Fala da Presidência durante a 158ª Sessão Especial, no Senado Federal

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Fala da Presidência
Publicação
Publicação no DSF de 15/09/2015 - Página 16
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, AMAPA (AP), COMENTARIO, HISTORIA, REGISTRO, IMPORTANCIA, ENTE FEDERADO.

     O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Socialismo e Democracia/PSOL - AP) - O agradecimento é todo nosso, Prefeito José Maria Lobato. O Prefeito ficou bem na tribuna, como orador. Eu já queria chamá-lo de Senador - não demorará, não é, Prefeito? O Prefeito José Maria Lobato, neste ato, representou os prefeitos do Estado do Amapá.

     Antes de concluir esta sessão solene, mais uma vez, também agradeço a todos e, em especial, agradeço à Rádio Senado, à TV Senado, à Diário FM, que transmitiram e estão transmitindo esta sessão para todo o País e, em especial, para os quatro cantos do nosso querido Estado do Amapá.

     Eu queria proferir algumas palavras, dizendo o seguinte. Cumprimento o Senador Capiberibe, os colegas de Bancada, que também foram signatários desta sessão. Cumprimento e agradeço a presença aqui do Dr. Roberto da Silva Álvares, Procurador-Geral de Justiça, que, neste ato, representou o Estado do Amapá, sendo o

único titular de poder aqui presente. Cumprimento os meus queridos companheiros prefeitos: Alcimar Ney de Souza, Prefeito de Vitória do Jarí, mais conhecido como Prefeito Dielson; o Prefeito José Maria Lobato, Prefeito de Serra do Navio, que ainda há pouco se pronunciou.

     Agradeço a presença de todos, representantes da comunidade amapaense aqui em Brasília, aqui presentes, meu querido Comandante Rui, ilustre amapaense, que tanto nos orgulha e que há tempos está radicado aqui em Brasília, e - permita-me assim tratá-los - os filhos do Janary aqui presentes, Guaracá e Janary Nunes.

     O nome Amapá tem a denominação indígena “onde a terra acaba”. Essa definição faz todo o sentido, porque principalmente quem desce pelo Oiapoque percebe e encontra o estuário do grande mar de água doce, de Vicente Yáñez Pizón, encontra o sentido com que os primeiros habitantes do Amapá denominaram essa terra. É também do tupi-guarani que denominam o Amapá de “lugar da chuva”. Talvez essa visão tenha também mais sentido porque é a perspectiva que têm aqueles que lá habitam, principalmente entre os meses de janeiro e julho, quando, na região amapaense, na floresta amapaense, se tem um dos maiores índices pluviométricos da América e do mundo.

     O Amapá é pleno pelas suas riquezas naturais. O rio-mar perde a velocidade, mas aumenta o seu volume ao se aproximar do Atlântico. De repente começam a se misturar, no estuário amazônida, milhares de ilhas, que vão crescendo e que não têm data definitiva para aparecer ou para sucumbir. Como diziam os indígenas, a terra acaba, às vezes se pensa que o mar começa, às vezes se tem a compreensão de que o rio-mar continua.

     O Amapá de enormes belezas naturais, de domínios geográficos, é o Amapá que nós compreendemos e de que temos convicção de que é um dos mais belos, senão o mais belo dos mais belos Estados brasileiros.

     São imensos os vales depois do Jari, são imensos os vales que vêm do Cajari, Maracá, Preto, a região do Cerrado

de Macapá, que formam grandes baixadas, sobrevoadas por nuvens de garças, jaçanãs, patos, marrecos e todos e tantos pássaros amazônidas.

     É aí, nos confins, que a natureza muda, dos campos amazônidas começa a selva virgem, compacta, impenetrável, subindo os primeiros elevados e sem limites visíveis, ela se estende até o Tumucumaque.

     De um momento para outro, a planície dá lugar ao platô montanhoso das Guianas. É nesse território dos Campos do Aporema, dos Campos do Pracuúba, essa região de cinco domínios geográficos independentes - nenhuma outra região da imensa e vasta Floresta Amazônica tem tantas regiões -, que um povo forjou a sua história, um povo que não começa, como já foi dito pelo Senador Capiberibe, somente com a ocupação dos aventureiros europeus, portugueses - e não foram somente portugueses, lá se seguiram franceses, holandeses e ingleses.

     Um povo que começa a ocupação desde cinco mil anos, pelo menos, antes de Cristo, um povo que é herdeiro da civilização maracá, da civilização maracá-cunani, um povo que é herdeiro dos tucujus. Esse povo forjou um Estado que é o único do Brasil que se tornou brasileiro pela vontade de ser brasileiro.

     Foi ao longo do tempo, ao longo da formação do Estado nacional, dos últimos três séculos que brasileiros lá forjaram uma terra misturada, de um povo étnico diferenciado pela sua belíssima mistura étnica; foi esse povo que não aceitou a ocupação inglesa no século XVII, não aceitou a incursão dos holandeses, não aceitou a tentativa francesa de ocupar esse território. A área esquerda do Rio Amazonas era, até o século XVI, uma terra deserta, até mesmo de população nativa, poucas tribos ali habitavam.

     Foi a incursão de Vicente Yáñez Pinzón e é devido a Pinzón que recebemos os primeiros nomes europeus aos lugares. Nunca é demais lembrar, antes disso, e muito antes também da denominação das árvores, os povos tucujus, tupis, o uaiampis e outros, já denominavam a região de Iamapaba, como já foi dito, “lugar onde a terra acaba” ou, em outro dialeto indígena, “lugar da chuva”.

     Pinzón deu os primeiros nomes europeus; conheceu a Ilha de Marajó, o arquipélago de Marajó, tão paraense quanto amapaense - aliás, é de lá que vem boa parte dos nossos amapaenses. Aqui, ao meu lado, está um, o Senador João Capiberibe -, e denominou essa ilha de Marinatãbalo; assinalou um cabo que chamou, então, de São Vicente, e que, depois, veio a ser confirmado como Cabo Orange; impressionou-se com o Amazonas, e, ao adentrá-lo, pensava que era continuidade do mar; espantou-se em ver que o mar tinha se tornado doce e em saber que um rio tão poderoso, capaz de adocicar o mar, deveria vir de muitas terras de trás dos montes, e

denominou o Amazonas de Santa María de La Mar Dulce.

     A região para o norte, onde se encontram os campos e as várzeas amapaenses, denominou Pinzón de costas anegadas ou terras afogadas. Descobriu o Rio Oiapoque, que recebeu, primeiro, seu nome, Rio de Vicente Pinzón. Esta região, nos séculos seguintes, foi visitada por navegantes, corsários, aventureiros e piratas de varias nacionalidades. O desejo de sempre colonizá-la aflorou. Richelieu, francês, criou, em 1633, uma empresa denominada Companhia do Cabo Norte para explorar a região até o Rio Orinoco, na Venezuela. Mas assinalada ficou a missão de Orellana, descendo de Quito e descobrindo o Amazonas, naquele tempo, em geral, denominado de Rio Marañón.

     Mais adiante, um nobre francês chamado Daniel de La Touche, o Senhor de La Ravardière, que, partindo de Cancale, na Bretanha, navega por diferentes mares e ancora no Cabo Caciporé, visita a “terra de Yapoco”, corre a costa do hoje Amapá, chega à foz do Rio Caiena e volta à França, levando, de nossas terras uma liderança

nativa denominada de Itapucu, que, depois o acompanha em várias outras viagens. Com ele veio Jean Mocquet, chefe do Gabinete de Singularidades de Henrique IV.

     Nossa terra foi cobiçada por portugueses e espanhóis, e sempre tentada pelos franceses a sua ocupação.

     Ingleses por lá passaram por ordem diretamente do rei inglês James I. O mais importante dos ingleses que lá passou foi o Sr. Walter Ralegh, que estava convencido que ali era o tão famoso Eldorado que até o Duque de Buckingham tinha proclamado.

     É em 1637 que começa verdadeiramente a colonização europeia do Amapá com a concessão da então Capitania do Cabo Norte, nosso primeiro nome europeu, por Filipe IV de Espanha e Filipe III de Portugal. A capitania é entregue a Bento Maciel Parente, Governador do Maranhão e Grão-Pará. As terras do Amapá, são, pela primeira vez, delimitadas; nossos limites vão do Rio Oiapoque, ou Rio de Vicente Pinzón, ao rio Paru, passando pelo Jari. Como desde 1580 os reinos de Portugal e da Espanha estavam unidos, a questão de limite não havia, e os limites no Tratado de Tordesilhas não eram apresentados.

     Pedro Teixeira, quando volta de sua descoberta do Amazonas, traz uma das mais belas definições sobre as nossas terras. Diz Pedro Teixeira:

As terras da Capitania do Cabo do Norte, além de serem elas sós maiores que toda a Espanha junta, e haver nelas muitas notícias de minas, têm pela maior parte o solo mais fértil e para dar maiores proveitos e melhores frutos do que quantas há em [...] [todas essas terras do] Amazonas.

     Tem sentido profético a expressão de Pedro Teixeira sobre a denominação do Amapá. Os séculos se seguiram, e é indispensável não falar do papel de Marquês de Pombal, que, através do seu meio-irmão, o Governador Mendonça Furtado, fez construir um forte na Vila de São José de Macapá. Deu a essa fortaleza, a maior de toda a história do império colonial português no mundo, a denominação de Fortaleza de São José de Macapá.

     Fixou aí as primeiras famílias açorianas, completou o nosso processo de miscigenação. Nós passamos a ser o legado dos povos maracás, cunanis, tucujus, do negro africano que foi trazido para a nossa região e forjou nosso povo na construção da Fortaleza de São José, na criação das Vilas de Mazagão, Vistosa da Madre de Deus e São José de Macapá, na ocupação da mão de obra, misturado também com as famílias açorianas portuguesas.

     Por isso, falamos com muito orgulho: de todo o misturado povo brasileiro, somos o mais misturado e temos orgulho dessa mistura. É essa mistura que nos forma; é a força da nossa negritude, é a identidade guerreira dos ancestrais indígenas e é a mistura com o branco açoriano português que fundou o povo.

     É um povo que passou o século XIX em estado permanente de dúvida. Pela pressão de Napoleão, em 1815, o próprio Brasil, ao surgir em 1822, não assume o Amapá definitivamente como Amapá. Os limites entre o Rio Araguari e o Rio Oiapoque - ou o Rio de Vicente Yáñez Pinzón - são, durante todo o século XIX, denominados pelo próprio Brasil como território contestado - com a França. Os franceses lá tentaram ocupar. Como já foi dito aqui pelo Senador Capiberibe, essa região se tornou brasileira pela insistência de ser brasileira.

     Há de ser feito aqui o registro da luta heroica e epopeica das famílias da Vila do Espírito Santo do Amapá, a nossa então capital, que ofereceram a vida em sacrifício, em 15 de maio de 1895, pela chacina de mais de 95 pessoas na Vila do Espírito Santo do Ampá e pelo combate com Cabralzinho. É a repercussão desse conflito que leva, em 1900, sobre o laudo arbitral suíço e sobre a atuação diplomática do Barão do Rio Branco, a se reconhecer a região entre o Rio Araguari e o Rio Vicente Yáñez Pinzón como território brasileiro.

     Mesmo com os amapaenses que lá estavam terem insistido em ser Brasil, o Estado brasileiro insistiu em me dar as costas ao Amapá. Por isso, é marco indelével de nossa formação o ano de 1943 e a data de 13 de setembro de 1943. É nessa data que, com a visão estratégica do Presidente Getúlio Vargas, é criado o então Território Federal do Amapá. É nessa data que, em ato contínuo, é nomeado para governar o Amapá o pai de vocês, Guairacá e Janary Nunes. O então Capitão Janary Gentil Nunes é uma figura indispensável para conhecer a história amapaense. Janary chega em 1943, altera a capital para a cidade de Macapá - e o faz, estrategicamente, pela localização geográfica da cidade -, urbaniza a cidade, que, na época, não tinha mais do que 2 mil almas lá vivendo, cria a infraestrutura, redescobre o sentido de amapalidade. Aliás, são de Janary várias obras que definem o que ele chama de caboclo amapaense, de caboclo amazônida.

     O Amapá se forma e se urbaniza nas décadas seguintes. A riqueza do manganês, que aqui já foi declamada pelo Prefeito Zé Maria Lobato, é indispensável para a nossa construção. É devido à riqueza do manganês, aos royalties de manganês - há também a colaboração e a atuação de Janary Nunes para que esses royalties fossem revertidos no Amapá - que é construída a Hidrelétrica de Coaracy Nunes, a chamada Hidrelétrica do Paredão, a primeira usina hidrelétrica do Amapá. É por isso que nós reclamamos muito bem, hoje, que, quando a nossa região se torna parque de várias outras hidrelétricas, há de se destacar que a primeira constituída foi a de Coaracy Nunes, a partir da riqueza da exploração do manganês, e que as hidrelétricas lá instaladas não podem ser meio somente de exploração e de exportação da nossa riqueza energética. Não é aceitável que nós possamos exportar energia para todo o Brasil, enquanto a nossa própria rede de energia elétrica encontra-se em dificuldades para atender aos próprios cidadãos amapaenses.

     Repito: nós, devido a essas lutas ao longo do tempo, forjamo-nos brasileiros. Temos orgulho de sermos brasileiros, temos orgulho da nossa fronteira com a França, mas, ao longo do tempo, também reclamamos do abandono do poder central em relação às necessidades que o Amapá tem. O abandono se expressa em diversas manifestações atuais: a ponte que deveria nos ligar com a Comunidade Europeia que não é inaugurada, as obras que não são acabadas por parte do Governo Federal, o não reconhecimento do papel estratégico que tem essa região para a Amazônia.

     O povo que vive nessa região à margem esquerda do Amazonas, atualmente com 745 mil habitantes, é resultado de uma formação diversa. Temos orgulho de, na maioria, sermos a síntese do Brasil. Mais de 70% da nossa população são de migrantes - na cidade de Santana, cidade portuária, esse número chega a 85%. Então, se existe um local que é bastante Brasil, é a nossa região, é o nosso Estado, é o nosso povo.

     Por isso, mais do que homenagearmos a nossa integração ao Território nacional, nós consideramos que é necessário o Território nacional e a Pátria reconhecerem a importância que tem o Amapá e as heroicas e epopeicas lutas que foram travadas pelo seu povo.

     Temos e tenho muita fé no Amapá e no seu destino. Tenho principalmente muita fé no legado que vem dos nossos pioneiros e ancestrais, de Janary, de Celso Salé, de Coaracy Nunes, de Julião Ramos, de Mãe Luzia e de tantos e tantos outros. Temos uma história a honrar. Temos um futuro que tem de estar à altura desses que fundaram este local, o melhor endereço do Planeta: esquina do rio mais belo com a linha do Equador. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/09/2015 - Página 16