Discurso durante a 18ª Sessão Solene, no Congresso Nacional

Sessão solene destinada a reverenciar o transcurso dos 61 anos da morte de Getúlio Vargas.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Congresso Nacional
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Sessão solene destinada a reverenciar o transcurso dos 61 anos da morte de Getúlio Vargas.
Publicação
Publicação no DCN de 26/08/2015 - Página 20
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, GETULIO VARGAS, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ELOGIO, VIDA PUBLICA.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, eu cumprimento toda a Mesa.

    Diante do adiantado da hora, eu quero ir direto a algo que me lembra do que nós estamos aqui para fazer, palavra que o Senador Telmário Mota usou: herança, legado.

    A maior obrigação de um herdeiro é zelar pela herança recebida, aumentá-la, melhorá-la; jamais degradá-la, diminuí-la. Nós aqui somos herdeiros de Getúlio, de Jango, de Brizola. Temos que zelar por essa herança, temos que aumentá-la, temos que melhorá-la. Não existe proposta melhor para um projeto para o Brasil do que aquilo que está ali nas raízes do pensamento trabalhista. E nada das propostas atuais é mais contemporânea do que aquelas ideias. Por isso, temos que melhorar, temos que ampliar esse legado.

    Melhorar e ampliar significa adaptar, ajustar aos tempos de hoje. Setenta anos depois, é claro que as mudanças que aconteceram no mundo exigem mudanças em todas as regras sociais. Não havia robótica, não havia Internet, não havia globalização. Cada país era fechado. O operário não era operador, usando o terminal de um computador, precisando falar a linguagem das máquinas, bastava ter as mãos -- daí mão de obra -- para trabalhar a máquina. Hoje precisa ter um cérebro para apertar botões, sem nem chegar perto da máquina.

    Isso é absolutamente novo em relação àquilo. Por isso, temos que adaptar, mas sem transigirmos princípios éticos, que significa a ideia de que o centro, a razão de ser do processo social e econômico é o trabalhador.

    Os direitos fundamentais são aqueles do trabalhador. O objetivo central é a qualidade de vida do trabalhador, sua consciência, sua formação. Esses são os princípios que nós não podemos transigir. Mas, ao lado disso, temos a obrigação de ir ajustando para melhorar a herança.

    Aqui está o nosso amigo Rafael, representante de Cuba, que não transige nos princípios, mas está se adaptando às realidades do mundo de hoje, porque houve uma globalização, que ninguém pode impedir nem ignorar.

    Nem a Europa pode ignorar a globalização, impedindo que lá entrem os africanos, porque eles vão entrar, a não ser que a Europa adote a África e diga: “Vocês fazem parte do nosso mundo, não precisam vir para cá”. Senão, eles vão ter que abrir mão e rasgar os seus princípios éticos e começar a tratar os africanos como não semelhantes, assassinando-os nessa Cortina de Ouro que é o Mediterrâneo de hoje. Nesses 7 meses, morreram 2 mil africanos e sírios tentando atravessar a Cortina de Ouro, que é o Mediterrâneo. Durante 30 anos da Cortina de Ferro, morreram 300.

    É preciso se adaptar à realidade. Nós temos que nos adaptar para melhorar, zelando pela herança que nos foi dada por Getúlio, por Jango, por Darcy Ribeiro, por Pasqualini, por Brizola. Nós temos que nos adaptar, percebendo que o mundo de hoje exige do trabalhador algo mais do que naquele tempo. Então, é adaptar para avançar, não para recuar. E a base central é uma mudança que houve no mundo que só eles -- não sei como -- perceberam, então.

    O capital é o conhecimento. O socialismo, na sua forma tradicional, via o capital, isso é claro que estava correto na ótica do século XIX e grande parte do século XX, eram as máquinas. Hoje é o conhecimento. E o que Brizola disse durante o seu tempo? “Educação é o caminho do progresso”, rompendo com a visão tradicional do socialismo clássico, um socialismo que Darcy chamava de moreno, mas que não era só moreno, era contemporâneo, era avançado, estava à frente de sua época. Capital é o conhecimento. E o conhecimento chega pela escola. E a estatização que se defendia do capital máquina não é necessária se fizermos a distribuição do capital conhecimento. Quer coisa mais contemporânea do que essa? Não precisamos estatizar, até porque não se consegue o conhecimento, mas precisamos fazer com que todos tenham acesso ao mesmo conhecimento. Uns podem até ter mais, outros menos, mas por talento, por vocação, por persistência, não por herança, não porque comprou o capital, mas porque o adquiriu estudando na escola, nos trabalhos, que inclusive são uma forma de educação.

    Por isso, com esse aprimoramento do trabalhismo, seguindo o que Darcy ensinava e Brizola seguia, o socialismo hoje é ter o filho do trabalhador na mesma escola do filho do patrão, e o resto eles farão. Com o filho do trabalhador na mesma escola do filho do patrão, estaremos distribuindo capital e conhecimento. Se depois a máquina vai ter um dono, isso não é o fundamental, desde que o operador tenha tido a mesma chance de chegar ali, adquirindo o conhecimento necessário. Isso que faz o trabalhismo atual, isso que o faz moderno, isso faz com que nós possamos construir um projeto de Brasil, mesmo levando em conta que hoje não dá mais para fechar este País, como acontecia nos anos 30, nos anos 50. Hoje, estamos abertos, não tem jeito mais, levando em conta a volatilidade que existe do capital, não há como frear totalmente, no mundo da Internet, a não ser isolando o País, o que não dá certo.

    Hoje, tem que se levar em conta, sim, uma coisa chamada responsabilidade fiscal. Daquela época para cá, nós vimos que não há nenhuma doença social pior, salvo a má educação, do que a inflação. A inflação é um veneno da sociedade e que pesa, sobretudo, para os trabalhadores.

    Por isso, a estabilidade monetária é uma responsabilidade de qualquer trabalhista, a não ser que não zele pelo trabalhador, a não ser que rasgue os valores éticos fundamentais de dizer: “Trabalhador é centro da preocupação”. Não podemos depredar a moeda com a qual ele compra seu feijão, seu arroz. Essa moeda tem que ter até uma sacralidade, porque ela corresponde ao feijão que ele leva para casa.

    Nós temos que levar em conta que o avanço científico e tecnológico, através de diversos mecanismos, inclusive da robótica, fez com que o direito do trabalhador ao emprego exija a redução da jornada de trabalho e não necessariamente force um trabalhador a mais onde não é necessário.

    Agora, é preciso lembrar que a redução da jornada de trabalho só se faz viável e eficiente se os trabalha- dores tiverem condições de se substituir na linha de produção, o que exige uma educação igual para todos eles.

Um trabalhador educado e um não educado não se substituem mais. Então, a redução da jornada de

trabalho, quando não há possibilidade de substituição do trabalhador, porque eles não falam a mesma língua, não conhecem as mesmas necessidades técnicas, é apenas uma maneira de aumentar o salário através da hora extra, Senador Paes Landim. Trabalhava 8 horas, passa a trabalhar 4 horas e faz 4 horas extras. Isso não é redução da jornada; isso é manutenção da jornada pagando hora extra. A redução da jornada, quando um trabalhava 8 horas, outro trabalha 4 horas e outro trabalha 4 horas. Logo, eles se substituem. Para isso, tem de haver educação com a mesma qualidade, com o mesmo conteúdo.

    É isso que eu queria deixar hoje aqui como herdeiro, o qual eu me considero, sim, até porque -- como mandei uma nota hoje, porque não podia ir a uma homenagem na CDH -- eu nasci para a política no dia em que Getúlio morreu; ao ver a minha mãe chorando, como operária, diante da notícia da morte do Presidente.

     Eu não entendia o que era aquilo. Mas dois dias depois, na sala de jantar, havia a carta de Getúlio, havia a foto de Getúlio. Foi aí que eu nasci para a política, aos 10 anos de idade.

    Sou herdeiro disso, mas eu quero ser um herdeiro que zela pela herança, zela pela herança atualizando-a, melhorando-a e ampliando-a e não escondendo e dizendo que é puro na manutenção da herança que existia, porque ela se degrada. As leis, quando se mantêm da forma como foram feitas, ao longo do tempo, também sofrem uma inflação, também se degradam. O mundo muda tanto! Ou elas entendem isso, ou elas se degradam, ficam velhas, obsoletas. O herdeiro sério não pode deixar que as ideias que ele herdou fiquem obsoletas. Ele tem a obrigação de enfrentar tudo o que for preciso, fazendo-a avançar, fazendo-a melhorar.

    Eu quero, neste momento, como homenagem, dizer: eu quero ser um herdeiro que zela pela herança, melhorando-a, ampliando-a, fazendo-a mais útil, sem esquecer o que estava por trás dos objetivos: o centro do processo social é o trabalhador e seus filhos. Para isso, nós estamos aqui. E a maneira de lutar por isso, inclusive por seus filhos, que serão depois trabalhadores, é colocá-los na mesma escola que o filho do patrão.

    Este é o nosso desafio, este é o nosso lema: o filho do trabalhador na mesma escola do filho do patrão, como Darcy, de uma maneira ou outra, dizia. Getúlio talvez não dissesse daquela maneira, porque no seu tempo não havia tanta necessidade dessa educação igual, porque o capital era a máquina, o capital era as finanças, não era o conhecimento. Hoje o capital é o conhecimento, e o trabalhismo é levar o conhecimento para todos.

Esse é o nosso desafio. (Palmas.). 


Este texto não substitui o publicado no DCN de 26/08/2015 - Página 20