justa causa, do direito à sindicalização, da Justiça do Trabalho.

Falo, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, da dignidade do trabalhador brasileiro.

    Não são poucos os que hoje se insurgem contra as garantias reunidas na Consolidação das Leis Trabalhistas, a CLT, inúmeros são os que atribuem às conquistas trabalhistas da Era Vargas a responsabilidade pelos entraves que impediriam o pleno desenvolvimento do País. Acreditam que a desregulamentação, a precarização, o aviltamento dos direitos sociais dos trabalhadores é condição necessária para alavancar a competitividade do Brasil no mercado internacional.

Mas não, Sr. Presidente. Não!

Iludem-se os que dizem que é possível construir uma sociedade justa sem justiça social.

    Enganam-se os que dizem que é possível construir uma sociedade próspera sem um mercado interno forte e amplo, formado por trabalhadores que possam ser também consumidores plenos.

    Erram os que dizem que o preço da grandeza do Brasil é a dignidade de seus trabalhadores. Não é, Sr. Presidente. Não é. Não pode ser!

    E nada mais elucidativo a esse respeito do que recuperar a trajetória dos primeiros anos do Governo pro- visório que se segue à Revolução de 1930. É ali que reconhecemos a força e a importância de Getúlio Vargas.

    Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, autoridades aqui presentes, o Brasil da República Velha era ainda uma Nação rural, exportadora de matéria prima e importadora de produtos manufaturados, em que prevalecia a arraigada cultura anti-industrialista a nos convencer de que não éramos capazes de acompanhar os passos da Revolução Industrial e de que deveríamos contentar-nos com a economia agroexportadora de café, que nos conferia destaque na periferia do capitalismo mundial.

    Esse cenário começa a ser alterado durante a Primeira Guerra Mundial, que nos impõe um processo de industrialização às pressas, essencial para arrostar o declínio do comércio internacional e a consequente necessidade de substituição das importações.

    Com o aumento das atividades industriais, aumenta também o contingente de trabalhadores organizados, e nasce o movimento operário, que retira a sua força das péssimas condições de vida e de trabalho a que estava então submetido o proletariado urbano. Os trabalhadores, mulheres e crianças aí incluídas, eram obrigados a jornadas intermináveis de trabalho árduo sem intervalos, férias ou descanso semanal, sem remuneração digna, em ambientes insalubres e sem proteção de qualquer espécie.

    As condições de vida eram tão tuins que a própria Primeira República assistiu a várias tentativas de se formular um código do trabalho, frustradas todas pela avidez dos lucros exorbitantes. A primeira Lei de Acidentes de Trabalho é de 1919; a das caixas de aposentadorias e pensões, de 1923; a primeira lei de férias, de 15 dias, é de 1925; e o Código de Menores, que procurava proibir que crianças fossem submetidas ao regime das fábricas, é de 1927.

    No entanto, apesar de aprovadas e até mesmo regulamentadas, as leis trabalhistas não eram cumpridas. A política trabalhista estava subordinada ao Ministério da Agricultura, e a estrutura fiscalizatória era absolutamente nula. Sob o argumento das dificuldades por que passavam a indústria e o comércio, os empresários declaravam as leis impróprias e inaplicáveis e simplesmente as ignoravam.

    As consequências, porém, estavam nas ruas: mobilizações e greves marcaram as décadas de 1910 e 1920, e o operariado urbano começou a flertar com as alternativas revolucionárias da época. Não havia paz social na República, que desaparecia. Arthur Bernardes governou em estado de sítio permanente. Washington Luís tratou as questões sociais como caso de polícia.

    O cisma que dá origem à Revolução de 30 não está apenas no interior das oligarquias, Sr. Presidente. O Brasil, dos tenentes ao proletariado urbano, do Rio Grande do Sul à Paraíba, estava conflagrado. Aquela Re- pública em que o voto não era secreto, em que as mulheres não votavam, em que as fraudes eleitorais eram regra, em que os oligarcas do café se revezavam no poder, em que o trabalhador não era respeitado, em que os movimentos sociais eram criminalizados, não era uma República de todos.

    O programa da Aliança Liberal, redigido por meu avô Lindolfo Collor, que lançava o nome do então Presidente do Estado do Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas, contra o continuísmo da política do café com leite de Júlio Prestes, propunha uma reforma política que nos expusesse à “verdade eleitoral” do voto secreto, livre do cabresto dos coronéis, defendia a importância da industrialização no desenvolvimento econômico do País e relacionava inúmeras medidas de proteção aos trabalhadores, como a extensão do direito à aposentadoria, a regulamentação do trabalho do menor e das mulheres e a aplicação da Lei de Férias.

    O programa da Aliança Liberal rompia com uma política de controle da classe operária fundada exclusivamente em mecanismos repressivos, e tornava clara a necessidade de se ampliar e de se fazer cumprir a legislação social.

    E a verdade é que, com a vitória da Revolução, atenuaram-se, sob a arbitragem do Estado, os conflitos destrutivos entre capital e trabalho, promoveu-se a colaboração de classes, a conciliação entre um capitalismo de primeira hora, que acreditava que o mercado pudesse ser regulado apenas pela mão invisível da oferta e da procura, e um trabalhismo incendiário que pretendia substituir a ditadura da burguesia pela do proletariado. Entre os radicalismos de parte a parte, entre os interesses patronais e os do operariado, os aliancistas souberam formular e implementar as escolhas de que o Brasil precisava para crescer com harmonia social.

    E foi criado então por Getúlio Vargas o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, o Ministério chamado por Getúlio Vargas de Ministério da Revolução, que teve Lindolfo Collor como principal idealizador e primeiro titular.

    O Ministério do Trabalho promoveu uma mudança de paradigma que possibilitou ao Brasil construir uma nova ordem social, com maior valorização do trabalhador e estabilidade para o empresariado. Lindolfo Collor, em seu discurso de posse, definiu a criação do Ministério do Trabalho como um desafio que se traduzia na descoberta da correlação entre a justiça social e o desenvolvimento econômico, porque, disse ele, “O Brasil deve ser um ótimo mercado interno para o Brasil”.

    A partir de então, podemos assinalar um novo e definitivo posicionamento do Estado em face da questão social, em que as medidas regulatórias passam a ter real articulação em um corpo jurídico e efetivação no campo prático do processo de trabalho: aprova-se o decreto sobre a nacionalização do trabalho; regulamenta-

-se o horário de trabalho do comércio e da indústria; regulamenta-se o trabalho feminino; reforma-se o Código de Menores; decreta-se uma nova lei de férias; instituem-se as convenções coletivas do trabalho; estendem-se os benefícios da Previdência a inúmeras categorias profissionais; cria-se o salário mínimo; e para fiscalizar o cumprimento da legislação, institui-se a carteira profissional obrigatória.

    Os sindicatos, incorporados ao Estado, passam a servir de anteparo dos conflitos trabalhistas, e criam-se comissões permanentes e mistas de conciliação entre empregados e empregadores, o que viria a ser o embrião da Justiça do Trabalho, criada em 1934. Enfim, reconhecem-se como legítimas as reivindicações históricas do movimento sindical anterior à década de 30, e lançam-se as bases da legislação trabalhista, sindical e previdenciária, que posteriormente seria agrupada na Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, de 1943.

    Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, senhoras e senhores que estão aqui dando-nos a honra de suas presenças, há os que reduzem a imagem de Getúlio Vargas ao seu carisma, os que acreditam que seu apoio político junto às massas populares foi derivado de manipulação simbólica, forjada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda, que Getúlio foi um líder populista que adotou medidas paternalistas e demagógicas que comprometeram o desenvolvimento do Brasil.

    Essa abordagem é duplamente simplificadora, não só porque subestima a capacidade de crítica e discernimento da população brasileira, mas porque obscurece a importância política das lutas dos trabalhadores e a legitimidade da resposta dada às reivindicações apresentadas pelo movimento operário.

    Também ignora que a criação de canais competentes para que o trabalhador possa exprimir suas de- mandas sem precisar recorrer a práticas ou a lideranças perturbadoras da ordem político-social, como gostavam de dizer naquela época, não pode ser considerada mera política beneficente que contraria iniciativas econômicas do patronato.

    Trata-se de proteção ao tipo de sociedade pluralista com que sonhamos todos, fundada na coexistência harmônica das classes, num regime de cooperação mútua, sob a supervisão estatal, e devemos tudo isso a Getúlio Vargas.

    Nos 61 anos de sua trágica morte, quando a flexibilização dos direitos trabalhistas ressurge como pana- ceia para a inserção do Brasil no cenário internacional, o sacrifício de Getúlio mantém-nos unidos. E seu nome é ainda a bandeira de luta dos trabalhistas brasileiros, porque Getúlio nos lembra, pela força de sua presença, pela natureza de suas escolhas, pelo exemplo de seu desprendimento, que não há nação sem desenvolvimento, que não há desenvolvimento sem trabalho, que não há trabalho sem justiça social.

    Que Getúlio Vargas esteja sempre conosco. Que cada gota de seu inaudito esforço mantenha viva em nós a vibração sagrada para a resistência contra os que pretendem sufocar nossa voz e impedir nossa ação. Que sua memória nos dê a força e a coragem de que precisamos para continuar a defender, como ele o fez, mês a mês, dia a dia, hora a hora, que o povo seja independente, que o trabalhador seja livre, que os humildes de quem Getúlio foi escravo não voltem a ser escravos de ninguém, nunca mais.

Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DCN de 26/08/2015 - Página 11